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A História das Constituições

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Apresentação 
 
Este livro conta a história das Constituições 
brasileiras, relacionando-as aos respectivos momentos 
históricos. Não é mais um livro de Direito Constitucional. 
Longe disso. Pretende mostrar como, na maioria das 
vezes, os textos constitucionais estavam distantes da 
realidade brasileira. Acabei destacando um grande 
número de passagens absurdas, desconhecidas em 
qualquer Carta de algum país com tradição democrática, 
não para desqualificar as Constituições, mas para 
demonstrar que a permanência desse exotismo tem 
relação direta com a forma de fazer política no Brasil. 
 
Em vários momentos da nossa história vivemos sob 
regimes ditatoriais. As liberdades democráticas vigoraram 
por períodos muito restritos. Na verdade, só teríamos 
democracia plena após a promulgação da Constituição de 
1988. Portanto, ao falar de uma sociedade democrática, 
nosso universo temporal, infelizmente, é muito restrito. 
 
Fiz uma análise sumária das Constituições, 
destacando seus pontos mais relevantes. Enfatizei as 
“pegadinhas” autoritárias dos textos constitucionais e 
como foram usadas para limitar as liberdades. Não é 
exagero afirmar que os últimos 200 anos da nossa história 
têm como ponto central a luta do cidadão contra o 
Estado arbitrário. E, na maioria das vezes, o Estado 
ganhou de goleada. 
 
Este não é um livro acadêmico. A linguagem é direta. 
Mas a pesquisa buscou ter o cuidado de uma 
reconstrução detalhada dos pontos considerados centrais 
das Constituições e do momento em que foram 
produzidas. Cada Constituição mereceu um capítulo e no 
fim foi dedicado um especialmente ao Supremo Tribunal 
Federal, o guardião da Carta (ou das Cartas, afinal 
tivemos tantas), mas que nem sempre cumpriu com suas 
atribuições legais. 
 
Os poderes Executivo e Legislativo estão presentes 
no livro, mas o personagem principal é o Judiciário. Foi 
silenciado muitas vezes, é verdade. Contudo, aceitou ser 
calado. Nunca deu – e o livro fornece diversos exemplos – 
lições de cidadania, de defesa intransigente do cidadão e 
das liberdades. Ao contrário, deixou de exercer a sua 
função primordial, a aplicação da justiça. 
 
Tivemos sete Constituições, uma no Império (1824) e 
seis na República (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988). 
Pode ser acrescentada ainda à lista a Emenda 
Constitucional no 1 de 1969, tendo em vista o número de 
alterações realizadas na Constituição de 1967. Se cada 
uma teve suas peculiaridades, o conjunto desses textos 
foi marcado pela dissociação com o Brasil real. 
 
Pode ser que Machado de Assis tenha razão: ainda 
estamos na fase da infância constitucional. Mas quando 
vamos crescer? 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 
1824: Liberal, Monárquica E Escravista 
 
DURANTE TODO O PERÍODO COLONIAL, que, na 
prática, se encerrou em 1808, quando da chegada de D. 
João VI ao Brasil, não vigorou nenhuma Constituição no 
reino português nem, evidentemente, no Brasil. Nossa 
primeira Constituição nasceu com o processo de 
Independência. Após o retorno de D. João VI a Portugal, 
em 1821, e a convocação de eleições para compor a 
representação brasileira nas Cortes – que estavam 
preparando a primeira Constituição de Portugal –, o 
panorama político ficou cada dia mais complicado. A 
política das Cortes – o Parlamento da época – criou uma 
série de problemas com os interesses brasileiros. A antiga 
colônia tinha suplantado economicamente a metrópole. 
Era uma aberração manter a união por causa do 
antagonismo de interesses. Quando D. Pedro I resolveu 
permanecer no Brasil (9 de janeiro de 1822), recusando-
se a atender à ordem das Cortes de regresso a Portugal, a 
independência ficou mais próxima. 
 
Em maio de 1822, o príncipe regente recebeu o 
título de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil, 
concedido pelo Senado da Câmara do Rio de Janeiro. Em 
3 de junho desse ano, expediu um decreto convocando 
uma Assembleia Constituinte. Não estava claro quais 
eram suas reais atribuições, pois, em Portugal, estava em 
andamento, nas Cortes, a redação de uma nova 
Constituição, que serviria para todo o Império, incluindo, 
obviamente, o Brasil. 
 
Com a Independência, em setembro, a Assembleia 
Constituinte se transformou na fundadora da vida legal 
brasileira. Sua primeira tarefa era a de redigir a 
Constituição. 
 
Foram eleitos 100 deputados. A maior delegação era 
de Minas Gerais (20), seguida de Pernambuco (13), São 
Paulo (9), Rio de Janeiro e Ceará (ambos com 8). A 
maioria era formada por bacharéis em Direito (26), mas 
havia também desembargadores (22), clérigos (19) e 
militares (7). 
 
A primeira reunião ocorreu oito meses depois, em 3 
de maio de 1823. O imperador fez um discurso na sessão 
de abertura, com ameaças implícitas à “licenciosa 
liberdade”. Concluiu dizendo que esperava que a Carta 
“mereça a minha imperial aceitação”. A resposta da 
Assembleia à fala de D. Pedro I já denotava a 
possibilidade de um conflito entre os poderes. O voto, 
redigido por Antônio Carlos, irmão de José Bonifácio, 
considerado o Patriarca da Independência, dizia que a 
Assembleia não trairia os votos recebidos “oferecendo os 
direitos da Nação, em baixo holocausto ante o trono de 
Vossa Majestade Imperial, que não deseja e a quem 
mesmo não convém tão degradante sacrifício”, e que as 
prerrogativas da Coroa, que completariam o ideal da 
monarquia, “quando se conservam em raias próprias, são 
a mais eficaz defesa dos direitos do cidadão e o maior 
obstáculo à erupção da tirania de qualquer denominação 
que seja”. 
 
Depois de dezenas de sessões e muito debate, o 
projeto constitucional não foi do agrado do imperador. 
Era muito liberal para um autocrata. Impedia, por 
exemplo, que pudesse dissolver a Câmara. Pouco depois, 
Bonifácio saiu do governo. A nova administração deu uma 
guinada em direção aos interesses dos portugueses. Em 
novembro, a tensão chegou ao auge: choques entre 
cidadãos brasileiros e portugueses, jornais atacando o 
Ministério e D. Pedro I, além de ameaças de dissolução da 
Constituinte. A linguagem dos periódicos era 
extremamente violenta. O Tamoio, jornal dos irmãos 
Andradas, é um bom exemplo. Nele, os ministros do 
imperador eram ridicularizados. O da Fazenda, Nogueira 
da Gama, era chamado de “jesuíta versátil, de cuja 
improbidade, mesquinhez de ideias e nulidade em 
administração financeira ninguém duvida”. O da Justiça, 
Montenegro, era considerado “um corpo sem alma, 
incapacidade personificada, e debaixo da envernizada 
fronte e chocho rosto, salpicado de sorriso apatetado”. 
 
As últimas sessões tiveram grande audiência: 
centenas de populares assistiram aos debates. Em 1.º de 
novembro de 1823, oficiais das guarnições militares, no 
Rio de Janeiro, dirigiram-se ao imperador exigindo a 
expulsão dos Andradas da Constituinte. D. Pedro 
contemporizou e pediu aos deputados que adotassem 
medidas para garantir a paz pública. Em 11 de novembro, 
a Assembleia declarou-se em sessão permanente. 
Antônio Carlos foi o maior defensor da independência dos 
constituintes, para que pudessem concluir seu trabalho, 
ameaçados pelas pressões do poder militar do imperador: 
“Não admito, pois, restrições à liberdade de imprensa; 
quero é que se diga ao governo que a falta de 
tranquilidade procede da tropa e não do povo, e que a 
Assembleia não se acha em plena liberdade, como é 
indispensável para deliberar, o que só poderá conseguir-
se removendo a tropa para maior distância”. De nada 
adiantou seu protesto. A Assembleia foi cercada por 
centenas de soldados, e a Constituinte foi dissolvida. 
Parlamentares foram presos. Um deles, o mesmo Antônio 
Carlos, irônico, na saída do prédio, saudou, ao passar ao 
lado de uma peça de artilharia: “Respeito muito seu 
poder”. Começava a triste história dos golpes de Estado 
no Brasil. 
 
A palavra foi derrotada pelocanhão. O poder impôs 
pela força sua vontade. Os irmãos Andradas (José 
Bonifácio, Antônio Carlos e Martim Francisco) e mais três 
deputados foram deportados para a França. Numa 
curiosa inversão, no ato de dissolução da Constituinte, D. 
Pedro I afirmou que outorgaria uma Constituição 
“duplicadamente mais liberal”. Justificou até as prisões: 
“As prisões agora feitas, serão pelos inimigos do Império, 
consideradas despóticas. Não são. Vós vedes que são 
medidas da polícia próprias para evitar a anarquia e 
poupar as vidas desses desgraçados, para que possam 
gozar ainda tranquilamente delas e nós de sossego”. 
Disse que “o gênio do mal inspirou danadas tensões a 
espíritos inquietos e mal-intencionados e soprou-lhes nos 
ânimos o fogo da discórdia”. De acordo com ele, “foi 
crescendo o espírito de desunião; derramou-se o fel da 
desconfiança”, e os constituintes “maquinavam planos 
subversivos e úteis aos seus fins sinistros, ganhavam uns 
de boa-fé e ingênuos com as lisonjeiras ideias de firmar 
mais liberdade, esse ídolo sagrado sempre desejado e a 
mais das vezes desconhecido”. 
 
Para ganhar tempo e evitar resistência em outras 
províncias, o porto do Rio de Janeiro foi fechado. Quando 
as províncias, finalmente, receberam a notícia, 
repudiaram veementemente. A Bahia protestou, 
manifestou repúdio pelo fechamento da Constituinte, 
solicitou a libertação dos deputados presos e que o 
imperador mantivesse o sistema constitucional. D. Pedro 
não se fez de rogado. Respondeu: “Quanto à mágoa da 
Província pela dissolução da Assembleia, não fora menor 
a de seu paternal coração, quando se viu na dura e 
indispensável necessidade de dar ao leal e generoso povo 
brasileiro esse motivo de descontentamento”. 
 
