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Direito Penal - Material de Estudo Calúnia, Difamação e Injúria: Crimes contra a Honra Os crimes contra a honra estão previstos no Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n.º 2.848/1940), nos artigos 138 a 145. Esses crimes protegem a dignidade e o respeito social da pessoa, valores fundamentais para a convivência em sociedade. Calúnia é a falsa imputação de fato criminoso a alguém. De acordo com o art. 138 do CP: "Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime". Os elementos essenciais da calúnia são: - A imputação tem que ser falsa. - O fato atribuído deve ser um crime definido na lei penal. - A imputação deve ser feita a terceiro ou de modo que a pessoa possa ser conhecida. - É necessário o dolo, ou seja, a vontade consciente de imputar falsamente o crime. - Não se admite forma culposa. A calúnia admite como exceção a chamada exceção da verdade (art. 138, § 3º): se o fato imputado for verdadeiro, a calúnia se afasta. Contudo, essa prova da veracidade é inadmissível em casos específicos, como na imputação de crime de ação privada ou em que o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível. O crime de calúnia é formal, consuma-se no momento em que a imputação chega ao conhecimento de terceiro, independentemente de gerar dano efetivo. A tentativa é possível, embora rara, como no caso de interceptação da mensagem antes de alcançar o destinatário. Difamação, prevista no art. 139 do CP, é a imputação a alguém de fato ofensivo à sua reputação. Diferente da calúnia, aqui o fato não precisa ser um crime, mas deve ser um fato determinado e capaz de afetar a reputação ou o conceito social do ofendido. Não há necessidade de que o fato imputado seja falso — mesmo sendo verdadeiro, a difamação se configura, pois o direito penal busca proteger a dignidade e a imagem social. A exceção da verdade não é admitida na difamação. A consumação se dá quando o fato chega ao conhecimento de terceiro. Também é um crime formal e admite tentativa. Injúria, por sua vez, está tipificada no art. 140 do CP: "Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro". A injúria não envolve a imputação de um fato, mas sim de qualidades negativas, injuriosas, que ferem a dignidade (valor intrínseco do ser humano) ou o decoro (respeitabilidade social). É um crime unissubsistente, ou seja, realizado em um só ato (por exemplo, um insulto). Pode ser cometido por palavras, gestos, expressões faciais, desenhos ou qualquer meio que denote menosprezo. A tentativa é, em regra, inadmissível, devido ao seu caráter unissubsistente. Existe a injúria qualificada (art. 140, § 3º), quando envolve elementos como: - Violência ou vias de fato, além da injúria verbal. - Motivos relacionados à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou com deficiência. Nesse caso, aplica-se o agravamento da pena. Importante observar que esses crimes são de ação penal privada, ou seja, dependem de queixa do ofendido, salvo nas hipóteses específicas em que o Ministério Público atua. Abandono de Incapaz Previsto no art. 133 do Código Penal: "Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e que, por qualquer motivo, não pode defender-se dos riscos resultantes do abandono". O bem jurídico protegido é a vida e a integridade física de pessoas vulneráveis, que não podem cuidar de si mesmas. São elementos do tipo: - A condição de incapaz da vítima: criança, pessoa com deficiência, enfermos graves, idosos debilitados etc. - O vínculo jurídico ou de fato: quem abandona deve ter dever de proteção, podendo decorrer da lei (pais, tutores) ou de contratos (babás, cuidadores). - O ato de abandono: afastamento voluntário e consciente, deixando a vítima exposta a risco. É um crime de perigo, não se exige que a vítima efetivamente sofra um dano, basta que a situação criada seja perigosa. Existem causas de aumento e qualificadoras: - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é majorada. - Se resulta morte, a pena é ainda mais severa, podendo atingir até 6 anos de reclusão. Trata-se de crime omissivo próprio, pois exige que o agente tenha dever jurídico de agir. A tentativa é