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Apresentação Este livro conta a história das Constituições brasileiras, relacionando-as aos respectivos momentos históricos. Não é mais um livro de Direito Constitucional. Longe disso. Pretende mostrar como, na maioria das vezes, os textos constitucionais estavam distantes da realidade brasileira. Acabei destacando um grande número de passagens absurdas, desconhecidas em qualquer Carta de algum país com tradição democrática, não para desqualificar as Constituições, mas para demonstrar que a permanência desse exotismo tem relação direta com a forma de fazer política no Brasil. Em vários momentos da nossa história vivemos sob regimes ditatoriais. As liberdades democráticas vigoraram por períodos muito restritos. Na verdade, só teríamos democracia plena após a promulgação da Constituição de 1988. Portanto, ao falar de uma sociedade democrática, nosso universo temporal, infelizmente, é muito restrito. Fiz uma análise sumária das Constituições, destacando seus pontos mais relevantes. Enfatizei as “pegadinhas” autoritárias dos textos constitucionais e como foram usadas para limitar as liberdades. Não é exagero afirmar que os últimos 200 anos da nossa história têm como ponto central a luta do cidadão contra o Estado arbitrário. E, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada. Este não é um livro acadêmico. A linguagem é direta. Mas a pesquisa buscou ter o cuidado de uma reconstrução detalhada dos pontos considerados centrais das Constituições e do momento em que foram produzidas. Cada Constituição mereceu um capítulo e no fim foi dedicado um especialmente ao Supremo Tribunal Federal, o guardião da Carta (ou das Cartas, afinal tivemos tantas), mas que nem sempre cumpriu com suas atribuições legais. Os poderes Executivo e Legislativo estão presentes no livro, mas o personagem principal é o Judiciário. Foi silenciado muitas vezes, é verdade. Contudo, aceitou ser calado. Nunca deu – e o livro fornece diversos exemplos – lições de cidadania, de defesa intransigente do cidadão e das liberdades. Ao contrário, deixou de exercer a sua função primordial, a aplicação da justiça. Tivemos sete Constituições, uma no Império (1824) e seis na República (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988). Pode ser acrescentada ainda à lista a Emenda Constitucional no 1 de 1969, tendo em vista o número de alterações realizadas na Constituição de 1967. Se cada uma teve suas peculiaridades, o conjunto desses textos foi marcado pela dissociação com o Brasil real. Pode ser que Machado de Assis tenha razão: ainda estamos na fase da infância constitucional. Mas quando vamos crescer? 1 1824: Liberal, Monárquica E Escravista DURANTE TODO O PERÍODO COLONIAL, que, na prática, se encerrou em 1808, quando da chegada de D. João VI ao Brasil, não vigorou nenhuma Constituição no reino português nem, evidentemente, no Brasil. Nossa primeira Constituição nasceu com o processo de Independência. Após o retorno de D. João VI a Portugal, em 1821, e a convocação de eleições para compor a representação brasileira nas Cortes – que estavam preparando a primeira Constituição de Portugal –, o panorama político ficou cada dia mais complicado. A política das Cortes – o Parlamento da época – criou uma série de problemas com os interesses brasileiros. A antiga colônia tinha suplantado economicamente a metrópole. Era uma aberração manter a união por causa do antagonismo de interesses. Quando D. Pedro I resolveu permanecer no Brasil (9 de janeiro de 1822), recusando- se a atender à ordem das Cortes de regresso a Portugal, a independência ficou mais próxima. Em maio de 1822, o príncipe regente recebeu o título de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil, concedido pelo Senado da Câmara do Rio de Janeiro. Em 3 de junho desse ano, expediu um decreto convocando uma Assembleia Constituinte. Não estava claro quais eram suas reais atribuições, pois, em Portugal, estava em andamento, nas Cortes, a redação de uma nova Constituição, que serviria para todo o Império, incluindo, obviamente, o Brasil. Com a Independência, em setembro, a Assembleia Constituinte se transformou na fundadora da vida legal brasileira. Sua primeira tarefa era a de redigir a Constituição. Foram eleitos 100 deputados. A maior delegação era de Minas Gerais (20), seguida de Pernambuco (13), São Paulo (9), Rio de Janeiro e Ceará (ambos com 8). A maioria era formada por bacharéis em Direito (26), mas havia também desembargadores (22), clérigos (19) e militares (7). A primeira reunião ocorreu oito meses depois, em 3 de maio de 1823. O imperador fez um discurso na sessão de abertura, com ameaças implícitas à “licenciosa liberdade”. Concluiu dizendo que esperava que a Carta “mereça a minha imperial aceitação”. A resposta da Assembleia à fala de D. Pedro I já denotava a possibilidade de um conflito entre os poderes. O voto, redigido por Antônio Carlos, irmão de José Bonifácio, considerado o Patriarca da Independência, dizia que a Assembleia não trairia os votos recebidos “oferecendo os direitos da Nação, em baixo holocausto ante o trono de Vossa Majestade Imperial, que não deseja e a quem mesmo não convém tão degradante sacrifício”, e que as prerrogativas da Coroa, que completariam o ideal da monarquia, “quando se conservam em raias próprias, são a mais eficaz defesa dos direitos do cidadão e o maior obstáculo à erupção da tirania de qualquer denominação que seja”. Depois de dezenas de sessões e muito debate, o projeto constitucional não foi do agrado do imperador. Era muito liberal para um autocrata. Impedia, por exemplo, que pudesse dissolver a Câmara. Pouco depois, Bonifácio saiu do governo. A nova administração deu uma guinada em direção aos interesses dos portugueses. Em novembro, a tensão chegou ao auge: choques entre cidadãos brasileiros e portugueses, jornais atacando o Ministério e D. Pedro I, além de ameaças de dissolução da Constituinte. A linguagem dos periódicos era extremamente violenta. O Tamoio, jornal dos irmãos Andradas, é um bom exemplo. Nele, os ministros do imperador eram ridicularizados. O da Fazenda, Nogueira da Gama, era chamado de “jesuíta versátil, de cuja improbidade, mesquinhez de ideias e nulidade em administração financeira ninguém duvida”. O da Justiça, Montenegro, era considerado “um corpo sem alma, incapacidade personificada, e debaixo da envernizada fronte e chocho rosto, salpicado de sorriso apatetado”. As últimas sessões tiveram grande audiência: centenas de populares assistiram aos debates. Em 1.º de novembro de 1823, oficiais das guarnições militares, no Rio de Janeiro, dirigiram-se ao imperador exigindo a expulsão dos Andradas da Constituinte. D. Pedro contemporizou e pediu aos deputados que adotassem medidas para garantir a paz pública. Em 11 de novembro, a Assembleia declarou-se em sessão permanente. Antônio Carlos foi o maior defensor da independência dos constituintes, para que pudessem concluir seu trabalho, ameaçados pelas pressões do poder militar do imperador: “Não admito, pois, restrições à liberdade de imprensa; quero é que se diga ao governo que a falta de tranquilidade procede da tropa e não do povo, e que a Assembleia não se acha em plena liberdade, como é indispensável para deliberar, o que só poderá conseguir- se removendo a tropa para maior distância”. De nada adiantou seu protesto. A Assembleia foi cercada por centenas de soldados, e a Constituinte foi dissolvida. Parlamentares foram presos. Um deles, o mesmo Antônio Carlos, irônico, na saída do prédio, saudou, ao passar ao lado de uma peça de artilharia: “Respeito muito seu poder”. Começava a triste história dos golpes de Estado no Brasil. A palavra foi derrotada pelocanhão. O poder impôs pela força sua vontade. Os irmãos Andradas (José Bonifácio, Antônio Carlos e Martim Francisco) e mais três deputados foram deportados para a França. Numa curiosa inversão, no ato de dissolução da Constituinte, D. Pedro I afirmou que outorgaria uma Constituição “duplicadamente mais liberal”. Justificou até as prisões: “As prisões agora feitas, serão pelos inimigos do Império, consideradas despóticas. Não são. Vós vedes que são medidas da polícia próprias para evitar a anarquia e poupar as vidas desses desgraçados, para que possam gozar ainda tranquilamente delas e nós de sossego”. Disse que “o gênio do mal inspirou danadas tensões a espíritos inquietos e mal-intencionados e soprou-lhes nos ânimos o fogo da discórdia”. De acordo com ele, “foi crescendo o espírito de desunião; derramou-se o fel da desconfiança”, e os constituintes “maquinavam planos subversivos e úteis aos seus fins sinistros, ganhavam uns de boa-fé e ingênuos com as lisonjeiras ideias de firmar mais liberdade, esse ídolo sagrado sempre desejado e a mais das vezes desconhecido”. Para ganhar tempo e evitar resistência em outras províncias, o porto do Rio de Janeiro foi fechado. Quando as províncias, finalmente, receberam a notícia, repudiaram veementemente. A Bahia protestou, manifestou repúdio pelo fechamento da Constituinte, solicitou a libertação dos deputados presos e que o imperador mantivesse o sistema constitucional. D. Pedro não se fez de rogado. Respondeu: “Quanto à mágoa da Província pela dissolução da Assembleia, não fora menor a de seu paternal coração, quando se viu na dura e indispensável necessidade de dar ao leal e generoso povo brasileiro esse motivo de descontentamento”. As províncias receberam muito mal o fechamento da Constituinte, mas