As províncias receberam muito mal o fechamento da 
Constituinte, mas foi em Pernambuco e no Ceará que a 
resistência foi maior e levou à eclosão da Confederação 
do Equador, em 1824. Os rebeldes foram reprimidos 
violentamente e dezenas de líderes, mortos. Frei Caneca 
foi fuzilado em janeiro de 1825, no Recife. O pai do 
escritor José de Alencar, o padre José Martiniano de 
Alencar, foi preso, acusado do crime de rebelião (acabou 
recebendo o perdão imperial). O tio do escritor, Tristão 
de Alencar Araripe, morreu em 1824. Só a família Alencar 
perdeu oito membros na rebelião. 
 
O imperador, tentando dourar seu autoritarismo, 
chegou até a convocar, em 17 de novembro de 1823, 
eleições para uma nova Constituinte, porém não 
estabeleceu data. Pura manobra. O decreto foi logo 
esquecido. Quatro meses depois, pela “graça de Deus e 
unânime aclamação dos povos”, o imperador outorgou a 
nossa primeira Constituição. Fingindo humildade, logo na 
apresentação, dizia que enviou o projeto às Câmaras 
aguardando sugestões, que, evidentemente, não 
ocorreram – nem seriam aceitas. Tudo fez, como 
escreveu, para a “felicidade política” do povo brasileiro. 
Não se esqueceu de destacar que a Constituição foi 
outorgada “em nome da Santíssima Trindade”. 
 
Dos 179 artigos, reservou 88 para o Poder 
Legislativo. Mas o apreço pelo Parlamento não era 
sincero, tanto que o manteve fechado por dois anos e 
meio – só foi reaberto em 1826. Mesmo assim, reduziu o 
período do seu funcionamento a quatro meses por ano. 
Democrático, “pero no mucho”, o imperador limitou 
quem deveria ser eleitor. Todos eram iguais, mas uns 
eram mais iguais que outros. As eleições seriam indiretas. 
No município votariam os maiores de 25 anos, livres (30% 
da população era escrava), e excluíam-se os criminosos, 
criados e quem não tivesse renda anual mínima. Os 
eleitos nos municípios seriam eleitores para as outras 
duas esferas: a provincial (como eram chamados os 
estados) e a nacional. De acordo com o artigo 94, era 
necessária renda mínima anual de 200 mil-réis. Assim, o 
critério era a renda (chamado censitário) e não envolvia a 
alfabetização, como será disposto, no fim do Império, 
pela Lei Saraiva, de 1881. Pelo projeto da Constituinte, a 
restrição da renda tinha como referência alqueires de 
farinha de mandioca, daí a expressão Constituição da 
mandioca. 
 
A Constituição começava com uma afirmação falsa, 
logo no primeiro artigo: “O Império do Brasil é a 
associação política de todos os cidadãos brasileiros”. 
Todos, para o imperador, era uma ínfima minoria: os 
livres e que tivessem renda mínima, que, naquela época, 
não era desprezível. O conceito de “cidadão”, em vez de 
ser geral, como representante do povo com direitos 
democráticos, serviu para restringir. Esse desvirtuamento 
permaneceu ao longo do tempo, tanto que acabou 
virando vocábulo policial. É comum ouvir um policial 
falando que o “cidadão se evadiu”; aqui o conceito 
democrático, numa cruel inversão, virou sinônimo de 
meliante. 
 
Democracia, para o imperador, era boa desde que 
controlada. O Senado seria eleito – de forma restrita, 
como era estipulado –, mas os eleitores somente 
indicariam suas preferências ao imperador. Dos três mais 
votados, um deles seria escolhido. O mandato seria 
vitalício. Assim, seriam evitadas, tanto quanto possível, as 
eleições para o Senado. Machado de Assis, que, quando 
jovem, trabalhou como setorista do Diário do Rio de 
Janeiro, cobrindo as sessões do Senado, retratou como a 
vitaliciedade transformava aquela Casa em um cenáculo 
de anciãos. O Marquês de Itanhaém, quando chegava ao 
Senado, “mal se podia apear do carro, e subir as escadas; 
arrastava os pés até à cadeira […] Era seco e mirrado […]. 
Nas cerimônias de abertura e encerramento agravava o 
aspecto com a farda de senador. Se usasse barba, poderia 
disfarçar o chupado e engelhado dos tecidos, a cara 
raspada lhe acentuava a decrepitude”. 
 
Precavido, o imperador reservou 11 artigos para 
tratar da “família imperial e sua dotação”. Afinal, nem ele 
era de ferro. Determinou que caberia ao país manter seus 
príncipes, e a Assembleia determinaria os valores das 
dotações. Não se esqueceu de si mesmo e fez uma 
reclamação constitucional no artigo 108: “A dotação 
assinada ao presente imperador e à sua augusta esposa 
deverá ser aumentada, visto que as circunstâncias atuais 
não permitem que se fixe desde já uma soma adequada 
ao decoro de suas augustas pessoas e dignidade da 
nação”. 
 
Sequioso, e sem distinguir os recursos familiares 
daqueles originários do Erário nacional – dando início a 
uma prática nociva, que se manteve no Brasil –, impôs 
mais um artigo, o 115: “Os palácios e terrenos nacionais, 
possuídos atualmente pelo senhor D. Pedro I, ficarão 
sempre pertencendo aos seus sucessores; e a nação 
cuidará nas aquisições e construções que julgar 
convenientes para a decência e o recreio do imperador e 
sua família”. 
 
Preocupado ao extremo em manter o poder 
absoluto, mesmo com o manto de imperador 
constitucional, impôs mais um artigo ultracentralizador. O 
governador provincial seria “nomeado pelo imperador, 
que o poderá remover, quando entender que assim 
convém ao bom serviço do Estado”. Como no Brasil os 
maus exemplos são sempre seguidos, o Estado Novo 
(1937-1945) e a ditadura militar implantada em 1964 
usaram também desse artifício e impuseram à força os 
governadores estaduais como meros delegados do poder 
central. 
 
Dentro desse perfil autoritário, o imperador reservou 
apenas 14 artigos constitucionais para o Judiciário – três a 
mais que os dedicados aos recursos pecuniários da família 
real – e restringiu o quanto pôde a autonomia dos juízes. 
Mesmo afirmando que “o poder judicial é independente”, 
o artigo 154 determinava que o “Imperador poderá 
suspendê-los [os juízes] por queixas contra eles feitas, 
precedendo audiência dos mesmos juízes, informação 
necessária, e ouvido o Conselho de Estado”. 
 
Não satisfeito com tanta concentração de mando, D. 
Pedro I criou mais um poder, o quarto: o Poder 
Moderador, que era “delegadoprivativamente ao 
Imperador como chefe supremo da nação”. E mais: o 
artigo 99 determinava que “a pessoa do Imperador é 
inviolável e sagrada: ele não está sujeito a 
responsabilidade alguma”. Além disso, “o Imperador é o 
chefe do Poder Executivo”. Foi esse sentimento de poder 
absoluto que pode explicar a forma como, em 1831, 
abdicou do trono, após forte pressão popular. Sem apoio 
militar, D. Pedro I teve de optar pela renúncia. No texto 
de cinco linhas, em um papel sem timbre, escreveu: 
“Usando do direito que a Constituição me concede, 
declaro que hei mui voluntariamente abdicado na pessoa 
do meu mui amado e prezado filho o Sr. D. Pedro de 
Alcântara”. O documento não tem destinatário, nem 
explicita do que abdicou. Não precisava. Para D. Pedro I, o 
poder era uma extensão de si mesmo. O pior é que fez 
escola. 
 
Não é acidental que o autoritarismo esteja tão 
presente no Brasil. O país já nasceu com uma organização 
política antidemocrática. E o poder nunca se reconheceu 
como arbitrário. Ao contrário, D. Pedro I inaugurou o 
arbítrio travestido de defensor das liberdades – a 
esquizofrenia de um discurso liberal e uma prática 
repressiva. No mesmo ano da Constituição outorgada, 
escreveu que era indigno um governante “que não ama a 
liberdade de seu país e que não dá aos povos aquela justa 
liberdade”. Continuou: “Amo a liberdade e, se me visse 
obrigado a governar sem uma Constituição, 
imediatamente deixaria de ser imperador, porque quero 
governar sobre corações com brio e honra, corações 
livres”. Encontrou resposta dos autênticos liberais, como 
Cipriano Barata: “Os habitantes do Brasil desejam ser 
bem governados, mas não se submeter ao domínio 
arbitrário”. E foi ainda mais direto: ele “não é o nosso 
dono”. 
 
No fim da Constituição, o imperador incluiu algumas 
garantias políticas e civis no artigo 179. Mesmo 
perseguindo, ameaçando e prendendo jornalistas que 
criticavam seus atos, a Carta fala que “todos podem 
comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e 
publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura”. 
Não é o que a prática imperial demonstrou. Em junho de 
1823, o jornalista Luís Augusto May, redator de A 
Malagueta, acreditando no “liberalismo” do imperador, 
fez duros ataques ao seu governo. Em vez do respeito à 
liberdade de imprensa, foi alvo de um bárbaro 
espancamento na própria casa por um grupo de quatro 
mascarados (algumas fontes informam que o próprio 
Pedro I teria participado do ato). Ironicamente, o mesmo 
artigo constitucional dispõe que “todo cidadão tem em 
sua casa um asilo inviolável”. 
 
Ainda proclamando os direitos do cidadão, e 
mantendo a dissociação entre o Brasil real e o legal, a 
Constituição determinava que “as cadeias serão seguras, 
limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para 
separação dos réus, conforme suas circunstâncias e 
natureza de seus crimes”. Mas pior, muito pior, é o 
parágrafo 19, do mesmo artigo: “Desde já ficam abolidos 
os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as 
penas cruéis”. A ironia e a crueldade desse parágrafo são 
enormes. Até 1886, dois anos antes da Lei Áurea, os 
escravos continuavam a ser castigados barbaramente 
pelos seus donos. Durante todo o Império vigorou o 
Código Criminal, que, no artigo 60, determinava que, se 
“o réu for escravo e incorrer em pena que não seja a 
capital ou de galés, será condenado à de açoites, e, 
depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se 
obrigará a trazê-lo com um ferro, pelo tempo e maneira 
que o juiz determinar”. Já o artigo 44 dispunha que “a 
pena de galés sujeitará os réus a andarem com calceta no 
pé e corrente de ferro, juntos ou separados”. 
 