admissível, embora difícil, pois o crime se consuma no momento em que se efetiva o abandono. Omissão de Socorro Regulada pelo art. 135 do Código Penal: "Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública". Este crime tutela a solidariedade e o dever social de proteção recíproca, valores indispensáveis à convivência. Diferente do abandono de incapaz, aqui não é exigido vínculo específico entre o agente e a vítima. Qualquer pessoa pode ser autora ou vítima. O tipo penal exige: - Situação de necessidade da vítima: abandono, extravio, invalidez, ferimento, ou perigo iminente. - Possibilidade concreta de socorro, sem risco pessoal para o agente. - Omissão: não prestar assistência ou não requisitar auxílio à autoridade. É crime de mera conduta, não se exige resultado naturalístico. A consumação ocorre com a inação. A tentativa é, em tese, possível, mas extremamente difícil de configurar, pois o não agir se consuma no momento em que o socorro é omitido. É crime doloso, não se admite na forma culposa. Omissão de socorro pode ser absorvida por crime mais grave se este englobar aquela conduta, por exemplo, homicídio omissivo. Estupro O estupro é previsto no art. 213 do Código Penal: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". O bem jurídico protegido é a liberdade sexual e, subsidiariamente, a dignidade da pessoa humana. Os elementos principais são: - Constrangimento: coação física ou moral. - Violência ou grave ameaça: indispensáveis para caracterizar o estupro clássico. - Conjunção carnal ou outro ato libidinoso: o conceito de ato libidinoso é amplo, inclui práticas diversas que proporcionem prazer sexual, ainda que não envolvam penetração. Trata-se de crime material, que se consuma com a prática do ato sexual forçado. A tentativa é perfeitamente admissível. O estupro pode ser: - Próprio: quando há conjunção carnal. - Impróprio: quando há outro ato libidinoso. Em 2009, com a Lei nº 12.015, houve importante modificação: o estupro deixou de ser um crime exclusivamente praticado contra mulheres. Agora, qualquer pessoa pode ser vítima ou autor. Há causas de aumento de pena, como: - Se resulta lesão corporal grave ou morte (art. 213, §§ 1º e 2º). - Se cometido contra menores de 18 anos ou pessoas vulneráveis (nesse caso, pode configurar outros delitos como estupro de vulnerável, art. 217-A). O estupro é crime de ação pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público deve promovê-lo independentemente da vontade da vítima. Importunação Sexual A importunação sexual está prevista no art. 215-A do Código Penal, incluído pela Lei nº 13.718/2018: "Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro". Antes da criação desse tipo penal, comportamentos como toques indesejados, beijos forçados, roçamentos eram punidos de maneira insuficiente, muitas vezes como mera contravenção. Com a nova previsão, protege-se de modo mais efetivo a liberdade sexual, garantindo maior segurança, especialmente em ambientes públicos ou de circulação coletiva. Os elementos do tipo são: - Prática de ato libidinoso: qualquer comportamento voltado à satisfação sexual. - Falta de anuência da vítima. - Dolo específico: finalidade de satisfazer a lascívia própria ou de terceiro. Não se exige violência ou grave ameaça — por isso, diferencia-se do estupro. É um crime formal, que se consuma com a prática do ato, ainda que não produza consequências físicas ou psicológicas. A tentativa é possível, por exemplo, se o agente for impedido de concluir oato. A pena prevista é de 1 a 5 anos de reclusão, sendo de ação penal pública incondicionada. Exemplo clássico: toques inapropriados em transportes públicos, prática infelizmente comum, mas agora adequadamente reprimida. Considerações Finais É importante compreender que todos esses crimes expressam, em maior ou menor grau, a necessidade de proteger valores fundamentais: dignidade, liberdade, segurança e convivência social pautada pelo respeito. Em sua prova, é crucial demonstrar o entendimento das diferenças sutis entre os tipos penais, principalmente no que se refere aos elementos subjetivos (dolo, finalidade), ao objeto jurídico protegido e às peculiaridades de cada conduta.