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HOMILÉTICA E RETÓRICA HOMILÉTICA E RETÓRICA Jakson Hansen Marques HOMILÉTICA E RETÓRICA Homilética e Retórica Prof. Dr. Jakson Hansen Marques ] BOA VISTA 2021 HOMILÉTICA E RETÓRICA Homilética e Retórica FACETEN 1.ª Edição, 2021 Autoria: Prof. Dr. Jakson Hansen Marques Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil Av: Bandeirantes, 900, Pricumã 69309-100 Boa Vista/RR Tel: (95) 3625-5477 www.faceten.edu.br E-mail: isef.faceten@gmail.com ©Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem autorização por escrito da Faceten FICHA CATALOGRÁFICA CIP-Brasil. Catalogação na fonte Marques, Jakson Hansen Homilética e Retórica - Boa Vista: Editora FACETEN, 2020. P. 75. 1. Homilética 2. Homilética e Retórica 3. Prática Pastoral 4. Teologia I. Marques, Jakson Hansen. II. Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil. CDD - 251.01 http://www.faceten.edu.br/ mailto:isef.faceten@gmail.com HOMILÉTICA E RETÓRICA Sumário APRESENTAÇÃO.......................................................... 5 A HOMILÉTICA E A SUA IMPORTANCIA ..................... 6 O QUE É HOMILÉTICA? ............................................... 8 HOMILÉTICA: PREGAÇÃO E COMUNICAÇÃO ......... 12 A ARTE DE FALAR EM PÚBLICO .............................. 44 O PREGADOR: ............................................................ 46 O CONTEÚDO DA RETÓRICA E SUA POSIÇÃO ATUALMENTE ............................................................. 47 SOLA SCRIPTURA: A TRADIÇÃO PURITANA FRENTE A RETÓRICA REFORMADA ....................................... 48 ESTRUTURA DO SERMÃO......................................... 70 REFERÊNCIAS ............................................................ 73 HOMILÉTICA E RETÓRICA 5 APRESENTAÇÃO Prezado acadêmico iniciamos aqui nossa jornada de estudos tendo como foco a disciplina Homilética e Retórica. Neste período de aulas e de leitura do material didático, esperamos que você, que esta singrando estes mares do ensino superior, se sinta motivado a entender e praticar essa ciência tão importante em um mundo cada vez mais plural, com diferentes grupos e diferentes vozes. Estudar a homilética e a retórica, é estudar sobre e praticar a comunicação. Nesse interim portanto, Homilética é a disciplina teológica que estuda a ciência, a arte e a técnica de analisar, estruturar e entregar a mensagem do evangelho, tendo sua raiz etimológica em três conceitos gregos: Homilos, Homilia e Homileo. A homilética esta estritamente conectada a retórica, a oratória e a eloquência, conjunto de categorias que o bom orador deve ser apropriar para comunicar o seu discurso. Prezado aluno feitas as apresentações esperamos que você aproveite o material e tenha um bom período de estudos. Dr. Jakson Hansen Marques HOMILÉTICA E RETÓRICA 6 A HOMILÉTICA E A SUA IMPORTANCIA INTRODUÇÃO No sentido divino e humano, as palavras fazem milagres. Deus colocou na comunicação um poder quase infinito. As palavras têm o poder de produzir sentimentos, pensamentos e ações. Uma única palavra pode produzir amor ou ódio, alegria ou tristeza, motivação ou depressão, pensamentos positivos ou negativos. As palavras, portanto, são polivalentes, podendo ajudar ou atrapalhar. Podem encorajar, inspirar e tranquilizar, mas também podem decepcionar, desunir e oprimir. Foram as palavras que preservaram a verdade bíblica até os nossos dias, bem como preservaram a história da humanidade e as descobertas da ciência. Mas da mesma forma elas contribuíram para desencadear guerras, homicídios e torturas. Jesus por outro lado, estabeleceu o cristianismo e o evangelho com o uso do mesmo recurso: a palavra. 1. De onde vem a palavra Homilética? 2) O que significa? 3) Qual posição a pregação tem ocupado no ministério pastoral? HOMILÉTICA E RETÓRICA 7 Para tudo que compõe o universo existe uma ciência para estudá-la. A pregação cristã também tem uma ciência específica: A Homilética. Homilética é uma Ciência. Homilética é uma Arte. Homilética é uma Técnica. Homilética é Religiosa É Ciência quando considera o ponto de vista de seus fundamentos teóricos, históricos, psicológicos e sociais; É Arte quando considera os aspectos estéticos; o belo do conteúdo e da forma; É Técnica quando considera o modo especifico de sua execução ou ensino; É Religiosa quando considera a sua função espiritual, ou seja, adoração, poder, transformações, manifestações espirituais, etc. HOMILÉTICA E RETÓRICA 8 O QUE É HOMILÉTICA? Em teologia, Homilética (Grego Homiletikos, de homilos - montar em conjunto), é a aplicação dos princípios gerais da retórica para o fim específico da pregação pública.• Retórica – Significado a arte de bem falar, de valer-se da eloquência ou da argumentação clara para se comunicar. Conforme Mello (2009) pode-se encontrar várias definições do vocábulo homilética, entre estas definições pode- se destacar aquela que diz tratar-se de uma ciência que estabelece regras para a preparação do discurso. Utiliza para tanto dos princípios da oratória, arte de falar em público, da eloquência, aptidão para persuadir, e da retórica, estudo que permite desenvolver o talento natural da palavra. Estes são três elementos chave, que auxiliam na elaboração, exposição do sermão, clareza e concatenação de ideias. Na prática isso colabora para uma economia de tempo, evitando prolongar de forma desnecessária a mensagem. Quanto a origem da homilética, ela pode ser encontrada na Mesopotâmia há mais de 3.000 anos a.C., com a finalidade de auxiliar os sacerdotes no ato da prestação de contas dos recebimentos e gastos junto as corporações que pertenciam, bem HOMILÉTICA E RETÓRICA 9 como em suas prédicas em defesa da existência dos deuses de suas culturas. Também interessante perceber que entre os gregos, este termo homilética, ganhou o nome de retórica, carregando todas as características que consubstanciam o termo homilética. Posteriormente no Império Romano, foi dado o nome de oratória, e por fim no mundo religioso o nome de homilética. Assim a homilética cristã nasce de uma estruturação discursiva utilizando-se da retórica grega e da oratória romana. No seu início os cultos cristãos, tinham uma dinâmica bastante parecida as reuniões acontecidas na sinagoga judaica, limitando-se a leitura e interpretação do texto sagrado. Nesse ínterim o sermão tem como caractere básico ser narrativo. É a partir da reforma protestante de 1517, que os pregadores passam a dar mais atenção a arte e a técnica, para expor os textos bíblicos. O homilética traz vários benefícios, entre eles: ajuda a desenvolver o raciocínio lógico. Para realizar uma boa prédica, o pregador deve ter um bom conhecimento geral sobre variados assuntos. A homilética ajuda na expressão corporal, uma boa expressão corporal auxilia na comunicação da mensagem. Auxilia também na comunicação verbal e oral. Outro ponto positivo no uso e apropriação das ferramentas de uma boa homilética, que esta ajuda o pregador a HOMILÉTICA E RETÓRICA 10 desenvolver seu próprio estilo. É muito comum ver na televisão ou na internet pregadores que são meramente imitadores de pregadores famosos. Ao invés de buscar um estilo próprio, buscam imitar o pregador famoso, achando que assim conseguirão atingir mais pessoas, mimetizando alguém que ele admira. Isso o tornará meramente um imitador, sem personalidade. E por fim, uma boa homilética colabora e deve serconstituía a virtude peculiar de um bom intérprete. Visto que a tarefa quase única do intérprete é penetrar a fundo a mente do escritor a quem pretende interpretar, o mesmo erra seu alvo ou, no mínimo, ultrapassa seus limites, se leva seus leitores para além do significado original do autor. Nosso desejo, pois, é achar alguém, que não só se esforce por ser compreensível, mas que também não tente deter seus leitores com comentários demasiadamente prolixos. Calvino demonstra também sua preocupação em ser entendido. Para ele, a clareza, a brevidade e o sentido simples do texto são as condições básicas para a exegese. Calvino dava mais importância às interpretações claramente entendidas do que HOMILÉTICA E RETÓRICA 60 aquelas cuja engenhosidade prejudicasse a compreensão. Ao comentar textos bíblicos, ele analisa palavra por palavra, com excessivas digressões. Ele costumava seguir um padrão sequencial sistemático e mantinha uma mensagem direta, de modo que “não havia frases desperdiçadas” (LAWSON, 2002, p.98). Além disso, Calvino era extemporâneo em sua apresentação, sem esboços quando subia ao púlpito, reagindo às pregações sem espontaneidade, frias e sem energia. Sua pregação também era exegética em sua abordagem, isto é, era interpretada conforme o ambiente histórico específico, as línguas originais, as estruturas gramaticais e o contexto bíblico (LAWSON, 2002). Em nenhum momento Calvino se manifesta contra a eloquência. Para ele, não devemos desprezar nem as expressões simples da verdade, nem a oratória sofisticada, contanto que sejam inteligíveis e estejam a serviço do texto. Kennedy (1999) explica que o que Calvino condena é a retórica com um fim em si mesma, de modo que obscureça a simplicidade da mensagem bíblica, com um apego tolo ao estilo impactante. Para João Calvino, o ouvinte deve ser cativado pela mensagem em si e não por histórias longas, linguagem florida e gestos impressionantes. Calvino entendia que embora fosse tarefa de Deus converter os corações, o interlocutor deveria mediar uma facilitação em HOMILÉTICA E RETÓRICA 61 matéria de reflexão para que o discurso fosse apresentado de forma precisa, clara e direta, de modo a impactar a vida dos ouvintes. Nesse sentido, a pregação teria dois primeiros objetivos básicos, a saber, a Palavra e o ouvinte humano. Para que fossem alcançados, o pregador deveria dispor de uma eloquência espiritual que emanasse do amor pelo evangelho e pelas pessoas. Já no fim do século XVI, a influência calvinista havia ultrapassado as fronteiras de Genebra, percorrendo a França, Escócia, Inglaterra, Holanda, partes da Alemanha, Hungria e Polônia, assim como ecoou entre os peregrinos que fugiram para a Nova Inglaterra no século XVII (FERREIRA, 2014), o que faz de Calvino um precursor do movimento puritano. O MOVIMENTO PURITANO O Puritanismo é um tipo de mentalidade, de atitude. Trata-se essencialmente de um movimento em defesa da reforma eclesiástica, da renovação pastoral, do evangelismo, e do avivamento espiritual; como uma expressão direta de seu zelo pela honra de Deus (JONES,1993; PACKER,1996; RYKEN, 2013). Seu interesse principal era estabelecer uma Igreja pura, que abandonasse os vestígios restantes de cerimônia, ritual e hierarquia católicos, tornando-se uma Igreja verdadeiramente HOMILÉTICA E RETÓRICA 62 reformada, em que a doutrina das Sagradas Escrituras fosse