foi em Pernambuco e no Ceará que a resistência foi maior e levou à eclosão da Confederação do Equador, em 1824. Os rebeldes foram reprimidos violentamente e dezenas de líderes, mortos. Frei Caneca foi fuzilado em janeiro de 1825, no Recife. O pai do escritor José de Alencar, o padre José Martiniano de Alencar, foi preso, acusado do crime de rebelião (acabou recebendo o perdão imperial). O tio do escritor, Tristão de Alencar Araripe, morreu em 1824. Só a família Alencar perdeu oito membros na rebelião. O imperador, tentando dourar seu autoritarismo, chegou até a convocar, em 17 de novembro de 1823, eleições para uma nova Constituinte, porém não estabeleceu data. Pura manobra. O decreto foi logo esquecido. Quatro meses depois, pela “graça de Deus e unânime aclamação dos povos”, o imperador outorgou a nossa primeira Constituição. Fingindo humildade, logo na apresentação, dizia que enviou o projeto às Câmaras aguardando sugestões, que, evidentemente, não ocorreram – nem seriam aceitas. Tudo fez, como escreveu, para a “felicidade política” do povo brasileiro. Não se esqueceu de destacar que a Constituição foi outorgada “em nome da Santíssima Trindade”. Dos 179 artigos, reservou 88 para o Poder Legislativo. Mas o apreço pelo Parlamento não era sincero, tanto que o manteve fechado por dois anos e meio – só foi reaberto em 1826. Mesmo assim, reduziu o período do seu funcionamento a quatro meses por ano. Democrático, “pero no mucho”, o imperador limitou quem deveria ser eleitor. Todos eram iguais, mas uns eram mais iguais que outros. As eleições seriam indiretas. No município votariam os maiores de 25 anos, livres (30% da população era escrava), e excluíam-se os criminosos, criados e quem não tivesse renda anual mínima. Os eleitos nos municípios seriam eleitores para as outras duas esferas: a provincial (como eram chamados os estados) e a nacional. De acordo com o artigo 94, era necessária renda mínima anual de 200 mil-réis. Assim, o critério era a renda (chamado censitário) e não envolvia a alfabetização, como será disposto, no fim do Império, pela Lei Saraiva, de 1881. Pelo projeto da Constituinte, a restrição da renda tinha como referência alqueires de farinha de mandioca, daí a expressão Constituição da mandioca. A Constituição começava com uma afirmação falsa, logo no primeiro artigo: “O Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros”. Todos, para o imperador, era uma ínfima minoria: os livres e que tivessem renda mínima, que, naquela época, não era desprezível. O conceito de “cidadão”, em vez de ser geral, como representante do povo com direitos democráticos, serviu para restringir. Esse desvirtuamento permaneceu ao longo do tempo, tanto que acabou virando vocábulo policial. É comum ouvir um policial falando que o “cidadão se evadiu”; aqui o conceito democrático, numa cruel inversão, virou sinônimo de meliante. Democracia, para o imperador, era boa desde que controlada. O Senado seria eleito – de forma restrita, como era estipulado –, mas os eleitores somente indicariam suas preferências ao imperador. Dos três mais votados, um deles seria escolhido. O mandato seria vitalício. Assim, seriam evitadas, tanto quanto possível, as eleições para o Senado. Machado de Assis, que, quando jovem, trabalhou como setorista do Diário do Rio de Janeiro, cobrindo as sessões do Senado, retratou como a vitaliciedade transformava aquela Casa em um cenáculo de anciãos. O Marquês de Itanhaém, quando chegava ao Senado, “mal se podia apear do carro, e subir as escadas; arrastava os pés até à cadeira […] Era seco e mirrado […]. Nas cerimônias de abertura e encerramento agravava o aspecto com a farda de senador. Se usasse barba, poderia disfarçar o chupado e engelhado dos tecidos, a cara raspada lhe acentuava a decrepitude”. Precavido, o imperador reservou 11 artigos para tratar da “família imperial e sua dotação”. Afinal, nem ele era de ferro. Determinou que caberia ao país manter seus príncipes, e a Assembleia determinaria os valores das dotações. Não se esqueceu de si mesmo e fez uma reclamação constitucional no artigo 108: “A dotação assinada ao presente imperador e à sua augusta esposa deverá ser aumentada, visto que as circunstâncias atuais não permitem que se fixe desde já uma soma adequada ao decoro de suas augustas pessoas e dignidade da nação”. Sequioso, e sem distinguir os recursos familiares daqueles originários do Erário nacional – dando início a uma prática nociva, que se manteve no Brasil –, impôs mais um artigo, o 115: “Os palácios e terrenos nacionais, possuídos atualmente pelo senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo aos seus sucessores; e a nação cuidará nas aquisições e construções que julgar convenientes para a decência e o recreio do imperador e sua família”. Preocupado ao extremo em manter o poder absoluto, mesmo com o manto de imperador constitucional, impôs mais um artigo ultracentralizador. O governador provincial seria “nomeado pelo imperador, que o poderá remover, quando entender que assim convém ao bom serviço do Estado”. Como no Brasil os maus exemplos são sempre seguidos, o Estado Novo (1937-1945) e a ditadura militar implantada em 1964 usaram também desse artifício e impuseram à força os governadores estaduais como meros delegados do poder central. Dentro desse perfil autoritário, o imperador reservou apenas 14 artigos constitucionais para o Judiciário – três a mais que os dedicados aos recursos pecuniários da família real – e restringiu o quanto pôde a autonomia dos juízes. Mesmo afirmando que “o poder judicial é independente”, o artigo 154 determinava que o “Imperador poderá suspendê-los [os juízes] por queixas contra eles feitas, precedendo audiência dos mesmos juízes, informação necessária, e ouvido o Conselho de Estado”. Não satisfeito com tanta concentração de mando, D. Pedro I criou mais um poder, o quarto: o Poder Moderador, que era “delegadoprivativamente ao Imperador como chefe supremo da nação”. E mais: o artigo 99 determinava que “a pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Além disso, “o Imperador é o chefe do Poder Executivo”. Foi esse sentimento de poder absoluto que pode explicar a forma como, em 1831, abdicou do trono, após forte pressão popular. Sem apoio militar, D. Pedro I teve de optar pela renúncia. No texto de cinco linhas, em um papel sem timbre, escreveu: “Usando do direito que a Constituição me concede, declaro que hei mui voluntariamente abdicado na pessoa do meu mui amado e prezado filho o Sr. D. Pedro de Alcântara”. O documento não tem destinatário, nem explicita do que abdicou. Não precisava. Para D. Pedro I, o poder era uma extensão de si mesmo. O pior é que fez escola. Não é acidental que o autoritarismo esteja tão presente no Brasil. O país já nasceu com uma organização política antidemocrática. E o poder nunca se reconheceu como arbitrário. Ao contrário, D. Pedro I inaugurou o arbítrio travestido de defensor das liberdades – a esquizofrenia de um discurso liberal e uma prática repressiva. No mesmo ano da Constituição outorgada, escreveu que era indigno um governante “que não ama a liberdade de seu país e que não dá aos povos aquela justa liberdade”. Continuou: “Amo a liberdade e, se me visse obrigado a governar sem uma Constituição, imediatamente deixaria de ser imperador, porque quero governar sobre corações com brio e honra, corações livres”. Encontrou resposta dos autênticos liberais, como Cipriano Barata: “Os habitantes do Brasil desejam ser bem governados, mas não se submeter ao domínio arbitrário”. E foi ainda mais direto: ele “não é o nosso dono”. No fim da Constituição, o imperador incluiu algumas garantias políticas e civis no artigo 179. Mesmo perseguindo, ameaçando e prendendo jornalistas que criticavam seus atos, a Carta fala que “todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura”. Não é o que a prática imperial demonstrou. Em junho de 1823, o jornalista Luís Augusto May, redator de A Malagueta, acreditando no “liberalismo” do imperador, fez duros ataques ao seu governo. Em vez do respeito à liberdade de imprensa, foi alvo de um bárbaro espancamento na própria casa por um grupo de quatro mascarados (algumas fontes informam que o próprio Pedro I teria participado do ato). Ironicamente, o mesmo artigo constitucional dispõe que “todo cidadão tem em sua casa um asilo inviolável”. Ainda proclamando os direitos do cidadão, e mantendo a dissociação entre o Brasil real e o legal, a Constituição determinava que “as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes”. Mas pior, muito pior, é o parágrafo 19, do mesmo artigo: “Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as penas cruéis”. A ironia e a crueldade desse parágrafo são enormes. Até 1886, dois anos antes da Lei Áurea, os escravos continuavam a ser castigados barbaramente pelos seus donos. Durante todo o Império vigorou o Código Criminal, que, no artigo 60, determinava que, se “o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado à de açoites, e, depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro, pelo tempo e maneira que o juiz determinar”. Já o artigo 44 dispunha que “a pena de galés sujeitará os réus a andarem com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados”. Tal castigo foi abolido só após a morte de dois escravos que tinham recebido uma pena de 300 açoites cada um. O fato ocorreu a apenas 70 quilômetros do Rio de Janeiro. Teve enorme repercussão e o Parlamento acabou aprovando a eliminação