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APROXIMAÇÕES ENTRE DIREITO E ANTROPOLOGIA: 
UMA REFLEXÃO A PARTIR DO PROJETO DE LEI N° 1.057/20 071 
 
Débora Fanton 
 
 
RESUMO 
 
Atualmente, encontra-se tramitando no Congresso Nacional, sujeito à 
aprovação, o Projeto de Lei n° 1.057/2007. Conhecid o como “Lei Muwaji”, o referido 
Projeto de Lei dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção 
dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras 
sociedades ditas não tradicionais. Não obstante, percebe-se que algumas 
comunidades indígenas brasileiras concebem diferentemente as noções de ser 
humano, de vida e de morte e, por essa razão, não consideram tais práticas como 
“nocivas”. Diante desta questão, que envolve a diversidade cultural, a Antropologia 
assume relevante papel para a Ciência Jurídica, uma vez que evidencia, através de 
instrumentos interpretativos, diferentes sistemas de símbolos significantes. Neste 
contexto, o presente trabalho tem por objetivo introduzir, primeiramente, o conceito 
antropológico de “cultura”, a partir da perspectiva de Clifford Geertz, para uma 
melhor compreensão sobre a diversidade cultural, bem como os elementos 
relacionados a ela: o etnocentrismo e o relativismo cultural. Em seguida, será 
exposta a importante função do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na 
ordem jurídico-constitucional brasileira. Por fim, no terceiro e último capítulo, o 
Projeto de Lei será analisado e, em seguida, serão trazidos os argumentos tanto da 
perspectiva antropológica, como da jurídica. Concluir-se-á, nesse sentido, a 
necessidade de um diálogo intercultural, baseado em ambas as perspectivas. 
 
Palavras-chave: Direito. Antropologia. Diversidade Cultural. Relativismo Cultural. 
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Cada vez mais se tem despertado o interesse e desenvolvido pesquisas 
entre os campos do Direito e da Antropologia. Atualmente, discute-se a 
necessidade do diálogo entre as duas áreas, principalmente no que concerne ao 
âmbito da diversidade cultural. Assuntos como a luta pelo reconhecimento e 
delimitação das terras indígenas, elaboração de políticas públicas, preservação do 
patrimônio histórico nacional, questões relativas à saúde e educação diferenciadas 
e os direitos das minorias étnicas de uma forma geral demonstram esta significante 
preocupação. 
O conhecimento antropológico, apesar de até o presente momento não ter 
recebido seu merecido destaque na Ciência Jurídica, é extremamente indispensável 
 
1
 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de 
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do 
Sul. Aprovação, com grau máximo, pela banca examinadora composta pela orientadora Profª. Drª. 
Clarice Beatriz da Costa Söhngen, Profª. Drª. Lígia Mori Madeira e Prof. Dr. Rodrigo Ghiringhelli de 
Azevedo, em 25 de novembro de 2009. 
 
2
a ela, tanto em termos teóricos, quanto em termos práticos. O Direito lida com o ser 
humano e ocupa-se, predominantemente, em regular e resolver os conflitos 
decorrentes das relações sociais. Já a Antropologia tem por objetivo buscar 
compreender, através de instrumentos interpretativos, os homens e sua cultura. 
Dessa forma, o pensamento antropológico assume importante papel para 
proporcionar uma ampliação e uma melhor compreensão sobre o homem e, assim, 
sobre o papel do Direito nas relações sociais. 
Pode-se afirmar que a “Antropologia Jurídica” seria a disciplina encarregada 
dessa tarefa e que, através da teoria antropológica e de métodos específicos de 
estudo, como o trabalho de campo e/ou a observação participante, analisa e compara 
as instituições do direito e as concepções de justiça de determinadas culturas.2 
Um exemplo presente no cenário nacional que evidencia a exigência de se 
refletir sobre a conexão entre Direito e Antropologia é o Projeto de Lei n° 
1.057/2007. Conhecido como “Lei Muwaji”, ele foi apresentado pelo deputado 
Henrique Afonso e, no momento, encontra-se tramitando no Congresso Nacional, 
sujeito à aprovação. Este Projeto de Lei dispõe sobre o combate de algumas 
práticas tradicionais indígenas consideradas nocivas, em relação ao tratamento das 
crianças. Dentre as práticas, está aquela que popularmente se convencionou 
chamar de “infanticídio” indígena. Por meio de tal instrumento legal, pretende-se 
impedir tais práticas, a fim de se fazer cumprir os direitos humanos e fundamentais, 
bem como todas as normas de proteção à vida e à infância, previstas no 
ordenamento jurídico brasileiro. 
A justificativa do Projeto de Lei n° 1.057/2007 est á calcada, principalmente, 
na garantia do direito à vida, já que este é o direito “por excelência”. Nesse sentido, 
percebe-se o ideal de preservar a dignidade da pessoa humana e, portanto, a vida, 
a saúde e a integridade físico-psíquica das crianças indígenas e, como aponta o 
texto legal, também das crianças pertencentes a sociedades ditas não-tradicionais.3 
Igualmente, refere o Projeto de Lei, que o artigo 231 da Constituição Federal, 
relativo ao direito de reconhecimento da diversidade cultural, não deve ser 
interpretado de forma desvinculada do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, 
previsto no artigo 1°, inciso III, e das diretrizes dos direitos fundamentais, previstas 
no artigo 5°. 
Contudo, desde a sua divulgação, o Projeto de Lei n° 1.057/2007 tem 
recebido inúmeras críticas e causado polêmicas, sobretudo, entre as comunidades 
indígenas englobadas nesta discussão. Percebe-se que algumas comunidades 
indígenas brasileiras não concebem tais práticas como nocivas, indicando, portanto, 
haver outro universo de significação em relação às concepções de ser humano, de 
vida e de morte. 
Desse modo, nota-se que a discussão centra-se no conflito entre o Princípio 
da Dignidade da Pessoa Humana, o direito à vida e o direito à diversidade cultural. 
 
2
 SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 12; COLAÇO, Thais 
Luzia. O despertar da antropologia jurídica. In: COLAÇO, Thais Luzia (Org.). Elementos de 
antropologia jurídica. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 29. 
3
 Cumpre referir que a ênfase de nossa reflexão neste trabalho se dará sobre as práticas tradicionais 
indígenas. 
 
3
Assim sendo, o presente trabalho tem como finalidade refletir, a partir do Projeto de 
Lei n° 1.057/2007, sobre as aproximações que podem se estabelecer entre os 
campos do direito e da antropologia. Ou seja, iremos discutir a aplicação dos 
direitos humanos e fundamentais, questionando o caráter universalista e interventor 
do Projeto de Lei. Por outro lado, expor-se-á a particularidade da significação dos 
sistemas simbólicos indígenas, já que, a partir do ponto de vista antropológico, 
dever-se-ia interpretar o artigo 1°, inciso III e o artigo 5° em conformidade com o 
artigo 231 da Constituição Federal. 
Tendo em vista que muitas vezes as minorias étnicas são incompreendidas 
ou, até mesmo, menosprezadas, interpretá-las significa despertar a importância de 
enxergar o “outro” a partir de seu contexto social. 
Diante disso, no primeiro capítulo desta monografia serão abordados os 
principais conceitos antropológicos, como a noção de “cultura”, a partir da 
perspectiva de Clifford Geertz, para que seja possível um melhor entendimento 
sobre a diversidade cultural, além das concepções que estão diretamente ligadas a 
esta noção, como o etnocentrismo e o relativismo cultural. 
No segundo capítulo, será explicada a noção e a importante função que o 
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana exerce na ordem jurídico-constitucional 
brasileira, posto que ele é o principal fundamento do Projeto de Lei n° 1.057/2007. 
Ou seja, o primeiro capítulo expõe as principais ferramentas antropológicas para 
tratar deste tema, ao passo que o segundo capítulo, as ferramentas jurídicas.Por fim, no terceiro capítulo, mostrar-se-á os principais aspectos e os 
fundamentos da justificativa do Projeto de Lei n° 1 .057/2007. Em contraposição, 
exporemos as críticas do olhar antropológico dirigidas a ele, bem como a 
interessante proposta do diálogo intercultural e da hermenêutica diatópica de 
Boaventura de Souza Santos sobre o debate relacionado à diversidade cultural e à 
aplicação dos direitos humanos (e fundamentais). Nesse sentido, o que estamos 
buscando é encontrar uma decisão sobre este Projeto de Lei que seja justificável 
para ambas as culturas. 
Para uma melhor compreensão sobre o assunto, realizaram-se entrevistas, 
as quais nos aproximam da realidade indígena e, igualmente, suscitam outras 
questões, que poderiam muito bem ser abordadas neste tema, mas que, devido à 
complexidade, não foram objeto de maior desenvolvimento neste trabalho, tais 
como: a democracia, relacionada à participação das comunidades indígenas no 
processo constituinte brasileiro; o tratamento legal dos povos indígenas no Brasil; a 
colisão entre direitos e princípios constitucionais; os direitos coletivos e o pluralismo 
jurídico. 
Considerando que o presente estudo limita-se em apresentar algumas 
aproximações entre Direito e Antropologia, ressalta-se que não temos o intuito de 
apontar soluções definitivas para o problema, mas o de esboçar questionamentos e 
ampliar o debate sobre ele, uma vez que repensar o Direito a partir do viés 
antropológico é um desafio que se impõe nos dias de hoje. 
 
 
4
1 CULTURA, ETNOCENTRISMO E RELATIVISMO CULTURAL: O ARCABOUÇO 
TEÓRICO DA ANTROPOLOGIA 
 
Dizer que a Antropologia é a ciência que se dedica ao estudo do homem é 
reiterar o óbvio. As áreas da Antropologia (Biológica, Arqueologia, Lingüística, Social 
e/ou Cultural, entre outras) se ocupam em interpretar a complexidade da existência 
humana, sob o enfoque de diferentes aspectos.4 Aqui, nos ateremos mais à 
abrangência do plano cultural, tendo em vista a especificidade dos fatores 
estudados. 
A noção de “cultura” é de extrema importância para a reflexão antropológica, 
pois sobre ela foi desenvolvida a compreensão de como a experiência humana é 
organizada. Como existem diversas concepções sobre cultura, neste trabalho 
optaremos pela matriz epistemológica do antropólogo Clifford Geertz, tendo em vista 
a atualidade de seu pensamento no que concerne ao assunto, ressaltando-se 
claramente que não possuímos a pretensão de absolutizar o termo. 
 