central, enfatizando a doutrina da graça, que pode ser sintetizada da seguinte maneira: “Deus é a fonte de todo benefício humano e não se pode adquiri-la por mérito humano” (RYKEN, 2013, p. 79). É difícil estabelecer uma data para o início do movimento puritano, pois, por exemplo, como aponta Jones (1993, p.249), em 1524, Willian Tyndale já possuía essa mentalidade, tendo um ardente desejo de que o povo comum pudesse ler as Escrituras, e, contra o endosso e a sanção dos bispos, ele mesmo lançou uma tradução da Bíblia. Segundo Packer (1996), foi no século XVI que os protestantes evangélicos da Igreja da Inglaterra foram chamados de “Puritanos”, visto que queriam eliminar os resquícios das práticas católicas romanas que sobreviviam na Igreja da Inglaterra, isto é, a Igreja Anglicana que havia sido fundada por Henrique VIII e foi moldada por sua sucessora Elizabeth I, Jaime I e seus conselheiros. Naquela época, o termo “puritano” tinha uma conotação satírica e ofensiva, proveniente do descontentamento motivado pela religião elisabetana. Independente do que viessem a pensar deles, o fato é que eram pessoas que queriam completar a Reforma, e consideravam que a melhor forma de se obter isso HOMILÉTICA E RETÓRICA 63 era através da pregação expositiva, em que todas as partes da Bíblia fossem entendidas e expostas numa pregação que falasse de forma direta ao coração. A esse respeito, Packer (1996, p.25) afirma: O alvo dos Puritanos era completar aquilo que fora iniciado pela Reforma inglesa: terminar de reformar a adoração anglicana, introduzir uma disciplina eclesiástica eficaz nas paróquias anglicanas, estabelecer a retidão nos campos político, doméstico e sócio-econômico, e converter todos os cidadãos ingleses a uma vigorosa fé evangélica. Por meio da pregação e do ensino do evangelho, bem como da santificação de todas as artes, ciências e habilidades, a Inglaterra teria de tornar-se uma terra de santos, um modelo e protótipo de piedade coletiva, e, como tal, um meio para toda a humanidade ser abençoada. Os Puritanos colocavam grande ênfase na aplicação da Palavra de Deus e acreditavam que a pregação era a principal função do pastor, de modo que esta ocupou lugar central nos cultos. (JONES,1993; PACKER,1996; RYKEN,2013). Seguindo a tradição dos apóstolos e de Calvino, eles acreditavam que quando um homem pregava, Cristo estava falando através dele. Pela pregação, a Palavra escrita se tornava a Palavra 380 viva de Deus. Deste modo, eles tinham desejo de falar a pessoas de todos os níveis, de forma objetiva e não HOMILÉTICA E RETÓRICA 64 rebuscada, para que esta fosse compreendida. Esse conceito era muito diferente daquele predominante na Igreja Anglicana, como aponta Jones (1993). Esta mantinha um estilo de pregação muito florida, sendo até mesmo ministrada em latim, ainda que para ouvintes sem nenhum grau de instrumentalidade na língua. Os puritanos usavam o método reformado de pregar, lançando mão de um tipo especial de estrutura, de esboço de sermão, que era estruturalmente diferente do que vemos nas homílias. Os sermões puritanos eram devotos em sua metodologia. Segundo Ryken (2013, p. 178), eles seguiam uma forma composta basicamente por três partes: 1- Interação com o sentido superficial do texto bíblico, 2- Dedução de princípios doutrinários e morais do texto, 3- Demonstração de como aqueles princípios podem ser aplicados na vida cristã diária. Nichols (2011, p.12) elucida: Começavam com um texto bíblico, normalmente apenas com um versículo ou uma pequena porção das Escrituras. Na maior parte das vezes, mas nem sempre, fazia-se uma breve exposição logo após a leitura do texto. Em seguida, vinha a doutrina, que era apresentada por meio de uma única sentença e depois desenvolvida em muitos parágrafos com esboços detalhados. Como explica Ferreira (2009), no contexto primitivo, destacavam-se dois tipos de sermão. Um relacionado HOMILÉTICA E RETÓRICA 65 à forma antiga, que recebe este nome por ter surgido com os primeiros pregadores da Antiguidade, como João Crisóstomo e Agostinho. Este método, não seguia nenhuma estrutura organizada, seguindo a ordem do texto, com exegese e aplicação. A outra forma era um estilo de pregação desenvolvido com base na oratória ciceroniana, repleta de adendos ornamentais, que demandava uma vasta cultura filosófica, oratória, poética ehistórica, além do exercício e a imitação dos melhores autores, das suas sentenças e de seu conteúdo moral, como presente nas homilias anglicanas. Lopes (2004) comenta que uma das queixas dos puritanos era que, embora a Igreja Anglicana dispusesse de muitos oradores eloquentes, nenhum deles poderia ser considerado um pregador, pois a despeito de suas habilidades discursivas, negligenciavam o conteúdo da Escrituras. Deste modo, por valorizarem mais a disseminação do próprio texto do que os floreados do discurso, os puritanos tomaram forma de pregação, eliminaram toda sua ornamentação, passando a lançar mão do tipo de sermão clássico, muito próximo ao sermão que encontramos nos livros de homilética, com introdução, divisão do texto, pregação de pontos em sucessão e a conclusão (RYKEN,2013). Para os HOMILÉTICA E RETÓRICA 66 reformadores a homilética, a arte de pregar, deveria estar atrelada a retórica e dialética, mas não baseada nestas. Em 1592 foi publicado o primeiro manual de homilética para pregadores da Inglaterra, escrito por William Perkins (1558-1602), intitulado A Arte de Profetizar, em que a palavra “profetizar” tem o sentido de pregar. Perkins defendeu que existem quatro princípios que devem reger o pregador:1- Ler o texto claramente nas Escrituras canônicas; 2- Explicar o seu sentido, depois de lido, de acordo com as Escrituras; 3- Reunir alguns pontos de doutrina proveitosos, extraídos do sentido natural da passagem; 4- Aplicar as doutrinas explicadas à vida e prática da congregação em palavras simples e diretas. Na qualidade de retórico, expositor, teólogo e pastor, Perkins tornou-se uma figura proeminente do movimento puritano. Por ocasião de sua morte, os seus escritos vendiam mais que os de João Calvino e Teodoro de Beza juntos, além de também ter sido um influenciador entre as igrejas nas colônias americanas, incluindo o pensamento de Jonathan Edwards. Segundo Porter (1958, p.260), ele “moldou a piedade de toda uma nação”. Gomes (2009, p.23) comenta que o sermão atingiu o ápice de sua popularidade durante o movimento chamado de Great Awakening (Grande Despertar): Fenômeno sociorreligioso em reação por parte de pastores e homens HOMILÉTICA E RETÓRICA 67 religiosos ao formalismo a que o puritanismo estava sendo submetido, com seus principais ideais sendo esquecidos ou adquirindo pouca importância. Nessa mesma época, o racionalismo iluminista e sua versão religiosa, o deísmo, ameaçavam diretamente não somente as convicções evangélicas e reformadas dos puritanos, mas também os próprios fundamentos do cristianismo histórico. Ruland e Bradbury (1991, p.37234) esclarecem O século XVIII foi um período de grande mudança nos ideais norte-americanos, e essa mudança não alterou de modo significativo os impulsos milenares tão profundamente associados ao Continente americano e à colonização dos Estados Unidos, mas foram remodelados em resposta às questões intelectuais e científicas da Era da Razão. Nos Estados Unidos, como também em outros lugares, o mundo da Reforma de Aristóteles e Ramus deu lugar ao mundo do Iluminismo construído por Newton e Locke; a Filosofia, em vez de teologia rígida, transformou-se em ciência natural; os valores do Deísmo e do naturalismo moral, bem como o liberalismo e o progresso, pouco a pouco se tornaram caminhos adequados para a interpretação da experiência Norte-americana. Em meio a esse cenário, surgiu Jonathan Edwards (1703- 1758) na Nova Inglaterra, figura cujo discurso pretendemos HOMILÉTICA E RETÓRICA 68 analisar em trabalhos posteriores, haja vista a posição de destaque que Edwards recebe enquanto orador no cenário americano. Pregador, pastor, teólogo, escritor, acadêmico, metafísico e líder avivalista, ele era portador de uma mente privilegiada que se desenvolveu para ser uma das figuras mais influentes na cultura de língua inglesa colonial dos anos de 1.700. Um dos mais exímios oradores da América, o objetivo da retórica, se ele tivesse se utilizado deste termo, seria o de discorrer e explicar a respeito da possibilidade de comunicação entre Deus e o homem. Assim, de um modo puramente retórico é que se fundamentava a sua compreensão acerca do mundo, a partir do principal meio de comunicação entre o Criador e a humanidade, a saber, as Escrituras, interpretadas à luz do princípio hermenêutico fundamental da Reforma Protestante: o Sola Scriptura. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este trabalho foi possível estabelecer algumas conexões entre a Reforma Protestante e sua reverberação retórica em alguns pontos da história. Isso se deu a partir de um estudo sobre as contribuições de Martinho Lutero e, posteriormente João Calvino, nomes de maior influência para o movimento reformista desde o século XVI até hoje. Estes, HOMILÉTICA E RETÓRICA 69 legaram a história os princípios de interpretação e exegese do texto bíblico que passaram a nortear os sermões protestantes. No campo hermenêutico, ambos demonstraram a importância da busca do sentido pleno do texto bíblico, sem a necessidade de interpretações alegóricas, e, ao mesmo tempo, sem implicar em interpretações literalistas. Tal interpretação compreendia o escopo, o contexto e a abrangência do texto, a intencionalidade do autor e a mensagem completa da Escritura. No que se refere especificamente a Calvino, a sua forma de exposição, que rejeitava uma retórica meramente ornamental em favor de uma retórica com consistência intelectual, foi um dos seus principais legados. Esta forma influenciou o movimento puritano e seus mestres a manterem uma exposição regular de textos bíblicos inteiros, com uma exploração bem articulada dos mesmos. A partir disso, anos depois, William Perkins, depreendendo sentido da influência reformada no âmbito retórico e hermenêutico, lançou o primeiro manual de homilética sistematizado da época. Todo esse arcabouço atravessou os séculos até chegar em Jonathan Edwards, na Nova Inglaterra, na era da razão. Para Edwards, o que determina a finalidade do discurso são as suas origens e os seus fundamentos. Em seu ponto de vista, embora a ciência fosse importante, era apenas um aspecto único que não HOMILÉTICA E RETÓRICA 70 poderia suplantar a finalidade divina. Ainda que por um lado a ciência confirma a existência de estruturas e leis que todos os homens podem compreender, nem tudo está no alcance do seu campo interpretativo. Daí a importância da pregação como uma exposição