Tal castigo foi abolido só após a morte de dois 
escravos que tinham recebido uma pena de 300 açoites 
cada um. O fato ocorreu a apenas 70 quilômetros do Rio 
de Janeiro. Teve enorme repercussão e o Parlamento 
acabou aprovando a eliminação desse castigo corporal. 
Mas não foi tão simples assim. Parlamentares defensores 
da escravidão, como o Barão do Bom Retiro, 
argumentaram que com a extinção da pena de açoites 
restariam as “de galés e de prisão com trabalho, e penso 
que nenhuma destas será eficaz com relação ao escravo. 
Para muitos, a de prisão com trabalho, sendo este, como 
deve ser, regular, tornar-se-á até um melhoramento da 
condição senão um incentivo ao crime”. 
 
Dos países latino-americanos, foi no Brasil que o 
trabalho escravo negro permaneceu por mais tempo. A 
longevidade da escravidão está vinculada à sua 
importância econômica. Em 1870, todos os 643 
municípios do Império possuíam escravos. O primeiro 
golpe na escravatura foi a abolição do tráfico, ocorrido 
depois de 40 anos de pressões britânicas, pela Lei Eusébio 
de Queirós (1850). Nos anos 1860, vários acontecimentos 
favoreceram o movimento emancipacionista no Brasil: a 
Guerra do Paraguai (1864-1870), ocasião em que milhares 
de escravos foram libertados e enviados aos campos de 
batalha para servir no lugar dos seus proprietários (a lei 
permitia esse absurdo); a Guerra Civil Americana (1861-
1865), com a consequente vitória dos nortistas, 
favoráveis ao término da escravatura; a extinção da 
servidão na Rússia (1861); a abolição da escravidão nas 
colônias dos impérios francês e português. Em 1871, 
depois de intensos debates, foi aprovada a Lei Rio Branco 
(também conhecida como Lei do Ventre Livre), que 
pretendia transformar o regime de trabalho 
gradualmente, sem abalar a estrutura econômica. Mesmo 
assim, encontrou forte resistência, especialmente nas 
províncias cafeeiras. Na Câmara, a lei foi aprovada por 65 
votos; dos 45 contrários, 30 foram de representantes dos 
produtores de café, principal produto de exportação do 
país. O fundo de emancipação criado pela lei obteve 
poucos resultados: os proprietários aproveitaram para 
libertar escravos doentes, portadores de deficiência física, 
cegos, em suma, aqueles “imprestáveis” para o trabalho. 
 
O movimento abolicionista foi um produto dos anos 
1880. Foi no Ceará que, pela primeira vez, o 
abolicionismo se transformou em um movimento de 
massa. Em 16 meses libertou 23 mil escravos. Do Ceará, o 
movimento chegou às províncias do Amazonas e Rio 
Grande do Sul, onde foram libertados 40 mil escravos. Em 
1885, a Lei Saraiva-Cotegipe (também chamada Lei dos 
Sexagenários) libertou todos os escravos maiores de 65 
anos. Foi considerada meramente protelatória da 
abolição total da escravidão, um instrumento para 
esvaziar o crescente movimento abolicionista, que tinha 
como principal figura o deputado pernambucano Joaquim 
Nabuco. 
 
Quando chegou ao governo o gabinete 
parlamentarista liderado por João Alfredo (março de 
1888), a abolição era a principal questão política do país. 
O governo tentou, inicialmente, apoiar a abolição 
imediata, mas com um adendo: obrigava os escravos a 
permanecer nas fazendas onde foram cativos, por mais 
dois anos. Qualquer proposta protelatória – dado o 
vertiginoso crescimento do sentimento nacional 
abolicionista – estava fadada ao fracasso. Restou a 
abolição direta, imediata. O projeto tramitou 
rapidamente. Na Câmara ainda teve nove votos 
contrários, dos quais oito de representantes da província 
do Rio de Janeiro. No Senado foi aprovada facilmente, 
ainda que com objeções, como do senador Cotegipe: 
“Decreta-se que neste país não há propriedade, que tudo 
pode ser destruído por meio de uma lei, sem atenção 
nem a direitos adquiridos, nem a inconvenientes 
futuros!”. Imediatamente a lei foi sancionada pela 
regente, a princesa Isabel, no Paço da Cidade. Após o 
autógrafo real, Nabuco foi à sacada para anunciar à 
multidão que tinha terminado a escravidão no Brasil. 
 
A Constituição de 1824 foi a que por mais tempo 
permaneceu em vigência. Não necessariamente pelas 
suas qualidades, mas pelas características do regimeimperial. Foi no século XIX, juntamente com a 
Constituição estadunidense, a mais longeva. Tudo 
indicava que passaria por modificações com o reinado de 
Isabel, sucessora ao trono. A abolição e as 
transformações oriundas do grande desenvolvimento da 
economia cafeeira estavam levando ao nascimento de 
uma sociedade mais plural. Contudo, o golpe militar 
republicano de 1889 acabou interrompendo esse 
processo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
1891: Liberdade, abre as asas sobre nós? 
 
NO RIO DE JANEIRO, na manhã do dia 15 de 
novembro de 1889, dona Mariana, a zelosa esposa de 
Deodoro da Fonseca, quis, por todos os meios, impedi-lo 
de sair de casa. O velho marechal estava doente. No dia 
anterior, seu médico particular tinha recomendado 
repouso absoluto. Mesmo assim, o velho marechal saiu, 
contrariando as recomendações médicas e da esposa, e 
dirigiu-se ao Campo de Santana, sede do quartel-general 
do Exército. Lá, depois de alguns entreveros meramente 
verbais, liderou a queda da monarquia. Horas depois 
foram nomeados os ministros do novo regime. 
 
A resistência foi quase nula. O regime estava 
desgastado e sem bases sociais. Perdeu apoio dos 
escravocratas e não conseguiu obter adesões dos setores 
dinâmicos da nova economia cafeeira. O republicanismo 
era uma corrente de pouca importância na política 
brasileira. Basta recordar a última eleição parlamentar do 
Império, em 30 de agosto de 1889. Dos 125 
parlamentares eleitos, apenas dois eram republicanos. O 
temor de que o imperador – ou sua sucessora 
constitucional, a princesa Isabel – apoiasse um programa 
de reformas econômico-sociais acabou acelerando o 
nascimento da República. E mais: a introdução do novo 
regime federativo, com a transferência de grande parte 
dos poderes do governo central para as oligarquias 
estaduais, propiciou a adesão em massa dos antigos 
monarquistas. No dia 16 de novembro de 1889 todos 
eram republicanos. 
 
O decreto no 1 formalizou o surgimento do novo 
regime. De acordo com o artigo 1.º, “fica proclamada 
provisoriamente e decretada como forma de governo da 
nação brasileira a República Federativa”. No artigo 7.º do 
mesmo decreto, ficou disposto que a forma republicana 
ficaria aguardando o “pronunciamento definitivo do voto 
da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular”. 
A vontade popular teve de esperar mais de um século: 
somente em 1993 foi realizado o plebiscito sobre os 
regimes e as formas de governo. 
 
O Governo Provisório emitiu decretos em larga 
escala. A pressa foi tão grande que muitos acabaram 
levando o mesmo número. Como solução, receberam, 
após o número, uma letra para distinguir um do outro. 
Todos vinham com uma justificativa oficial do governo: 
“constituído pelo Exército e pela Armada, em nome da 
nação”. Da lista dos decretos, vale selecionar os mais 
bizarros. O de no 78 baniu do Brasil o Visconde de Ouro 
Preto – último chefe de gabinete do Império –, Carlos 
Afonso e Silveira Martins, este último, além de 
desterrado, obrigado a residir em algum país europeu, 
caso sui generis em matéria de banimento. O 78A 
confirmou o banimento do imperador e acrescentou a 
proibição de sua família possuir bens em território 
nacional. O 113E criou o cargo de secretário-geral do 
Conselho de Ministros para o sobrinho predileto de 
Deodoro, Fonseca Hermes, que, posteriormente, foi 
acusado de falsificar atas de reuniões do Governo 
Provisório para favorecer banqueiros, durante o período 
de especulação financeira conhecido como Encilhamento. 
 
O decreto 42B transformou o dia 8 de dezembro em 
feriado nacional. Era uma forma de homenagear a 
Argentina. Os republicanos tinham apreço especial para 
com o país vizinho. No fim do Império, uma questão 
azedava a relação entre os dois países. Era a reivindicação 
argentina de se apossar da maior parte de Santa Catarina. 
Chamavam o estado brasileiro de território das Missões. 
O Império dava à região a denominação de Palmas. Lá, de 
acordo com um levantamento, moravam 5.793 
habitantes, dos quais somente 30 eram estrangeiros. E 
pior: nenhum era argentino. Mesmo assim, Buenos Aires 
insistia que o território pertencia à Argentina. 
 
Quintino Bocaiuva, ministro das Relações Exteriores, 
foi enviado para negociar uma solução para a região em 
litígio. Incluiu na comitiva, além da sua família, 14 
auxiliares. Esqueceu, porém, de levar os mapas 
brasileiros. Teve de analisar os mapas confeccionados 
pelos argentinos. Aceitou, sem discutir, todas as 
reivindicações: chamou oficialmente a região de Missões 
e concordou em entregar todo o território para a 
Argentina. Quando a notícia chegou ao Brasil, causou 
grande comoção. O Congresso platino, claro, ratificou 
imediatamente o tratado; o brasileiro, que só se instalou 
em 25 de fevereiro de 1891, rejeitou. Criou-se um 
impasse. Para encontrar uma solução, os dois países 
concordaram com o arbitramento do presidente dos 
Estados Unidos, proposta defendida pelo último gabinete 
do Império e que já tinha sido aceita pela Argentina antes 
da proclamação da República. Quatro anos depois, o 
presidente Grover Cleveland apresentou laudo favorável 
ao Brasil. Em tempo: o feriado homenageando a 
Argentina só foi comemorado em 1889. 
 