1.1 TEORIA INTERPRETATIVA DA CULTURA: A PERSPECTIVA DE CLIFFORD 
GEERTZ 
 
Clifford Geertz (1926-2006), antropólogo norte-americano de notável 
influência na segunda metade do século XX, contribuiu para a reconstrução do 
conceito “cultura”, para o debate do relativismo cultural, além de ampliar e conectar 
suas reflexões a outras áreas, como história, política, direito, artes e literatura. Dessa 
forma, promoveu o desenvolvimento da antropologia moderna e o desencadeamento 
da antropologia pós-moderna. Sua dimensão hermenêutica rompeu com as 
estruturas metodológicas formais de estudo do meio antropológico, ao considerar 
que o homem e as relações humanas devem ser interpretados em suas 
particularidades culturais, e não sintetizados como se fossem leis gerais em uma 
espécie de Código Cultural. Nesse sentido, a abordagem semiótica da cultura revela 
que os fenômenos culturais são dotados de um conteúdo simbólico e, 
conseqüentemente, carregados de significados passíveis de serem interpretados de 
forma inteligível. 
A posição por uma teoria interpretativa da cultura é claramente visível nos 
argumentos do pensador. O trabalho antropológico é uma interpretação, isto é, uma 
leitura do objeto analisado, e não uma “construção de representações impecáveis de 
ordem formal”.5 Dito de outro modo, a interpretação cultural, através do instrumento 
da prática etnográfica (a descrição densa), somente é possível pela aproximação de 
dados concretos. Ela é um ponto de vista articulado pelo próprio observador a partir 
da interpretação do(s) observado(s) e, por essa razão, nunca será completa, eis que 
apenas o “objeto” de estudo poderia revelar uma interpretação “pura”, já que faz 
parte de sua cultura.6 Nesse sentido, o trabalho antropológico é uma interpretação 
de uma interpretação. Ao estudar uma comunidade indígena, pode-se dizer que o 
antropólogo depende das informações reveladas pelos nativos, seus “informantes”. 
 
4
 Para uma noção geral sobre os ramos da Antropologia, consultar: DAMATTA, Roberto. 
Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 27-38; 
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 16-20. 
5
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 13. 
6
 Ibidem, p. 11. 
 
5
Através dessa coleta de dados, o intérprete busca compreender a trama de 
significados. Assim, a interpretação não pode ser vista como uma lei, mas como uma 
compreensão de um fato particular, de uma comunidade particular, de uma cultura 
particular.7 Seguindo essa linha de raciocínio, o ideal de Geertz pode ser 
demonstrado pelo seguinte trecho: 
 
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias 
de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas 
teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em 
busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do 
significado.8 
 
Com efeito, tendo em vista a atualidade dessa discussão em relação ao 
estudo antropológico, em grande parte deste capítulo, serão apresentadas as idéias 
desenvolvidas por Clifford Geertz para uma melhor compreensão da cultura e, 
portanto, da diversidade cultural. 
 
1.1.1 Cultura: o conjunto de sistemas de símbolos significantes 
 
Uma das principais preocupações da Antropologia foi – e continua sendo – a 
definição do termo “cultura”.9 Tal preocupação deve-se ao fato de que em torno 
desse conceito é que se estruturou todo o estudo do homem. 
Desde a antigüidade, inúmeros pensadores, tais como Confúcio, Heródoto e 
Tácito,10 tentaram explicar a noção de cultura, com o intuito de compreender a 
diversidade humana. Entretanto, apenas em 1871 que as idéias foram 
sistematizadas, sendo pela primeira vez descrito o conceito científico da palavra, 
trabalho realizado pelo inglês Edward Burnett Tylor.11 Após ele, diversos 
antropólogos se dedicaram a esse objetivo, cuja pluralidade de enfoques pode ser 
analisada nas escolas antropológicas do pensamento.12 
Contudo, a maioria das formulações do conceito “cultura”, por serem um tanto 
abrangentes, mostrou-se demasiadamente confusa. Segundo Clifford Geertz, as 
noções amplas correm o risco de perder seu foco, frustrando o seu próprio sentido. 
Conforme o autor, as noções universais perdem sua força. Portanto, percebe-se que 
é de suma relevância delimitar e especificar o conceito cultura, a fim de que tal 
 
7
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 11 e 21. 
8
 Ibidem, p. 4. 
9
 A opinião de Roque de Barros Laraia sobre o estudo da cultura é que: “provavelmente nunca 
terminará, pois uma compreensão exata do próprio conceito de cultura significa a compreensão da 
própria natureza humana, tema perene da incansável reflexão humana”. (LARAIA, Roque de 
Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 63). 
10
 Ibidem, p. 10-11. 
11
 Para Edward Burnett Tylor (1832-1917), antropólogo inglês da corrente Evolucionista, “Cultura ou 
Civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui 
conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos 
adquiridos pelo homem na condição de membro de sociedade”. (TYLOR, Edward Burnett. A ciência 
da cultura. In: CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2005, p. 
69. Sobre a crítica de Clifford Geertz em relação ao referido autor, consultar p. 3 da obra A 
interpretação das culturas). 
12
 Neste trabalho não se pretende detalhar as diferentes contribuições das escolas antropológicas, 
limitaremo-nos em apenas citar as mais conhecidas: Evolucionismo, Difusionismo, Funcionalismo, 
Estruturalismo, Antropologia Interpretativa, Antropologia Pós-Moderna ou Crítica. 
 
6
noção não perca seu conteúdo, torne-se mais esclarecedora e quiçá mais 
poderosa.13 Por essas razões, Clifford Geertz expõe que: 
 
a cultura é melhor vista não como complexos de padrões concretos de 
comportamento – costumes, usos, tradições, feixes de hábitos -, como tem 
sido o caso até agora, mas como um conjunto de controle – planos, 
receitas, regras, instruções (o que os engenheiros da computação chamam 
de “programas”) – para governar o comportamento. [...] O homem é 
precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais 
mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de tais programas 
culturais, para ordenar seu comportamento.14 
 
Diferentemente de Tylor, que define cultura utilizando a enumeração de itens, 
como um mero descritivismo – e aqui não desvalorizamos seu mérito, pois foi a partir 
de sua construção que o conceito se desenvolveu –, a concepção de Geertz torna-
se mais consistente, pois mesmo subjetivamente, define de forma simples e clara a 
expressão “cultura”, sem dissecar as “banalidades empíricas do comportamento”.15 
Em suma, para Geertz, o conceito antropológico de cultura pode ser designado 
como um conjunto de sistemas de símbolos significantes ou padrões culturais, 
construídos historicamente, que orientam o comportamento humano, dando 
significado à sua experiência.16 
Ao contrário do que é comumente pensada, a cultura não é apenas um 
detalhe característico que pode marcar um povo, como se o futebol representasse o 
brasileiro, a cuia, o gaúcho, o acarajé, o baiano e assim por diante. Conforme 
Geertz, a cultura não é simplesmente um acessório, mas um elemento essencial 
para a existência humana.17 Os sistemas de símbolos significantes ou padrões 
culturais são, de acordo com o autor, uma espécie de “programa” ou um “gabarito”18, 
no qual o homem norteia as suas decisões. Ressalta-se que o homem não é 
estritamente determinado por sua cultura, como se fôssemos fadados a viver de 
uma só forma. A gama de possibilidades de nossas decisões está inserida em uma 
espécie de gabarito cultural. Por essa razão, pode-se dizer, por exemplo, que 
preferimos escolher comer churrasco de gado à aranha grelhada. 
Para Geertz, “um dos fatos mais significativos a nosso respeito pode ser, 
finalmente, que todos nós começamos com o equipamento natural para viver 
milhares de espécies de vidas, mas terminamos por viver apenas uma espécie”.19 
Assim, todas as pessoas são capazes de crescer em qualquer cultura, porém tendo 
crescido em uma específica, a ela se adaptará, pois a convivência com os símbolos 
correspondentes implica na sua absorção e, por conseguinte, no seu modo de vida. 
Conforme Geertz: 
É por intermédio dos padrões culturais, amontoados ordenados de símbolos 
significativos, que o homem encontra sentido nos acontecimentos através 
dos quais ele vive. O estudo da cultura, a totalidade acumulada de tais 
padrões, é, portanto, o estudo da maquinaria que os indivíduos ou grupos 
 
13
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 3 e 28-31. 
14
 Ibidem, p. 32-33. 
15
 Ibidem, p. 33. 
16
 Ibidem, p. 66 e 135. 
17
 Ibidem, p. 34. 
18
 Ibidem, p. 124. 
19
 Ibidem, p. 33. 
 
7
de indivíduos empregam para orientar a si mesmos num mundo que de 
outra forma seria obscuro.20 
 
Portanto, pode-se afirmar que a cultura modela o comportamento humano, na 
medida em que fornece símbolos, ou seja, diretrizes abrangentes de conduta e até 
mesmo tendências e reflexos sutis, os quais orientam a vida do homem. Sem tais 
“códigos”, a vida humana seria vazia de sentidos. 
 
1.1.2 Os elementos simbólicos e seus significados 
 
Como a cultura é um conjunto ordenado de sistemas de símbolos 
significantes, entendê-la importa assimilar o que são os símbolos. Já foi dito 
anteriormente que os símbolos orientam, coordenam e dão sentido ao 
comportamento humano. Mas, o que são eles? 
Em linhas gerais, “símbolo” é tudo aquilo que carrega em si um significado. 
Da mesma forma que a noção de cultura, o conceito de símbolo precisa ser 
delimitado. Geertz o especifica, referindo que: 
 
[...] ele é usado para qualquer objeto, ato, acontecimento, qualidade ou 
relação que serve como vínculo a uma concepção – a concepção é o 
“significado” do símbolo [...] são formulações tangíveis de noções, 
abstrações da experiência fixada em formas perceptíveis, incorporações 
concretas de idéias, atitudes, julgamentos, saudades ou crenças. [...] Os 
atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas simbólicas, 
são acontecimentos sociais como quaisquer outros; são tão públicos como 
o casamento e tão observáveis como a agricultura.21 
 
Os significados, segundo Geertz, “só podem ser ‘armazenados’ através de 
símbolos”.22 Estes, por sua vez, podem ser expressos por uma atitude, um objeto 
concreto, uma relação ou até mesmo uma abstração. A mão abanando em direção a 
alguém que está partindo, o calendário, uma obra de arte, a palavra “amor”, uma 
música. Todos eles são símbolos carregados de um significado específico, isto é, 
que procuram “dizer algo”. Eis alguns exemplos de Geertz: 
 
O número 6, escrito, imaginado, disposto numa fileira de pedras ou indicado 
num programa de computador, é um símbolo. A cruz também é um símbolo, 
falado, visualizado, modelado com as mãos quando a pessoa se benze, 
dedilhado quando pendurado em uma corrente, e também é um símbolo a 
tela “Guernica” ou o pedaço de pedra chamada “churinga”, a palavra 
“realidade” ou até mesmo o morfema “ing”.23 
 
Logo, os significados da cultura de um povo estão sintetizados e 
representados em símbolos, construídos pelo homem para que sua vida tenha 
sentido. Ressalta-se que os elementos simbólicos não podem ser confundidos com 
os atos, objetos e relações, aos quais o homem atribui os significados. Embora os 
primeiros confundam-se com os segundos, isto é, uma cruz simbolize a fé cristã, a 
cruz por si só não é a fé cristã, mas um objeto que a exprime a partir de sua 
utilização por crentes. 
 
20
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 150. 
21
 Ibidem, p. 67-68. 
22
 Ibidem, p. 93. 
23
 Ibidem, p. 68. 
 