desse castigo corporal. Mas não foi tão simples assim. Parlamentares defensores da escravidão, como o Barão do Bom Retiro, argumentaram que com a extinção da pena de açoites restariam as “de galés e de prisão com trabalho, e penso que nenhuma destas será eficaz com relação ao escravo. Para muitos, a de prisão com trabalho, sendo este, como deve ser, regular, tornar-se-á até um melhoramento da condição senão um incentivo ao crime”. Dos países latino-americanos, foi no Brasil que o trabalho escravo negro permaneceu por mais tempo. A longevidade da escravidão está vinculada à sua importância econômica. Em 1870, todos os 643 municípios do Império possuíam escravos. O primeiro golpe na escravatura foi a abolição do tráfico, ocorrido depois de 40 anos de pressões britânicas, pela Lei Eusébio de Queirós (1850). Nos anos 1860, vários acontecimentos favoreceram o movimento emancipacionista no Brasil: a Guerra do Paraguai (1864-1870), ocasião em que milhares de escravos foram libertados e enviados aos campos de batalha para servir no lugar dos seus proprietários (a lei permitia esse absurdo); a Guerra Civil Americana (1861- 1865), com a consequente vitória dos nortistas, favoráveis ao término da escravatura; a extinção da servidão na Rússia (1861); a abolição da escravidão nas colônias dos impérios francês e português. Em 1871, depois de intensos debates, foi aprovada a Lei Rio Branco (também conhecida como Lei do Ventre Livre), que pretendia transformar o regime de trabalho gradualmente, sem abalar a estrutura econômica. Mesmo assim, encontrou forte resistência, especialmente nas províncias cafeeiras. Na Câmara, a lei foi aprovada por 65 votos; dos 45 contrários, 30 foram de representantes dos produtores de café, principal produto de exportação do país. O fundo de emancipação criado pela lei obteve poucos resultados: os proprietários aproveitaram para libertar escravos doentes, portadores de deficiência física, cegos, em suma, aqueles “imprestáveis” para o trabalho. O movimento abolicionista foi um produto dos anos 1880. Foi no Ceará que, pela primeira vez, o abolicionismo se transformou em um movimento de massa. Em 16 meses libertou 23 mil escravos. Do Ceará, o movimento chegou às províncias do Amazonas e Rio Grande do Sul, onde foram libertados 40 mil escravos. Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe (também chamada Lei dos Sexagenários) libertou todos os escravos maiores de 65 anos. Foi considerada meramente protelatória da abolição total da escravidão, um instrumento para esvaziar o crescente movimento abolicionista, que tinha como principal figura o deputado pernambucano Joaquim Nabuco. Quando chegou ao governo o gabinete parlamentarista liderado por João Alfredo (março de 1888), a abolição era a principal questão política do país. O governo tentou, inicialmente, apoiar a abolição imediata, mas com um adendo: obrigava os escravos a permanecer nas fazendas onde foram cativos, por mais dois anos. Qualquer proposta protelatória – dado o vertiginoso crescimento do sentimento nacional abolicionista – estava fadada ao fracasso. Restou a abolição direta, imediata. O projeto tramitou rapidamente. Na Câmara ainda teve nove votos contrários, dos quais oito de representantes da província do Rio de Janeiro. No Senado foi aprovada facilmente, ainda que com objeções, como do senador Cotegipe: “Decreta-se que neste país não há propriedade, que tudo pode ser destruído por meio de uma lei, sem atenção nem a direitos adquiridos, nem a inconvenientes futuros!”. Imediatamente a lei foi sancionada pela regente, a princesa Isabel, no Paço da Cidade. Após o autógrafo real, Nabuco foi à sacada para anunciar à multidão que tinha terminado a escravidão no Brasil. A Constituição de 1824 foi a que por mais tempo permaneceu em vigência. Não necessariamente pelas suas qualidades, mas pelas características do regimeimperial. Foi no século XIX, juntamente com a Constituição estadunidense, a mais longeva. Tudo indicava que passaria por modificações com o reinado de Isabel, sucessora ao trono. A abolição e as transformações oriundas do grande desenvolvimento da economia cafeeira estavam levando ao nascimento de uma sociedade mais plural. Contudo, o golpe militar republicano de 1889 acabou interrompendo esse processo. 2 1891: Liberdade, abre as asas sobre nós? NO RIO DE JANEIRO, na manhã do dia 15 de novembro de 1889, dona Mariana, a zelosa esposa de Deodoro da Fonseca, quis, por todos os meios, impedi-lo de sair de casa. O velho marechal estava doente. No dia anterior, seu médico particular tinha recomendado repouso absoluto. Mesmo assim, o velho marechal saiu, contrariando as recomendações médicas e da esposa, e dirigiu-se ao Campo de Santana, sede do quartel-general do Exército. Lá, depois de alguns entreveros meramente verbais, liderou a queda da monarquia. Horas depois foram nomeados os ministros do novo regime. A resistência foi quase nula. O regime estava desgastado e sem bases sociais. Perdeu apoio dos escravocratas e não conseguiu obter adesões dos setores dinâmicos da nova economia cafeeira. O republicanismo era uma corrente de pouca importância na política brasileira. Basta recordar a última eleição parlamentar do Império, em 30 de agosto de 1889. Dos 125 parlamentares eleitos, apenas dois eram republicanos. O temor de que o imperador – ou sua sucessora constitucional, a princesa Isabel – apoiasse um programa de reformas econômico-sociais acabou acelerando o nascimento da República. E mais: a introdução do novo regime federativo, com a transferência de grande parte dos poderes do governo central para as oligarquias estaduais, propiciou a adesão em massa dos antigos monarquistas. No dia 16 de novembro de 1889 todos eram republicanos. O decreto no 1 formalizou o surgimento do novo regime. De acordo com o artigo 1.º, “fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da nação brasileira a República Federativa”. No artigo 7.º do mesmo decreto, ficou disposto que a forma republicana ficaria aguardando o “pronunciamento definitivo do voto da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular”. A vontade popular teve de esperar mais de um século: somente em 1993 foi realizado o plebiscito sobre os regimes e as formas de governo. O Governo Provisório emitiu decretos em larga escala. A pressa foi tão grande que muitos acabaram levando o mesmo número. Como solução, receberam, após o número, uma letra para distinguir um do outro. Todos vinham com uma justificativa oficial do governo: “constituído pelo Exército e pela Armada, em nome da nação”. Da lista dos decretos, vale selecionar os mais bizarros. O de no 78 baniu do Brasil o Visconde de Ouro Preto – último chefe de gabinete do Império –, Carlos Afonso e Silveira Martins, este último, além de desterrado, obrigado a residir em algum país europeu, caso sui generis em matéria de banimento. O 78A confirmou o banimento do imperador e acrescentou a proibição de sua família possuir bens em território nacional. O 113E criou o cargo de secretário-geral do Conselho de Ministros para o sobrinho predileto de Deodoro, Fonseca Hermes, que, posteriormente, foi acusado de falsificar atas de reuniões do Governo Provisório para favorecer banqueiros, durante o período de especulação financeira conhecido como Encilhamento. O decreto 42B transformou o dia 8 de dezembro em feriado nacional. Era uma forma de homenagear a Argentina. Os republicanos tinham apreço especial para com o país vizinho. No fim do Império, uma questão azedava a relação entre os dois países. Era a reivindicação argentina de se apossar da maior parte de Santa Catarina. Chamavam o estado brasileiro de território das Missões. O Império dava à região a denominação de Palmas. Lá, de acordo com um levantamento, moravam 5.793 habitantes, dos quais somente 30 eram estrangeiros. E pior: nenhum era argentino. Mesmo assim, Buenos Aires insistia que o território pertencia à Argentina. Quintino Bocaiuva, ministro das Relações Exteriores, foi enviado para negociar uma solução para a região em litígio. Incluiu na comitiva, além da sua família, 14 auxiliares. Esqueceu, porém, de levar os mapas brasileiros. Teve de analisar os mapas confeccionados pelos argentinos. Aceitou, sem discutir, todas as reivindicações: chamou oficialmente a região de Missões e concordou em entregar todo o território para a Argentina. Quando a notícia chegou ao Brasil, causou grande comoção. O Congresso platino, claro, ratificou imediatamente o tratado; o brasileiro, que só se instalou em 25 de fevereiro de 1891, rejeitou. Criou-se um impasse. Para encontrar uma solução, os dois países concordaram com o arbitramento do presidente dos Estados Unidos, proposta defendida pelo último gabinete do Império e que já tinha sido aceita pela Argentina antes da proclamação da República. Quatro anos depois, o presidente Grover Cleveland apresentou laudo favorável ao Brasil. Em tempo: o feriado homenageando a Argentina só foi comemorado em 1889. Com o objetivo de refundar o Brasil, o governo criou uma nova bandeira, quis – mas não conseguiu – impor um novo hino (acabou permanecendo o composto por Francisco Manuel da Silva) e, pelo decreto 155B, determinou uma nova relação dos feriados nacionais: “1 de janeiro, consagrado à comemoração da fraternidade universal; 21 de abril, consagrado à comemoração dos precursores da independência brasileira, resumidos em Tiradentes; 3 de maio, consagrado à comemoração da descoberta do Brasil; 13 de maio, consagrado