Com o objetivo de refundar o Brasil, o governo criou 
uma nova bandeira, quis – mas não conseguiu – impor 
um novo hino (acabou permanecendo o composto por 
Francisco Manuel da Silva) e, pelo decreto 155B, 
determinou uma nova relação dos feriados nacionais: “1 
de janeiro, consagrado à comemoração da fraternidade 
universal; 21 de abril, consagrado à comemoração dos 
precursores da independência brasileira, resumidos em 
Tiradentes; 3 de maio, consagrado à comemoração da 
descoberta do Brasil; 13 de maio, consagrado à 
fraternidade dos brasileiros; 14 de julho, consagrado à 
comemoração da República, da liberdade e da 
independência dos povos americanos; 7 de setembro, 
consagrado à comemoração da independência do Brasil; 
12 de outubro, consagrado à comemoração da 
descoberta da América; 2 de novembro, consagrado à 
comemoração geral dos mortos; e 15 de novembro, 
consagrado à comemoração da pátria brasileira”. A lista 
dos feriados excluiu todas as datas religiosas, excetuando 
o dia de Finados. Incluiu datas comemorativas 
republicanas, buscando associar o novo regime com a 
história do Brasil. O desconhecimento dos novos feriados 
foi tão grande que o governo teve de editar um livro, 
escrito por Rodrigo Octávio, explicando o significado das 
datas. 
 
Dias após o golpe de 15 de novembro, os jornais 
divulgaram que havia começado um movimento entre os 
membros do Clube Militar para, por meio de uma 
subscrição nacional, recolher fundos particulares para 
pagar a dívida externa. Humildes funcionários públicos 
acabaram sendo coagidos a aderir, assinando um termo 
em que concordavam com um desconto mensal nos seus 
salários. São desconhecidos os desdobramentos dessa 
campanha. Mas de uma coisa se sabe: não só a dívida 
externa não foi paga, como também cresceu em 
progressão geométrica após o advento da República. 
 
Políticos que aderiram ao novo regime logo 
buscaram apoio dos escritores, que estavam sedentos por 
uma boquinha. O emprego público acabou se 
transformando em sinônimo de intelectual. Só o 
governador do Rio de Janeiro empregou quatro: Coelho 
Neto, Pardal Mallet, Aluísio Azevedo e Olavo Bilac. Este 
último brincava dando despachos em forma de versos. 
Foram seis meses de trabalho. Certa feita, a professora 
Ana Maldonado solicitou três meses de licença médica e 
Bilac deu o seguinte despacho: 
 
“Se dona Ana Maldonado 
For uma bela mulher, 
Tenha o dobro do ordenado 
E do tempo que requer. 
Mas se for velha e metida,O que se chama canhão, 
Seja logo demitida, 
Sem maior contemplação”. 
 
Mas o novo regime não esqueceu de controlar a 
imprensa. Afinal, diante de tantos desmandos, foram 
pipocando críticas. Como resposta, editou o decreto 85A, 
equiparando o crime de imprensa ao de sedição militar. 
Na justificativa usou de uma linguagem até então 
desconhecida nos documentos oficiais: “Seria, da parte 
do governo, inépcia, covardia e traição deixar os créditos 
da república à mercê dos sentimentos ignóbeis de certas 
fezes sociais”. E continuou: “Os indivíduos que 
conspirarem contra a República e seu governo; que 
aconselharem ou promoverem por palavras, escritos ou 
atos, a revolta civil ou a indisciplina militar; que 
divulgarem nas fileiras do Exército e da Armada noções 
falsas e subversivas tendentes a indispô-las contra a 
República, […] serão julgados militarmente por uma 
comissão militar nomeada pelo ministro da Guerra e 
punidos com as penas militares de sedição”. 
 
A insânia republicana era permanente. Em 15 de 
janeiro, para comemorar o segundo mês do novo regime, 
desfilaram tropas do Exército e da Marinha pelas ruas do 
Rio de Janeiro até o Palácio Itamaraty, sede do governo. 
Um grupo de populares resolveu aclamar Deodoro da 
Fonseca, Benjamin Constant e o almirante Eduardo 
Wandelkolk, que estavam na sacada externa do palácio. 
Açulados pelo major Serzedelo Correa, secretário de 
Constant, populares saudaram Deodoro aos gritos de 
“viva o generalíssimo”. Emocionado, o velho marechal 
“aceitou” a promoção a generalíssimo. De acordo com o 
decreto, tudo correu por “aclamação popular”. É caso 
único na história militar brasileira, mais ainda porque a 
patente inexistia no Exército. 
 
Demonstrando um ar magnânimo, Deodoro resolveu 
promover imediatamente os dois colegas de farda que o 
acompanhavam na sacada: Constant virou general e 
Wandelkolk, vice-almirante. Não satisfeito, Deodoro 
estendeu para todos os ministros civis a patente de 
general de brigada. Da noite para o dia, Rui Barbosa, 
Francisco Glicério, Campos Sales, Quintino Bocaiuva e 
Aristides Lobo viraram generais e foram tratados como 
tais pelo velho generalíssimo. De acordo com o decreto, 
“honras militares constituem a maior remuneração que 
excepcionalmente se pode prestar aos beneméritos da 
pátria e que os ministros civis, por sua dedicação e amor 
à causa pública, se tornam credores desta distinção”. 
Eduardo Prado, escrevendo ainda no calor da hora, 
resumiu bem a situação: “Aquilo já não é militarismo, 
nem ditadura, nem república. O nome daquilo é 
carnaval”. 
 
Em junho de 1890, o Governo Provisório convocou 
para setembro as eleições para a Assembleia 
Constituinte, que deveria ser instalada no primeiro 
aniversário da Proclamação da República. No mesmo 
decreto (510) foi divulgada a proposta do governo para a 
nova Constituição. Era, inegavelmente, uma interferência 
indevida do Executivo nos trabalhos da futura 
Constituinte. Para piorar, o governo determinou que sua 
proposta entraria em vigor imediatamente, até a 
promulgação da Constituição a ser elaborada. Além disso, 
impôs aos constituintes a obrigação de primeiramente 
apreciar o projeto do governo. Entre outras propostas, 
indicava que o mandato presidencial seria de seis anos. 
Pior: eleito indiretamente por um colégio eleitoral. E mais 
um conjunto de medidas que acabaram sendo ignoradas 
pelos constituintes. Durou pouco: quatro meses depois, 
pelo decreto 914, o governo revogou a Constituição 
anterior e apresentou outra Carta, que também ignorava 
a futura Constituinte, que se reuniria no mês seguinte. 
 
Ainda em junho foi definido, também por decreto, o 
regulamento da eleição. Foi elaborado pelo ministro do 
Interior, Cesário Alvim. O ato foi severamente criticado 
pelos oposicionistas, pois permitia que quem estivesse no 
exercício de funções de confiança, nomeado pelo 
Governo Provisório, fosse candidato. Dessa forma, 
governadores, secretários, comandantes militares, juízes, 
funcionários administrativos e ministros poderiam ser (e 
foram) candidatos. Dos ministros de Deodoro, somente 
Benjamin Constant não foi eleito, pela simples razão de 
não ter sido candidato. Dois irmãos de Deodoro e um 
sobrinho foram eleitos, apesar de desconhecidos dos 
eleitores. Pelo regulamento, o total de constituintes a 
serem eleitos deveria ser de 268, dos quais 63 senadores 
(três por estado, além do Distrito Federal) e 205 
deputados (a maior bancada era de Minas Gerais, com 37 
membros, seguida da de São Paulo e da Bahia, com 22 
cada uma). 
 
O regulamento Alvim determinava no artigo 32 que, 
“no caso de não saber ou não poder o eleitor escrever o 
seu nome, escreverá em seu lugar outro por ele indicado 
e convidado pelo presidente da mesa”. Contudo, o 
decreto 200A, de 8 de fevereiro de 1890, no artigo 4.º 
declarava que são eleitores “todos os cidadãos brasileiros 
natos, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que 
souberem ler e escrever”. Cabe indagar: se o eleitor sabe 
ler e escrever, por que precisaria que outra pessoa 
assinasse a ata? Se o eleitor lia e escolhia os nomes 
escritos na cédula eleitoral, como não conseguiria 
simplesmente assinar seu nome? 
 
Mas o regulamento não ficou só nisso. O presidente 
da mesa eleitoral era o prefeito ou o presidente da antiga 
Câmara. E mais: qualquer dúvida que surgisse no 
momento da eleição caberia ser resolvida pelo presidente 
da mesa (artigos 13 e 17). As atas seriam preenchidas em 
quatro vias: a primeira seria enviada para as capitais 
estaduais; a segunda, para o Ministério do Interior; e as 
duas restantes, uma, para a Câmara e outra, para o 
Senado, que só se reuniriam inicialmente em 15 de 
novembro, dois meses após as eleições. E aí, para quem a 
oposição poderia recorrer? Não havia nenhum poder 
independente. 
 
A máquina eleitoral da União e dos governos 
estaduais elegeu quem bem quis. Um dos casos mais 
escandalosos foi o de Silva Jardim. Republicano histórico 
e considerado o grande propagandista do novo regime, 
resolveu ser candidato pelo seu estado, o Rio de Janeiro. 
Tinha planos de presidir a Constituinte. Ledo engano. Não 
fez parte da chapa do governador, nem foi 
eleito. Recebeu metade dos votos do último colocado da 
chapa oficial, Alberto Brandão, um conhecido 
escravocrata, que propôs ao governador aplicar o artigo 
295 do Código Criminal de modo que os libertos de 13 de 
maio fossem obrigados a regressar para as fazendas onde 
haviam sido escravos. Jardim protestou, denunciou 
diversas irregularidades, atas falsas e 
eleições fictícias em vários municípios. De nada adiantou. 
Desiludido, semanas após o pleito, viajou para a Europa. 
Acabou morrendo tragicamente na Itália, em 1891, ao 
visitar o Vesúvio, caindo numa fenda próxima à cratera e 
tragado pelo vulcão. 
 
Demonstrando a orientação laica (e com algum viés 
positivista), a Constituição de 1891 iniciava-se sem fazer 
referência a Deus ou, como na de 1824, à Santíssima 
Trindade. Os constituintes optaram pela forma 
“representantes do povo brasileiro”. No artigo 3.º foi 
determinado que a União demarcaria uma área de 14.400 
quilômetros quadrados – é curiosa a precisão da extensão 
da demarcação – no Planalto Central, para “nela 
estabelecer-se a futura Capital Federal”. Seguindo a velha 
prática nacional, de sempre deixar para o dia seguinte, a 
futura capital só seria transferida 69 anos depois. 
 