8
A interação de um símbolo com outro, dos símbolos entre si, forma um 
conjunto de sistemas de símbolos, os quais regulam e modelam as demais relações 
em que o homem está inserido.24 
Segundo Geertz, os sistemas de símbolos, ou seja, os padrões culturais 
desempenham um papel mútuo: são modelos “da” realidade e modelos “para” a 
realidade. No sentido de modelo “da” realidade, as estruturas simbólicas modelam 
as relações físicas ou não-simbólicas. No segundo caso, no modelo “para” a 
realidade, as estruturas simbólicas é que são adaptadas às relações físicas ou não-
simbólicas. Fazendo-se um paralelo à atividade agrícola, no modelo “da” realidade, o 
homem elabora uma teoria sobre as condições climáticas, da acidez do solo, da 
necessidade de fertilizantes, etc., a fim de obter uma maior produtividade em sua 
plantação. Ao mesmo tempo, no modelo “para” a realidade, essa teoria é modelada 
de acordo com o desenvolvimento da referida plantação, isto é, de acordo com os 
resultados obtidos com as condições climáticas, da acidez do solo e da qualidade 
dos fertilizantes utilizados. Destaca-se que os modelos “da” e “para” a realidade não 
possuem um caráter cronológico, como se um precedesse o outro. Ao contrário, a 
relação entre “da” e “para” a realidade é mútua, paralela, assim como pode serobservado em relação ao exemplo da agricultura. Ao mesmo tempo em que o 
homem elabora sua teoria agrícola, ele observa a natureza, ou seja, a teoria molda o 
físico, bem como a teoria se ajusta ao físico. Desse modo, os símbolos assumem 
uma dupla função, qual seja, dar sentido à realidade, modelando-a e, igualmente, 
modelando a realidade a eles mesmos.25 Nas palavras de Geertz: 
 
Diferentemente dos genes e outras fontes de informação não-simbólicas, os 
quais são apenas modelos para, não modelos de, os padrões culturais têm 
um aspecto duplo, intrínseco – eles dão significado, isto é, uma forma 
conceptual objetiva, à realidade social e psicológica, modelando-se em 
conformidade a ela e ao mesmo tempo modelando-a a eles mesmos.26 
 
Apenas o homem possui uma ligação entre os modelos “da” e “para” a 
realidade. Isto é, diferentemente dos animais, os homens modelam a realidade e 
não apenas adaptam-se a ela. Portanto, a partir das observações do mundo em que 
está inserido, o homem procura tirar proveito dessas constatações, possibilitando 
desenvolver seu aprendizado.27 É o acúmulo desses aprendizados, ou, nas palavras 
de Geertz, do “fundo acumulado de símbolos significantes”28, criado historicamente, 
que possibilita ao homem enriquecer sua própria cultura. Nesse sentido, os símbolos 
representam a essência do comportamento humano. Os símbolos possuem papel 
elementar na vida do homem e, por essa razão, os indivíduos têm uma dependência 
tão grande em relação a eles. 
 
1.1.3 Pensamento Humano e Diversidade Cultural 
 
Inúmeras pessoas acreditam que as diferenças culturais entre os seres 
humanos são produtos da composição genética. Existem teorias que sustentam que 
algumas raças e povos possuem atribuições hereditárias. Pode-se recordar, em 
 
24
 CRAIK, apud GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 69. 
25
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 69. 
26
 Ibidem, p. 69. 
27
 Ibidem, p. 70. 
28
 Ibidem, p. 35. 
 
9
tempos não muito distantes, do nazismo, o qual propunha serem superiores os 
indivíduos da raça ariana. Além disso, muitas afirmações como estas se tornaram 
populares: “índio é preguiçoso”, “negro de canela fina é mais trabalhador do que o 
negro de canela grossa” ou “japoneses são mais inteligentes”.29 
Da mesma forma, tal problemática pode ser exemplificada pela notícia 
veiculada em uma reportagem do programa Globo Repórter. Nela, os cientistas 
demonstram que a característica de infidelidade de homens e mulheres estaria 
relacionada a determinados genes, ou seja, pessoas com certos atributos genéticos 
estariam mais propensas a trair. Nesse sentido, argumentam os cientistas: 
 
A diferença entre fiéis e infiéis pode ter mesmo relação com os hormônios. 
Cientistas suecos e americanos estudaram o comportamento sexual de ratos 
que formavam pares e descobriram um gene presente no hormônio 
vasopressina que, até então, acreditavam controlar apenas a pressão 
sanguínea, mas que pode influenciar também nos relacionamentos. [...] 
“No ano passado, um grupo de cientistas publicou o primeiro trabalho em uma 
variação desse gene que é relevante para o comportamento dos homens. Os 
homens que têm a versão curta do gene tendem a ser mais promíscuos e 
mais infiéis, e homens que têm a versão longa do gene tendem a ser mais 
monogâmicos e a ficar mais vinculados em casa e a cuidar mais dos filhos”, 
explica o geneticista Renato Zamora Flores, da Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul (UFRGS).30 
 
Como é de se notar, a discussão do poder dos genes sobre o comportamento 
humano é ainda muito polêmica. Negar que a composição genética influencia os 
seres humanos soaria irrazoável. Contudo, a Antropologia, através de pesquisas, 
desmistifica a concepção de que tão-somente os genes são os elementos essenciais 
para a distribuição dos comportamentos. Assim, as diferenças genéticas não 
determinariam as diferenças culturais, de modo que, como no exemplo citado, 
homens comportar-se-iam diferentemente das mulheres não em razão de seus 
hormônios, mas porque a cultura lhes fornece uma gama de possibilidades de 
comportamentos e de identificações distintos.31 
Por outro lado, há quem pense que a diversidade cultural é resultante da 
geografia. O tipo de clima, vegetação e outras condições naturais específicas do 
local onde um povo se instalou interfeririam fortemente na vida desse grupo 
humano, conduzindo-o de modo peculiar. Até mesmo condicionariam seu progresso. 
Essa doutrina surgiu na antigüidade, mas se desenvolveu e tornou-se conhecida no 
final do século XIX e início do século XX, sendo refutada por antropólogos como 
Franz Boas. Para ele, os fatores geográficos exercem influência limitada sobre as 
culturas. Tal doutrina também dificilmente responderia por que alguns povos com 
 
29
 Baseado em LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 2008, p. 17. 
30
 REPORTAGEM EXIBIDA no dia 31 de julho de 2009 na rede Globo, às 22h30min. Disponível em: 
<http://g1.globo.com/globoreporter/0,,MUL1250884-16619,00-
ESTUDO+DOS+BRASILEIROS+CASADOS+TRAEM.html>. Acesso em: 09 ago. 2009. 
31
 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 
2008, p. 19-20. 
 
10
condições geográficas muitíssimo semelhantes e até mesmo em distâncias próximas 
desenvolveram suas culturas de maneira tão discrepantes.32 
Portanto, nem o determinismo biológico, nem o geográfico são suficientes para 
justificar a diversidade cultural. Claramente, o homem sofre influência de sua genética e 
do meio ambiente onde vive, porém não é determinado por esses aspectos, como se 
agisse com um caráter meramente receptivo a eles. Ambos são limitados.33 
A perspectiva tradicional sobre a evolução biológica e cultural do homem 
refere que primeiramente o homem desenvolveu seu aparato físico para, somente 
após a finalização desse estágio, a partir de um “momento mágico”, começar a 
produzir e transmitir elementos culturais.34 
Em oposição, Geertz afirma que a cultura sempre esteve presente na 
evolução do homem, sugerindo “não existir o que chamamos de natureza humana 
independente de cultura”.35 Assim, o autor contesta a teoria do “momento mágico” 
ou do “ponto crítico”, julgando ser incorreta a tese de que o desenvolvimento total da 
biologia humana seria pré-requisito para a capacidade de acumulação cultural.36 De 
acordo com Geertz: 
 
E torna-se evidente, de forma ainda mais crucial, que a acumulação cultural 
não só já estava encaminhada muito antes de cessar o desenvolvimento 
orgânico, mas que tal acumulação certamente desempenhou um papel ativo 
moldando os estágios finais desse desenvolvimento [...] a ferramenta de pedra 
ou o machado rústico, em cujo rastro parece ter surgido não apenas uma 
estatura mais ereta, uma dentição reduzida e uma mão com domínio do 
polegar, mas a própria extensão do cérebro humano até seu tamanho atual.37 
 
Observa o autor, ainda, que não é possível traçar uma linha delimitando o 
homem “não-enculturado” do homem “enculturado”38, como se o próprio homem 
tivesse subitamente se promovido de “coronel” a “general-de-brigada”39. A evolução 
biológica deu-se de forma gradual juntamente com o acúmulo cultural, ambos 
influenciando-se mutuamente.40 Dessa forma, a cultura foi ingrediente essencial para 
 
32
 Segundo Franz Boas: “As condições ambientais podem estimular as atividades culturais existentes, 
mas elas não têm força criativa. O mais fértil solo não cria a agricultura; as águas navegáveis não 
criam a navegação; um abundante suprimento de madeira não produz edificações de madeira. Mas 
onde quer que exista agricultura, arte da navegação e arquitetura, todas essas atividades serão 
estimuladas e parcialmente moldadas segundo as condiçõesgeográficas”. Logo adiante o autor 
complementa: “Desse modo, é infrutífero tentar explicar a cultura em termos geográficos [...] 
Entretanto, as relações espaciais dão apenas a oportunidade para o contato; os processos são 
culturais e não podem ser reduzidos a termos geográficos”. (FRANZ, Boas. Antropologia cultural. 3. 
ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 61-62; BOAS apud LARAIA, Roque de Barros. Cultura: 
um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 21-23). 
33
 Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 
24. 
34
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 34. 
35
 Ibidem, p. 35. 
36
 Ibidem, p. 45 e 60. 
37
 WASHBURN, apud GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 49. 
38
 O significado que o autor imprime à palavra “enculturado” refere-se ao homem ser capaz de 
produzir e acumular cultura. 
39
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 47. 
40
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 46-47. Nesse sentido, 
observa Laplantine que o inato (biológico) e o adquirido (aspectos culturais) interagem 
 
11
a formação do homem, influenciando até mesmo seu aparato físico, mas 
principalmente a organização e refinamento do sistema nervoso central. Ressalta-se 
que o homem, nos seus primórdios, não havia ainda desenvolvido uma cultura no 
sentido de um conjunto de sistemas de símbolos significantes ordenados, o que não 
impede afirmar que já existiam resquícios culturais capazes de orientar o 
comportamento humano e, conseqüentemente, torná-lo cada vez mais dependente 
deles.41 
No exemplo bem formulado de Geertz, sem cultura provavelmente os 
personagens da obra de William Golding, “O Senhor das Moscas”, não seriam 
selvagens inteligentes, “seriam monstruosidades incontroláveis, com muito poucos 
instintos úteis, menos sentimentos reconhecíveis e nenhum intelecto: verdadeiros 
casos psiquiátricos”.42 
Por conseguinte, a cultura interferiu e pode-se afirmar que continua 
interferindo na evolução da mente humana. Uma constatação recente é a da 
provável modificação da percepção cerebral provocada pela revolução dos meios de 
comunicação. Os acessos à internet estimulam os circuitos cerebrais e ativam o 
córtex pré-frontal, possibilitando aos indivíduos tomarem decisões rápidas diante de 
um grande volume de informações complexas.43 
Assim, segundo Geertz, como um ser inacabado, o homem é complementado 
pela sua cultura, por suas particularidades culturais.44 
Um pássaro, após nascer, ensaia seus primeiros vôos incertos, busca seu 
alimento, acomoda fios, gravetos e barro para a construção de seu ninho e acasala-
se basicamente através de seus instintos – os comandos de seus genes – e pelos 
estímulos externos, os quais ordenam suas ações para desempenhar tais 
atividades. O homem, por sua vez, para escolher sua companheira ou seu círculo de 
amizades, selecionar o alimento que lhe apetece e construir sua residência 
necessita muito mais das chamadas “fontes extrínsecas de informação” do que de 
“fontes intrínsecas”.45 As fontes intrínsecas de informação são os nossos genes. Já, 
as fontes extrínsecas são os fatores externos ao corpo do ser humano, os quais não 
possuem ligação direta com os genes, ou seja, são os padrões culturais.46 O 
homem, ao contrário do pássaro e de outros animais, se apóia muito mais em fontes 
não genéticas para se desenvolver. Nesse sentido, Geertz aduz que: 
 