clara e direta, bem estruturada e com aplicação pessoal, capaz de transmitir sentido e convencer as mentes dos ouvintes acerca de uma realidade espiritual, não material, cientificamente inexplicável. Essa era a ideia de Jonathan Edwards, que construiu sermões seguindo a linha puritana, descrevendo analogias referentes a domínios humanamente inacessíveis, no intuito de converter, exortar e instruir os seus ouvintes, lançando mão de uma retórica que ecoa até o presente século. ESTRUTURA DO SERMÃO. TÍTULO - Muitos pregadores confundem a tema com o título, mas o título não é nada mais do que o rótulo do sermão. O título é como o prelúdio para o tema. Isto é o que cativa os corações dos ouvintes. TEXTO BÍBLICO – O assunto do sermão deverá ser baseado em um texto bíblico. INTRODUÇÃO – Começar bem é provocar interesse e despertar atenção. Aproximar o ouvinte do sermão e dar a ele uma noção ou explicação do que vai ser falado. HOMILÉTICA E RETÓRICA 71 CORPO - Essa é a principal parte. Onde deverá está o conteúdo de toda mensagem, ordenado de forma lógica e precisa. Neste ponto também deverão ser abordadas algumas aplicações utilizadas durante o sermão como, ILUSTRAÇÕES, FIGURAS DE LINGUAGEM, MATERIAL DE PREPARAÇÃO. CONCLUSÃO – Baseados no objetivo específico do sermão a conclusão é uma síntese do mesmo e deve seruma aplicação final à vida do ouvinte. APELO – Um esforço feito para alcançar a consciência, o coração e a vontade do ouvinte. São os frutos do sermão CLASSIFICAÇÃO PELO ASSUNTO- Doutrinário. É aquele que expõe uma doutrina. (Ensinamento) - Histórico. É aquele que narra uma história. - Ocasional. É aquele destinados a ocasiões especiais. - Apologético. Tem a finalidade de fazer apologia. (defender) - Ético. É quando exalta a conduta e a vida moral e ética. - Narrativo Quando narra um fato, um milagre. - Controvérsia tem por finalidade atacar erros e heresias. CLASSIFICAÇÃO PELO TIPO DE SERMÃO Tradicionalmente encontramos, praticamente em todos as obras homiléticas, quatro tipos básicos de sermões:• HOMILÉTICA E RETÓRICA 72 SERMÃO TEMÁTICO: Os argumentos (divisões) resultam do tema independente do texto; SERMÃO TEXTUAL: Os argumentos (divisões) são tiradas diretamente do texto bíblico; SERMÃO EXPOSITIVO: Os argumentos giram em torno da exposição exegética completa do texto. SERMÃO BIOGRÁFICO: Os argumentos são baseados na vida de um personagem bíblico HOMILÉTICA E RETÓRICA 73 REFERÊNCIAS BROADUS, John. O sermão e seu preparo. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1960. CARVALHO, Dirce de. Homilia: a questão da linguagem na comunicação oral. São Paulo: Paulinas, 1993. CHAPELL, Bryan. Pregação cristocêntrica: restaurando o sermão expositivo. São Paulo: Cultura Bíblica, 2007. CORREIA, Raynara Karenina Veríssimo. SOLA SCRIPTURA: A Tradição puritana frente a retórica reformada. Revista do SETA, Volume 8, 2018. MELLO, Carlos Alberto. A Homilética, a ética e os pregadores da pós-modernidade. Rio de Janeiro: CPAD, 2009. MORAES, Jilton. Homilética: pregação e comunicação. Revista Via Teológica – Vol. 17 – Nº 34 – Dez/2016 – Faculdades Batista do Paraná – ISSN 1676-0131 e 2526-4303 (on line) HOMILÉTICA E RETÓRICA 74praticada a luz de uma vida de intimidade com Deus, sendo assim o pregador deve buscar uma vida espiritual correta na presença de Deus. Observando estes benefícios, o pregador produzirá um bom sermão e a palavra de Deus será levada e ouvida por muitas pessoas. O Novo Testamento emprega o substantivo homilia em 1 Coríntios 15.33 “as más conversações corrompem os bons costumes”. Homilética é a disciplina teológica que estuda a ciência, a arte e a técnica de analisar, estruturar e entregar a mensagem do evangelho. O termo homilética tem suas raízes etimológicas em três palavras da cultura grega: Homilos: “multidão, turma, assembleia do povo” Então todos os gregos agarraram Sóstenes, principal da sinagoga, e o HOMILÉTICA E RETÓRICA 11 feriram diante do tribunal; e a Gálio nada destas coisas o incomodava. (At. 18:17). Homilia: “associação, companhia” Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes. (ICo.15:33). Homileo: “falar, conversar” E iam conversando a respeito de todas as coisas sucedidas. (Lc.24:14). Para ajudar ainda mais na compreensão da homilética, apresenta-se aqui um artigo do Dr. Jilton Moraes, sobre a Homilética: pregação e comunicação. HOMILÉTICA E RETÓRICA 12 HOMILÉTICA: PREGAÇÃO E COMUNICAÇÃO Homiletics: preaching and communication Dr. Jilton Moraes RESUMO Exposição da homilética como ciência que nos ajuda a amar a Palavra de Deus, do seu papel para a eficácia da pregação, destacando as três fases de sua atuação no labor sermônico: da pesquisa ao púlpito, do púlpito ao ouvinte e do ouvinte à pratica; visão do lugar da prédica através dos tempos; apresentação dos recursos que possibilitam ao pregador trabalhar uma perícope, com abordagem fiel, atual, atraente e prática; ênfase em uma teologia bíblica capaz de sair dos compêndios para a vida; noção da possibilidade de utilização de diferentes formas sermônicas, com destaque para a forma expositiva; desafio ao emprego dos melhores recursos na pesquisa e elaboração do esboço, empregando a máxima seriedade que resulta em melhor comportamento no púlpito, com sermões bíblicos, profundos e objetivos, capazes de atrair e transformar os ouvintes. Palavras-chave: Homilética. Pregação. Pregador. Biblicidade. Comunicação. Sermão HOMILÉTICA E RETÓRICA 13 INTRODUÇÃO Expor a homilética como ferramenta indispensável à elaboração e à comunicação de sermões é tarefa prazerosa a tantos quantos nos dedicamos à missão de proclamar as boas novas. Mas, precisamos ter em mente que explanar fielmente o texto básico, possibilitando seu transporte e atualização, é o desafio! Urge darmos especial ênfase no foco do texto em consonância com o seu contexto, considerando os anseios e as necessidades dos ouvintes para, de acordo com o propósito estabelecido, pregar a Palavra de modo atual e penetrante. Esse artigo é um ensaio sintetizando o programa de um módulo na pós-graduação da FATEBE, razão pela qual leva não apenas o nome da disciplina, mas boa parte do seu conteúdo. Suplico ao Senhor da Pregação que esta abordagem ofereça uma visão dos recursos da homilética para a elaboração de sermões biblicamente fundamentados, com adequada interpretação e atualização, objetivando biblicidade, atualidade, clareza e objetividade, capazes de alcançar os ouvintes com desafios coerentes com a mensagem do texto bíblico. O QUE VEM A SER HOMILÉTICA? Homilética: pregação e comunicação tem sido, do ponto de vista profissional, minha principal paixão. Mas afinal o que HOMILÉTICA E RETÓRICA 14 vem a ser homilética? O livro Aventuras de um pregador iniciante tenta responder a esta indagação de um modo cômico. Fala de um professor de homilética e um homem que, curioso por descobrir o que o outro ensinava, perguntou-lhe: “O que o senhor ensina?” O novo amigo responde: “Homilética”; mas a resposta não foi compreendida. Outras vezes o homem voltou a perguntar, mas ficava sempre sem acreditar na resposta. Até que um dia se armou de coragem e, sabendo que o amigo era um teólogo, indagou da relação entre a teologia e omeletes. Diante do equívoco entre os vocábulos, o pastor explica que homilética é diferente de omeletes. Mostrando-lhe vários livros explica: “Esses livros são de homilética, não são de receitas culinárias! São livros sobre a ciência e a arte da pregação”. Homilética é a ciência da pregação. O sentido original dessa palavra é conversação; vem do grego, homilia. John Broadus afirmou: “a ciência da Homilética nada mais é do que a adaptação da retórica às finalidades especiais e aos reclamos da prédica cristã”. Minha definição é bem detalhada: Homilética é a ciência que nos ajuda a amar a Palavra de Deus, nela meditando e estudando, para assimilar os seus princípios, sendo edificados e capacitados a, em aprendizagem constante, construir uma pregação com base bíblica, capaz de falar ao presente, com HOMILÉTICA E RETÓRICA 15 desafios para o futuro, objetivando apresentar Jesus, poder e sabedoria de Deus. Divido a jornada do pregador em três importantes etapas e em cada uma delas a homilética está presente, possibilitando- nos melhor cumprimento dessa tríplice missão: (1) da pesquisa ao púlpito, (2) do púlpito ao ouvinte e (3) do ouvinte à prática. 1.1 Da pesquisa ao púlpito A razão de ser dos princípios homiléticos é equipar o pregador a elaborar e a comunicar sermões bíblicos e atuais, profundos e objetivos, capazes de confortar os ouvintes perturbados e de perturbar os ouvintes confortados. A homilética não é uma camisa de força para engessar o pregador, mas um conjunto de princípios para melhorar o seu desempenho tanto no gabinete de estudos, quando no púlpito. Um bom programa de homilética principia ensinando àqueles que comunicam a Palavra e pregarem primeiramente para si mesmos. Antes de pedir a Deus que nos capacite a falar aos nossos ouvintes, precisamos pedir-lhe que fale a nós mesmos. Quanto mais a Bíblia fala ao nosso coração, mais condições temos de partilhá-la às demais pessoas. Se o pregador não foi alcançado pelo texto bíblico, como pode pretender alcançar outras pessoas? Nessa trajetória aprendemos a: (1) Compreender a tarefa – não estamos trabalhando um discurso qualquer; (2) Saber que, antes de tudo, HOMILÉTICA E RETÓRICA 16 devemos viver diante de Deus; (3) Pedir a Deus que nos dê a ideia a ser comunicada; (4) Orar por um texto básico: ele será a base sólida da sua pregação; (5) Interpretar o texto para sermos fiéis ao que ele diz; (6) Contextualizar a ideia central do texto – assim teremos a tese do sermão; (7) Conhecer o que realmente será o conteúdo da nossa fala; (8) Fixar com clareza o propósito da mensagem; (9) Estabelecer um título que servirá de alicerce às divisões; (10) Dividir bem, para pregar melhor; (11) Utilizar ilustrações para facilitar a compreensão; (12) Aplicar a mensagem aos ouvintes; (13) Trabalhar bem a introdução e a conclusão; (14) Estudar e aperfeiçoar o esboço; (15) Pregar com entusiasmo e vida para agradar ao Senhor. Do púlpito ao ouvinte Quando principiei os meus estudos de homilética, sentia realização ao finalizar o manuscrito; escrever o amém final era algo que me trazia muita alegria. Hoje, meio século depois, continuo a me alegrar ao completar essa etapa, mas sei que ainda não é tempo de completa realização; em certo sentido o trabalho está simplesmente começando. Não basta ter um lindo esboço, se esse trabalho não for transformado em um discurso oral capaz de alcançar, com os princípios bíblicos, os ouvintes e suas necessidades. Os passos do púlpito ao ouvinte constituem-se em jornada árdua que precisa ser desempenhada com intrepidez. HOMILÉTICA E RETÓRICA 17 Nessa tarefa precisamos compreender os compromissos do pregador. “Só quemé capaz de assumir e cumprir os sérios compromissos do pregador tem condições de pregar como porta- voz do Senhor”. 