à fraternidade dos brasileiros; 14 de julho, consagrado à comemoração da República, da liberdade e da independência dos povos americanos; 7 de setembro, consagrado à comemoração da independência do Brasil; 12 de outubro, consagrado à comemoração da descoberta da América; 2 de novembro, consagrado à comemoração geral dos mortos; e 15 de novembro, consagrado à comemoração da pátria brasileira”. A lista dos feriados excluiu todas as datas religiosas, excetuando o dia de Finados. Incluiu datas comemorativas republicanas, buscando associar o novo regime com a história do Brasil. O desconhecimento dos novos feriados foi tão grande que o governo teve de editar um livro, escrito por Rodrigo Octávio, explicando o significado das datas. Dias após o golpe de 15 de novembro, os jornais divulgaram que havia começado um movimento entre os membros do Clube Militar para, por meio de uma subscrição nacional, recolher fundos particulares para pagar a dívida externa. Humildes funcionários públicos acabaram sendo coagidos a aderir, assinando um termo em que concordavam com um desconto mensal nos seus salários. São desconhecidos os desdobramentos dessa campanha. Mas de uma coisa se sabe: não só a dívida externa não foi paga, como também cresceu em progressão geométrica após o advento da República. Políticos que aderiram ao novo regime logo buscaram apoio dos escritores, que estavam sedentos por uma boquinha. O emprego público acabou se transformando em sinônimo de intelectual. Só o governador do Rio de Janeiro empregou quatro: Coelho Neto, Pardal Mallet, Aluísio Azevedo e Olavo Bilac. Este último brincava dando despachos em forma de versos. Foram seis meses de trabalho. Certa feita, a professora Ana Maldonado solicitou três meses de licença médica e Bilac deu o seguinte despacho: “Se dona Ana Maldonado For uma bela mulher, Tenha o dobro do ordenado E do tempo que requer. Mas se for velha e metida,O que se chama canhão, Seja logo demitida, Sem maior contemplação”. Mas o novo regime não esqueceu de controlar a imprensa. Afinal, diante de tantos desmandos, foram pipocando críticas. Como resposta, editou o decreto 85A, equiparando o crime de imprensa ao de sedição militar. Na justificativa usou de uma linguagem até então desconhecida nos documentos oficiais: “Seria, da parte do governo, inépcia, covardia e traição deixar os créditos da república à mercê dos sentimentos ignóbeis de certas fezes sociais”. E continuou: “Os indivíduos que conspirarem contra a República e seu governo; que aconselharem ou promoverem por palavras, escritos ou atos, a revolta civil ou a indisciplina militar; que divulgarem nas fileiras do Exército e da Armada noções falsas e subversivas tendentes a indispô-las contra a República, […] serão julgados militarmente por uma comissão militar nomeada pelo ministro da Guerra e punidos com as penas militares de sedição”. A insânia republicana era permanente. Em 15 de janeiro, para comemorar o segundo mês do novo regime, desfilaram tropas do Exército e da Marinha pelas ruas do Rio de Janeiro até o Palácio Itamaraty, sede do governo. Um grupo de populares resolveu aclamar Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e o almirante Eduardo Wandelkolk, que estavam na sacada externa do palácio. Açulados pelo major Serzedelo Correa, secretário de Constant, populares saudaram Deodoro aos gritos de “viva o generalíssimo”. Emocionado, o velho marechal “aceitou” a promoção a generalíssimo. De acordo com o decreto, tudo correu por “aclamação popular”. É caso único na história militar brasileira, mais ainda porque a patente inexistia no Exército. Demonstrando um ar magnânimo, Deodoro resolveu promover imediatamente os dois colegas de farda que o acompanhavam na sacada: Constant virou general e Wandelkolk, vice-almirante. Não satisfeito, Deodoro estendeu para todos os ministros civis a patente de general de brigada. Da noite para o dia, Rui Barbosa, Francisco Glicério, Campos Sales, Quintino Bocaiuva e Aristides Lobo viraram generais e foram tratados como tais pelo velho generalíssimo. De acordo com o decreto, “honras militares constituem a maior remuneração que excepcionalmente se pode prestar aos beneméritos da pátria e que os ministros civis, por sua dedicação e amor à causa pública, se tornam credores desta distinção”. Eduardo Prado, escrevendo ainda no calor da hora, resumiu bem a situação: “Aquilo já não é militarismo, nem ditadura, nem república. O nome daquilo é carnaval”. Em junho de 1890, o Governo Provisório convocou para setembro as eleições para a Assembleia Constituinte, que deveria ser instalada no primeiro aniversário da Proclamação da República. No mesmo decreto (510) foi divulgada a proposta do governo para a nova Constituição. Era, inegavelmente, uma interferência indevida do Executivo nos trabalhos da futura Constituinte. Para piorar, o governo determinou que sua proposta entraria em vigor imediatamente, até a promulgação da Constituição a ser elaborada. Além disso, impôs aos constituintes a obrigação de primeiramente apreciar o projeto do governo. Entre outras propostas, indicava que o mandato presidencial seria de seis anos. Pior: eleito indiretamente por um colégio eleitoral. E mais um conjunto de medidas que acabaram sendo ignoradas pelos constituintes. Durou pouco: quatro meses depois, pelo decreto 914, o governo revogou a Constituição anterior e apresentou outra Carta, que também ignorava a futura Constituinte, que se reuniria no mês seguinte. Ainda em junho foi definido, também por decreto, o regulamento da eleição. Foi elaborado pelo ministro do Interior, Cesário Alvim. O ato foi severamente criticado pelos oposicionistas, pois permitia que quem estivesse no exercício de funções de confiança, nomeado pelo Governo Provisório, fosse candidato. Dessa forma, governadores, secretários, comandantes militares, juízes, funcionários administrativos e ministros poderiam ser (e foram) candidatos. Dos ministros de Deodoro, somente Benjamin Constant não foi eleito, pela simples razão de não ter sido candidato. Dois irmãos de Deodoro e um sobrinho foram eleitos, apesar de desconhecidos dos eleitores. Pelo regulamento, o total de constituintes a serem eleitos deveria ser de 268, dos quais 63 senadores (três por estado, além do Distrito Federal) e 205 deputados (a maior bancada era de Minas Gerais, com 37 membros, seguida da de São Paulo e da Bahia, com 22 cada uma). O regulamento Alvim determinava no artigo 32 que, “no caso de não saber ou não poder o eleitor escrever o seu nome, escreverá em seu lugar outro por ele indicado e convidado pelo presidente da mesa”. Contudo, o decreto 200A, de 8 de fevereiro de 1890, no artigo 4.º declarava que são eleitores “todos os cidadãos brasileiros natos, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever”. Cabe indagar: se o eleitor sabe ler e escrever, por que precisaria que outra pessoa assinasse a ata? Se o eleitor lia e escolhia os nomes escritos na cédula eleitoral, como não conseguiria simplesmente assinar seu nome? Mas o regulamento não ficou só nisso. O presidente da mesa eleitoral era o prefeito ou o presidente da antiga Câmara. E mais: qualquer dúvida que surgisse no momento da eleição caberia ser resolvida pelo presidente da mesa (artigos 13 e 17). As atas seriam preenchidas em quatro vias: a primeira seria enviada para as capitais estaduais; a segunda, para o Ministério do Interior; e as duas restantes, uma, para a Câmara e outra, para o Senado, que só se reuniriam inicialmente em 15 de novembro, dois meses após as eleições. E aí, para quem a oposição poderia recorrer? Não havia nenhum poder independente. A máquina eleitoral da União e dos governos estaduais elegeu quem bem quis. Um dos casos mais escandalosos foi o de Silva Jardim. Republicano histórico e considerado o grande propagandista do novo regime, resolveu ser candidato pelo seu estado, o Rio de Janeiro. Tinha planos de presidir a Constituinte. Ledo engano. Não fez parte da chapa do governador, nem foi eleito. Recebeu metade dos votos do último colocado da chapa oficial, Alberto Brandão, um conhecido escravocrata, que propôs ao governador aplicar o artigo 295 do Código Criminal de modo que os libertos de 13 de maio fossem obrigados a regressar para as fazendas onde haviam sido escravos. Jardim protestou, denunciou diversas irregularidades, atas falsas e eleições fictícias em vários municípios. De nada adiantou. Desiludido, semanas após o pleito, viajou para a Europa. Acabou morrendo tragicamente na Itália, em 1891, ao visitar o Vesúvio, caindo numa fenda próxima à cratera e tragado pelo vulcão. Demonstrando a orientação laica (e com algum viés positivista), a Constituição de 1891 iniciava-se sem fazer referência a Deus ou, como na de 1824, à Santíssima Trindade. Os constituintes optaram pela forma “representantes do povo brasileiro”. No artigo 3.