Entre o que o nosso corpo nos diz e o que devemos saber a fim de 
funcionar, há um vácuo que nós mesmos devemos preencher, e nós o 
preenchemos com a informação (ou desinformação) fornecida pela nossa 
cultura.47 
 
continuadamente. (LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 
17). 
41
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 50. 
42
 Ibidem, p. 35. 
43
 LUZ, Lia. A internet transforma o seu cérebro. Veja, São Paulo, edição 2125, ano 42, n. 32, p. 96-
99, 12 ago. 2009. 
44
 GEERTZ, op. cit., p. 36. 
45
 GALENTER; GERSTENHABER, apud GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de 
Janeiro: LTC, 2008, p. 121. 
46
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 36, 68, 121-124. 
47
 Ibidem, p. 36. 
 
12
[...] Para construir um dique, o castor precisa apenas de um local apropriado 
e de materiais adequados – seu modo de agir é modelado por sua fisiologia. 
O homem, porém, cujos genes silenciam sobre o assunto das construções, 
precisa também de uma concepção do que seja construir um dique, uma 
concepção que ele só pode adquirir de uma fonte simbólica – um diagrama, 
um livro-texto, uma lição por parte de alguém que já sabe como os diques 
são construídos, ou então através da manipulação de elementos gráficos ou 
lingüísticos, de forma a atingir ele mesmo uma concepção do que sejam 
diques e de como construí-los.48 
 
A capacidade humana provém da interação das fontes intrínsecas e das 
fontes extrínsecas de informação. O aparato genético determina frouxamente o ser 
humano, deixando lacunas na experiência humana a serem preenchidas pelos 
padrões culturais. Dessa forma, as fontes extrínsecas de informação, isto é, os 
sistemas de símbolos significantes, especificam o comportamento humano.49 
Não há dúvidas que possuímos a capacidade de sorrir. No entanto, os 
sorrisos irônico, envergonhado, constrangido e tímido são essencialmente culturais. 
Como o sorriso, outros símbolos são criados pelo homem. A capacidade de criar 
símbolos e compreendê-los é que distingue o homem dos animais.50 Além disso, o 
ser humano necessita aprender e continuar aprendendo.51 
Ora, o pensamento humano não é uma ocorrência enigmática ou misteriosa, 
na qual não possamos descrever ou interpretar. Segundo Geertz, o homem pensa, 
apoiando-se em símbolos elaborados historicamente por sua cultura, os quais dão 
sentido à sua experiência.52 E isto pode ser descrito pela Antropologia. Em 
conformidade com Geertz: 
 
Para tomar nossas decisões, precisamos saber como nos sentimos a 
respeito das coisas; para saber como nos sentimos a respeito das coisas 
precisamos de imagens públicas [...]53 Para obter a informação adicional 
necessária no sentido de agir, fomos forçados a depender cada vez mais de 
fontes culturais – o fundo acumulado de símbolos significantes.54 Tornar-se 
humano é tornar-se individual, e nós nos tornarmos individuais sob a 
direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados 
historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção 
às nossas vidas. Os padrões culturais não são gerais, mas específicos.55 
 
Assim, a cultura é o ingrediente essencial para a orientação do raciocínio; 
como antes referido, é um “gabarito”. Um indivíduo, ao refletir sobre o instituto do 
casamento, por exemplo, raciocina de acordo com os padrões de sua cultura, isto é, 
na forma como o casamento é realizado. Por esse motivo, muitos ocidentais 
estranham o modo como é procedido o casamento muçulmano no Oriente Médio. 
De um lado a monogamia, de outro, a poligamia. Seus sistemas ordenados de 
 
48
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 69. 
49
 Ibidem, p. 33, 36, 69, 124. 
50
 Ibidem, p. 48. 
51
 Ibidem, p. 58. 
52
 Ibidem, p. 150, 33, 36. 
53
 Ibidem, p. 59-60. 
54
 Ibidem, p. 35. 
55
 Ibidem, p. 37. 
 
13
símbolos são diferentes e, assim, estranhos um ao outro.56 Nesse sentido, nas 
simples palavras de Roque de Barros Laraia, percebe-se que “a cultura condiciona a 
visão de mundo do homem”.57 
Concordando com Gilbert Ryle, Geertz afirma que o pensamento humano é 
primeiramente um atopúblico e secundariamente um ato privado. É basicamente um 
ato público, pois os indivíduos manipulam sua experiência a partir dos símbolos e 
seus significados, os quais são públicos. É a partir deles que particularmente o 
indivíduo constrói seu pensamento e toma suas decisões.58 Conforme Geertz: 
 
os símbolos [...] são construídos historicamente, mantidos socialmente e 
aplicados individualmente59 
O sistema nervoso humano depende, inevitavelmente, da acessibilidade a 
estruturas simbólicas públicas para construir seus próprios padrões de 
atividade autônoma, contínua. Isso, por sua vez, significa que o pensamento 
humano é, basicamente, um ato aberto conduzido em termos de materiais 
objetivos da cultura comum, e só secundariamente um assunto privado.60 
 
Portanto, o acesso às estruturas simbólicas permite ao homem guiar seu 
pensamento, deliberar sobre as suas ações e determinar a sua própria vida. 
Logicamente, por uma cultura abranger uma multiplicidade de padrões culturais, os 
indivíduos não participam ou, então, não compreendem todos eles. Ainda assim, 
para que sua vida torne-se viável em sociedade, o homem precisa dominar o mínimo 
de símbolos significantes, pois são eles que vinculam os indivíduos, tornam possível 
a sua existência.61 
Igualmente, nesse contexto, cumpre salientar que a cultura é dinâmica. Isto é, 
segundo Roque de Barros Laraia, as características culturais não são imutáveis, 
mas sofrem alterações dentro da própria cultura, tendo em vista, por exemplo, os 
acontecimentos históricos de seu povo e, também, sofrem alterações externas, pela 
interação com outros sistemas culturais.62 Diante de um mundo globalizado, torna-se 
fácil identificar essas modificações. O Brasil, por exemplo, através do contato com 
outras nações, importou palavras tais como “internet”, “hambúrguer”, “buffet”, entre 
outras. O indígena utiliza o celular e não deixa de ser índio. Nós aprendemos a falar 
francês e comemos sushi e, mesmo assim, não deixamos de ser brasileiros. Enfim, 
nenhuma cultura é estática, ela modifica-se ao longo do tempo pelo tráfico de 
símbolos significantes. 
 
56
 Evidentemente existem muitos casais poligâmicos no Ocidente, como ocorre em algumas regiões 
nos Estados Unidos. No entanto, de uma forma geral, a prática mais comum é de que as uniões 
entre pessoas sejam monogâmicas. Destaca-se também que a religião exerce grande influência 
nesse aspecto. 
57
 Para outros exemplos sobre como a cultura condiciona a visão de mundo do homem, consultar: 
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 2008, p. 67-74. 
58
 RYLE, Gilbert, apud GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 
121, 150-151. 
59
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 151. 
60
 Ibidem, p. 61. 
61
 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 
2008, p. 82. 
62
 Ibidem, p. 94-101. 
 
14
Diante do exposto, fica mais claro agora pensar que a diversidade cultural não 
é produto dos fatores genéticos ou, então, da localização em que os grupos 
humanos se desenvolveram. A diversidade cultural é resultado dos diferentes tipos 
de interação do homem com o mundo. As relações específicas de um povo, tendo 
em vista sua história, a maneira de como criaram seus símbolos, classificaram seus 
elementos e organizaram suas experiências resultaram em conjuntos de sistemas 
de símbolos significantes diferenciados.63 Nesse sentido, os homens foram ao 
mesmo tempo produtos e produtores de sua cultura e, portanto, essa mútua 
interação, através do processo de aprendizagem (por meio da linguagem), tornou 
viável a construção de diferentes culturas, as quais projetaram diferentes sentidos à 
vida dos seres humanos. 
Em suma, na perspectiva de Clifford Geertz, observa-se que a cultura, como 
um conjunto ordenado de sistemas de símbolos significantes ou padrões culturais, 
construídos historicamente, é elemento essencial para o desenvolvimento do 
homem. Ela funciona como uma espécie de “gabarito” ou “programa”, no qual os 
indivíduos norteiam suas vidas, fazendo-os capazes de tomar suas próprias 
decisões. Dito de outro modo, o homem está atrelado a esta “teia”, pois são os 
símbolos e seus respectivos significados que imprimem sentido e razão à sua 
própria existência. É por esse motivo que Geertz salienta: “sem os homens 
certamente não haveria cultura, mas, de forma semelhante e muito 
significativamente, sem cultura não haveria homens”.64 A cultura é fundamental para 
a formação do ser humano. 
Assim, o que distingue o homem dos animais é a cultura, pois somente ele 
tem o poder de criar e assimilar os símbolos. Ademais, o que distingue os homens 
entre si não é a sua composição genética ou a geografia, mas sim a diferença da 
mútua interação entre os modelos “da” e “para” a realidade que cada povo percebeu 
e elaborou de maneira singular. Tal processo possibilitou, portanto, construções 
diversificadas de modelos simbólicos, refletindo nas diferentes visões de mundo que 
cada cultura possui e orienta seus indivíduos. 
 
1.2 ETNOCENTRISMO 
 
Quando uma cultura se defronta com outra é natural que deste encontro 
desperte um estranhamento. Isso porque, como já examinado, cada cultura imprime 
e entende de maneira peculiar os significados dos seus símbolos, os quais nem 
sempre coincidem com o conteúdo de outros universos simbólicos existentes. Não 
obstante, é possível notar que muitas vezes atribuímos os nossos próprios 
significados aos símbolos de outras culturas, ou seja, emitimos juízos valorativos a 
partir de nossa visão de mundo e nossa experiência em relação à diferentes culturas 
(o “outro”). Assim, tal estranhamento traduz nossa dificuldade em pensar o “outro” 
em seus próprios valores. Esse fenômeno é explicado por Everardo Rocha do 
seguinte modo: 
 
 
 
63
 DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 
1987, p. 24. 
64
 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 36. 
 