8 E quais são esses compromissos? (1) compromisso com o Senhor da Palavra; (2) com a Palavra do Senhor; (3) com os limites do sermão; e (3) compromisso com os ouvintes. Outro passo importante no labor sermônico é a convicção de que no púlpito nos colocamos diante de Deus e dos ouvintes. Isso envolve um compromisso diário; como pregadores, precisamos considerar as motivações das pessoas ao irem ao templo; saber que somos simples instrumentos para comunicar a mensagem em nome do Senhor; que o nosso ideal maior deve ser glorificar a Cristo; que precisamos viver o verdadeiro amor, aprendendo com Jesus, o Senhor da pregação; que a autoridade para pregar nos é concedida pelo Senhor e que ministramos para alcançar as pessoas. Prosseguindo nessa trajetória, aprendemos que a pregação acontece no contexto do culto. “Antes de estar no púlpito, o pregador está no culto. O ato de cultuar precede o ato de adorar. Quem não tiver condições de prestar culto ao Senhor jamais será um pregador”. Também aprendemos que no momento da Palavra “devemos pregar na convicção de que somos simples HOMILÉTICA E RETÓRICA 18 instrumentos a serviço do Senhor para comunicar a Palavra que alcança, transforma e marca. “O momento da Palavra é a ocasião adequada ao estabelecimento do assim diz o Senhor. E, essa é uma árdua responsabilidade, em tempos de corrupção, incredulidade e apostasia”. O profeta Oseias, em nome Senhor, descreveu esta realidade: “O meu povo está sendo destruído porque lhe falta o conhecimento. Porquanto rejeitaste o meu conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim” (Os 4.6). A homilética preocupa-se com o bom desempenho no púlpito; tendo em mente que, “o sermão é eloquente quando as palavras que apresentam vida são proferidas com entusiasmo e ilustradas com sua própria vida”. Neste sentido as principais recomendações são: (1) vá além do esboço: (2) considere a ocasião: (3) conquiste os ouvintes: (4) comece e continue bem; (5) comunique com simplicidade; (6) aplique ao longo da mensagem; (7) evite o supérfluo; (8) aproveite o momento certo; e (9) saiba parar. Outra preocupação nessa jornada é que a prédica seja mais próxima do ouvinte. E ela se torna mais próxima “quando as pessoas no auditório deixam de ser simples ouvintes e se tornam participantes”. Detalhe nem sempre lembrado, mas de grande importância, é a questão do equilíbrio. “Na pregação HOMILÉTICA E RETÓRICA 19 relevante há não apenas o equilíbrio aparente, visto na mensagem, mas o equilíbrio real, nem sempre tão visível, porém presente na vida do pregador”. Trabalhando do púlpito ao ouvinte há obviamente a preocupação com a forma a ser utilizada. Sabendo que a pregação é como um relacionamento: pregamos na alegria e na tristeza; devemos estar atentos ao tempo de duração da nossa fala; viver princípios éticos que condizem com um pregador do evangelho; e cuidar do apelo e do feedback da pregação. Do ouvinte à prática A homilética cumpre o seu papel habilitando o comunicador sacro a pregar buscando ações práticas. O melhor sermão não é o que foi apresentado com gestos medidos, palavras rebuscadas e persuasão projetada; mas o que, na simplicidade de sua apresentação, produz resultados permanentes. Tudo quanto o pregador pretende é ser agente transformador. Sermões que abalam, mas não confortam; falam do perigo, mas não indicam o meio de escape, enfatizam o sofrimento, mas ignoram o bálsamo; pintam o inferno, mas não descortinam o céu, só estão fazendo barulho, sem conduzir o ouvinte à prática da verdade. E como isso acontece? Depois de pregar sobre o valor do diálogo, alguém segreda: “Vou à procura de um antigo amigo HOMILÉTICA E RETÓRICA 20 com quem me desentendi, vou buscar conversar com ele”. Ou, após explanar o texto de Ef 6.4 — “Pais, não irritem seus filhos; antes criem-nos segundo a instrução e o conselho do Senhor” — , um pai ou mãe afirma: “Vou mudar o modo de me relacionar com os meus filhos; não quero que se irritem com meu modo de falar ou agir”. O pregador há de trabalhar todas as etapas de sua mensagem em oração, suplicando ao Pai que as suas palavras, quais Palavra dele, sirvam de proveito aos ouvintes. Não estamos no púlpito para entreter uma plateia, mas, para desafiar os ouvintes, conduzindo-os à salvação, à edificação, à santificação e ao despertamento para andar em novidade de vida. Phillips Brooks declarou: “um sermão é um bocado de pão para ser comido, não uma obra de arte para ser apreciado. Não é a aparente sabedoria do pregador que torna o sermão proveitoso. “O sermão que transforma e desafia à prática não é marcado pela sofisticação do pregador, mas pela simplicidade da Palavra”. Algumas pessoas, desconhecendo a bênção que é a homilética na vida do pregador, têm acusado esta ciência da pregação de dificultar o labor sermônico. A homilética auxilia o pregador a cumprir eficazmente a árdua tarefa de trabalhar da pesquisa ao púlpito, do púlpito ao ouvinte, e do ouvinte à prática. Assim como é impossível a um HOMILÉTICA E RETÓRICA 21 professor ensinar bem e marcar com o seu ensino sem didática, é de igual modo estranho querer que um pregador comunique sermões capazes de alcançar e mudar os ouvintes sem os recursos da homilética. A didática capacita o professor a utilizar métodos e técnicas que facilitem a aprendizagem, tornando possível ao educando experimentar a relação teoria e prática. A homilética capacita o pregador a, partindo de uma interpretação correta do texto bíblico e sua atualização, sistematizar seu discurso, objetivando alcançar os ouvintes com uma explanação capaz de desafiá-los a transformar a teoria em prática. Tão importante tarefa quanto a pregação bíblica, há de ser um exigente exercício para todos os que temos recebido tão grande privilégio. A SUPREMACIA DA PREGAÇÃO O apóstolo Paulo afirmou: “a fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo” (Rm 10.17). É pela pregação que as pessoas conhecem Jesus e são desafiadas a assumir um compromisso com ele. De igual modo, é pela pregação que crescemos na graça e no conhecimento de Cristo e a viver de modo digno do evangelho. A responsabilidade que temos de pregar a Palavra é tão grande que Joseph Stowell declarou: “Sou o intermediário de um HOMILÉTICA E RETÓRICA 22 encontro divino entre o Deus Todo-Poderoso e a humanidade pecadora”. E acrescentou: “Quando penso na pregação como a arte e o ofício que transforma as minhas palavras de modo a expressarem aquilo que Deus quer que eu diga, percebo como é um trabalho importante e aterrador”. Deus tem falado através da pregação A pregação é o recurso de Deus para a proclamação do seu amor. Ela é tão importante que o apóstolo Paulo afirmou: “Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana, agradou a Deus salvar aqueles que creem por meio da loucura da pregação” (1Co 1.21). Isso faz da missão do pregador uma das mais árduas e gloriosas. John Stott, baseado nas palavras de Paulo (1Co 4.1,2), afirmou: “o pregador é um despenseiro dos mistérios de Deus, ou seja, da auto revelação que Deus confiou aos homens e é preservada nas Escrituras”. Significa que temos a responsabilidade de nos colocar diante das pessoas para falar em nome dele. Walter Bowie declarou que “o pregador é um canal de comunicação do Deus vivo para a alma viva que ali está diante dele”. Somente buscando o melhor preparo, dentro de suas possibilidades e a orientação divina, desempenhamos a missão de falar em nome do Senhor. A pregação no Antigo Testamento HOMILÉTICA E RETÓRICA 23 Quando os israelitas sofriam escravizadosno Egito, Deus, vendo a aflição que enfrentavam, convocou Moisés, o líder pregador. Ele compartilhava a mensagem que o Eterno tinha para ser comunicada; sua fala era a transmissão do recado divino, de modo claro e objetivo: “Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: ‘Deixe o meu povo ir para celebrar-me uma festa no deserto” (Êx 5.1). Apesar de inicialmente haver recusado a ideia de liderar e ser pregador, Moisés tanto anunciou o Assim diz o Senhor ao povo e ao Faraó, que mais tarde entrou para a história como alguém que “veio a ser poderoso em palavras e obras” (At 7.22). O milagre da pregação começa na vida do pregador! A pregação de Elias foi um apelo, em nome de Deus, à integridade, desafiando o povo a um relacionamento autêntico com o Criador: “Até quando vocês vão oscilar para um lado e para o outro? Se o Senhor é Deus, sigam-no; mas, se Baal é Deus, sigam-no” (1Rs 18.20). O profeta Isaías falou de sua experiência pessoal, algo tão real que ele podia até precisar o tempo em que se deu: “No ano em que o rei Uzias morreu, eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado” (Is 6.1). Sua pregação foi uma chamada ao arrependimento; Deus estava cansado de uma adoração fingida (Cf: Is 1.13-20). Foi o mesmo Profeta quem falou de modo fascinante sobre a vinda do Messias: “O povo que HOMILÉTICA E RETÓRICA 24 caminhava em trevas viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da morte raiou uma luz” (Is 9.2). Ele mencionou o modo maravilhoso como a história seguiria novo rumo: “o jugo que oprimia o povo, a canga que estava sobre os seus ombros, e a vara de castigo do seu opressor, como no dia da derrota de Midiã”. E mais: “Toda bota de guerreiro usada em combate e toda veste revolvida em sangue serão queimadas, como lenha no fogo” (Is 9.4-5). A seguir, falou da razão da mudança: (Is 9.6): “Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz”. A pregação No Novo Testamento A era da graça realçou ainda mais a pregação da Palavra. O primeiro pregador destacado desse período foi João Batista; as páginas do Novo Testamento abrem com a pregação dele. Como cumprimento das profecias, ele era o mensageiro que anunciava a vinda do pregador maior: Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Conforme está escrito no profeta Isaías: “Enviarei à tua frente o meu mensageiro; ele preparará o teu caminho” “voz do que clama no deserto: ‘Preparem o caminho para o Senhor, façam veredas retas para ele’. Assim surgiu João, batizando no deserto e pregando um batismo de HOMILÉTICA E RETÓRICA 25 arrependimento para o perdão dos pecados” (Mc 1.1-4). A pregação dele alcançava os ouvintes: “a ele vinha toda a região da Judéia e todo o povo de Jerusalém” (Mc 1.5a) e produzia resultados práticos: “Confessando os seus pecados, eram batizados por ele no rio Jordão”. (Mc 1.5b). A seguir, encontramos Jesus de Nazaré. Nele, a pregação evangélica encontra sua expressão máxima. Ele foi o maior pregador que o mundo já conheceu: o maior comunicador de todos os tempos, o Senhor