º foi determinado que a União demarcaria uma área de 14.400 quilômetros quadrados – é curiosa a precisão da extensão da demarcação – no Planalto Central, para “nela estabelecer-se a futura Capital Federal”. Seguindo a velha prática nacional, de sempre deixar para o dia seguinte, a futura capital só seria transferida 69 anos depois. Um mérito da Constituição é a sua concisão, especialmente para os nossos padrões, marcados pela prolixidade. São 91 artigos e mais oito disposições transitórias. É a Carta mais enxuta da nossa história. Parte disso deve ser creditada à brevidade da Assembleia Constituinte. Instalada em 15 de novembro, teve 58 dias de sessões. Uma comissão com 21 constituintes – cada um representando um estado – em duas semanas jáapresentou a primeira versão do texto constitucional. E em fevereiro o plenário aprovou a nova Carta. Em grande parte, a celeridade decorreu da ameaça de um surto de febre amarela na Capital Federal, o que assustou os constituintes. Pela primeira vez um artigo constitucional declarou que as Forças Armadas são permanentes e estabeleceu os limites de obediência. O artigo 14 dispôs que “as forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior”. Não foi acidental: um quarto dos constituintes eram militares. Não perderam a oportunidade para defender os seus interesses corporativos. O artigo 77 garantiu que “os militares de terra e mar terão foro especial nos delitos militares”. Não pode ser esquecida a polêmica envolvendo militares e governo entre 1886 e 1889, nem as supostas ameaças de extinção do Exército ou de criação de novas forças militares. O civilismo do Império era odiado pelos militares. Queriam ter autonomia e não mais aceitavam ser comandados “pelos casacas”: dois terços dos ministros das pastas militares, durante o Segundo Reinado, foram civis. Foi mantido o funcionamento do Congresso ordinariamente durante quatro meses do ano. Cada legislatura deveria durar três anos. O Senado assumiu nova forma: cada estado teria direito a três senadores e o mandato seria de nove anos. Em caso de impedimento de um senador, seria eleito um substituto para completar o tempo restante do mandato. Para a Câmara determinou- se um mínimo de deputados por estado: quatro. Foi ordenada a realização de um recenseamento para estabelecer corretamente a população de cada estado. A disposição só seria colocada em prática 29 anos depois, em 1920. Um ponto importante da Constituição – e que será muito utilizado pela oposição, nem sempre com sucesso – foi o instituto do habeas corpus, que não estava presente na Constituição imperial, mas sim no Código de Processo Criminal de 1832. Nem todos eram eleitores. Era preciso ter mais de 21 anos e ser brasileiro. Da lista obrigatória de eleitores estavam excluídos os analfabetos (diversamente da Constituição de 1824), os mendigos, os praças de pré e os religiosos “de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade individual”. Ao excluir os analfabetos, a ampla maioria dos cidadãos acima de 21 anos era mera espectadora nas eleições. Entre os negros a situação era muito pior. Pelos dados de 1872, quando ainda havia escravidão, dos 1.509.403 cativos, apenas 1.403 eram alfabetizados. Os juízes e militares poderiam ser eleitores e eleitos para qualquer cargo. Isso gerou um sem-número de problemas. Partidarizava as Forças Armadas e o Poder Judiciário, e colocava em risco constantemente a lisura das eleições, especialmente nos estados onde os coronéis exerciam enorme poder político. No caso dos militares, excetuando os estados politicamente mais importantes (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), tiveram papel político relevante como governadores. Curiosamente, impunha-se à força, aos estrangeiros que estavam morando aqui, a cidadania brasileira: “os estrangeiros, que, achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro de seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem”. O silêncio ou o desconhecimento da norma constitucional transformavam centenas de milhares de estrangeiros em brasileiros. Isso no momento da grande imigração, especialmente para o sul do país. O imigrante, como seria de esperar, desconhecia a língua e as leis do Brasil. Contudo, virava brasileiro sem saber, pela força. E o voto das mulheres? Em 1891, em nenhum país da Europa as mulheres tinham direitos políticos. O primeiro seria a Noruega, somente em 1913. Portanto, não causa admiração que a maioria dos constituintes foram opositores radicais do projeto que igualava os direitos políticos dos homens aos das mulheres. Para Lauro Sodré, a proposta era “anárquica, desastrada, fatal”. Para Barbosa Lima, o voto feminino seria mais trágico: “Demos o direito de voto à mulher. Pois bem, seja uma família que tenha, além da mãe, duas ou três filhas maiores, sogra, tia, enfim, diversas senhoras e diversos parentes. Dá-se uma eleição. Nós estamos em verdadeira anarquia moral e mental: na eleição municipal, discordam; na eleição regional, discordam; na eleição provincial, discordam; na eleição geral, discordam também. Que poderia acontecer? O seguinte: a mulher, em lugar de estar entregue a esse grande problema, para o qual todos os momentos são poucos – a educação dos filhos –, está acentuando as dissenções, ficando assim de lado a única base da estabilidade, da harmonia e do progresso sociais”. Para o pintor Pedro Américo, dos célebres quadros A batalha do Avaí e Independência ou morte, deputado pela Paraíba, “a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política. Demais, a mulher, não direi ideal e perfeita, mas simplesmente normal e típica, não é a que vai ao foro nem à praça pública, nem às assembleias políticas defender os interesses da coletividade; mas a que fica no lar doméstico, exercendo as virtudes feminis, base da tranquilidade da família e, por consequência, da felicidade social”. Fez voz quase solitária o deputado baiano César Zama: “Para mim é uma questão de direito, que tarde ou cedo será resolvida em favor das mulheres. Bastará que qualquer país importante da Europa confira- lhes direitos políticos, e nós o imitaremos. Temos o nosso fraco pela imitação”. Com tantos opositores, a proposta acabou derrotada por larga margem de votos. Mas o voto feminino teve entre seus apoiadores o maior escritor brasileiro, Machado de Assis. Em 1894, na sua crônica semanal, escreveu: “Elevemos a mulher ao eleitorado; é mais discreta que o homem, mais zelosa, mais desinteressada. Em vez de a conservarmos nesta injusta minoridade, convidemo-la a colaborar com o homem na oficina da política”. Um quarto de século depois, em 1928, no Rio Grande do Norte foi permitido o alistamento de mulheres. O argumento central era o de que o artigo 70 não vetava expressamente o voto das mulheres e “todos são iguais perante a lei” (art. 72, § 2.º). Mas o número de mulheres eleitoras, no total nacional, foi quase que desprezível. O artigo sobre a eleição do presidente gerou muita discussão. O projeto oficial defendia a “eleição indireta, para a qual cada estado, bem como o Distrito Federal, constituirá uma circunscrição, com eleitores especiais em número duplo do da respectiva representação no Congresso” (art. 44). Contudo, o texto aprovado determinava que a eleição do presidente seria direta, mas, “se nenhum dos votados houver alcançado maioria absoluta, o Congresso elegerá, por maioria dos votos presentes, um, dentre os que tiverem alcançado as duas votações mais elevadas na eleição direta”. Apesar do zelo do constituinte, esse artigo nunca foi adotado. No entanto, a disputa foi intensa. Por apenas cinco votos (88 a 83) foi vencedora a proposta da eleição direta. Rui Barbosa foi um dos adversários da eleição direta e criticou a aprovação desse dispositivo: “reivindicando-a prematuramente, por atos de impaciência pueril, correremos a aventura fatal, segundo todas as probabilidades, de levar, pela nossa incompetência, ao descrédito, talvez ao ridículo, a instituição que, oportunamente implantada num estado de cultura política menos imperfeita, acharia então solo adequado para lançar raízes estáveis e benfazejas”. Na Primeira República nenhum presidente foi eleito com menos de 90% dos votos!E nunca com participação superior a 5% da população no conjunto dos eleitores. Bastante ilustrativo é o caso de Epitácio Pessoa, que chegou à Presidência em 1919, quando nem sequer estava no Brasil. Durante sua “campanha”, Pessoa representava o Brasil em Versalhes, na França, na conferência de paz, após o fim da Primeira Guerra Mundial. Venceu facilmente o candidato da oposição, Rui Barbosa, com mais de 70% dos votos. Os oito artigos que tratavam da eleição para presidente da República acabaram servindo mais para inglês ver. Na primeira eleição presidencial direta, em 1894, sem a participação do eleitorado do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, por causa dos combates da Revolução Federalista, Prudente de Morais, candidato único, recebeu apenas 290 mil votos, isso quando a população brasileira alcançava 15 milhões de habitantes. As eleições foram marcadas pelo absenteísmo e pela fraude. Um ano após a promulgação da Constituição, Machado de Assis foi votar: “Ignoro se a ausência de tão grande parte do eleitorado na eleição do dia 20 quer dizer descrença, como afirmam uns, ou abstenção, como outros juram. A descrença é fenômeno alheio à vontade do eleitor; a abstenção é propósito. […] O que sei é que fui à minha seção para votar, mas achei a porta fechada e a urna na rua, com os livros e ofícios. Outra casa os acolheu compassiva, mas os mesários não tinham sido avisados e os eleitores eram cinco. Discutimos a questão de saber o que é que nasceu primeiro, se a galinha, se o ovo. Era o problema, a charada, a adivinhação de segunda-feira. Dividiram-se as opiniões; uns foram pelo ovo, outros pela galinha; o próprio galo teve um voto. Os candidatos é que não tiveram nem um, porque os mesários não vieram e bateram dez horas”. O artigo 42 foi violado nove meses depois da promulgação da Constituição. Tratava da vacância da Presidência da República: “Se no caso de vaga, por qualquer