15
Etnocentrismo é uma visão do mundo com a qual tomamos nosso próprio 
grupo como centro de tudo, e os demais grupos são pensados e sentidos 
pelos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a 
existência. No plano intelectual pode ser visto como a dificuldade de 
pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, 
medo, hostilidade, etc.65 
 
Pode-se afirmar que a visão sobre o “outro” a partir das concepções do “eu” 
esteve presente em toda a história da humanidade. Esse aspecto pode ser 
principalmente verificado na época dos descobrimentos, isto é, quando o 
desenvolvimento da navegação permitiu os primeiros contatos entre diferentes 
povos. Talvez, esses foram os momentos marcantes para se começar a pensar 
sobre a diferença. Referindo-se aos índios do Brasil, o escrivão Pero Vaz de 
Caminha descreve ao Rei de Portugal: “Assim, quando o batel chegou à foz do rio 
estavam ali dezoito ou vinte homens, pardos, todos nus, sem nenhuma roupa que 
lhes cobrisse suas vergonhas”.66 Essa, dentre outras passagens, revela a 
perplexidade dos portugueses com a imagem dos indígenas; em outras palavras: 
como eles não se vestem como nós? Por que não cobrem suas “vergonhas”?67 
Pero Vaz de Caminha também escreve a Dom Manuel: 
 
E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua 
fala e os entenderem, não duvido, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, 
fazerem-se cristãos e crerem na nossa santa fé, a qual praza Nosso Senhor 
que os traga porque, na verdade, esta gente é boa e de boa simplicidade e 
gravar-se-á neles, ligeiramente, qualquer cunho que lhes queiram dar.68 E, 
portanto, Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar na santa fé católica, 
deve intervir em sua salvação.69 
 
Igualmente,os trechos citados manifestam a visão etnocêntrica do grupo do 
“eu” em comparação ao grupo do “outro”. Os portugueses, ao terem a pretensão de 
incorporar a fé cristã à cultura indígena, a fim de salvar os “bons selvagens” e torná-
los mais “humanos”, consideraram a sua religião como a única ideal. Nesse sentido, 
o etnocentrismo pode ser percebido quando o “eu” eleva a sua visão e as suas 
características como superiores, mais corretas e mais naturais. Já o “outro” é visto 
como uma expressão do absurdo, do frágil ou do ininteligível.70 
O etnocentrismo é um fenômeno que está presente em todas as sociedades e 
que pode ser considerado natural, uma vez que ele decorre do choque entre as 
culturas, ou seja, da constatação das diferenças.71 Além disso, é um fato natural e/ou 
comum, pois a diferença do “outro” parece ameaçar a própria identidade cultural. 
Assim, o etnocentrismo até certa medida torna-se necessário, já que ele funciona 
como uma espécie de autodefesa ou força capaz de revigorar os elementos culturais 
 
65
 ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 7. 
66
 CAMINHA, Pero Vaz de. Carta ao rei Dom Manuel. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998, p. 9. 
67
 Eduardo Bueno traz à tona mais registros sobre as impressões entre os indígenas brasileiros e os 
navegantes lusos: BUENO, Eduardo. A viagem do descobrimento. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, 
v. 1, p. 94-102. 
68
 CAMINHA, op. cit., p. 46. 
69
 Ibidem, p. 47. 
70
 ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 9. 
71
 Ibidem, p. 8; LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo 
Brasileiro, 1989, p. 333. 
 
16
de uma coletividade, afirmando e assegurando a identidade de um povo. Diante disso, 
apresenta-se o seguinte questionamento: o que seria de uma cultura se os indivíduos 
achassem os seus elementos inferiores, abdicando de sua própria identidade para 
emergir em outra cultura? Por essa razão, pode-se dizer que o sentimento de 
superioridade que caracteriza a visão etnocêntrica, observando-se alguns limites, é 
um fator positivo para o desenvolvimento de uma cultura.72 
O etnocentrismo pode assumir várias feições, desde formas sutis, como o 
estranhamento diante dos diferentes modos de viver e pensar, e também formas 
extremas, como a intolerância cultural. Por conseguinte, ele é até certa medida 
aceitável, pois sua força pode tornar-se perigosa, sendo utilizada pura e 
simplesmente para menosprezar e reprimir o “outro”, negando-lhe condições para 
apresentar a si mesmo.73 Em relação à dificuldade dos homens em encarar a 
diversidade das culturas, Lévi-Strauss comenta que: 
 
A humanidade cessa nas fronteiras da tribo, do grupo lingüístico, às vezes 
mesmo da aldeia; a tal ponto, que um grande número de populações ditas 
primitivas se autodesignam com um nome que significa “os homens” (ou às 
vezes – digamo-lo com mais discrição? – os “bons”, os “excelentes”, os 
“completos”), implicando assim que as outras tribos, grupos, ou aldeias não 
participam das virtudes ou mesmo da natureza humana, mas são, quando 
muito, compostos de “maus”, de “malvados”, de “macacos da terra” ou de 
“ovos de piolho”. Chega-se freqüentemente a privar o estrangeiro deste 
último grau de realidade, fazendo dele um “fantasma” ou uma “aparição”.74 
 
O próprio desenvolvimento da ciência antropológica é marcado por idéias de 
caráter etnocêntrico. Os pensadores da corrente evolucionista75, fortemente 
influenciados pela obra “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, acreditavam 
que a diversidade cultural poderia ser explicada em virtude das diferentes posições 
que os povos ocupariam nos denominados graus de evolução da humanidade. 
Segundo eles, todas as culturas enfrentariam obrigatoriamente três estágios de 
desenvolvimento: selvageria, barbárie e civilização. Assim, o parâmetro de 
“civilizado” para o pesquisador era, por exemplo, a existência de elementos 
tecnológicos em uma cultura. Contudo, o que é tecnologia? O pesquisador baseava-
se na sua noção do que é tecnológico, esquecendo-se que esta sequer existia em 
outras culturas. Conforme as críticas dirigidas a essa corrente, o erro do 
evolucionismo estaria em comparar e classificar as culturas de acordo com os 
critérios da sociedade do pesquisador, ignorando o contexto no qual os elementos 
da cultura analisada estariam inseridos. Porém, é de se ressaltar que o mérito do 
evolucionismo está em, ao menos, ter se proposto a refletir sobre o “outro”.76 
 
72
 SIMON, apud CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 
242-243; ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 9. 
73
 ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 14; CUCHE, 
Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 48 e 243. 
74
 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 
1989, p. 334. 
75
 Edward Burnett Tylor, James Frazer e Lewis Morgan foram os autores expoentes do Evolucionismo 
Cultural. 
76
 Sobre a corrente evolucionista: DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma Introdução à Antropologia 
Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987, p. 89-101; ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é 
etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 25-36. 
 
17
No plano legislativo brasileiro, igualmente, essas idéias podem ser 
observadas. O antigo Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos 
Trabalhadores Nacionais, criado em 1910 pelo Decreto n° 8.072, por exemplo, tinha 
como principal finalidade, apesar de aparentes benefícios, transformar o índio em 
um trabalhador rural, a fim de que ele pudesse “progredir” ao estágio “civilizado” da 
cultura dominante nacional. Em outras palavras, os indígenas eram considerados 
como um atraso ao desenvolvimento. O objetivo do projeto era o de integrar e 
assimilar de forma pacífica a cultura indígena pela cultura branca.77 
Além disso, até pouco tempo o indígena não era considerado plenamente 
capaz para exercer pessoalmente todos os atos da vida civil. O artigo 6° do Código 
Civil de 1916 arrolava os indígenas como relativamente capazes, ao lado dos 
maiores de 16 e menores de 21 anos e dos pródigos. A imagem do índio “não 
civilizado” como um ser infantil, que necessita da tutela do Estado, pode ser notada 
no parágrafo único do referido artigo.78 
É de se ressaltar também que, ainda hoje, o índio é visto como um 
personagem do folclore brasileiro que já deveria ter sumido da história do país.79 
Essa posição etnocêntrica em relação às comunidades indígenas pode ser 
visualizada através do trecho do antropólogo Julio Cezar Melatti: 
 
Os brancos que vivem próximos das aldeias indígenas dedicam-se à coleta 
de borracha ou de castanha, à criação de gado, à agricultura e outras 
atividades, segundo as diferentes regiões. Sejam grandes empresários, 
trabalhadores rurais, camponeses, ou garimpeiros, estão sempre a disputar 
o território dos índios. O látex, a castanha, o pasto natural, a terra boa para 
a lavoura, a caça acham-se muitas vezes dentro da área de ação de 
sociedades indígenas. [...] os vizinhos das terras dos índios afirmam que 
eles são preguiçosos, cruéis, sujos. Ao chamá-los de preguiçosos, 
associam a isto a idéia de que os índios não aproveitam bem suas terras, 
que estas produziriam muito mais se pertencessem aos brancos; tal 
acusação serve também para justificar os salários baixos que dão aos 
índios ou em outras regiões onde há excesso de mão-de-obra, para lhes 
 
77
 BECKHAUSEN, Marcelo. O reconhecimento constitucional da cultura indígena – os limites de uma 
hermenêutica constitucional. 2001. Dissertação. (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, 
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, SãoLeopoldo, 2001. p. 21-23. Disponível em: 
<http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Revista-Eletronica/2007/Dissertacao-de-Mestrado-sobre-
direitos-indigenas>. Acesso em: 15 jul. 2009. 
78
 O artigo 6° do Código Civil de 1916 dispõe: São in capazes, relativamente a certos atos (art. 147, I), ou à 
maneira de os exercer: I - os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos (arts. 154 a 
156); II - os pródigos; III - os silvícolas. Parágrafo único: Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, 
estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à 
civilização do País. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm>. Acesso em: 14 
set. 2009; BECKHAUSEN, Marcelo. O reconhecimento constitucional da cultura indígena – os limites de 
uma hermenêutica constitucional. 2001. Dissertação. (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, 
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2001. p. 21-23. Disponível em: 
<http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Revista-Eletronica/2007/Dissertacao-de-Mestrado-sobre-
direitos-indigenas>. Acesso em: 15 jul. 2009. 
79
 Em relação à visão sobre os indígenas, destacamos o interessante trecho de Eduardo Viveiros de 
Castro: “A impressão que tenho é que o ‘Brasil’ até bem pouco não queria saber de índio, e sempre 
morreu de medo de ser associado, ‘lá fora’, a esse personagem, que deveria ter sumido do mapa 
há muito tempo e virado uma pitoresca e inofensiva figura do folclore nacional. Mas os índios 
continuam aí, e vão continuar. E, como vemos, eles começam devagarzinho a ser admitidos no 
Brasil oficial-midiático, agora que foram legitimados na metrópole. A Amazônia precisou passar 
pela Europa para se tornar visível do litoral do Brasil. Antes assim”. (SZTUTMAN, Renato. 
Encontros Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008, p. 85). 
 
18
recusar trabalho. Ao chamá-los de cruéis, justificam a crueldade que usam 
para com eles. Não raro se ouve dizer que o índio deve ser tratado a bala.80 
 
A presente passagem demonstra como o grupo do “eu” constrói uma imagem 
distorcida do “outro”. Ao considerarmos como critério a nossa sociedade 
(desenvolvida, com elevado acúmulo de reservas), concebemos as comunidades 
indígenas como atrasadas, projetando, por exemplo, seu tipo de economia (de 
subsistência) como sinônimo de miséria e pobreza. Dito de outro modo, esquecemos 
o contexto no qual tais comunidades estão inseridas.81 
Portanto, diante dos exemplos citados, percebe-se a necessidade de 
superação do pensamento etnocêntrico, caso não queiramos cair erros teóricos. 
Muito embora seja uma tarefa difícil, ao tentar analisar e compreender o “outro”, é 
importante exercitarmos o desprendimento das concepções da nossa própria 
cultura, atividade que é possível através da relativização. 
 