da Pregação, Aquele que falou como jamais homem algum falou (Jo 7.46). Uma análise da pregação do Senhor Jesus apresenta não só o pregador que ele foi, mas serve como desafio aos pregadores de todos os tempos, mostrando-nos o modelo da mensagem a ser pregada e do modo como devemos viver para sermos fiéis cumpridores da Palavra e não apenas simples oradores. A homilética de Jesus tem as mais preciosas lições a ensinar a todos os pregadores, de todos os tempos. Precisamos considerar também que, sendo o Senhor e salvador de todos quantos o aceitamos pela fé, ele é o centro da pregação cristã. A pregação cristã relevante é um anúncio que aponta para Jesus. Foi Paulo quem melhor falou a esse respeito: “Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade e, por estarem nele, que é o Cabeça de todo poder e autoridade, vocês HOMILÉTICA E RETÓRICA 26 receberam a plenitude (Cl 2.9-10). E mais: “Os judeus pedem sinais miraculosos e os gregos procuram sabedoria; nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1Co 2.22-23). Outro pregador neotestamentário que se destaca é o apóstolo Pedro. Ele foi o primeiro homem chamado por Jesus para ser pregador, juntamente com o seu irmão André: Caminhando pela praia do mar da Galileia, Jesus avistou Simão e seu irmão André pescando com redes. Era nisso que trabalhavam. Jesus convidou-os: "Venham comigo! Vou fazer de vocês um novo tipo de pescadores. Vou mostrar como pescar pessoas, em vez de peixes". Sem fazer uma pergunta, eles simplesmente largaram as redes e foram com ele. (Marcos 1.16- 18 A Mensagem). A proposta certamente podia parecer um tanto emblemática: deixar de ser pescador de peixes para ser pescador de homens. Como seria possível? Pescar peixes ele sabia – era só lançar as redes e esperar; no entanto, como seria possível pescar homens? Você aceitaria participar de uma empreitada assim? Simão, que tanto gostava de falar, nada perguntou, nem discutiu. Simplesmente largou tudo e passou a seguir a Jesus de Nazaré. E seu irmão André, que o acompanhava, seguiu o mesmo exemplo. HOMILÉTICA E RETÓRICA 27 Pedro despontou como porta-voz do grupo dos doze, por ousadia e facilidade de expressão. No entanto, somente depois da ressurreição do Senhor Jesus é que a pregação desse apóstolo se torna realmente notável. As fontes para o acervo petrino estão no livro dos Atos dos Apóstolos e nas duas cartas que trazem o seu nome como autor. Pedro foi o pregador do primeiro evento evangelístico da igreja, no dia de Pentecoste, ocasião em que sua pregação despontou. Logo depois o encontramos pregando no próximo evento evangelizante, à porta do templo; duas vezes diante do sinédrio; na casa de Cornélio, em sua defesa e em suas cartas. Outro pregador notável no Novo Testamento foi Estevão. Apesar de termos anotações de apenas um sermão de sua autoria, o conteúdo de sua prédica e seu comportamento como pregador o fazem entrar para a história. O trabalho homilético que ele apresentou encontrou base em sua Bíblia, o Antigo Testamento. É uma pregação narrativa. “Toda sua mensagem foi embasada na história de Israel, mostrando a ação de Deus, até chegar ao seu clímax: Jesus de Nazaré. Sua narrativa é rica em conteúdo histórico, montada em 49 citações do Antigo Testamento”. Saulo de Tarso, o perseguidor transformado por Jesus em pregador, é outro nome que desponta nas páginas do Novo Testamento. Identificou-se tanto com o ministério da pregação HOMILÉTICA E RETÓRICA 28 que declarou: “Ai de mim se não pregar o evangelho!” (1Co 9.16b). Ele também deixou claro que a pregação era a principal atividade do seu trabalho no Reino de Deus: “Pois Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho, não porém com palavras de sabedoria humana, para que a cruz de Cristo não seja esvaziada” (1Co 1.17). Ele não só compreendia que precisava pregar, mas a validade de sua missão estava na apresentação de um trabalho cristocêntrico – a ênfase era à cruz do Senhor e não às palavras do pregador! A esse respeito, o Pastor Éber Vasconcelos poeticamente afirmou: “A sua pregação era um grande cartaz, um cartaz luminoso, mostrando a paixão do Salvador, mostrando a morte de Cristo, mostrando o sofrimento do Senhor Jesus”. A vida de Paulo, no cumprimento de sua missão de pregador da Palavra, pode ser comparada a uma vela que se doa totalmente para dissipar as trevas. Ele colocou a vida no altar para comunicar a verdadeira luz que ilumina. “O brilho que resplandeceu na estrada de Damasco foi compartilhado sem reservas com judeus e gentios. Graçasa Deus que escolheu aquele que fora perseguidor e o fez pregador da sua Palavra”. A pregação na história Através da história a pregação tem vivido períodos de ascensão e tempos de declínio. A pregação desenvolvida no 1º HOMILÉTICA E RETÓRICA 29 século depois de Cristo foi marcada por grande poder. Como temos visto, ela encontra seu clímax em Jesus de Nazaré. Os apóstolos e demais pregadores desse período, havendo estado com Jesus, ou ouvido o testemunho daqueles que com ele estiveram, priorizaram a pregação e pregaram com grande ousadia e poder. Suas mensagens eram nitidamente cristocêntricas. Isso motivava os crentes a compartilhar, testemunhar e pregar diariamente. Graças ao poder da pregação primitiva, deu-se a rápida expansão do cristianismo. Os pregadores não apenas pregavam com poder, mas com o amor que os fazia ousados, a ponto de colocar a vida no altar, como aconteceu com Estevão. No período compreendido entre os anos 70 e 170, com a morte de Pedro, Paulo, João e os demais apóstolos, a pregação perdeu a sua pujança. A falta de informações sobre o período denota a crise do púlpito. A existência de grandes pregadores certamente teria registro de suas pregações. No final do segundo século, no entanto, a pregação deu sinais de força, com pregadores como Orígenes, Clemente de Alexandria, Irineu e Hipólito. Essa ascensão preparou o caminho para o triunfo da oratória no século IV. Tudo faz crer que nos primeiros séculos os sermões foram despretensiosos: apresentados em forma de homilias, sem muita ordem lógica e sem evidenciar um prévio HOMILÉTICA E RETÓRICA 30 preparo. De acordo com o auditório, a pregação podia ser didática ou evangelística. A partir de Orígenes, até o final do século III verificou- se um desenvolvimento estrutural, que tornou a mensagem mais expositiva. Alguns dos pregadores mais destacados desse período foram: Policarpo, Inácio e Clemente de Roma.29 Registro digno de destaque é que “através de Orígenes o sermão recebia a forma fixa de uma explicação e aplicação de um texto”.30 A primeira etapa do período patrístico (70-300) caracterizou-se por uma profunda convicção das verdades do evangelho e seu poder para redimir o homem do pecado, uma moralidade recomendável, bem como pela autoridade das Escrituras, embora já se comece a delinear um desvirtuamento da pureza inicial do primeiro século do cristianismo. Os anos que se sucedem refletem a posição de Constantino, unindo a igreja e o estado, por motivos políticos e não por sua religiosidade. A ideia era a de que a unidade religiosa fortaleceria o Império. As vantagens governamentais foram grandes, o próprio imperador recomendava ao povo que se tornasse cristão. As vantagens comprometeram a pureza na igreja; nesse tempo surgiu a Igreja Católica Romana. A pregação continuou presente, como parte do culto, ocorrendo geralmente HOMILÉTICA E RETÓRICA 31 após a leitura bíblica. Dois pregadores se destacam nesse período: Crisóstomo e Agostinho. O período medieval, também conhecido como idade das trevas (430 a 1095), caracterizou-se como uma época sombria e tenebrosa, onde tudo tendeu ao declínio, inclusive a pregação. A corrupção estava presente na vida dos clérigos e a liturgia sufocou o púlpito. Nesse contexto, a pregação, deixando de ser cristocêntrica, passou a colocar Maria no centro; deixando de ser bíblica, foi rebaixada a um meio de apresentação do pensamento da Igreja Romana. O propósito deixou de ser ensinar a verdade bíblica e se tornou a motivação para se aceitar incondicionalmente os princípios católicos e suas práticas. Os primeiros esforços envidados no sentido de uma tentativa de restauração do poder da pregação evangélica são verificados através de Wicliffe, na segunda metade do século XIV. Daí para frente o clamor por uma reforma tornou-se cada vez mais veemente, culminando com a atuação de Martinho Lutero, no século XVI. Sempre que a pregação se distancia da base bíblica, perde a sua autoridade. A Reforma chama-nos a atenção a este fato. Surgiu como um protesto contra os abusos da igreja católica romana. Lutero não aceitava a pregação de Tetzel e o comércio das indulgências. Estava convicto de que a salvação era resultado de uma experiência pessoal com Deus. HOMILÉTICA E RETÓRICA 32 Assim, ele levantou-se contrário às indulgências e pregou contra elas. São cinco os principais pilares da Reforma: Sola Scriptura, – Só a Escritura. É a afirmação da supremacia da Palavra de Deus sobre a tradição. Tudo o que for alheio à Bíblia deve ser rejeitado. É lamentável que o momento atual começa a se parecer com os dias da pré-Reforma. Alguns pregadores erguem suas vozes como se fosse a verdade máxima. Outra coluna da Reforma que devemos lembrar é Sola Gratia. Significa que somente pela Graça de Deus vem a nossa salvação. O terceiro pilar da Reforma, Sola Fide, deixa claro que somente a fé é o meio de nos apropriamos da salvação, efetivada pelo Senhor Jesus. A iniciativa da salvação é a graça, a fé é a resposta a essa iniciativa. Pregadores e pregadoras que no momento presente enfatizam mais a entrega de contribuições do que a entrega de vidas; que valorizam mais a exibição impecável à sociedade do que a apresentação digna ao Senhor da pregação, precisam se conscientizar da mensagem bíblica (Hc 2.4; Rm 1.17; Gl 3.11) “o justo viverá pela fé”. Outro pilar da Reforma, Solus Christus, significa que tão-somente Cristo é a base da salvação. Somos salvos unicamente pelos méritos e pelo sacrifício de Cristo. A teologia HOMILÉTICA E RETÓRICA 33 da nossa pregação precisa ter como base a nossa experiência com Jesus. É o fato de havermos nos encontrado com o Salvador que autentica a nossa pregação. Não dá para separar conceitos e práxis: teologia e vida caminham juntas. Quando isso acontece, vivemos o Solo Cristus. O último pilar da Reforma é Soli Deo Gloria – Glória a Deus somente, significando o nosso propósito único deve ser o louvor da glória de Deus. A glória dos resultados jamais será do pregador, mas será sempre do Senhor da Pregação! Pregamos para que diante dele todo joelho se dobre e toda língua confesse que ele é Senhor, para a glória de Deus Pai (Fl 2.8-11). A beleza da pregação vem do brilho da glória do Senhor. Paulo fala de seu