Um mérito da Constituição é a sua concisão, 
especialmente para os nossos padrões, marcados pela 
prolixidade. São 91 artigos e mais oito disposições 
transitórias. É a Carta mais enxuta da nossa história. Parte 
disso deve ser creditada à brevidade da Assembleia 
Constituinte. Instalada em 15 de novembro, teve 58 dias 
de sessões. Uma comissão com 21 constituintes – cada 
um representando um estado – em duas semanas jáapresentou a primeira versão do texto constitucional. E 
em fevereiro o plenário aprovou a nova Carta. Em grande 
parte, a celeridade decorreu da ameaça de um surto de 
febre amarela na Capital Federal, o que assustou os 
constituintes. 
 
Pela primeira vez um artigo constitucional declarou 
que as Forças Armadas são permanentes e estabeleceu os 
limites de obediência. O artigo 14 dispôs que “as forças 
de terra e mar são instituições nacionais permanentes, 
destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção 
das leis no interior”. Não foi acidental: um quarto dos 
constituintes eram militares. Não perderam a 
oportunidade para defender os seus interesses 
corporativos. O artigo 77 garantiu que “os militares de 
terra e mar terão foro especial nos delitos militares”. Não 
pode ser esquecida a polêmica envolvendo militares e 
governo entre 1886 e 1889, nem as supostas ameaças de 
extinção do Exército ou de criação de novas forças 
militares. O civilismo do Império era odiado pelos 
militares. Queriam ter autonomia e não mais aceitavam 
ser comandados “pelos casacas”: dois terços dos 
ministros das pastas militares, durante o Segundo 
Reinado, foram civis. 
 
Foi mantido o funcionamento do Congresso 
ordinariamente durante quatro meses do ano. Cada 
legislatura deveria durar três anos. O Senado assumiu 
nova forma: cada estado teria direito a três senadores e o 
mandato seria de nove anos. Em caso de impedimento de 
um senador, seria eleito um substituto para completar o 
tempo restante do mandato. Para a Câmara determinou-
se um mínimo de deputados por estado: quatro. Foi 
ordenada a realização de um recenseamento para 
estabelecer corretamente a população de cada estado. A 
disposição só seria colocada em prática 29 anos depois, 
em 1920. Um ponto importante da Constituição – e que 
será muito utilizado pela oposição, nem sempre com 
sucesso – foi o instituto do habeas corpus, que não 
estava presente na Constituição imperial, mas sim no 
Código de Processo Criminal de 1832. 
 
Nem todos eram eleitores. Era preciso ter mais de 21 
anos e ser brasileiro. Da lista obrigatória de eleitores 
estavam excluídos os analfabetos (diversamente da 
Constituição de 1824), os mendigos, os praças de pré e os 
religiosos “de ordens monásticas, companhias, 
congregações ou comunidades de qualquer denominação 
sujeitas a voto de obediência, regra ou estatuto que 
importe a renúncia da liberdade individual”. Ao excluir os 
analfabetos, a ampla maioria dos cidadãos acima de 21 
anos era mera espectadora nas eleições. Entre os negros 
a situação era muito pior. Pelos dados de 1872, quando 
ainda havia escravidão, dos 1.509.403 cativos, apenas 
1.403 eram alfabetizados. 
 
Os juízes e militares poderiam ser eleitores e eleitos 
para qualquer cargo. Isso gerou um sem-número de 
problemas. Partidarizava as Forças Armadas e o Poder 
Judiciário, e colocava em risco constantemente a lisura 
das eleições, especialmente nos estados onde os coronéis 
exerciam enorme poder político. No caso dos militares, 
excetuando os estados politicamente mais importantes 
(São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), tiveram 
papel político relevante como governadores. 
Curiosamente, impunha-se à força, aos estrangeiros que 
estavam morando aqui, a cidadania brasileira: “os 
estrangeiros, que, achando-se no Brasil aos 15 de 
novembro de 1889, não declararem, dentro de seis meses 
depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de 
conservar a nacionalidade de origem”. O silêncio ou o 
desconhecimento da norma constitucional 
transformavam centenas de milhares de estrangeiros em 
brasileiros. Isso no momento da grande imigração, 
especialmente para o sul do país. O imigrante, como seria 
de esperar, desconhecia a língua e as leis do Brasil. 
Contudo, virava brasileiro sem saber, pela força. 
 
E o voto das mulheres? Em 1891, em nenhum país 
da Europa as mulheres tinham direitos políticos. O 
primeiro seria a Noruega, somente em 1913. Portanto, 
não causa admiração que a maioria dos constituintes 
foram opositores radicais do projeto que igualava os 
direitos políticos dos homens aos das mulheres. Para 
Lauro Sodré, a proposta era “anárquica, desastrada, 
fatal”. Para Barbosa Lima, o voto feminino seria mais 
trágico: “Demos o direito de voto à mulher. Pois bem, 
seja uma família que tenha, além da mãe, duas ou três 
filhas maiores, sogra, tia, enfim, diversas senhoras e 
diversos parentes. Dá-se uma eleição. Nós estamos em 
verdadeira anarquia moral e mental: na eleição 
municipal, discordam; na eleição regional, discordam; na 
eleição provincial, discordam; na eleição geral, discordam 
também. Que poderia acontecer? O seguinte: a mulher, 
em lugar de estar entregue a esse grande problema, para 
o qual todos os momentos são poucos – a educação dos 
filhos –, está acentuando as dissenções, ficando assim de 
lado a única base da estabilidade, da harmonia e do 
progresso sociais”. Para o pintor Pedro Américo, dos 
célebres quadros A batalha do Avaí e Independência 
ou morte, deputado pela Paraíba, “a missão da mulher é 
mais doméstica do que pública, mais moral do que 
política. Demais, a mulher, não direi ideal e perfeita, mas 
simplesmente normal e típica, não é a que vai ao foro 
nem à praça pública, nem às assembleias políticas 
defender os interesses da coletividade; mas a que fica no 
lar doméstico, exercendo as virtudes feminis, base da 
tranquilidade da família e, por consequência, da 
felicidade social”. Fez voz quase solitária o deputado 
baiano César Zama: “Para mim é uma questão de direito, 
que tarde ou cedo será resolvida em favor das mulheres. 
Bastará que qualquer país importante da Europa confira-
lhes direitos políticos, e nós o imitaremos. Temos o nosso 
fraco pela imitação”. Com tantos opositores, a proposta 
acabou derrotada por larga margem de votos. 
 
Mas o voto feminino teve entre seus apoiadores o 
maior escritor brasileiro, Machado de Assis. Em 1894, na 
sua crônica semanal, escreveu: “Elevemos a mulher ao 
eleitorado; é mais discreta que o homem, mais zelosa, 
mais desinteressada. Em vez de a conservarmos nesta 
injusta minoridade, convidemo-la a colaborar com o 
homem na oficina da política”. Um quarto de século 
depois, em 1928, no Rio Grande do Norte foi permitido o 
alistamento de mulheres. O argumento central era o de 
que o artigo 70 não vetava expressamente o voto das 
mulheres e “todos são iguais perante a lei” (art. 72, § 2.º). 
Mas o número de mulheres eleitoras, no total nacional, 
foi quase que desprezível. 
 
O artigo sobre a eleição do presidente gerou muita 
discussão. O projeto oficial defendia a “eleição indireta, 
para a qual cada estado, bem como o Distrito Federal, 
constituirá uma circunscrição, com eleitores especiais em 
número duplo do da respectiva representação no 
Congresso” (art. 44). Contudo, o texto aprovado 
determinava que a eleição do presidente seria direta, 
mas, “se nenhum dos votados houver alcançado maioria 
absoluta, o Congresso elegerá, por maioria dos votos 
presentes, um, dentre os que tiverem alcançado as duas 
votações mais elevadas na eleição direta”. Apesar do zelo 
do constituinte, esse artigo nunca foi adotado. No 
entanto, a disputa foi intensa. Por apenas cinco votos (88 
a 83) foi vencedora a proposta da eleição direta. Rui 
Barbosa foi um dos adversários da eleição direta e 
criticou a aprovação desse dispositivo: “reivindicando-a 
prematuramente, por atos de impaciência pueril, 
correremos a aventura fatal, segundo todas as 
probabilidades, de levar, pela nossa incompetência, ao 
descrédito, talvez ao ridículo, a instituição que, 
oportunamente implantada num estado de cultura 
política menos imperfeita, acharia então solo adequado 
para lançar raízes estáveis e benfazejas”. 
 
Na Primeira República nenhum presidente foi eleito 
com menos de 90% dos votos!E nunca com participação 
superior a 5% da população no conjunto dos eleitores. 
Bastante ilustrativo é o caso de Epitácio Pessoa, que 
chegou à Presidência em 1919, quando nem sequer 
estava no Brasil. Durante sua “campanha”, Pessoa 
representava o Brasil em Versalhes, na França, na 
conferência de paz, após o fim da Primeira Guerra 
Mundial. Venceu facilmente o candidato da oposição, Rui 
Barbosa, com mais de 70% dos votos. 
 
Os oito artigos que tratavam da eleição para 
presidente da República acabaram servindo mais para 
inglês ver. Na primeira eleição presidencial direta, em 
1894, sem a participação do eleitorado do Rio Grande do 
Sul, de Santa Catarina e do Paraná, por causa dos 
combates da Revolução Federalista, Prudente de Morais, 
candidato único, recebeu apenas 290 mil votos, isso 
quando a população brasileira alcançava 15 milhões de 
habitantes. As eleições foram marcadas pelo absenteísmo 
e pela fraude. Um ano após a promulgação da 
Constituição, Machado de Assis foi votar: “Ignoro se a 
ausência de tão grande parte do eleitorado na eleição do 
dia 20 quer dizer descrença, como afirmam uns, ou 
abstenção, como outros juram. A descrença é fenômeno 
alheio à vontade do eleitor; a abstenção é propósito. […] 
O que sei é que fui à minha seção para votar, mas achei a 
porta fechada e a urna na rua, com os livros e ofícios. 
Outra casa os acolheu compassiva, mas os mesários não 
tinham sido avisados e os eleitores eram cinco. 
Discutimos a questão de saber o que é que nasceu 
primeiro, se a galinha, se o ovo. Era o problema, a 
charada, a adivinhação de segunda-feira. Dividiram-se as 
opiniões; uns foram pelo ovo, outros pela galinha; o 
próprio galo teve um voto. Os candidatos é que não 
tiveram nem um, porque os mesários não vieram e 
bateram dez horas”. 
 