1.3 RELATIVISMO CULTURAL 
 
O relativismo cultural é um tema extremamente polêmico e, por essa razão, 
não é surpreendente que sobre ele suscitem inúmeras discussões.82 
Conforme afirma Denys Cuche, o relativismo cultural é compreendido de três 
maneiras distintas: (a) como uma teoria, na qual é sustentado que cada cultura 
forma uma entidade separada das demais, cujas conseqüências mais radicais 
seriam a impossibilidade de comparação e de diálogo entre as outras culturas; (b) 
como um princípio ético, que exige uma absoluta neutralidade e respeito em relação 
à diversidade das culturas; (c) como um princípio metodológico, que privilegia uma 
abordagem compreensiva da diversidade, tendo-se em vista a análise completa do 
sistema simbólico das culturas.83 
Embora existam essas três concepções sobre o relativismo cultural, para 
Denys Cuche, apenas a última é válida. Isso, porque a primeira noção não pode ser 
comprovada cientificamente, ou seja, não é razoável pensar que as diferentes 
culturas não podem ser comparadas entre si; e a segunda – da neutralidade ética –, 
porque serve, muitas vezes, como uma “máscara do desprezo”.84 
Portanto, segundo o autor, o relativismo cultural deve ser considerado como 
um princípio metodológico. Nesse sentido: 
Recorrer ao relativismo cultural é postular que todo o conjunto cultural tem 
uma tendência para a coerência e certa autonomia simbólica que lhe 
 
80
 MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2007, p. 255-256. Neste capítulo da 
obra, Melatti expõe também outras visões de como os índios são julgados: do ponto de vista 
romântico, da mentalidade estatística, burocrática ou empresarial. (Ibidem, p. 256-261). 
81
 SAHLINS, apud ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 
1984, p. 79-80. 
82
 Cumpre destacar que foi Franz Boas (1858-1942) o responsável pela concepção antropológica do 
relativismo cultural. Apesar de não ter cunhado a expressão, em seus textos é notável a idéia de 
que as culturas devem ser analisadas em suas particularidades. A primeira pessoa a utilizar a 
expressão “relativismo cultural” foi Melville Herskovits nos anos 1930. (CUCHE, Denys. A noção de 
cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 44 e 240). 
83
 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 239-241. 
84
 Ibidem, p. 239-240. 
 
19
confere seu caráter original singular; e que não se pode analisar um traço 
cultural independentemente do sistema cultural ao qual ele pertence e que 
lhe dá sentido. Isto quer dizer estudar todas as culturas, quaisquer que 
sejam a priori, sem compará-las e ou “medi-las” prematuramente em relação 
a outras culturas.85 
 
Assim, o relativismo cultural não pode estar associado à trivial idéia de que 
“tudo é variável” ou “tudo deve ser aceito”, mas a de que os fatores de uma cultura 
necessitam ser primeiramente compreendidos em seus próprios termos, ou seja, a 
partir da lógica do sistema simbólico dessa mesma cultura e, vale dizer, não a partir 
da lógica do sistema do observador.86 
Na mesma linha, Everardo Rocha destaca que relativizar é “não transformar a 
diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na 
dimensão de riqueza por ser diferença”.87 Dessa forma, ao observar o “outro”, as 
concepções do grupo do “eu” não podem ser colocadas como o centro de tudo, ou 
seja, não podem ser absolutizadas ou universalizadas. Ao contrário, é importante 
que o “outro” seja analisado de acordo com os seus elementos, as suas 
características e os seus próprios problemas.88 Ademais, ressalta o autor que o 
relativismo é um processo complicado, uma vez que devemos perder de vista 
nossas “certezas” etnocêntricas. Todavia, a postura relativizadora permite a reflexão 
sobre o “outro” e, até mesmo, a transformação da própria sociedade do “eu”.89 
Em relação à postura de reflexão sobre o “outro”, Roberto DaMatta refere que 
essa atividade consiste basicamente no movimento de “transformar o exótico no 
familiar e/ou transformar o familiar em exótico”.90 Eis o processo relativizador. 
Na transformação do exótico em familiar, pode-se afirmar que o pesquisador 
busca entender o universo de significação do sistema do “outro”, familiarizando-se, 
ou seja, conhecendo melhor os aspectos culturais que outrora pareciam exóticos, 
incompreensíveis e obscuros. O movimento inverso, a transformação do familiar em 
exótico, refere-se ao fato de o pesquisador descobrir o “outro” na sua própria cultura. 
Em outras palavras, trata-se de identificar e estranhar os elementos familiares que 
estão “petrificados” em nós, ou seja, de realizar um movimento de reflexão sobre 
nós mesmos a partir dessa diferença.91 É justamente essa mútua relação entre o 
familiar e o exótico que proporciona a reflexão e, por conseguinte, o diálogo.92 
 
85
 CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 241. 
86
 Sobre esse aspecto, Roque de Barros Laraia ressalta que cada cultura tem a sualógica própria. A 
transposição da lógica de um sistema cultural para outro caracteriza um ato etnocêntrico. Por essa 
razão, um traço cultural deve ser observado em conformidade com a coerência de seu próprio 
sistema cultural. (LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de 
Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 87 e 91). 
87
 ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 20. 
88
 Ibidem, p. 46. 
89
 Ibidem, p. 54, 73 e 93. 
90
 DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 
1987, p. 157. 
91
 Ibidem, p. 157-158. 
92
 Ibidem, p. 26-27, 158 e 162. 
 
20
Clifford Geertz, diante desse polêmico tema, assume a posição Anti Anti-
Relativista.93 Esta expressão quer indicar que o autor não possui a pretensão de 
defender o relativismo cultural, mas a de atacar o medo infundado que é mantido em 
relação a ele. Assim, a dupla negativa [Anti Anti-] refere-se, estritamente, a sua 
oposição ao pensamento anti-relativista.94 Tal pensamento, para Geertz, além de 
atribuir conseqüências infundadas ao relativismo cultural, como, por exemplo, o 
niilismo (“ou tudo ou nada”) e o subjetivismo (“tudo depende da maneira como você 
vê as coisas”), dá uma solução errada a este problema antropológico, qual seja, a de 
que precisamos encontrar um aspecto (imutável) do ser humano que esteja acima 
da cultura, como a moral ou o conhecimento (a Razão), para, só assim, afastar os 
supostos fantasmas da abordagem relativista.95 Todavia, mesmo que Geertz rejeite 
a posição anti-relativista, ele não quer assumir uma posição relativista como uma 
teoria antropológica. Nesse sentido, ele destaca que a inclinação relativista dos 
antropológicos recebe impulsos não tanto das teorias construídas a partir dos dados 
antropológicos (costumes, vestígios arqueológicos, crânios, léxicos, etc.), mas, sim, 
a partir destes mesmos dados.96 Ou seja, o alerta dos relativistas sobre o perigo de 
nossas concepções teóricas e atitudes práticas estarem demasiadamente 
arraigadas em nossa cultura e, assim, impossibilitarem-nos de entrar em um diálogo 
autêntico com outras culturas, não precisa ser erigido ao status de uma teoria, 
porque a questão encontra-se em como viver com estes dados antropológicos, que 
colocam em questão, constantemente, a cultura na qual advém o antropólogo.97 
Logo, retomando a idéia central do presente capítulo, pode-se afirmar que o 
relativismo cultural é um princípio metodológico ou, ainda, um exercício no qual se 
busca compreender como os povos deram e dão sentidos diversos aos modelos “da” 
e “para” a realidade. Relativizar significa abandonar a forma radical da visão 
etnocêntrica, na medida em que se busca interpretar a outra cultura a partir de seu 
próprio universo de significação. 
 
 
2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA ORDEM JURÍDICO-
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA 
 
Antes mesmo de adentrarmos na discussão propriamente dita do Projeto de 
Lei n° 1.057/2007, objeto deste trabalho, teceremos alguns breves delineamentos 
sobre a importante função do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na ordem 
jurídico-constitucional brasileira, eis que ela está diretamente relacionada à 
justificação do referido projeto de lei. Cumpre ressaltar também que não nos 
deteremos a examinar a totalidade das normas que estão relacionadas ao problema 
proposto em nosso tema, pois isto envolveria uma análise teórico-jurídica muito mais 
ampla do que a prevista, como, por exemplo, a análise da relação entre os direitos 
previstos em convenções e declarações internacionais e a respectiva abertura 
material do catálogo dos direitos fundamentais da Constituição Federal, bem como 
as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente. Dessa forma, limitar-nos-
 
93
 GEERTZ, Clifford. Anti Anti-Relativismo. In: _____. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 2001, p. 47-67. 
94
 Ibidem, p. 47. 
95
 Ibidem, p. 61-63. 
96
 Ibidem, p. 49. 
97
 Ibidem, p. 49 e 65. 
 
21
emos em refletir sobre o Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, 
uma vez que ele irradia diretrizes a todo o ordenamento jurídico brasileiro. 
 
2.1 A NOÇÃO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA ORDEM JURÍDICO-
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA 
 
Definir o que seja a dignidade da pessoa humana não é uma tarefa fácil, 
tendo em vista a complexidade desta idéia. Isto se deve ao fato de que a dignidade 
possui um conceito extremamente impreciso, genérico, vago e ambíguo.98 Contudo, 
há a necessidade de conceituá-la, da maneira mais explícita possível, mesmo que 
em linhas gerais.99 
A dignidade da pessoa humana pode ser tida como a qualidade intrínseca de 
todo o ser humano, sendo o elemento que o identifica como tal,100 sem distinções, 
ou seja, independentemente de suas características.101 Como algo inerente a todo e 
qualquer ser humano, a dignidade é insubstituível, inalienável e irrenunciável,102 não 
podendo, dessa forma, ser ela substituída, transferida ou mesmo abdicada. Note-se 
que a principal tarefa, aqui, é a procura de critérios de delimitação do conceito de 
dignidade da pessoa humana. 
Nesse sentido, ressalta Sarlet, a dignidade da pessoa humana não é criada, 
concedida ou retirada, mas sim reconhecida e protegida pelo Estado.103 Em outras 
palavras, a qualidade que uma pessoa seja digna, não depende do Direito, já que a 
dignidade preexiste a ele. Ao mesmo tempo, a dignidade da pessoa humana pode 
ser violada e, por essa razão, ao Estado incumbe protegê-la e promovê-la.104 Assim, 
a dignidade é tida como um princípio e não um direito em nosso ordenamento 
jurídico, já que não é concedida, mas reconhecida.105 Sarlet explicita que a 
dignidade da pessoa humana deve ser entendida como norma (princípio e regra) e 
valor fundamental na ordem jurídico-constitucional.106 
 
98
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 44. 
99
 Não nos ateremos em expor aqui a perspectiva histórica da construção da noção de dignidade da 
pessoa humana, sendo que, para isso, pode ser consultada a obra de Ingo Wolfgang Sarlet: 
(Ibidem, p. 31-44). 
100
 SACHS, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na 
Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 45. 
101
 No contexto dos direitos humanos, Fábio Konder Comparato afirma que se trata de “algo que é 
inerente à própria condição humana, sem ligação com particularidades determinadas de indivíduos 
ou grupos”. (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São 
Paulo: Saraiva, 2005, p. 57). 
102
 DÜRIG; STERN, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos 
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 
2009, p. 47. 
103
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 47. 
104
 Ibidem, p. 77-78. 
105
 Ibidem, p. 78. 
106
 Sobre o status jurídico-normativo da dignidade da pessoa humana como norma (princípio e regra) 
e valor fundamental, Ingo Sarlet remete o pensamento a Robert Alexy e, em virtude da 
complexidade deste raciocínio, não o desenvolveremos aqui. Para isso, conferir: SARLET, Ingo 
Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 
7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 74-84. 
 
