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Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 41.182 - SP (2005/0010479-2) Voto O SR. MINISTRO PAULO MEDINA: Sr. Presidente, a Constituição Federal, art. 5º, inciso LVII, traz a situação jurídica de um inocente. E a alteração que ela propôs é mais profunda que aparentemente revela. Está a exigir de cada um de nós fundamentação bastante. Está a definir a validade do estado de inocente. Só o juiz pode decretar a prisão. Está a exigir a indispensabilidade e a necessidade das prisões cautelares, das prisões provisórias. Então, sem que ocorra a necessidade, sem que se justifique a indispensabilidade, não há prisão cautelar. Vi que, no caso, a prisão preventiva se assentou para o recolhimento no clamor público. Vi que a pronúncia repete a idéia de clamor público e menciona a segurança pessoal da então indiciada, hoje ré. Vi que se argumentou que estando a acusada presa, deveria continuar recolhida à prisão. Não precisaria a pronúncia trazer novos elementos, já que estão expostos e o foram na prisão preventiva. Penso de modo diverso. Destaco o que diz o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa sobre o título novo da prisão. A prisão não é mais preventiva, é pela pronúncia. São, porém, coincidentes os fundamentos. Abordo um aspecto invocado pelo Sr. Ministro-Relator e, de passagem, mencionado pelo nobre advogado: a segurança pessoal. S. Exa. diz, no final do voto, que se a prisão já dura três anos, preservada sua segurança, permanecendo um pouco mais pela pronúncia preservada estaria a própria segurança. Isso já esteve na interpretação da doutrina e dos tribunais, mas após a Constituição de 1988 é impossível se sustentar. É dar um atestado de falência ao Estado brasileiro. Recolhe-se à prisão sem motivo, sem legalidade e mantém-se presa para proteger. Documento: 1958762 - VOTO - Site certificado Página 1 de 5 Superior Tribunal de Justiça É um paradoxo. Só posso recolher à prisão se houver indispensabilidade e necessidade. Caso contrário, não posso. Não posso recolher à prisão uma inocente que decorre de uma situação jurídica imposta pela Constituição Federal. Não posso afrontar o texto constitucional, o princípio do estado de inocência, que permite que se possa prender por acautelamento desde que verificada a necessidade e a indispensabilidade. O novo título não pode ser discutido porque repete a idéia anterior do clamor público. O Sr. Ministro-Relator menciona voto do Sr. Ministro Nilson Naves, que acompanhei, onde há o clamor público. Há, pelo clamor público, ofensa à ordem pública. Mas esse clamor público e essa ofensa à ordem pública têm uma interpretação mais estreita: se houver a probabilidade da repetitividade da ação contra a mesma pessoa ou contra pessoa diversa. Naquele caso de latrocínio, eram criminosos contumazes. O crime poderia repetir-se. Aqui, como disse acertadamente o Sr. Ministro Paulo Gallotti, sendo ou não dantesco, o crime, nas suas características, se há crime, foi contra os pais. Isso choca, dói, amargura, estraçalha o coração de cada um de nós, mas foi contra os pais. O que não descortina uma antevisão de que outros crimes serão cometidos pela filha. Se assim o é, não há falar-se em clamor público ou repercussão social que vá conduzir à repetitividade do ato. Então, pela ordem pública, que está contemplada no art. 312, está afastada o motivo da prisão. A repercussão social do fato não me surpreende, mesmo sendo em São Paulo. Não há ninguém tão insensível que não se choque, que não tenha fragilizadas suas forças quando uma filha participa do homicídio de seus pais. O clamor público não é dirigido pela imprensa. Essa apenas traduz o poderio das ruas que, na hipótese, é coincidente com a consciência do juiz. Mas não é esse o clamor público que autoriza a prisão preventiva. É o Documento: 1958762 - VOTO - Site certificado Página 2 de 5 Superior Tribunal de Justiça clamor público capaz de instabilizar a ordem. O ilustre advogado desafiou, no sentido ético da palavra, a cada um de nós e ao Ministério Público. Não há nos autos nada que indique que tenha ela praticado ato que ofendeu o clamor público ou a ordem jurídica. Afasta-se, assim, a primeira causa que deu origem à prisão preventiva. A segunda é a instrução criminal. O advogado mencionou que não há um ato que possa indicar que ela tenha praticado para instabilizar, dificultar ou reduzir a apuração criminal. E o pior é que a pronúncia, após a instrução, não aponta nenhum ato. Fala apenas na segurança pessoal da paciente e, genericamente, na ordem pública. Vencida a instrução, nada tendo feito a paciente, não há motivo para mantê-la recolhida. E ainda que houvesse, vencida a instrução, motivada a situação em que se encontra, os fatos são diferentes. O pós-instrução autorizaria, na pronúncia, pelo art. 408, § 2º, a revogabilidade da prisão, especialmente quando tem bons antecedentes. Então, não sobra nada contra a ordem pública e a instrução criminal. Documento: 1958762 - VOTO - Site certificado Página 3 de 5 Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS Nº 41.182 - SP (2005/0010479-2) Voto O SR. MINISTRO PAULO MEDINA: Quanto à aplicação da lei penal, S. Exa. disse que ela poderia viajar para o estrangeiro ou para onde quer que fosse. Na nossa imaginação, podemos alçar vôo para onde jamais seremos atingidos. Mas imaginação não é prova, não é probabilidade, não é sustentáculo de uma situação jurídica. Não será pela imaginação que iremos recolhê-la. O que resta desse decreto? Resta a corroboração do Superior Tribunal de Justiça à decisão local? Resta a confirmação da decisão local pelo Juiz do Primeiro Grau? Não basta repetir o ato. A pronúncia terá que repetir o motivo da prisão, mas se quiser prender tem que inovar dizendo porque se está prendendo. Caso contrário, será um argumento falso, indevidamente colocado. A pronúncia não rompe quando é provisória, não reduz quando é provisória, e não arrefece quando é definitiva, a situação jurídica do inocente, inocente de acordo com o art. 57, V, da Constituição Federal, e não inocente em relação ao fato. É necessário que a sociedade compreenda que permitir que alguém responda solto a um processo-crime é apenas cumprir a Constituição Federal. Não sei mesmo se é vantajoso prender alguém antes da sentença penal condenatória transitada em julgado. Não adianta encher as prisões. Deve-se colocar na prisão aquele que se sabe culpado, responsável, autor de um crime e que deve pagar. Não vejo possibilidade, conforme menciona o acórdão, de se manter por manter a linha anterior do decreto de prisão preventiva. Somente se surgir novas causas, novos fatos, ou mesmo uma argumentação inovadora Documento: 1958762 - VOTO - Site certificado Página 4 de 5 Superior Tribunal de Justiça não contemplada anteriormente, poderia ser examinado o acautelamento provisório. Isso não se fez. Não há nenhum argumento novo. E em um País como o nosso, diante da perspectiva de liberdade, não podemos decretar a falência do Estado Brasileiro mandando inocentes para a prisão sob o argumento de que ali sua segurança pessoal estará garantida. Afastados os argumentos que me pareceram ser discutidos novamente, acompanho a divergência, prestando a minha homenagem ao Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa que, sem dúvida nenhuma, é das maiores conquistas já realizadas por este Tribunal. Concedo a ordem de habeas corpus. Documento: 1958762 - VOTO - Site certificado Página 5 de 5
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