pensamento: “Quanto a mim, que eu jamais me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl 6.14). John Piper declara: “O alvo da pregação é a glória de Deus refletida na submissão prazerosa de sua criação”. Precisamos reconhecer que tudo vem de Deus, somos simples instrumentos nas mãos dele; sabendo que “a eficácia da mensagem, mais que qualquer virtude do mensageiro, transforma corações”. Precisamos reconhecer que a excelência não está em nós, mas no conteúdo da mensagem que pregamos. Quem reconhece HOMILÉTICA E RETÓRICA 34 a soberania de Deus e a sua finitude, sabe que a apresentação e os resultados da pregação não podem ter outro propósito senão glorificar o Senhor. Soli Deo Gloria motiva-nos a pensar: em um tempo quando o marketing de alguns movimentos evangelísticos evidencia o nome do pregador, precisamos lembrar que, se a pregação não for para a glória de Deus, não valerá a pena ser pregada. Urge uma nova Reforma capaz de despertar em nós, pregadores, o prazer de pregar tão somente a Bíblia; de proclamar com palavras e com a vida que só pela graça temos vida; de não apenas pregarmos, mas experimentar que o justo vive pela fé e que é somente por ela que somos salvos; de vivermos identificados com Cristo, a ponto de ele viver em nós; e de fazermos tudo para a glória de Deus. Só assim veremos acesa a chama da pregação, com o conteúdo acima da forma, a compreensão além da retórica, a vida maisque o discurso e Cristo antes de tudo. TEOLOGIA E PRÁTICA DA PREGAÇÃO Sabemos que um dos grandes benefícios da homilética é habilitar quem prega a utilizar corretamente a Bíblia como base única de seu trabalho no púlpito. Vivemos dias quando, HOMILÉTICA E RETÓRICA 35 infelizmente, muitos pregadores têm abandonado o costume de preparar e pregar sermões expositivos. O valor da pregação depende da sua biblicidade Sem Bíblia não há pregação relevante. Vários eruditos têm realçado esta verdade. Vernon Stanfield declarou: "A essência da homilética é a Palavra de Deus, e idealmente, pregar é deixar a Bíblia falar". John Knox foi enfático ao afirmar: "A Bíblia é não apenas útil na pregação; é absolutamente indispensável. É mais do que um recurso supremamente útil; pertence essencialmente à própria fonte da pregação". Sobre a importância da base bíblica, Lloyd Jones assegurou: "Se o que se expõe no púlpito não está embasado na Palavra de Deus, é de muito pouco ou nenhum valor para os que têm ido ouvir a Palavra de Deus" Pregar é explanar as Escrituras, mas não só explanar. A exposição da Palavra de Deus no púlpito não pode ficar limitada apenas à interpretação. Se não houver contextualização, não há pregação. A. W. Blackwood, falando sobre o atual clamor por mais sermões expositivos, advertiu: “Só acrescentarei que deve ser pregação. A aula tem seu lugar, o púlpito outro”. As pessoas vão ao templo para ouvir a Palavra de Deus e se sentem iludidas cada vez que o pregador usa o texto bíblico como um pretexto: leitura, sem base bíblica; Bíblia lida, mas sem explanação, sem contextualização e sem aplicação. O HOMILÉTICA E RETÓRICA 36 pregador começa lendo o texto, mas dele se afasta para não mais voltar. Propaganda enganosa: Se houvesse um PROCON eclesiástico, caberia uma queixa. Os ouvintes se queixam quando falta a base bíblica. Escrevi um livro que é uma abordagem homilética bem diferente: desconstruir para construir. O clamor da igreja, em busca de excelência no púlpito, traz as críticas dos fiéis aos sermões que estão ouvindo. A terrível constatação é que o púlpito hoje já não alimenta as pessoas. E o motivo do sermão haver sido rebaixado da condição de banquete espiritual à categoria de fast food é o abandono da Bíblia como fonte única para a elaboração e a comunicação no púlpito. Um pregador que não anuncia a Palavra não é digno da atenção dos seus ouvintes. Vale a pena conhecer as críticas de ouvintes: O pregador passou todo o tempo falando do crescimento de sua igreja, de suas viagens e de sua família. Ele leu um texto bíblico, mas não o explanou, nem sequer fez qualquer referência a ele ao longo do sermão. Outro ouvinte denuncia: “Por que esse texto bíblico foi lido, se foi completamente esquecido ao longo de todo o sermão? Seria mais honesto não ter lido um texto. Quando isso acontece, o pregador perdeu a noção da validade do púlpito e de sua incumbência como pregador da Palavra. Como bem esclarece David W. Fetzer: O púlpito não é um palco no qual o HOMILÉTICA E RETÓRICA 37 pregador se apresenta; é o lugar de nossas igrejas de onde um indivíduo pode falar a outros sobre adoração e conhecimento de Deus, por meio de sua Palavra. É nesse ponto que a escolha de palavras, imagens, metáforas, símbolos não verbais e ilustrações demonstra o quanto você se identifica com os seus ouvintes e o quanto se ligarão a você e o considerarão autêntico. Com toda razão os ouvintes reclamam contra sermões sem base bíblica. É para ouvir e aprender da Bíblia que eles vão ao templo. Como pregadores devemos seguir o exemplo de Jesus Entre as principais características da pregação de Jesus está a biblicidade. Ele usou a Bíblia como base de toda sua mensagem. No episódio da tentação (Mt 4.1-11), refutou a todos os argumentos do maligno citando as Escrituras. Na primeira investida – a proposta de transformar pedras em pães – respondeu usando Deuteronômio 8.3: “Assim, ele os humilhou e os deixou passar fome. Mas depois os sustentou com maná, que nem vocês nem os seus antepassados conheciam, para mostrar-lhes que nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca do Senhor”. Quando o tentador sugeriu que Jesus se atirasse da parte mais alta do templo, como demonstração da sua divindade, o Senhor da Pregação, outra vez usou a Bíblia (Dt 6.16): “Não HOMILÉTICA E RETÓRICA 38 ponham à prova o Senhor, o seu Deus”. E na última investida satânica – adorar ao tentador – mais uma vez o Senhor respondeu com as Escrituras (Dt 6.13): “Temam o Senhor, o seu Deus, e só a ele prestem culto”. Pregação relevante tem uma teologia firmada na Palavra Do conceito que temos de Deus, depende a mensagem que pregamos. Não devemos ir ao extremo de falar de Deus como um ser ausente e distante, com quem temos a chance de com ele nos encontrarmos apenas na perspectiva escatológica. Por outro lado, não é correto falarmos de um Deus que, perdendo a sua soberania, recebe ordens daqueles que se dizem seus servos. Quem serve não ordena, mas, ao contrário, está a serviço do seu Senhor. Partindo da base bíblica que só o Senhor é Deus, aqueles que para exibição de uma tão grande fé dão ordens ao seu Deus, nada mais estão fazendo que construir um deus feito com suas próprias mãos. O nosso Deus é soberano e tudo faz de acordo com a vontade dele, que é boa, agradável e perfeita. Albert Mohler afirmou: “Uma teologia de pregação começa com um reconhecimento humilde de que a pregação não é invenção humana, e sim uma criação graciosa de Deus e uma parte central de sua vontade revelada para a igreja”. HOMILÉTICA E RETÓRICA 39 Diante dessa realidade, a terrível indagação é: Qual a imagem de Deus que está sendo apresentada no púlpito evangélico na atualidade? Os ouvintes esperam uma teologia que lhes traga esperança ao viver. “A autêntica pregação é uma celebração da vitória dada por Deus sobre as crises da vida”. O abismo colocado por comunicadores que mais parecem deístas que pregadores do Evangelho, tem tornado os sermões áridos, monótonos e desinteressantes. Eles têm feito a façanha de tirar a graça da mensagem que é pura Graça. Outro depoimento, registrado por Dirce de Carvalho, diz bem dessa realidade: “O mais importante na homilia não é a explicação exegética, mas a vivência. Ou seja, relacionar a Palavra com o dia-a-dia das pessoas, suas dificuldades, trabalhos, relacionamentos, dores, tristezas”. A teologia da nossa pregação há de sair dos compêndios para a vida. Há muito equívoco sendo propagado como verdade: heresias se transformam em teorias, contrassensos se tornam máximas; o púlpito perdeu o seu lugar! O que se encontra hoje é uma pregação desprovida de base bíblica e incapaz de motivar os ouvintes a ações práticas, de acordo com o propósito divino. Sobre o papel da teologia na pregação, John Stott afirma que “A técnica pode somente nos tornar oradores; se quisermos ser pregadores, é da teologia que precisamos”. HOMILÉTICA E RETÓRICA 40 Moisés tinha razão ao querer saber quem era o Deus que o enviava. Precisamos ter um conceito adequado do Deus, em nome de quem falamos. A esse respeito Mohler é categórico: A pregação é um ato inescapavelmente teológico, visto que o pregador ousa falar de Deus e, num sentido bem real, em lugar de Deus. Por essa razão uma teologia da pregação deveria conter uma forma trinitária, refletindo a própria natureza do Deus que se autorrevela. Ao fazer isso, a pregação dá testemunho do Deus que fala do filho que salva e do Espírito que ilumina. Um sermão fúnebre, por mais rico em profundos conceitos bíblicos e teológicos, se não tiver o elemento pastoral, capaz de penetrar no mundo das pessoas enlutadas, ministrando- lhes o bálsamo do conforto, será – no dizer de Paulo – como o sino que ressoaou como o prato que retine. Por mais bem elaborado e apresentado que seja tal sermão, se não for capaz de conduzir os que choram à presença do Deus que lhes enxuga as lágrimas, de nada valerá. E sabemos que, só usados pelo Espírito Santo, somos capazes de confortar. O lugar da prédica expositiva Em voga em alguns púlpitos está a prática de um discurso oriundo das últimas leituras do pregador, com lições de autoajuda e conselhos práticos, desprovidos de base escriturística. “Precisamos conhecer os ensinamentos bíblicos e HOMILÉTICA E RETÓRICA 41 nos manter fiéis a eles, bem como conhecer e viver o texto bíblico que serve como base para o sermão”. Nenhuma igreja se desenvolve com as palavras do pregador: o povo precisa ouvir, compreender e viver a Palavra do Senhor. O trabalho expositivo é a forma sermônica por excelência. Não é o tamanho do texto que torna o sermão expositivo, mas o fato de suas divisões principais não apenas procederem desse texto, mas todo o foco sermônico dele proceder e fluir harmoniosamente para a sua melhor explanação e compreensão. Para tanto, o pregador há de se aprofundar em sua pesquisa, trabalhando além da perspectiva homilética, a pesquisa exegética e hermenêutica da passagem tomada como base. Exposição bíblica em diferentes formas sermônicas Não é apenas no modelo expositivo que encontramos a exposição da Palavra. Um bom sermão biográfico é também uma excelente forma de exposição bíblica. O pregador, de igual modo, pode pregar utilizando um modelo narrativo, onde em estrutura mais informal, até mesmo sem tópicos, seguir a estrutura do texto. Há também a possibilidade