O artigo 42 foi violado nove meses depois da 
promulgação da Constituição. Tratava da vacância da 
Presidência da República: “Se no caso de vaga, por 
qualquer causa, da presidência ou vice-presidência, não 
houverem ainda decorrido dois anos do mandato do 
período presidencial, proceder-se-á a nova eleição”. A 
eleição de Deodoro da Fonseca, em 25 de fevereiro de 
1891, no dia posterior à promulgação da Constituição, já 
tinha sido problemática. Temendo perder o pleito no 
Congresso – a primeira eleição presidencial foi indireta – 
para Prudente de Morais, os partidários do marechal 
pressionaram os parlamentares. O Congresso estava 
ocupado por soldados à paisana e policiais. Os 
constituintes militares estavam armados no interior do 
recinto de votação. O Clube Naval divulgou uma nota 
afirmando que “seria agradável à Marinha a eleição do 
marechal Deodoro da Fonseca”. À boca pequena, os 
militares espalhavam que uma derrota do marechal 
levaria ao fechamento do Congresso e à imposição de 
uma ditadura. Deodoro acabou recebendo 129 votos, 
contra 97 de Prudente. 
 
Nove meses depois, em novembro, pressionado pela 
oposição, que ameaçou entrar com um processo de 
impedimento, acusando o governo de corrupção, 
Deodoro fechou o Congresso. O primeiro presidente era 
uma pessoa simples, correta, honesta, mas 
absolutamente despreparada para o cargo. Não entendia 
o funcionamento dos poderes. Era manipulado pelo 
sobrinho ou pelos ministros influentes, como o Barão de 
Lucena. O desconhecimento legal era tão acentuado que 
imaginou que seria necessário um decreto do Executivo 
para sancionar a Constituição. Chegou a assiná-lo, porém 
Lopes Trovão, na Imprensa Oficial, viu o documento e 
impediu a publicação no Diário Oficial. 
 
O golpe deodorista durou pouco. Vinte dias depois 
foi obrigado a renunciar, por causa da rebelião de forças 
do Exército e da Marinha. O poder foi entregue ao vice-
presidente, o também marechal Floriano Peixoto. A 
Constituição era clara: seria necessário convocar nova 
eleição. Floriano, nosso primeiro “jurista de espada”, 
interpretou que não, que o disposto não seria aplicável à 
primeira eleição, só aos seus sucessores. Os desgostosos 
ainda recorreram ao Supremo Tribunal, mas de nada 
adiantou. A força das armas mais uma vez se impôs. 
Joaquim Nabuco, monarquista, em carta ao amigo Aníbal 
Falcão, republicano, em outubro de 1891, definiu bem o 
momento: “Vocês, republicanos, substituíram a 
monarquia pelo militarismo sabendo o que faziam, e 
estão convencidos de que a mudança foi um bem. Eu […] 
pensei sempre que seria mais fácil embarcar uma família 
do que licenciar um exército”. 
 
O governo Floriano foi marcado por revoltas e 
rebeliões. O marechal de ferro foi o primeiro a dividir o 
mundo intelectual. Uns, como Raul Pompeia, autor de O 
Ateneu, o amavam: “Conquistou para o seu vulto, na 
imortalidade, ao mesmo tempo, a coroa da vitória e a 
coroa do martírio”. Já para Lima Barreto, “com uma 
ausência de qualidades intelectuais, havia no caráter do 
marechal Floriano uma qualidade predominante: tibieza 
de ânimo; e no seu temperamento, muita preguiça”. O 
mártir ou o preguiçoso, dependendo do ponto de vista, 
deveria fazer a primeira transferência constitucional de 
poder. Contudo, Floriano nem sequer esperou que 
Prudente de Morais fosse ao Palácio Itamaraty, sede do 
governo. Logo cedo, foi embora para sua casa. Rodrigo 
Octávio, secretário de Prudente de Morais, registrou o 
momento: “Vi, porém, que nas escadas do palácio havia 
muita gente, que muita gente estava entrando. Dirigi-me 
para a porta. Não havia sentinela, e, como os outros 
estavam entrando, entrei também. Lá em cima, o grande 
casarão, abertas as portas de todas as salas, regurgitava 
de gente que circulava por todo ele, alegre e barulhenta. 
Não havia a menor fiscalização, o menor serviço de 
ordem. Compreendi, e custei a compreendê-lo, que a 
casa havia sido abandonada e entregue à discrição do 
público”. 
 
A Carta tratou de temas importantes para a 
sociedade. Um debate intenso no fim do Império foi 
sobre o casamento civil. A primeira Constituição 
republicana reconheceu “o casamento civil, cuja 
celebração será gratuita”. Antes, em junho de 1890, já 
tinha sido realizado o primeiro. O Visconde de Taunay 
tinha apresentado um projeto sobre o tema, que se 
arrastou durante anos no Congresso do Império, sem 
decisão final. Taunay fez questão de assistir ao primeiro 
casamento civil, ao qual compareceu também o tribuno 
da Abolição, José do Patrocínio, muito conhecido pelos 
longos discursos. Patrocínio, claro, quis aproveitar o 
momento para discursar, mas foi contido prontamente 
por Taunay : “Isto aqui não é pagode”. 
 
Em 1894, aproveitando também a separação da 
Igreja do Estado, o deputado Érico Coelho apresentou o 
primeiro projeto de divórcio na história da República. 
Depois de muita discussão e da mobilização contrária da 
Igreja Católica – que chegou a confeccionar um abaixo-
assinado com milhares de assinaturas –, o projeto acabou 
derrotado por 78 votos contra e apenas 35 a favor. O 
escritor Arthur Azevedo, apoiador do projeto, não perdeu 
a oportunidade para ironicamente lamentar o resultado 
da votação: 
 
“Contra o divórcio – quem diria? – 
Votaram muitos deputados 
Naturalmente bem casados; 
Alguns arrepender-se-ão algum dia...”. 
 
O segundo parágrafo do artigo 72 deu ao novo 
regime eivas de que o Brasil de 1889 era a França de cem 
anos atrás. O tratamento oficial entre os indivíduos era de 
“cidadão”, como na França revolucionária. E os 
documentos terminavam com a saudação “saúde e 
fraternidade”. De acordo com o parágrafo, o novo regime 
“não admite privilégios de nascimento, desconhece foros 
de nobreza e de todas as prerrogativas e regalias, bem 
como os títulos nobiliárquicos e de conselho”. O 
parágrafo era extemporâneo, pois a nossa nobreza não 
era hereditária, nem tinha como base privilégios ou 
propriedade territorial. Parte dela possuía somente o 
título, como o Visconde de Taunay. Apesar dadeterminação constitucional, muitos políticos 
importantes continuaram a ser tratados como “barão”, 
casos de Lucena ou, mais ainda, de Rio Branco, e outros 
como “conselheiros”, como Afonso Pena e Rui Barbosa. 
Mas o desejo de “igualdade republicana” era mais 
fantasia do que realidade, tanto que Deodoro, entre abril 
de 1890 e fevereiro de 1891, outorgou da Ordem de Avis 
45 grão-cruzes, enquanto D. Pedro II, em 49 anos de 
reinado, criou 44. Entre cavaleiros e oficiais da mesma 
ordem, foram mais 710 títulos, no mesmo período. 
 
Nas disposições transitórias (são oito artigos) três 
acabaram se destacando pelo inusitado. Em um típico 
caso de legislação fora do lugar, o artigo 2.º dispôs que, 
se um estado até o fim de 1892 “não houver decretado a 
sua Constituição, será submetido, por ato do Congresso, à 
de outros, que mais conveniente a essa adaptação 
parecer, até que o estado sujeito a esse regime a 
reforme”. Concedeu uma pensão vitalícia a “D. Pedro de 
Alcântara, ex imperador do Brasil”. O valor seria fixado 
pelo Congresso. Nem precisou, pois D. Pedro II não 
aceitou, assim como já tinha feito quando o decreto no 2, 
de 16 de novembro de 1889, tinha concedido à família 
real a quantia de cinco mil contos de réis. Mas o mais 
bizarro é o artigo 8.º: “O governo federal adquirirá para a 
nação a casa em que faleceu o doutor Benjamin Constant 
Botelho de Magalhães e nela mandará colocar uma lápide 
em homenagem à memória do grande patriota – o 
fundador da República”. Deodoro era extremamente 
vaidoso. Não gostou da homenagem, ainda mais porque 
numa reunião do gabinete chegou a partir para o 
desforço físico com Constant. Foi chamado de monarca 
de papelão. A briga só não ocorreu porque Campos Sales, 
ministro da Justiça, liderou a turma do “deixa disso”. Mas 
o pior estava por vir. O parágrafo único determinou que 
“a viúva do dr. Benjamin Constant terá, enquanto viver, o 
usufruto da casa mencionada”. Contudo, em agosto do 
ano seguinte, o Congresso aprovou um projeto, logo após 
a morte de Deodoro, para a construção de uma estátua 
na praça da República e de um monumento no seu 
túmulo: uma mulher simbolizando a Pátria e a República. 
Uma breve e estranha legenda identifica o túmulo: 
“Deodoro e sua esposa; ele não morreu, está vivo”. E ela? 
 
A Constituição teve grandes adversários. O 
autoritarismo brasileiro criticou duramente a Carta. 
Transformou as críticas em uma espécie de programa 
reformista, porém ultra-autoritário. O maior símbolo 
dessa corrente é Oliveira Vianna. Em um de seus livros, O 
idealismo da Constituição, insistiu na dissociação entre o 
texto constitucional e a realidade brasileira: “Durante 30 
anos haviam deblaterado contra o Império e os seus 
homens, numa campanha em grande parte pessoal; mas, 
durante esse longo lapso de tempo, de germinação e 
triunfo da ideia republicana, não pensaram sequer em 
elaborar um plano detalhado e preciso da Constituição e 
governo. Podiam ter-nos dado um belo edifício, sólido e 
perfeito, construído com a mais pura alvenaria nacional – 
e deram-nos um formidável barracão federativo, feito de 
improviso e a martelo, com sarrafos de filosofia positiva e 
vigamentos de pinho americano”. 
 