22
Em função disso, afirma-se que a dignidade da pessoa humana é, ao mesmo 
tempo, limite (função defensiva) e tarefa (função prestacional) do Estado. Limite, 
pois, como uma qualidade intrínseca e indisponível de todo o ser humano, obsta que 
o poder estatal venha ofendê-la, atuando como uma defesa. E, tarefa, pois aoEstado cumpre respeitar, preservar e proteger a dignidade da pessoa humana e, em 
especial, prestar e proporcionar condições para a sua concretização.107 Ainda, 
aponta Sarlet, que a dignidade assume uma dimensão intersubjetiva,108 ou seja, não 
é tarefa apenas do Estado protegê-la, promovê-la e não a violar, mas também da 
comunidade e das próprias pessoas.109 
Em síntese, para Sarlet, a dignidade da pessoa humana pode ser designada 
como: 
A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida a cada ser humano que o faz 
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da 
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres 
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de 
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições 
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover 
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e 
da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido 
respeito aos demais seres que integram a rede da vida.110 
 
Ressalta-se que a dignidade da pessoa humana, embora seja uma qualidade 
intrínseca ao ser humano, é concretizada através de um processo histórico-
cultural.111 Retomando as idéias do capítulo anterior, a afirmação desta qualidade 
como um símbolo significante depende da interação dos modelos “da” e “para” a 
realidade, de tal modo que seu conceito está em constante desenvolvimento, sendo 
isto uma das razões pelas quais não possui um conteúdo fixo. É o contexto histórico 
e cultural de um povo que assegura e procura concretizar efetivamente este 
elemento intrínseco de cada ser humano.112 Porém, tal elemento deverá valer para 
todo e qualquer ser humano protegido pelo ordenamento. 
Além disso, a dignidade da pessoa humana está intimamente ligada à 
liberdade. Isto diz respeito à possibilidade de o ser humano exercer sua autonomia e 
sua autodeterminação, isto é, de governar a si próprio, bem como definir sua 
 
107
 PODLECH; SACHS, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos 
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, 
p. 52-53. 
108
 KANT, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na 
Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 58. 
109
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 125. 
110
 Ibidem, p. 67. 
111
 HÄBERLE, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais 
na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 51. 
112
 De acordo com Sarlet, a dignidade é a qualidade intrínseca ao ser humano, que preexiste ao 
Direito, mas que apesar disso “o grau de reconhecimento e proteção outorgado à dignidade da 
pessoa por cada ordem jurídico-constitucional e pelo Direito Internacional, certamente irá 
depender de sua efetiva realização e promoção” (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa 
Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2009, p. 76). 
Sobre este ponto convém lembrar a notável obra de Fábio Konder Comparato, que demonstra, 
através de documentos normativos, a construção histórica dos direitos do homem (COMPARATO, 
Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005). 
 
23
conduta e escolher as circunstâncias em relação à sua vida.113 Sobre este aspecto, 
José Joaquim Gomes Canotilho refere-se à idéia de o indivíduo ser “conformador de 
si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projeto espiritual”.114 Oportuno frisar 
que a dignidade da pessoa humana deve ser reconhecida a todo o ser humano, 
mesmo que a pessoa não possa exercer sua liberdade de maneira autônoma, como 
é o caso, por exemplo, dos absolutamente incapazes (portadores de sérias doenças 
físicas e/ou mentais, nascituro). Por conseguinte, fala-se que a dignidade humana 
está relacionada ao potencial de liberdade.115 
Observa-se, assim, que a dignidade da pessoa humana será efetiva se forem 
garantidos – não somente eles, mas principalmente – o direito fundamental à vida e 
à liberdade. Nas palavras de Sarlet, eles constituem as “exigências da dignidade da 
pessoa humana” (bem como os outros direitos e garantias fundamentais, na medida 
em que são concretizações daquela).116 Nesse sentido, segundo o autor: 
 
Onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser 
humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem 
asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade 
e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos 
fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não 
haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por 
sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.117 
 
Portanto, embora tenhamos traçado em linhas gerais o conceito jurídico de 
dignidade da pessoa humana, percebe-se que o mesmo possui, segundo afirma 
Sarlet, um caráter multidimensional,118 visto que a dignidade da pessoa humana é 
qualidade intrínseca de todo e qualquer ser humano, com uma dupla função (limite e 
tarefa), concretizada em um plano histórico-cultural, e que, como veremos no 
próximo tópico, é o princípio embasador do ordenamento jurídico brasileiro. 
 
2.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO E FIM DO 
ESTADO E A SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
 
A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 consagrou o valor da 
dignidade humana, ao reconhecer em seu preâmbulo e em outros artigos que o 
homem possui o direito de ser reconhecido como pessoa perante a lei. Este 
documento exerceu grande influência e, a partir disso, a idéia sobre o valor supremo 
da dignidade da pessoa humana passou a ser integrada expressamente em diversas 
cartas constitucionais.119 Após um longo processo histórico, o homem figura o 
elemento primordial do Estado, isto é, que legitima e justifica o poder estatal. 
 
113
 BLECKMANN, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais 
na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 50. 
114
 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: 
Almedina, 2000, p. 225. 
115
 DÜRIG, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na 
Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 50-51. 
116
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 51. 
117
 Ibidem, p. 65. 
118
 Ibidem, p. 66. 
119
 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: 
Saraiva, 2005, p. 222-237. 
 
24
Conforme assinala Bleckmann, “é o Estado que existe em função da pessoa 
humana, e não o contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua, e não 
meio da atividade estatal”.120 Para Judith Martins-Costa “a pessoa, considerada em 
si e em (por) sua humanidade, constitui o ‘valor fonte’ que anima e justifica a própria 
existência de um ordenamento jurídico”.121 E, segundo Canotilho: 
 
A dignidade humana como base da República significa o reconhecimento do 
indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste 
sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é 
o homem que serve os aparelhos político-organizatórios.122 
 
Nessa mesma linha, tendo em vista que os direitos protegem a dignidade do 
homem, Robert Alexy destaca que: 
 
A observação aos direitos do homem é uma condição necessáriapara a 
legitimidade do direito positivo. Nisto, que o direito positivo deve respeitar, 
proteger e fomentar os direitos do homem para ser legítimo, portanto, ser 
suficiente à sua pretensão à exatidão, manifesta-se a prioridade dos direitos 
do homem. Direitos do homem estão, com isso, em uma relação necessária 
com o direito positivo, que está caracterizada pela prioridade dos direitos do 
homem.123 
 
Em suma, o homem pelo simples fato de ser pessoa e, portanto, dotado de 
dignidade, não pode ser considerado como um objeto, ou seja, não pode ser 
instrumentalizado, servindo como meio do poder estatal. Ao contrário, é a dignidade 
da pessoa humana que possibilita e legitima o poder do Estado, uma vez que este 
está a serviço do homem, pois, como no pensamento de Kant, “o homem é um fim 
em si mesmo”. 
Em nosso ordenamento jurídico ela está prevista como princípio fundamental 
no artigo 1°, inciso III da Constituição Federal. S egundo Sarlet, os princípios 
fundamentais possuem “a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda 
a ordem constitucional”.124 Desse modo, a dignidade humana constitui o fundamento 
e o fim de nosso Estado Social e Democrático de Direito,125 ideal estabelecido no 
caput do referido artigo. 
Nesse contexto, os direitos e garantias fundamentais são concretizações ou 
desdobramentos – em maior ou menor grau – do Princípio da Dignidade da Pessoa 
Humana, uma vez que se referem à proteção e desenvolvimento das pessoas.126 
Assim, a dignidade de cada pessoa humana só pode ser exercida se lhe forem 
 
120
 BLECKMANN, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais 
na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 73-74. 
121
 MARTINS-COSTA, Judith. As interfaces entre o Direito e a Bioética. In: CLOTET, Joaquim (Org.). 
Bioética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 75. 
122
 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: 
Almedina, 2000, p. 225. 
123
 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado Constitucional Democrático: para a relação entre 
direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. Revista da Faculdade 
de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 16, p. 208-209, 1999. 
124
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 69. 
125
 Em relação ao conceito de Estado Social e Democrático de Direito, conferir: SILVA, José Afonso 
da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 112-122. 
126
 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Portugal: Coimbra, 2000, v. 4, p. 181. 
 
25
concedidos os direitos e garantias fundamentais, pois, por exemplo, como referido 
anteriormente, o direito à liberdade e à integridade física e moral (entre outros) 
constituem condições para uma vida digna. Por isso, os direitos fundamentais podem 
estar ligados direta ou indiretamente à dignidade da pessoa humana, lembrando que 
essa vinculação será mais ou menos intensa de acordo com a importância que o 
contexto histórico-cultural de determinada sociedade imprimir aos mesmos.127 Nessa 
linha de raciocínio, Sarlet, com base no pensamento de Geddert-Steinacher, destaca 
que a violação de um direito fundamental implica também em uma violação à dignidade 
da pessoa humana, tendo em vista o vínculo sui generis estabelecido entre eles e dada 
a função da dignidade da pessoa humana como “elemento e medida” dos direitos 
fundamentais.128 
 
2.2.1 A função integradora e hermenêutica do Princípio da Dignidade da 
Pessoa Humana 
 
Com efeito, sendo a dignidade da pessoa humana o fundamento da existência e o 
fim do próprio Estado, afirma-se que ela constitui um princípio de maior hierarquia 
axiológico-valorativa, sendo que a interpretação do ordenamento jurídico deve ser 
realizada com vistas a ela. Sobre este aspecto, cumpre referir que, apesar de o Princípio 
da Dignidade da Pessoa Humana assumir uma posição privilegiada em nosso 
ordenamento jurídico, Sarlet destaca, com base em Robert Alexy, que não existem 
princípios absolutos. Assim, não seria possível conceber sua prevalência de forma 
absoluta em todos os casos concretos. Havendo colisões, no momento da ponderação, a 
dignidade da pessoa humana poderá assumir diversos graus de realizações.129 
Isso significa dizer que, mesmo não sendo princípio absoluto (pois nenhum o 
é), a dignidade da pessoa humana assume relevante função no ordenamento 
jurídico, pelo o que já exposto, servindo como elemento de conexão dos direitos e 
garantias fundamentais, bem como de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Em 
outras palavras, o referido princípio tem uma função de integrar o ordenamento 
jurídico, de tal forma que o mesmo revele-se coerente internamente como um todo. 
Ademais, ele revela-se como parâmetro para o processo de interpretação e 
aplicação das normas previstas em nosso sistema.130 Nesse sentido: 
 
A dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos 
fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se 
justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de 
maior hierarquia axiológico-valorativa.131 
Na medida em que serve de parâmetro para a aplicação, interpretação e 
integração não apenas dos direitos fundamentais e do restante das normas 
 
127
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 105. 
128
 GEDDERT-STEINACHER, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos 
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 113. 
129
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 82-83 e 89. Em relação a este 
ponto, conferir: COELHO, Inocêncio Mártires. Princípio da dignidade da pessoa humana. In: 
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires (Org.). 
Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 172-177. 
130
 NIPPERDEY, apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais 
na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 88. 
131
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 119. 
 