causa, da presidência ou vice-presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do mandato do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição”. A eleição de Deodoro da Fonseca, em 25 de fevereiro de 1891, no dia posterior à promulgação da Constituição, já tinha sido problemática. Temendo perder o pleito no Congresso – a primeira eleição presidencial foi indireta – para Prudente de Morais, os partidários do marechal pressionaram os parlamentares. O Congresso estava ocupado por soldados à paisana e policiais. Os constituintes militares estavam armados no interior do recinto de votação. O Clube Naval divulgou uma nota afirmando que “seria agradável à Marinha a eleição do marechal Deodoro da Fonseca”. À boca pequena, os militares espalhavam que uma derrota do marechal levaria ao fechamento do Congresso e à imposição de uma ditadura. Deodoro acabou recebendo 129 votos, contra 97 de Prudente. Nove meses depois, em novembro, pressionado pela oposição, que ameaçou entrar com um processo de impedimento, acusando o governo de corrupção, Deodoro fechou o Congresso. O primeiro presidente era uma pessoa simples, correta, honesta, mas absolutamente despreparada para o cargo. Não entendia o funcionamento dos poderes. Era manipulado pelo sobrinho ou pelos ministros influentes, como o Barão de Lucena. O desconhecimento legal era tão acentuado que imaginou que seria necessário um decreto do Executivo para sancionar a Constituição. Chegou a assiná-lo, porém Lopes Trovão, na Imprensa Oficial, viu o documento e impediu a publicação no Diário Oficial. O golpe deodorista durou pouco. Vinte dias depois foi obrigado a renunciar, por causa da rebelião de forças do Exército e da Marinha. O poder foi entregue ao vice- presidente, o também marechal Floriano Peixoto. A Constituição era clara: seria necessário convocar nova eleição. Floriano, nosso primeiro “jurista de espada”, interpretou que não, que o disposto não seria aplicável à primeira eleição, só aos seus sucessores. Os desgostosos ainda recorreram ao Supremo Tribunal, mas de nada adiantou. A força das armas mais uma vez se impôs. Joaquim Nabuco, monarquista, em carta ao amigo Aníbal Falcão, republicano, em outubro de 1891, definiu bem o momento: “Vocês, republicanos, substituíram a monarquia pelo militarismo sabendo o que faziam, e estão convencidos de que a mudança foi um bem. Eu […] pensei sempre que seria mais fácil embarcar uma família do que licenciar um exército”. O governo Floriano foi marcado por revoltas e rebeliões. O marechal de ferro foi o primeiro a dividir o mundo intelectual. Uns, como Raul Pompeia, autor de O Ateneu, o amavam: “Conquistou para o seu vulto, na imortalidade, ao mesmo tempo, a coroa da vitória e a coroa do martírio”. Já para Lima Barreto, “com uma ausência de qualidades intelectuais, havia no caráter do marechal Floriano uma qualidade predominante: tibieza de ânimo; e no seu temperamento, muita preguiça”. O mártir ou o preguiçoso, dependendo do ponto de vista, deveria fazer a primeira transferência constitucional de poder. Contudo, Floriano nem sequer esperou que Prudente de Morais fosse ao Palácio Itamaraty, sede do governo. Logo cedo, foi embora para sua casa. Rodrigo Octávio, secretário de Prudente de Morais, registrou o momento: “Vi, porém, que nas escadas do palácio havia muita gente, que muita gente estava entrando. Dirigi-me para a porta. Não havia sentinela, e, como os outros estavam entrando, entrei também. Lá em cima, o grande casarão, abertas as portas de todas as salas, regurgitava de gente que circulava por todo ele, alegre e barulhenta. Não havia a menor fiscalização, o menor serviço de ordem. Compreendi, e custei a compreendê-lo, que a casa havia sido abandonada e entregue à discrição do público”. A Carta tratou de temas importantes para a sociedade. Um debate intenso no fim do Império foi sobre o casamento civil. A primeira Constituição republicana reconheceu “o casamento civil, cuja celebração será gratuita”. Antes, em junho de 1890, já tinha sido realizado o primeiro. O Visconde de Taunay tinha apresentado um projeto sobre o tema, que se arrastou durante anos no Congresso do Império, sem decisão final. Taunay fez questão de assistir ao primeiro casamento civil, ao qual compareceu também o tribuno da Abolição, José do Patrocínio, muito conhecido pelos longos discursos. Patrocínio, claro, quis aproveitar o momento para discursar, mas foi contido prontamente por Taunay : “Isto aqui não é pagode”. Em 1894, aproveitando também a separação da Igreja do Estado, o deputado Érico Coelho apresentou o primeiro projeto de divórcio na história da República. Depois de muita discussão e da mobilização contrária da Igreja Católica – que chegou a confeccionar um abaixo- assinado com milhares de assinaturas –, o projeto acabou derrotado por 78 votos contra e apenas 35 a favor. O escritor Arthur Azevedo, apoiador do projeto, não perdeu a oportunidade para ironicamente lamentar o resultado da votação: “Contra o divórcio – quem diria? – Votaram muitos deputados Naturalmente bem casados; Alguns arrepender-se-ão algum dia...”. O segundo parágrafo do artigo 72 deu ao novo regime eivas de que o Brasil de 1889 era a França de cem anos atrás. O tratamento oficial entre os indivíduos era de “cidadão”, como na França revolucionária. E os documentos terminavam com a saudação “saúde e fraternidade”. De acordo com o parágrafo, o novo regime “não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e de todas as prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho”. O parágrafo era extemporâneo, pois a nossa nobreza não era hereditária, nem tinha como base privilégios ou propriedade territorial. Parte dela possuía somente o título, como o Visconde de Taunay. Apesar dadeterminação constitucional, muitos políticos importantes continuaram a ser tratados como “barão”, casos de Lucena ou, mais ainda, de Rio Branco, e outros como “conselheiros”, como Afonso Pena e Rui Barbosa. Mas o desejo de “igualdade republicana” era mais fantasia do que realidade, tanto que Deodoro, entre abril de 1890 e fevereiro de 1891, outorgou da Ordem de Avis 45 grão-cruzes, enquanto D. Pedro II, em 49 anos de reinado, criou 44. Entre cavaleiros e oficiais da mesma ordem, foram mais 710 títulos, no mesmo período. Nas disposições transitórias (são oito artigos) três acabaram se destacando pelo inusitado. Em um típico caso de legislação fora do lugar, o artigo 2.º dispôs que, se um estado até o fim de 1892 “não houver decretado a sua Constituição, será submetido, por ato do Congresso, à de outros, que mais conveniente a essa adaptação parecer, até que o estado sujeito a esse regime a reforme”. Concedeu uma pensão vitalícia a “D. Pedro de Alcântara, ex imperador do Brasil”. O valor seria fixado pelo Congresso. Nem precisou, pois D. Pedro II não aceitou, assim como já tinha feito quando o decreto no 2, de 16 de novembro de 1889, tinha concedido à família real a quantia de cinco mil contos de réis. Mas o mais bizarro é o artigo 8.º: “O governo federal adquirirá para a nação a casa em que faleceu o doutor Benjamin Constant Botelho de Magalhães e nela mandará colocar uma lápide em homenagem à memória do grande patriota – o fundador da República”. Deodoro era extremamente vaidoso. Não gostou da homenagem, ainda mais porque numa reunião do gabinete chegou a partir para o desforço físico com Constant. Foi chamado de monarca de papelão. A briga só não ocorreu porque Campos Sales, ministro da Justiça, liderou a turma do “deixa disso”. Mas o pior estava por vir. O parágrafo único determinou que “a viúva do dr. Benjamin Constant terá, enquanto viver, o usufruto da casa mencionada”. Contudo, em agosto do ano seguinte, o Congresso aprovou um projeto, logo após a morte de Deodoro, para a construção de uma estátua na praça da República e de um monumento no seu túmulo: uma mulher simbolizando a Pátria e a República. Uma breve e estranha legenda identifica o túmulo: “Deodoro e sua esposa; ele não morreu, está vivo”. E ela? A Constituição teve grandes adversários. O autoritarismo brasileiro criticou duramente a Carta. Transformou as críticas em uma espécie de programa reformista, porém ultra-autoritário. O maior símbolo dessa corrente é Oliveira Vianna. Em um de seus livros, O idealismo da Constituição, insistiu na dissociação entre o texto constitucional e a realidade brasileira: “Durante 30 anos haviam deblaterado contra o Império e os seus homens, numa campanha em grande parte pessoal; mas, durante esse longo lapso de tempo, de germinação e triunfo da ideia republicana, não pensaram sequer em elaborar um plano detalhado e preciso da Constituição e governo. Podiam ter-nos dado um belo edifício, sólido e perfeito, construído com a mais pura alvenaria nacional – e deram-nos um formidável barracão federativo, feito de improviso e a martelo, com sarrafos de filosofia positiva e vigamentos de pinho americano”. Foi realizada uma reforma, em 1926, em pleno estado de sítio, o que impediu uma discussão mais aprofundada. Não diminuiu o ímpeto crítico. O governo tinha defendido uma reforma de 38 artigos com 76 emendas. Houve protestos. Diminuiu as emendas para 33. No fim, pouco foi alterado. Foi autorizado o veto parcial a um projeto, quando o texto original (de 1891) só consentia quando fosse em conjunto. Porém o abuso “chegou ao ponto de vetar-se uma palavra ‘não’, permitindo o que se proibira”. 