Foi realizada uma reforma, em 1926, em pleno 
estado de sítio, o que impediu uma discussão mais 
aprofundada. Não diminuiu o ímpeto crítico. O governo 
tinha defendido uma reforma de 38 artigos com 76 
emendas. Houve protestos. Diminuiu as emendas para 
33. No fim, pouco foi alterado. Foi autorizado o veto 
parcial a um projeto, quando o texto original (de 1891) só 
consentia quando fosse em conjunto. Porém o abuso 
“chegou ao ponto de vetar-se uma palavra ‘não’, 
permitindo o que se proibira”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
1934: não havia lugar para os liberais 
 
A DÉCADA DE 1920 FOI MARCADA POR diversas 
revoltas militares que ficaram registradas na história 
como as “rebeliões tenentistas”. Em 1922 o palco foi o 
Rio de Janeiro; em 1924 ocorreram revoltas no Rio 
Grande do Sul e em São Paulo – na capital paulista os 
revolucionários permaneceram ocupando a cidade por 
uma quinzena; e, entre 1925 e 1927, a Coluna Prestes 
(junção, no Paraná, das forças rebeldes vindas do Sul , sob 
comando do capitão Luís Carlos Prestes, com as que 
abandonaram São Paulo) percorreu o interior do país 
travando combates com as forças oficiais. A sucessão de 
Washington Luís, em 1930, acirrou as contradições 
políticas. Foi uma campanha eleitoral renhida. A chapa 
oficial, liderada por Júlio Prestes, enfrentou Getúlio 
Vargas, o candidato oposicionista. O governo venceu. 
Houve acusações de fraude. A temperatura política 
aumentou também em razão dos problemas econômicos 
gerados pela crise mundial de 1929, que atingiu 
severamente o Brasil, dependente da exportação do café. 
Em 3 de outubro de 1930, sete meses após a eleição e um 
mês antes da posse do novo presidente, teve início a 
revolução. Depois de vários combates, da prisão e exílio 
de Washington Luís, no mês seguinte, Vargas assumiu a 
Presidência. 
 
Os revolucionários de 1930 não deixaram pedra 
sobre pedra da estrutura legal do regime anterior. Como 
em 1889, era necessário refundar o Brasil. O Poder 
Legislativo foi extinto. Para os executivos estaduais foram 
nomeados interventores (com exceção de Minas Gerais) e 
o Judiciário sofreu forte controle dos novos donos do 
poder. O decreto 19.398, de 11 de novembro de 1930, 
não deixou nenhuma margem à dúvida. No artigo 1.º, 
ficou explícito que o governo “exercerá 
discricionariamente em toda a sua plenitude as funções e 
atribuições não só do poder Executivo, como também do 
poder Legislativo”. Pelo artigo 5.º “ficam suspensas as 
garantias constitucionais e excluída a apreciação judicial 
dos decretos e atos do Governo Provisório ou dos 
interventores federais”. A Constituição de 1891, na 
prática, ficou suspensa, pois poderia ser restringida por 
simples decretos, leis ou atos do governo ou de seus 
delegados (art. 4.º). 
 
O governo achava que tudo podia, não tinha limites. 
Por meio de um decreto, aposentou seis ministros do 
Supremo Tribunal Federal. O STF não se posicionou 
contra os “revolucionários”. Ao contrário, em novembro 
de 1930, negou, por 11 votos a dois, o pedido de habeas 
corpus do ex-presidente Washington Luís, que estava 
detido no forte de Copacabana. A argumentação foi 
tortuosa: “É incontestável que se encontra a nação em 
um período de anormalidade, durante a qual não é 
possível deixar de reconhecer que, se a Constituição 
subsiste, debaixo de certos pontos de vista, como quanto 
às relações de ordem privada, estão suspensas, sem 
dúvida, as garantias constitucionais, sob o critério político 
do Chefe de Governo”. Dias antes, o presidente do STF 
tinha apresentado voto de congratulação para o novo 
governo. De nada adiantou a subserviência: o tribunal 
teve a cassação de seis ministros pelo decreto 19.711, de 
fevereiro de 1931. A desfaçatez das justificativas 
representa bem aquele momento: “considerando que 
imperiosas razões de ordem pública reclamam o 
afastamento de ministros que se incompatibilizaram com 
as suas funções por motivos de moléstia, idade avançada 
ou outros de natureza relevante”. O argumento da idade 
avançada era uma falácia: houve ministro aposentado aos 
61 anos, enquanto outro, com 73, foi mantido na ativa. 
Queriam se livrar de indesejáveis ou possíveis 
indesejáveis, e sinalizar onde estava o poder de fato. E, 
durante os 14 anos seguintes, a Corte foi desmoralizada 
sistematicamente pelo Executivo federal. 
 
Os interventores assumiram os governos estaduais 
como meros delegados do poder central. O discurso era o 
de que acabaria o uso político dos governos como 
instrumento de controle da vontade popular. Alguns 
acreditaram. O caso do capitão Carneiro de Mendonça, 
interventor no Ceará,é exemplar. Em carta a Vargas, 
destacou que “sempre considerei como dos maiores 
males a criação de partidos oficiais, geradores das 
chamadas ‘máquinas eleitorais’, corrompido aparelho 
sobre o qual os chefes e chefetes sempre assentaram seu 
prestígio político”. De acordo com o capitão, se os fins do 
governo poderiam ser outros, “semelhantes são os 
processos adotados para consecução do fim almejado”. 
Ingenuamente, o capitão acreditou nos “princípios da 
revolução”. Restou pedir demissão. 
 
O novo governo foi rapidamente construindo 
estereótipos de largo uso político, e alguns deles 
acabaram até se transformando em conceitos históricos. 
É o caso da República Velha, denominação dada pelos 
novos donos do poder ao período anterior, que, 
ironicamente, teve participação ativa dos revolucionários 
em importantes cargos. Vargas, por exemplo, foi ministro 
da Fazenda de Washington Luís e governador do Rio 
Grande do Sul. “Carcomidos” foi uma criação do ministro 
José Américo de Almeida. Era a forma como os 
“revolucionários” se referiam aos políticos do antigo 
regime. Mas a melhor expressão acabou virando até 
título de livro do jornalista Arnon de Melo, ainda em 
1931. O pai de Fernando Collor publicou um livro de 
entrevistas com os derrubados do poder em 1930. O 
título? Observe o leitor que “sem alguma coisa” é bem 
antigo no Brasil: Os sem-trabalho da política. 
 
A confusão entre a palavra e a ação marcou o 
período. Tudo era novo. A República foi chamada de 
“nova”, porém os métodos... No mesmo Ceará, no início 
de 1934, Juarez Távora, um dos líderes da revolução e 
apelidado de Vice-Rei do Norte, apresentou a Vargas três 
nomes de “candidatos” à interventoria. Elogiou os dois 
primeiros, mas o terceiro é o que, segundo ele, “maior 
soma de qualidades reúne”. Conhece “como poucos 
filhos do Ceará, os seus problemas econômicos”, “é 
bastante culto, criterioso e ponderado”, “é amigo de 
quase todos os oficiais que fizeram a revolução no Ceará” 
e “é pessoa de minha absoluta confiança”. No entanto, a 
maior “qualidade” Távora não citou: o indicado era seu 
primo, o major Antônio Alves Távora. 
 
A nova ordem tinha prometido reconstitucionalizar o 
país. O governo era chamado de “provisório”. O tempo 
foi passando e nada de convocar a Assembleia 
Constituinte. Os tenentes, grupo de militares e civis de 
diversos matizes ideológicos, mas defensores de uma 
ordem autoritária, queriam a todo o custo postergar a 
eleição. Quando, finalmente, Vargas marcou a eleição, 
por meio de um decreto, em maio de 1932, para maio do 
ano seguinte, os tenentes espalharam que era um 
decreto para inglês ver, que não seria cumprido. Os 
tenentes temiam que, com o restabelecimento da 
legalidade constitucional, eles perdessem o poder que 
conseguiram quando da revolução. 
 
Os boatos, a pressão dos tenentistas e o temor de 
que as eleições prometidas não se realizariam – além de 
problemas na indicação dos sucessivos interventores para 
o estado de São Paulo – acabaram levando à Revolução 
Constitucionalista de 1932. A rebelião armada começou 
em 9 de julho e foi até o fim de setembro. Nos quase três 
meses de luta, que mobilizaram mais de 150 mil homens, 
morreram mais do que o triplo de soldados durante a 
campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália, na 
Segunda Guerra Mundial. 
 
Após o término do conflito, pelo decreto 22.194, de 
8 de dezembro de 1932, Vargas cassou os direitos 
políticos por três anos de forma até hoje nunca vista na 
história brasileira. Não há citação nominal. São listados 14 
tipos de crimes. A cassação foi na base do “todos”. Um 
exemplo: “de todos os que tenham tomado parte no 
levante militar ou auxiliado por qualquer forma o 
desencadeamento da rebelião ou a ela posteriormente 
prestado o seu concurso”. Mais outro: “dos que, tomando 
armas ou aliciando homens, chefiaram as tentativas de 
insurreição em outros pontos do território nacional, 
colaborando assim com os rebeldes de São Paulo”. 
 
Apesar de tudo, a guerra civil acabou levando à 
confirmação da realização das eleições para a 
Constituinte em 3 de maio de 1933. Pela primeira vez as 
mulheres puderam votar em todo o país, produto de uma 
longa luta pelo sufrágio feminino. O Brasil era o quarto 
país nas Américas a conceder o voto às mulheres, depois 
do Canadá, dos Estados Unidos e do Equador. Apesar da 
vitória histórica, no Rio de Janeiro, centro da luta 
sufragista, apenas 15% dos eleitores registrados eram 
mulheres. Foram eleitas para a Constituinte duas 
mulheres: uma pelo voto direto e outra como 
representante classista. 
 
Foi criada a Justiça Eleitoral e adotado o voto 
secreto. Dos 254 constituintes, 40 foram indicados: 20 
pelos sindicatos (na verdade foram impostos pelo 
Ministério do Trabalho) e outros 20 por entidades 
representativas do empresariado. Dos 214 eleitos, a 
distribuição foi quase idêntica à de 1890, apesar do 
crescimento populacional e da alteração na população de 
diversos estados, especialmente daqueles que receberam 
imigrantes e migrantes. As três maiores bancadas 
continuaram a ser as de Minas Gerais (37), de São Paulo e 
da Bahia (22 cada uma). 
 
Diversamente das outras assembleias constituintes, 
a de 1933/1934 foi exclusiva, ou seja, após a promulgação 
da Constituição foram convocadas novas eleições. Outro 
ponto exclusivo dessa Constituinte foi a eleição de 
parlamentares constituintes, sem que fossem deputados 
ou senadores. Dessa forma, a definição do Congresso 
como um parlamento bicameral foi dos constituintes e 
não uma imposição quando da convocação da 
Constituinte. 
 