do monólogo narrativo: esse é um trabalho onde a pregação e o drama se misturam para a apresentação da Palavra;48 podemos dizer, é uma mensagem narrativa apresentada na primeira pessoa. Tenho HOMILÉTICA E RETÓRICA 42 visto alguns monólogos alcançando resultados maravilhosos no púlpito. E falando sobre diferentes formas sermônicas, não podemos nos esquecer do sermão segmentado, onde palavra e música se unem para a proclamação da Palavra. CONSIDERAÇÕES FINAIS O que mais dizer a respeito da homilética: pregação e comunicação? Os dias são difíceis e todos nós sabemos. O relativismo religioso enfraquece o púlpito. O crescimento numérico tem se tornado mais importante que o desenvolvimento espiritual; a quantidade está sufocando a qualidade. Raramente se prega sobre o discipulado; sermões éticos não são mais pregados. “Pouco se fala na responsabilidade de carregarmos a cruz, a ênfase é no trono; as aflições não existem; só as bênçãos; e em termos comportamentais tudo parece liberado. Precisamos com urgência de uma nova Reforma”. A Palavra que transforma e liberta, precisa voltar a ser proclamada com entusiasmo e vida. Como disciplina teológica, a homilética pertence à teologia prática. As disciplinas que mais se aproximam da homilética são a hermenêutica e a exegese. HOMILÉTICA E RETÓRICA 43 Enquanto a hermenêutica é a ciência, arte e técnica de interpretar corretamente a Palavra de Deus; A exegese é a ciência, arte e técnica de expor as ideias bíblicas; A homilética é a ciência, arte e técnica de comunicar o evangelho. A hermenêutica interpreta um texto bíblico à luz de seu contexto; A exegese expõe um texto bíblico à luz da teologia bíblica; A homilética comunica um texto bíblico à luz da pregação bíblica. Homilética é a ciência cuja arte é a pregação e cujo resultado é o sermão. A homilética depende amplamente da hermenêutica e da exegese. Homilética sem hermenêutica bíblica é trombeta de som incerto (1Co 14.8). Homilética sem exegese bíblica é a mera comunicação de uma mensagem humanista e morta. Em suma, a Homilética é o estudo que ensina o pregador da Palavra de Deus a: Ordenar, organizar e expor. De forma: Clara e coerente, a mensagem que recebe do Espírito Santo. Homilética é: O ato de pregar. Homílias. Falar elegantemente na oratória. Arte de falar bem. Para os gregos a conversação era chamada de: homilia. Para os romanos era chamada de: sermão. HOMILÉTICA E RETÓRICA 44 A ARTE DE FALAR EM PÚBLICO Como se deu o estudo da arte de falar em público na história da humanidade e pelos primeiros cristãos? Os gregos, inventores da democracia, foram os primeiros a se preocuparem com o estudo do falar em público. Um sistema de governo democrático exigia um sistema discursivo para deliberar sobre os problemas da população. Assim, falar em público e convencer os ouvintes passou a ser uma necessidade de ascensão social. Para isso foi necessário a preocupação de estudar a arte e a técnicas do discurso. Homilética como termo designativo com suas técnicas, sistematização e adaptação às habilidades humanas, nasceu entre os gregos com o nome de retórica. Depois foi adaptada no mundo romano com o nome de oratória (sermão), e, finalmente, para o mundo religioso com o nome de homilética. Foi assim que surgiram os mais famosos homens da Grécia antiga, no estudo do discurso: Córax, Sócrates, Platão, Demóstenes. Surge então a retórica grega, dividida em: Política, forense e demonstrativa. HOMILÉTICA E RETÓRICA 45 Os romanos foram influenciados culturalmente pelos gregos e ao se empolgar com a Retórica, logo deram o nome de Oratória. Cícero e Quintiliano foram os maiores oradores romanos. Mas nunca a usaram para fins religioso, assim como os gregos também não. Os romanos estudavam a Eloquência através da oratória. Ligada a HOMILÉTICA aparecem três termos muitos relacionados entre si, mas distintos quanto o significado: 1) RETÓRICA, 2) ORATÓRIA, 3) ELOQUÊNCIA Definiremos a seguir cada um delas: • A Retórica é o estudo teórico das regras que desenvolvem e aperfeiçoam o talento natural da Palavra, baseando-se na observação e no raciocínio. • Oratória é a arte de falar em público de forma: Elegante; Precisa; Fluente; Atrativa. Muitos pregadores são até estudiosos, pesquisadores, inteligentes e de oração; mas falham quanto à elegância e fluência na transmissão da mensagem. • A Eloquência é a parte que trata da: Propriedade. Disposição. Elegância, das palavras. Falar bem atrai a atenção dos ouvintes convencendo-os pelo uso da HOMILÉTICA E RETÓRICA 46 linguagem. Portanto, Eloquência significa o ato de se falar bem. As religiões pagãs e o Judaísmo, por serem exclusivistas, quase não se interessaram em aprimorar a arte do discurso. O Cristianismo devido ao seu teor evangelístico universal foi a religião que mais adotou o discurso em sua liturgia. Na idade Média devido a expansão do Catolicismo Romano pelo mundo começou-se a desenvolver a homilética que em seguida foi aprimorada pelos reformadores. A segunda geração de pregadores da igreja preocupou-se com a pregação convincente e atraente. Assim, dedicaram-se ao estudo de como falar com mais persuasão. O PREGADOR: Baseando-se em três passagens da vida de Pedro o pregador deve ser: 1 – Aquele que esteve com Jesus - Atos 4:13 2 – Aquele que fala como Jesus – Mateus 26:73 3 – Aquele que fala de Jesus – Atos 40:10 O pregador é um interprete da bíblia, por isto tem que ter com ela um compromisso de não violar a sua mensagem. Assim, o pregador deve observar não somente o texto mas também o contexto. HOMILÉTICA E RETÓRICA 47 O Pregador pode usar alguns métodos como o esboço - É o método mais usado entre os pregadores, onde estes anotam o sermão o subdividindo em tópicos. Memorização - É talvez o método mais antigo, usado por pessoas que são dotadas de uma boa memória. Onde o pregador não utiliza o esboço e traz a mensagem apenas utilizando sua memória. Improviso - É o método onde o pregador fala totalmente de improviso apenas levando em conta o sentimento do momento O CONTEÚDO DA RETÓRICA E SUA POSIÇÃO ATUALMENTE O que seestudava na retórica clássica e como essa ciência é vista hoje? A premissa básica da retórica é que todo discurso é feito com a intenção de alterar uma situação determinada. Com o advento da Estilística, que se tornou um dos principais elementos de estudo da estética literária moderna, a Retórica tornou- se uma disciplina decadente. Alguns estudiosos de hoje começam a propor uma nova retórica. Há uma nova geração de crentes desejando mensagem genuinamente ungida, conteúdo bíblico e fervor frutífero. O estudante de Homilética deve estudar formas para melhorar sua pregação, de modo que sua mensagem seja mais frutífera. HOMILÉTICA E RETÓRICA 48 Nesse interim convém trazer a discussão proposta por Correia em seu artigo SOLA SCRIPTURA: A TRADIÇÃO PURITANA FRENTE A RETÓRICA REFORMADA, para visualizarmos como a retórica foi utilizada entre os reformadores. SOLA SCRIPTURA: A TRADIÇÃO PURITANA FRENTE A RETÓRICA REFORMADA Raynara Karenina Veríssimo Correia Resumo: Este artigo apresenta um levantamento de dados a respeito da retórica no âmbito da Reforma Protestante com o intuito de saber como esta veio a ecoar no Puritanismo. Para isso, é nossa pretensão investigar como a tradição da retórica reformada foi incorporada por meio de personagens fundamentais do movimento, como Martinho Lutero (1483- 1546), que oficializou o início do mesmo, e João Calvino (1509- 1564), considerado o maior exegeta da reforma; afetando posteriormente o movimento puritano. Do puritanismo, destacamos William Perkins (1558-1602), que legou a história um dos manuais de homilética mais vendidos na sua época. Este estudo servirá de base para entendermos mais claramente como HOMILÉTICA E RETÓRICA 49 essa tradição atravessou séculos e continentes, chegando a influenciar Jonathan Edwards (1703-1758), ícone na história eclesiástica da América. Com um trabalho desta natureza, será possível também abordar a história da hermenêutica e sua vinculação com a retórica, abrindo caminhos para futuras análises concernentes a sermonística puritana. Palavras-chave: Retórica. Reforma Protestante. Puritanismo. Sermões. RENASCIMENTO E REFORMA: AS CONTRIBUIÇÕES DE MARTINHO LUTERO E JOÃO CALVINO O movimento reformado teve em seu centro indivíduos como Martinho Lutero (1483-1546), Ulrico Zuínglio221 (1484- 1531) e João Calvino (1509-1564), e por objetivo as reformas moral, teológica e institucional da igreja cristã. Segundo McGrath (2010) e González (2011), esse movimento era complexo e heterogêneo e seu projeto não dizia respeito apenas a uma reforma doutrinária da igreja, mas balizava também fundamentos de ordem social, política e econômica. A força que essas características impunham ao movimento fez com que os impactos da Reforma ultrapassassem o cenário da Alemanha, se estendendo a diversos países do mundo. Formalmente, a Reforma Protestante ocorreu entre os anos de 1517 e 1555, porém, como avalia Randell (1955), não HOMILÉTICA E RETÓRICA 50 seria adequado afirmar que um evento de tamanha vastidão tenha tido início e fim em datas específicas. Embora a Reforma e o Renascimento tenham coincidido historicamente e sejam fundamentados em questões básicas de ordem similar, as respostas a tais questionamentos divergiram em tudo. Como explica Breen (1931), isto se deu porque por um lado, os humanistas partiam de pressupostos seculares para as suas questões, enquanto o protestantismo abordava uma perspectiva religiosa. Uma vez que a razão havia tomado o lugar da Revelação de Deus nas Escrituras, os reformadores se ocuparam em enfatizar o estudo da Palavra. Assim, na Reforma, a importância do homem deixou de ser em torno de si mesmo, voltando-se para o fato deste ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, o que propiciou o surgimento de um novo referencial hermenêutico que afetara toda a estrutura do movimento cristão, a Reforma Protestante foi, em muitos sentidos, um movimento hermenêutico. Representa um momento crucial na história da interpretação cristã das Escrituras. O domínio de séculos de interpretação alegórica é finalmente quebrado. O retorno aos princípios de interpretação defendidos pela escola de Antioquia marca a pregação, o ensino e os princípios dos reformadores. A questão da hermenêutica deslocou-se então HOMILÉTICA E RETÓRICA 51 da autoridade da igreja para a compreensão pessoal das Escrituras. Popkin (2000, p.26), no entanto, explica que, a princípio, o embate de Lutero se deu dentro da própria tradição da igreja. Somente posteriormente ele deu um passo crítico que foi negar a regra de fé da Igreja, apresentando um critério de conhecimento religioso totalmente diferente. Foi neste período que ele deixou de ser apenas mais um reformador atacando