3 1934: não havia lugar para os liberais A DÉCADA DE 1920 FOI MARCADA POR diversas revoltas militares que ficaram registradas na história como as “rebeliões tenentistas”. Em 1922 o palco foi o Rio de Janeiro; em 1924 ocorreram revoltas no Rio Grande do Sul e em São Paulo – na capital paulista os revolucionários permaneceram ocupando a cidade por uma quinzena; e, entre 1925 e 1927, a Coluna Prestes (junção, no Paraná, das forças rebeldes vindas do Sul , sob comando do capitão Luís Carlos Prestes, com as que abandonaram São Paulo) percorreu o interior do país travando combates com as forças oficiais. A sucessão de Washington Luís, em 1930, acirrou as contradições políticas. Foi uma campanha eleitoral renhida. A chapa oficial, liderada por Júlio Prestes, enfrentou Getúlio Vargas, o candidato oposicionista. O governo venceu. Houve acusações de fraude. A temperatura política aumentou também em razão dos problemas econômicos gerados pela crise mundial de 1929, que atingiu severamente o Brasil, dependente da exportação do café. Em 3 de outubro de 1930, sete meses após a eleição e um mês antes da posse do novo presidente, teve início a revolução. Depois de vários combates, da prisão e exílio de Washington Luís, no mês seguinte, Vargas assumiu a Presidência. Os revolucionários de 1930 não deixaram pedra sobre pedra da estrutura legal do regime anterior. Como em 1889, era necessário refundar o Brasil. O Poder Legislativo foi extinto. Para os executivos estaduais foram nomeados interventores (com exceção de Minas Gerais) e o Judiciário sofreu forte controle dos novos donos do poder. O decreto 19.398, de 11 de novembro de 1930, não deixou nenhuma margem à dúvida. No artigo 1.º, ficou explícito que o governo “exercerá discricionariamente em toda a sua plenitude as funções e atribuições não só do poder Executivo, como também do poder Legislativo”. Pelo artigo 5.º “ficam suspensas as garantias constitucionais e excluída a apreciação judicial dos decretos e atos do Governo Provisório ou dos interventores federais”. A Constituição de 1891, na prática, ficou suspensa, pois poderia ser restringida por simples decretos, leis ou atos do governo ou de seus delegados (art. 4.º). O governo achava que tudo podia, não tinha limites. Por meio de um decreto, aposentou seis ministros do Supremo Tribunal Federal. O STF não se posicionou contra os “revolucionários”. Ao contrário, em novembro de 1930, negou, por 11 votos a dois, o pedido de habeas corpus do ex-presidente Washington Luís, que estava detido no forte de Copacabana. A argumentação foi tortuosa: “É incontestável que se encontra a nação em um período de anormalidade, durante a qual não é possível deixar de reconhecer que, se a Constituição subsiste, debaixo de certos pontos de vista, como quanto às relações de ordem privada, estão suspensas, sem dúvida, as garantias constitucionais, sob o critério político do Chefe de Governo”. Dias antes, o presidente do STF tinha apresentado voto de congratulação para o novo governo. De nada adiantou a subserviência: o tribunal teve a cassação de seis ministros pelo decreto 19.711, de fevereiro de 1931. A desfaçatez das justificativas representa bem aquele momento: “considerando que imperiosas razões de ordem pública reclamam o afastamento de ministros que se incompatibilizaram com as suas funções por motivos de moléstia, idade avançada ou outros de natureza relevante”. O argumento da idade avançada era uma falácia: houve ministro aposentado aos 61 anos, enquanto outro, com 73, foi mantido na ativa. Queriam se livrar de indesejáveis ou possíveis indesejáveis, e sinalizar onde estava o poder de fato. E, durante os 14 anos seguintes, a Corte foi desmoralizada sistematicamente pelo Executivo federal. Os interventores assumiram os governos estaduais como meros delegados do poder central. O discurso era o de que acabaria o uso político dos governos como instrumento de controle da vontade popular. Alguns acreditaram. O caso do capitão Carneiro de Mendonça, interventor no Ceará,é exemplar. Em carta a Vargas, destacou que “sempre considerei como dos maiores males a criação de partidos oficiais, geradores das chamadas ‘máquinas eleitorais’, corrompido aparelho sobre o qual os chefes e chefetes sempre assentaram seu prestígio político”. De acordo com o capitão, se os fins do governo poderiam ser outros, “semelhantes são os processos adotados para consecução do fim almejado”. Ingenuamente, o capitão acreditou nos “princípios da revolução”. Restou pedir demissão. O novo governo foi rapidamente construindo estereótipos de largo uso político, e alguns deles acabaram até se transformando em conceitos históricos. É o caso da República Velha, denominação dada pelos novos donos do poder ao período anterior, que, ironicamente, teve participação ativa dos revolucionários em importantes cargos. Vargas, por exemplo, foi ministro da Fazenda de Washington Luís e governador do Rio Grande do Sul. “Carcomidos” foi uma criação do ministro José Américo de Almeida. Era a forma como os “revolucionários” se referiam aos políticos do antigo regime. Mas a melhor expressão acabou virando até título de livro do jornalista Arnon de Melo, ainda em 1931. O pai de Fernando Collor publicou um livro de entrevistas com os derrubados do poder em 1930. O título? Observe o leitor que “sem alguma coisa” é bem antigo no Brasil: Os sem-trabalho da política. A confusão entre a palavra e a ação marcou o período. Tudo era novo. A República foi chamada de “nova”, porém os métodos... No mesmo Ceará, no início de 1934, Juarez Távora, um dos líderes da revolução e apelidado de Vice-Rei do Norte, apresentou a Vargas três nomes de “candidatos” à interventoria. Elogiou os dois primeiros, mas o terceiro é o que, segundo ele, “maior soma de qualidades reúne”. Conhece “como poucos filhos do Ceará, os seus problemas econômicos”, “é bastante culto, criterioso e ponderado”, “é amigo de quase todos os oficiais que fizeram a revolução no Ceará” e “é pessoa de minha absoluta confiança”. No entanto, a maior “qualidade” Távora não citou: o indicado era seu primo, o major Antônio Alves Távora. A nova ordem tinha prometido reconstitucionalizar o país. O governo era chamado de “provisório”. O tempo foi passando e nada de convocar a Assembleia Constituinte. Os tenentes, grupo de militares e civis de diversos matizes ideológicos, mas defensores de uma ordem autoritária, queriam a todo o custo postergar a eleição. Quando, finalmente, Vargas marcou a eleição, por meio de um decreto, em maio de 1932, para maio do ano seguinte, os tenentes espalharam que era um decreto para inglês ver, que não seria cumprido. Os tenentes temiam que, com o restabelecimento da legalidade constitucional, eles perdessem o poder que conseguiram quando da revolução. Os boatos, a pressão dos tenentistas e o temor de que as eleições prometidas não se realizariam – além de problemas na indicação dos sucessivos interventores para o estado de São Paulo – acabaram levando à Revolução Constitucionalista de 1932. A rebelião armada começou em 9 de julho e foi até o fim de setembro. Nos quase três meses de luta, que mobilizaram mais de 150 mil homens, morreram mais do que o triplo de soldados durante a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Após o término do conflito, pelo decreto 22.194, de 8 de dezembro de 1932, Vargas cassou os direitos políticos por três anos de forma até hoje nunca vista na história brasileira. Não há citação nominal. São listados 14 tipos de crimes. A cassação foi na base do “todos”. Um exemplo: “de todos os que tenham tomado parte no levante militar ou auxiliado por qualquer forma o desencadeamento da rebelião ou a ela posteriormente prestado o seu concurso”. Mais outro: “dos que, tomando armas ou aliciando homens, chefiaram as tentativas de insurreição em outros pontos do território nacional, colaborando assim com os rebeldes de São Paulo”. Apesar de tudo, a guerra civil acabou levando à confirmação da realização das eleições para a Constituinte em 3 de maio de 1933. Pela primeira vez as mulheres puderam votar em todo o país, produto de uma longa luta pelo sufrágio feminino. O Brasil era o quarto país nas Américas a conceder o voto às mulheres, depois do Canadá, dos Estados Unidos e do Equador. Apesar da vitória histórica, no Rio de Janeiro, centro da luta sufragista, apenas 15% dos eleitores registrados eram mulheres. Foram eleitas para a Constituinte duas mulheres: uma pelo voto direto e outra como representante classista. Foi criada a Justiça Eleitoral e adotado o voto secreto. Dos 254 constituintes, 40 foram indicados: 20 pelos sindicatos (na verdade foram impostos pelo Ministério do Trabalho) e outros 20 por entidades representativas do empresariado. Dos 214 eleitos, a distribuição foi quase idêntica à de 1890, apesar do crescimento populacional e da alteração na população de diversos estados, especialmente daqueles que receberam imigrantes e migrantes. As três maiores bancadas continuaram a ser as de Minas Gerais (37), de São Paulo e da Bahia (22 cada uma). Diversamente das outras assembleias constituintes, a de 1933/1934 foi exclusiva, ou seja, após a promulgação da Constituição foram convocadas novas eleições. Outro ponto exclusivo dessa Constituinte foi a eleição de parlamentares constituintes, sem que fossem deputados ou senadores. Dessa forma, a definição do Congresso como um parlamento bicameral foi dos constituintes e não uma imposição quando da convocação da Constituinte. O governo conseguiu eleger a maioria dos constituintes. Teve uma maioria confortável. A