O governo conseguiu eleger a maioria dos 
constituintes. Teve uma maioria confortável. A base 
foram os interventores. Os adversários foram vigiados até 
o momento pós-eleitoral. Como personagem de filme de 
humor, o chefe de Polícia de São Paulo chamou ao seu 
gabinete Macedo Soares, que tinha sido eleito na eleição 
de maio. Recomendou “que se abstivesse de usar a 
linguagem que vem empregando em suas conversações 
com amigos pelo telefone”. 
 
Os trabalhos tiveram início em 15 de novembro de 1933 e 
foram até 16 de julho de 1934, quando a Constituição foi 
promulgada. Os debates foram acalorados. Os 
simpatizantes da ditadura criticaram duramente os 
trabalhos da Constituinte. Para o general Daltro Filho, a 
assembleia “devia ser um sol, donde irradiassem todas as 
claridades, empanando-se na obscuridade dos projetos e 
anteprojetos, que se multiplicam numa horrível 
confusão... Contemplando-a de fora, tem-se a impressão 
de um ajuntamento amorfo, a debater-se numa agitação 
estéril”. 
 
Os episódios da guerra civil de 1932 estiveram 
presentes nos discursos de várias sessões. O regimento, 
feito pelo governo – e não pelos constituintes – seis 
meses antes, permitiu uma novidade: os ministros 
podiam comparecer às sessões, participar dos debates, 
mas não tinham direito a voto. E mais: Osvaldo Aranha, 
ministro da Fazenda, foi eleito líder da maioria na 
Constituinte. Foi algo bizarro – mais uma das anomalias 
da Constituinte, com os representantes classistas –, pois 
como ministro ele era inelegível, mas participava dos 
trabalhos, falava, defendia propostas, só não podia votar. 
E diversos ministros estiveram presentes às sessões. 
 
A Constituição de 1934 inaugurou a minúcia e o 
pormenor, a indistinção entre a legislação ordinária e a 
constitucional. Isso fica evidenciado pelo número e 
abrangência dos artigos. Enquanto a Constituição de 1891 
tinha 91, a de 1934 mais que dobrou: 187 artigos. No caso 
das disposições transitórias, o crescimento foi maior 
ainda: saltou de oito para 26 artigos. O governo tinha 
enviado um anteprojeto menor para os constituintes, que 
o ignoraram, como em 1891: tinha 136 artigos e mais oito 
nas disposições transitórias. 
 
No campo das liberdadesdemocráticas, a 
Constituição restringiu os direitos fundamentais. A 
introdução do conceito de segurança nacional recebeu 
destaque especial. Era uma novidade, produto do 
autoritarismo da década de 1930. Foram reservados nove 
artigos à segurança nacional e apenas dois aos direitos e 
garantias individuais. Foi concedido o estado de guerra, 
que implicava a suspensão das garantias constitucionais. 
A obsessão pela segurança chegou a tal ponto que 
“nenhum brasileiro poderá exercer função pública, uma 
vez provado que não está quite com as obrigações 
estatuídas em lei para com a segurança nacional” (art. 
163, § 2.º). 
 
O culto do Estado forte é típico do período. Os 
Estados Unidos não eram mais o modelo. A inspiração 
vinha da Europa, do totalitarismo. Todos atacavam as 
ideias liberais, consideradas anacrônicas. O escritor e ex-
deputado Gilberto Amado comentou que “não havia 
lugar para os liberais”. Afonso Arinos, que anos depois 
seria um dos mais importantes líderes da União 
Democrática Nacional (UDN) e um dos mais enfáticos 
defensores do liberalismo, escreveu, em carta a Getúlio 
Vargas, que o “Brasil precisa de um Estado forte. E esse 
só os moços, que o sentem necessário, poderão criar”. 
Ainda antes da instalação dos trabalhos, e criticando o 
líder mineiro Antônio Carlos, que foi eleito presidente da 
Constituinte, disse que o velho político representava a 
“rala água com açúcar do liberalismo flor de laranja”. 
Prado Kelly – outro udenista histórico e que foi 
constituinte – na justificativa de uma emenda elogiou o 
plano quinquenal da União Soviética stalinista: “Os 
resultados dessa organização animam a que, a despeito 
da diversidade de sistema, princípio análogo se inscreva 
nas Constituições republicanas, já libertas do preconceito 
individualista do liberalismo econômico”. Não satisfeito, 
elogiou a coletivização do campo, que levou à morte de 
milhões de camponeses: “Sobre a questão agrária, 
convém referir os resultados da organização (compatível 
com o nosso regime político, de adotar o princípio 
fundamental do cooperativismo na grande produção 
agrícola) proposta por Molotov”. 
 
Foi garantido também o estado de sítio, que 
concedia ao Executivo amplos poderes e a suspensão das 
garantias individuais, além da imposição da censura: “Não 
será obstada a circulação dos livros, jornais ou de 
quaisquer publicações, desde que os seus autores, 
diretores ou editores os submetam à censura” (art. 174, § 
5.º). A censura poderia ser adotada até mesmo em época 
de paz. No capítulo dos direitos e das garantias 
individuais, estranhamente, é incluída a censura: “A 
publicação de livros e periódicos independe de licença do 
poder público. Não será, porém, tolerada propaganda de 
guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem 
política ou social” (art. 113, § 9.º). A Constituição, nesse 
ponto, não diferiu muito do que era adotado pelo 
Governo Provisório. Até foi mais “liberal”. Indagado por 
um constituinte, em dezembro de 1933, sobre os critérios 
da censura, o ministro da Justiça, Antunes Maciel, 
respondeu que deveriam ser censurados: “a – as críticas 
ao governo, em termos acrimoniosos; b – agressões e 
referências pejorativas aos seus membros; c – notícias 
que, de qualquer forma, possam prejudicar a ordem 
pública e estimular subversões; d – agressões pessoais a 
quem quer que seja; e – críticas aos governos 
estrangeiros e seus representantes; f – quaisquer 
informações que possam produzir alarme ou apreensões, 
mesmo no terreno financeiro e econômico; g – meros 
boatos, de tendenciosidade manifesta”. O ministro 
terminou a resposta em tom ameaçador: “Devo frisar 
que, por dever de cortesia respeitosa, responderei a este 
primeiro pedido de informações; mas julgo-me 
desobrigado de corresponder a outros”. O ministro não 
brincava em serviço. Um ano antes, o Diário Carioca, 
jornal crítico do governo, teve suas instalações 
destruídas, atacado por mais de 150 homens, dos quais 
50 eram oficiais do Exército. No dia seguinte, os jornais 
do Rio de Janeiro, em protesto, deixaram de circular. 
 
O nacionalismo foi a pedra de toque da Constituição. 
Pela primeira vez foi reservado um título exclusivo para a 
ordem econômica e social. É nítida a influência da 
Constituição mexicana de 1917, a primeira “a dispor 
especialmente de artigo completo sobre as relações entre 
empregados e empregadores”, mas “coube à Constituição 
de Weimar a criação, até então inédita, de um título 
inteiro sobre a vida econômica e social”. Aos bancos ficou 
determinado que haveria a “nacionalização progressiva”, 
assim como das empresas de seguro. Por lei seria 
também regularizada a “nacionalização progressiva das 
minas, jazidas minerais e quedas-d’água ou outras fontes 
de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à 
defesa econômica ou militar do país”. O escritor Monteiro 
Lobato, um defensor entusiasta da exploração do 
petróleo por empresas privadas, foi um severo crítico 
dessa política: “A nova lei constitui o mais lindo trabalho 
ainda feito no mundo para manter o subsolo dum país em 
rigoroso estado de virgindade até o momento em que o 
espírito santo de orelha entenda de explorá-lo”. 
 
Os sindicatos foram reconhecidos e o artigo 121 
detalhou um verdadeiro programa de proteção ao 
trabalhador, indo do salário mínimo, passando pelo limite 
diário da jornada de trabalho e férias, à proibição do 
trabalho a menores de 14 anos de idade, entre outras 
medidas. A maior parte delas não teve nenhuma 
aplicação prática ou acabou sendo postergada. Entendeu-
se que as medidas de proteção ao trabalhador estavam 
restritas ao mundo urbano, tanto que “o trabalho agrícola 
será objeto de regulamentação especial, em que se 
atenderá, quanto possível, ao disposto neste artigo. 
Procurar-se-á fixar o homem no campo, cuidar da sua 
educação rural, e assegurar ao trabalhador nacional a 
preferência na colonização e aproveitamento de terras 
públicas”. 
 
Se nada foi feito para “fixar o homem no campo”, 
foram estabelecidas medidas contra o trabalhador 
estrangeiro. Adotou-se a política de repressão e expulsão 
de líderes operários estrangeiros, alguns dos quais desde 
crianças no Brasil. No capítulo dos direitos e das garantias 
individuais, foi aprovado que a “União poderá expulsar do 
território nacional os estrangeiros perigosos à ordem 
pública ou nocivos aos interesses do país” (art. 113, § 15). 
E os que tinham obtido a naturalização poderiam perdê-la 
“por exercer atividade social ou política nociva” (art. 107, 
c). 
 
É a velha mania nacional de propor e não fazer, e de 
tentar criar obstáculos ao que deu certo, como a grande 
imigração, que se iniciou no último quartel do século XIX. 
De acordo com a Constituição, a “entrada de imigrantes 
no território nacional sofrerá as restrições necessárias à 
garantia da integração étnica e capacidade física e civil do 
imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de 
cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento 
sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no 
Brasil nos últimos cinquenta anos”. E mais: “É vedada a 
concentração de imigrantes em qualquer ponto do 
território da União, devendo a lei regular a seleção, 
localização e assimilação do alienígena” (art. 121, §§ 6.º e 
7.º). 
 
O nacionalismo xenofóbico tinha a sua história. As 
reflexões de Alberto Torres e Manoel Bomfim deram a 
“base teórica”. Para Torres, era necessário controlar os 
núcleos coloniais, onde, segundo ele, se perpetuavam 
línguas e costumes alheios aos do Brasil, e onde governos 
estrangeiros começavam a exercer uma espécie de 
fiscalização política: “insistimos na política de 
colonização, apesar da prova evidente de seus 
desastrosos resultados”. Já para Bomfim, “dado o nível 
médio mental, social e político das populações, não é 
possível

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