os abusos e a corrupção de uma burocracia decadente, para tornar- se o líder de uma visão pelagiana de Erasmo, o que fez com que abandonasse suas concepções. Foi a partir daí que começou a defender a crença acerca da total depravação do homem e que este só teria salvação se fosse transformado por Cristo. (OLSON,2001, p.409). A princípio, Lutero basicamente seguia a tradição medieval e agostiniana de estudo da Sagrada Escritura. Segundo Virkler (1998, p. 46), Agostinho influenciou o período medieval com sua crença de que a Escritura possuía um caráter quádruplo - histórico, etiológico, analógico e alegórico: A letra mostra-nos o que Deus e nossos pais fizeram; A alegoria mostra-nos onde está oculta a nossa fé; O significado moral dá-nos as regras ocultas da vida diária A anagogia mostra-nos aonde termina a nossa luta. HOMILÉTICA E RETÓRICA 52 Esse método possibilita uma série de interpretações, das mais variadas e fantasiosas possíveis, desviando a atenção do leitor ao que o texto está de fato querendo comunicar. Só posteriormente Lutero passou a rejeitar esse tipo de interpretação, a gramática e o contexto dominante na tradição católica, bem como os comentários escolásticos. Ele começou a considerar que, para ser um bom intérprete, deve-se levar em conta durante a exegese as condições históricas, e por isso, passou a priorizar o método histórico-gramatical e enfatizou um retorno aos pais da igreja (FERREIRA, 2014). Lutero deixou de lado os comentários alegóricos de Agostinho e passou a se debruçar exclusivamente à sua teologia e aos vários princípios que ele sistematizou a respeito de uma exegese livre de especulações e extravagâncias interpretativas. “Para reformar a igreja, era necessário obter uma forma mais pura de doutrina, e esta podia ser encontrada nos pais da igreja” (MCGRATH, 2014, p. 77). Tal retorno revela uma das afinidades entre Lutero e o humanismo. McGrath (2014) elenca outras três dessas afinidades, a saber: 1- Rejeição ao escolasticismo. Os humanistas exigiam uma teologia mais simples, ao passo que Lutero exigia uma reforma da doutrina. O desejo de voltar às Escrituras. HOMILÉTICA E RETÓRICA 53 Para os humanistas a Bíblia merecia respeito por sua simplicidade e antiguidade. Para Lutero, o respeito consistia no fato de ele crer que através dela o teólogo tinha contato com a Palavra de Deus. O interesse retórico. Enquanto os humanistas tendiam a ver na eloquência um fim em si mesmo, os reformadores reconheceram a força desta ferramenta para um fim maior, a disseminação da Palavra de Deus. Isto posto, foi categorizado um dos pilares da reforma protestante: o Sola Scriptura, princípio segundo o qual a Bíblia tem absoluta primazia sobre toda e qualquer questão relacionada à fé e prática de vida cristã. Como explicam Lopes (2004) e McGrath (2014), embora os humanistas tivessem a ideia de retornar às Escrituras em seus estudos, não se tratava de um sentido inclusivo, ou seja, outras fontes antigas poderiam ser consideradas autoritárias em algum sentidopositivo do termo. Sola Scriptura para os humanistas significava “não sem as escrituras”. Para os reformadores, a expressão significava “através das Escrituras e apenas através das Escrituras”, de modo exclusivo. O cenário instaurado inaugurava, portanto, um novo método hermenêutico e consequentemente retórico que estava a descortinar os nuances da teologia recém apresentada em Wittenberg, opondo-se ao método dialético que representou HOMILÉTICA E RETÓRICA 54 a teologia da baixa idade média. Com a pregação, os reformadores tinham o intuito de capacitar a mente, tocar as emoções e motivar os desejos, de modo que seu objetivo principal era alcançar e converter o coração, considerado o próprio núcleo do ser humano. Em uma de suas obras, Lutero enfatiza que na pregação deve-se “estimular os pecadores a sentirem seus pecados e despertar neles o desejo pelo tesouro do evangelho”. Em outro escrito, ele lastima veementemente o fato de que não poucos pregam a Cristo meramente com a intenção de comover os sentimentos humanos ao invés de comunicar a fé cristã. Lutero entendia a pregação como um trabalho nobilíssimo, que sendo um meio de salvação, não se tratava apenas de uma atividade humana, mas da palavra de Deus proclamada. Isso, porém, não significava que Lutero rejeitava o uso de recursos retóricos no discurso. Pelo contrário, tal como Cícero, ele tinha consciência dos usos abusivos da retórica, mas isso não o impedia de enxergar o lado positivo da mesma. A questão era que, no que dizia respeito à pregação das Escrituras, nenhum artifício retórico deveria encobrir ou ultrapassar o sentido original do texto. Segundo Lopes (2004, p.48), “Lutero cria que a Palavra de Deus se manifesta de três maneiras: Deus Filho (a Palavra HOMILÉTICA E RETÓRICA 55 encarnada), a Bíblia (a Palavra escrita) e a pregação (a palavra proclamada). Em vista da relação íntima entre o Filho e a Bíblia, Lutero acreditava que todo o propósito da Escritura era revelar a Cristo.” Nesse sentido, enquanto expositor, ele partia do princípio que o texto devia controlar o sermão, e não o contrário. Ou seja, não é a igreja que deve determinar o que as Escrituras têm a dizer, mas as Escrituras que devem guiar a igreja. Para isso, Lutero recorreu a dois princípios fundamentais, sendo o primeiro scriptura scripturae interpres (A Escritura é intérprete da Escritura) e o segundo, Omnis intellectus ac expositio Scripturae sit analogia fidei (toda compreensão e exposição da Escritura seja de acordo com a analogia da fé) (MCGRATH,2014). Em concordância com o pensamento luterano quanto ao propósito da pregação, João Calvino, a principal figura do segundo período da Reforma, afirmou (1847, vol.2, p.22226): “a palavra de Deus é pregada com o propósito de nos iluminar com o verdadeiro conhecimento de Deus, nos converter e nos reconciliar com Ele, para que possamos ser felizes e abençoados.” Em função disso, Calvino dedicou a sua preparação acadêmica, incluindo o conhecimento dos escritos dos pais latinos e da filosofia grega, além do domínio das línguas HOMILÉTICA E RETÓRICA 56 originais bíblicas (FERREIRA, 2014; GONZÁLEZ, 2011, LOPES, 2004) à Igreja, legando a esta um conjunto de obras que passaram a nortear os princípios da fé reformada. Segundo González (2011, p.64) ele é “sem dúvida, o mais importante sistematizador da teologia protestante do século XVI.” Para Calvino, as Escrituras nos oferecem um escopo para nossos pensamentos e ações. Por meio dela, somos capacitados a ter uma visão mais adequada acerca de Deus, do mundo e de nós mesmos, o que de outro modo seria impossível. Ele enuncia figurativamente. Exatamente como se dá com pessoas idosas, ou enfermas de olhos, e quantos quer que sofram de visão embaçada, se puseres diante deles até mui vistoso volume, ainda que reconheçam ser algo escrito, mal poderão, contudo, ajuntar duas palavras; ajudadas, porém, pela interposição de lentes, começarão a ler de forma mais distinta. Assim a Escritura, coletando-nos na mente conhecimento de Deus de outra sorte confuso, dissipada a escuridão, mostra-nos em diáfana clareza o Deus verdadeiro. Calvino cria uma relação metafórica com as Escrituras: A Palavra é lente. Ela auxilia o homem a adquirir uma compreensão clara das coisas divinas. O discurso afeta todos os sentidos do ser humano, a princípio “enfermo” e por isso incapaz HOMILÉTICA E RETÓRICA 57 de distinguir sozinho a natureza do verdadeiro evangelho, levando-o a ver quem Deus é. Embora possa ter uma noção de Deus apreendida a partir da observação da natureza, por exemplo, somente com o estudo bíblico o homem pode vir a conhece-lo em sua essência, a enxergálo com clareza, com olhos e intelecto “curados”. Numa perspectiva calvinista, Deus só se revela através da sua Palavra e é somente quando se conhece o seu Criador que se pode conhecer a si mesmo. Podemos perceber assim que o tipo de humanismo que Calvino contemplava em seus escritos consistia no fato, considerado sublime, do homem ser criatura de um Deus supremo, digno de ser adorado e glorificado. Esta ideia é expressa na sua principal obra, As Institutas da Religião Cristã: O primeiro livro, tratava do Deus criador e de sua soberania em relação àquilo que havia criado. O segundo livro, trata da necessidade de salvação do ser humano e de como alcançar essa redenção por meio de Cristo, o mediador. O terceiro livro, trata da maneira pela qual o ser humano se apropria dessa redenção, enquanto o último livro trata da igreja e de seu relacionamento com a sociedade (MCGRATH, 2010, p.103). Considerado o maior exegeta da Reforma, influenciando a igreja cristã até os dias atuais como um guia à fé evangélica, o pressuposto interpretativo de Calvino HOMILÉTICA E RETÓRICA 58 parte da ideia de que a Escritura é a Palavra de Deus inspirada e inerrante, revelada à humanidade e se confirma ao crente através do Espírito Santo. Em suas próprias palavras (1998, p. 262): Eis aqui o princípio que distingue nossa religião de todas as demais, ou seja: sabemos que Deus nos falou e estamos plenamente convencidos de que os profetas não falaram de si próprios, mas que, como órgãos do Espírito Santo, pronunciaram somente aquilo para o qual foram do céu comissionados a declarar. Todos quantos desejam beneficiar-se das Escrituras devem antes aceitar isto como um princípio estabelecido, a saber: que a lei e os profetas não são ensinos passados adiante ao bel-prazer dos homens ou produzidos pelas mentes humanas como uma fonte, senão que foram ditados pelo Espírito Santo. [...] Devemos à Escritura a mesma reverência devida a Deus, já que ela tem nEle sua única fonte, e não existe nenhuma origem humana misturada nela. Levando em consideração a figura de Deus como ser perfeito e, como consequência, sua confiabilidade enquanto orador, a inerrância e a inspiração de sua Palavra podem ser consideradas elementos seguros e fundamentais para elevar os textos bíblicos a um patamar superior à autoridade da Igreja e à tradição. “Enquanto Lutero foi o espírito fogoso e propulsor do novo movimento, Calvino foi o pensador cuidadoso que forjou, HOMILÉTICA E RETÓRICA 59 das diversas doutrinas protestantes, um todo coerente.” (GONZÁLEZ, 2011, p. 64). Podemos afirmar que o método hermenêutico de Calvino era, antes de qualquer coisa, essencialmente bíblico. Ele se dedicou à exegese gramatical quando o método alegórico ainda era a abordagem predominante no período. Em sua dedicatória a Grynaeus no Comentário de Romanos, o primeiro que escreveu, nota-se a sua preocupação em fugir da prática comum, que tendia a transpor o significado original do texto. Preocupação que anos depois se consagraria em seu próprio método exegético: Ambos [Calvino e Grynaeus] sentíamos que a lúcida brevidade