base foram os interventores. Os adversários foram vigiados até o momento pós-eleitoral. Como personagem de filme de humor, o chefe de Polícia de São Paulo chamou ao seu gabinete Macedo Soares, que tinha sido eleito na eleição de maio. Recomendou “que se abstivesse de usar a linguagem que vem empregando em suas conversações com amigos pelo telefone”. Os trabalhos tiveram início em 15 de novembro de 1933 e foram até 16 de julho de 1934, quando a Constituição foi promulgada. Os debates foram acalorados. Os simpatizantes da ditadura criticaram duramente os trabalhos da Constituinte. Para o general Daltro Filho, a assembleia “devia ser um sol, donde irradiassem todas as claridades, empanando-se na obscuridade dos projetos e anteprojetos, que se multiplicam numa horrível confusão... Contemplando-a de fora, tem-se a impressão de um ajuntamento amorfo, a debater-se numa agitação estéril”. Os episódios da guerra civil de 1932 estiveram presentes nos discursos de várias sessões. O regimento, feito pelo governo – e não pelos constituintes – seis meses antes, permitiu uma novidade: os ministros podiam comparecer às sessões, participar dos debates, mas não tinham direito a voto. E mais: Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda, foi eleito líder da maioria na Constituinte. Foi algo bizarro – mais uma das anomalias da Constituinte, com os representantes classistas –, pois como ministro ele era inelegível, mas participava dos trabalhos, falava, defendia propostas, só não podia votar. E diversos ministros estiveram presentes às sessões. A Constituição de 1934 inaugurou a minúcia e o pormenor, a indistinção entre a legislação ordinária e a constitucional. Isso fica evidenciado pelo número e abrangência dos artigos. Enquanto a Constituição de 1891 tinha 91, a de 1934 mais que dobrou: 187 artigos. No caso das disposições transitórias, o crescimento foi maior ainda: saltou de oito para 26 artigos. O governo tinha enviado um anteprojeto menor para os constituintes, que o ignoraram, como em 1891: tinha 136 artigos e mais oito nas disposições transitórias. No campo das liberdadesdemocráticas, a Constituição restringiu os direitos fundamentais. A introdução do conceito de segurança nacional recebeu destaque especial. Era uma novidade, produto do autoritarismo da década de 1930. Foram reservados nove artigos à segurança nacional e apenas dois aos direitos e garantias individuais. Foi concedido o estado de guerra, que implicava a suspensão das garantias constitucionais. A obsessão pela segurança chegou a tal ponto que “nenhum brasileiro poderá exercer função pública, uma vez provado que não está quite com as obrigações estatuídas em lei para com a segurança nacional” (art. 163, § 2.º). O culto do Estado forte é típico do período. Os Estados Unidos não eram mais o modelo. A inspiração vinha da Europa, do totalitarismo. Todos atacavam as ideias liberais, consideradas anacrônicas. O escritor e ex- deputado Gilberto Amado comentou que “não havia lugar para os liberais”. Afonso Arinos, que anos depois seria um dos mais importantes líderes da União Democrática Nacional (UDN) e um dos mais enfáticos defensores do liberalismo, escreveu, em carta a Getúlio Vargas, que o “Brasil precisa de um Estado forte. E esse só os moços, que o sentem necessário, poderão criar”. Ainda antes da instalação dos trabalhos, e criticando o líder mineiro Antônio Carlos, que foi eleito presidente da Constituinte, disse que o velho político representava a “rala água com açúcar do liberalismo flor de laranja”. Prado Kelly – outro udenista histórico e que foi constituinte – na justificativa de uma emenda elogiou o plano quinquenal da União Soviética stalinista: “Os resultados dessa organização animam a que, a despeito da diversidade de sistema, princípio análogo se inscreva nas Constituições republicanas, já libertas do preconceito individualista do liberalismo econômico”. Não satisfeito, elogiou a coletivização do campo, que levou à morte de milhões de camponeses: “Sobre a questão agrária, convém referir os resultados da organização (compatível com o nosso regime político, de adotar o princípio fundamental do cooperativismo na grande produção agrícola) proposta por Molotov”. Foi garantido também o estado de sítio, que concedia ao Executivo amplos poderes e a suspensão das garantias individuais, além da imposição da censura: “Não será obstada a circulação dos livros, jornais ou de quaisquer publicações, desde que os seus autores, diretores ou editores os submetam à censura” (art. 174, § 5.º). A censura poderia ser adotada até mesmo em época de paz. No capítulo dos direitos e das garantias individuais, estranhamente, é incluída a censura: “A publicação de livros e periódicos independe de licença do poder público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social” (art. 113, § 9.º). A Constituição, nesse ponto, não diferiu muito do que era adotado pelo Governo Provisório. Até foi mais “liberal”. Indagado por um constituinte, em dezembro de 1933, sobre os critérios da censura, o ministro da Justiça, Antunes Maciel, respondeu que deveriam ser censurados: “a – as críticas ao governo, em termos acrimoniosos; b – agressões e referências pejorativas aos seus membros; c – notícias que, de qualquer forma, possam prejudicar a ordem pública e estimular subversões; d – agressões pessoais a quem quer que seja; e – críticas aos governos estrangeiros e seus representantes; f – quaisquer informações que possam produzir alarme ou apreensões, mesmo no terreno financeiro e econômico; g – meros boatos, de tendenciosidade manifesta”. O ministro terminou a resposta em tom ameaçador: “Devo frisar que, por dever de cortesia respeitosa, responderei a este primeiro pedido de informações; mas julgo-me desobrigado de corresponder a outros”. O ministro não brincava em serviço. Um ano antes, o Diário Carioca, jornal crítico do governo, teve suas instalações destruídas, atacado por mais de 150 homens, dos quais 50 eram oficiais do Exército. No dia seguinte, os jornais do Rio de Janeiro, em protesto, deixaram de circular. O nacionalismo foi a pedra de toque da Constituição. Pela primeira vez foi reservado um título exclusivo para a ordem econômica e social. É nítida a influência da Constituição mexicana de 1917, a primeira “a dispor especialmente de artigo completo sobre as relações entre empregados e empregadores”, mas “coube à Constituição de Weimar a criação, até então inédita, de um título inteiro sobre a vida econômica e social”. Aos bancos ficou determinado que haveria a “nacionalização progressiva”, assim como das empresas de seguro. Por lei seria também regularizada a “nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas-d’água ou outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do país”. O escritor Monteiro Lobato, um defensor entusiasta da exploração do petróleo por empresas privadas, foi um severo crítico dessa política: “A nova lei constitui o mais lindo trabalho ainda feito no mundo para manter o subsolo dum país em rigoroso estado de virgindade até o momento em que o espírito santo de orelha entenda de explorá-lo”. Os sindicatos foram reconhecidos e o artigo 121 detalhou um verdadeiro programa de proteção ao trabalhador, indo do salário mínimo, passando pelo limite diário da jornada de trabalho e férias, à proibição do trabalho a menores de 14 anos de idade, entre outras medidas. A maior parte delas não teve nenhuma aplicação prática ou acabou sendo postergada. Entendeu- se que as medidas de proteção ao trabalhador estavam restritas ao mundo urbano, tanto que “o trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial, em que se atenderá, quanto possível, ao disposto neste artigo. Procurar-se-á fixar o homem no campo, cuidar da sua educação rural, e assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento de terras públicas”. Se nada foi feito para “fixar o homem no campo”, foram estabelecidas medidas contra o trabalhador estrangeiro. Adotou-se a política de repressão e expulsão de líderes operários estrangeiros, alguns dos quais desde crianças no Brasil. No capítulo dos direitos e das garantias individuais, foi aprovado que a “União poderá expulsar do território nacional os estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses do país” (art. 113, § 15). E os que tinham obtido a naturalização poderiam perdê-la “por exercer atividade social ou política nociva” (art. 107, c). É a velha mania nacional de propor e não fazer, e de tentar criar obstáculos ao que deu certo, como a grande imigração, que se iniciou no último quartel do século XIX. De acordo com a Constituição, a “entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil nos últimos cinquenta anos”. E mais: “É vedada a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da União, devendo a lei regular a seleção, localização e assimilação do alienígena” (art. 121, §§ 6.º e 7.º). O nacionalismo xenofóbico tinha a sua história. As reflexões de Alberto Torres e Manoel Bomfim deram a “base teórica”. Para Torres, era necessário controlar os núcleos coloniais, onde, segundo ele, se perpetuavam línguas e costumes alheios aos do Brasil, e onde governos estrangeiros começavam a exercer uma espécie de fiscalização política: “insistimos na política de colonização, apesar da prova evidente de seus desastrosos resultados”. Já para Bomfim, “dado o nível médio mental, social e político das populações, não é possível
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