26
constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico, imprimindo-lhe, além 
disso, sua coerência interna.132 
 
Tais afirmações podem ser constatadas em face dos limites que o Princípio 
da Dignidade da Pessoa Humana pode estabelecer em relação às restrições 
realizadas aos direitos fundamentais.133 Ressalta-se também que o Princípio da 
Dignidade da Pessoa Humana pode estabelecer limites aos próprios direitos 
fundamentais134 ou a outras normas previstas no ordenamento jurídico, levando-se 
em consideração a ocorrência de eventuais colisões.135 
Portanto, verifica-se que pelo conteúdo e significado do Princípio da 
Dignidade da Pessoa Humana, o mesmo “atua simultaneamente como limite e limite 
dos limites”.136 
Poder-se-ia, inclusive, dizer que – e aqui novamente retomamos os conceitos 
vistos no capítulo anterior –, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um 
símbolo de tamanha importância que, em virtude de seu significado e conteúdo, 
coordena a interpretação de todos os demais símbolos normativos do ordenamento 
jurídico brasileiro, assegurando uma coerência entre eles. Por essa razão, ela não 
está unicamente prevista no artigo 1°, inciso III d a Constituição Federal, mas 
também expressa ou implicitamenteprevista em outras normas – principalmente nos 
direitos e garantias fundamentais. 
Diante do exposto neste capítulo, questiona-se, agora, sobre a possível 
relativização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, isto é, se ele pode ser 
aplicado no contexto cultural de algumas comunidades indígenas brasileiras, as 
quais possuem diferentes concepções sobre a vida, a morte e o ser humano. Sobre 
esta intrigante questão da diversidade cultural e da dignidade da pessoa humana 
Sarlet expõe que: 
 
Com efeito, é de perguntar-se até que ponto a dignidade não está acima 
das especificidades culturais, que, muitas vezes, justificam atos que, para a 
maior parte da humanidade são considerados atentatórios à dignidade da 
pessoa humana, mas que, em certos quadrantes, são tidos por legítimos, 
encontrando-se profundamente enraizados na prática social e jurídica de 
determinadas comunidades.137 
 
 
132
 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos fundamentais na Constituição 
Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 88. 
133
 Ibidem, p. 129. 
134
 Em relação à limitação à restrição dos direitos e à limitação dos próprios direitos, afirma Sarlet que 
“o princípio da dignidade da pessoa humana serve como importante elemento de proteção aos 
direitos contra medidas restritivas. [...] Todavia, cumpre relembrar que o princípio da dignidade da 
pessoa humana também serve como justificativa para a imposição de restrições a direitos 
fundamentais, acabando, neste sentido, por atuar como elemento limitador destes”. (Ibidem, p. 
135). 
135
 O assunto sobre a colisão entre princípios e direitos e a forma pela qual o conflito é resolvido 
(ponderação/proporcionalidade/proibição de retrocesso) no âmbito do ordenamento jurídico 
brasileiro não serão desenvolvidos no presente trabalho, em virtude da complexidade da questão. 
136
 SARLET, op. cit., p. 135. 
137
 A respeito do reconhecimento e proteção da dignidade da pessoa humana numa ambivalência 
multicultural, o autor deixa o estudo em aberto. (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa 
humana e Direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do 
Advogado, 2009, p. 62). 
 
 
27
Dessa forma, passaremos a expor o conteúdo do Projeto de Lei n° 
1.057/2007 e as suas justificativas para, assim, podermos refletir sobre a questão da 
diversidade cultural relacionada à temática do Direito e da Antropologia. 
 
 
3 APROXIMAÇÕES ENTRE DIREITO E ANTROPOLOGIA: UMA REFLEXÃO A 
PARTIR DO PROJETO DE LEI N° 1.057/2007 
 
Até o momento, desenvolvemos as idéias concernentes aos dois panos de 
fundo de nosso trabalho: a noção de cultura como um conjunto de sistemas de 
símbolos significantes, assim como os elementos que estão ligados a ela, e a 
importante função do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana para o 
ordenamento jurídico brasileiro. Este raciocínio foi necessário para agora 
compreendermos o Projeto de Lei n° 1.057/2007 e as questões que envolvem o 
debate entre Direito e Antropologia. 
 
3.1 O PROJETO DE LEI N° 1.057/2007 
 
Sabe-se que algumas comunidades indígenas brasileiras sacrificam suas 
crianças em virtude, por exemplo, de serem portadoras de deficiência física e/ou 
mental, serem gêmeos, ou, ainda, serem filhos de mãe solteira ou viúva. Esses 
motivos, bem como as circunstâncias da prática e a escolha da decisão de eliminar 
a criança, seja pelo grupo seja pela própria mãe, são variáveis, dependendo da 
organização (do sistema simbólico) de cada comunidade.138 
Foi diante desses fatos e de outros exemplos semelhantes relacionados ao 
tratamento das crianças que o Projeto de Lei n° 1.0 57 foi criado. Então, em maio do 
ano de 2007, ele foi apresentado pelo Deputado Henrique Afonso139 e atualmente 
está tramitando na Câmara Federal, sujeito à aprovação.140 
 
O Projeto ficou conhecido como “Lei Muwaji”, em homenagem à mãe da etnia 
Suruwahá (Amazônia), que impediu que sua filha Iganani fosse sacrificada por ter 
nascido com paralisia cerebral. Além disso, para que o Projeto de Lei ganhasse 
publicidade, o deputado federal Henrique Afonso utilizou-se do filme “Hakani”, 
reprodução da história de uma menina da etnia Suruwahá que teria sido salva do 
sacrifício pelo seu irmão.141 
 
138
 Ressalta-se que o presente trabalho não possui o intuito de descrever, analisar ou especificar os 
motivos das práticas, bem como a sua ocorrência, estatísticas, etc., pois, para isso, demandaria 
uma pesquisa entre as comunidades indígenas. Além do que, esses dados não são facilmente 
acessíveis em trabalhos ou sites do Governo. Por essa razão, nos ateremos em examinar o 
Projeto de Lei n° 1.057 de 2007 e as suas propostas . Para alguns exemplos em relação a esses 
acontecimentos nas comunidades indígenas, consultar: HOLANDA, Marianna Assunção 
Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 
2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, 
Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 16-68. 
139
 Henrique Afonso é componente do Partido Trabalhista do Acre. Sua área de atuação política pode 
ser conferida no Portal: <http://henriqueafonso.com/index.php>. Acesso em: 04 set. 2009. 
140
 Para acompanhar a tramitação do Projeto de Lei n° 1.057 de 2007, consultar: 
<http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=351362>. Acesso em: 02 set. 2009. 
141
 No Brasil, há principalmente duas organizações não-governamentais que atuam contra a prática, 
como elas mesmas denominam, do “infanticídio” indígena: ATINI <http://www.atini.org/>, 
<http://www.hakani.org/pt/default.asp> e JOCUM <http://www.jocum.org.br/>. Tais organizações 
 
28
Pelo o que se depreende da leitura do Projeto de Lei n° 1.057/2007, seu 
alcance não se limita somente em inibir o que se convencionou a ser popularmente 
chamado de “infanticídio” indígena, mas visa também inibir, entre outras práticas, o 
abuso sexual e os maus-tratos a crianças. Sobre este aspecto, cumpre 
primeiramente destacar que, muito embora o termo “infanticídio” seja utilizado para 
impressionar e, ao mesmo tempo, abreviar a descrição de tal prática, como pode ser 
observado no próprio portal da internet do deputado Henrique Afonso, essa 
categoria não está incorporada ao texto legal. O artigo 2°, caput do referido Projeto 
de Lei, emprega a expressão “práticas tradicionais nocivas”, desvinculando-as, 
portanto, da conceituação do crime de infanticídio, previsto no Código Penal, posto 
que elas devem ser lidas de acordo com o artigo 231 da Constituição Federal. 
Assim, é oportuno ressaltar que o uso do termo “infanticídio” é inadequado ao se 
referir às práticas tradicionais indígenas, uma vez que ele se apóia na legislação 
penal brasileira, cujo símbolo significante da ação é diverso. Segundo o artigo 123 
do Código Penal, o crime de infanticídio significa “matar, sob o estado puerperal, o 
próprio filho, durante o parto ou logo após”.142 O estado puerperal, conforme 
Guilherme Nucci é: 
 
O estado que envolve a parturiente durante a expulsão da criança do ventre 
materno. Há profundas alterações psíquicas e físicas, que chegam a 
transtornar a mãe, deixando-a sem plenas condições de entender o que 
está fazendo. [...] O puerpério é o período que se estende do início do parto 
até a volta da mulher às condições pré-gravidez.143 
 
Portanto, na prática indígena não se trata, de modo algum, do ato de matar a 
criança sob o estado puerperal, senão por outros fatores que possuem origens 
culturais, constituídos por uma significação simbólica diferente. 
Do mesmo modo, como tais práticas não são vistas como criminosas, os 
autores diretos não são criminalizados. Ressalta-se, nesse sentido, que, ao contrário 
da posição de Rita Segato,144 o Projeto de Lei n° 1.057/2007 procura inibir tais 
“práticas tradicionais nocivas”, uma vez que elascontrariam os direitos 
fundamentais, previstos no ordenamento jurídico brasileiro, e os direitos humanos, 
reconhecidos internacionalmente. 
A polêmica sobre a criminalização das práticas tradicionais é esclarecida no 
site do deputado federal Henrique Afonso: “O Projeto de Lei não pretende 
criminalizar o índio ou a mulher indígena e sim qualquer pessoa ou autoridade que 
tenha ou tinha conhecimento que uma criança corre ou corria o risco de morte e 
 
exerceram grande influência no Projeto de Lei. O filme “Hakani” foi produzido por David L. 
Cunningham, filho do fundador da organização JOCUM, e desde a sua veiculação tem recebido 
inúmeras críticas. O filme também foi transmitido na Câmara dos Deputados em 27/11/2008. 
<http://henriqueafonso.com/infanti.php>. Acesso em: 04 set. 2009. 
142
 BRASIL. Código Penal. 10. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 277. 
143
 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 565. 
144
 Em seu texto sobre o assunto, Rita Laura Segato diz o seguinte: “No me dedicaré aquí a hacer 
una crítica del Proyecto de Ley en términos jurídicos. Baste decir que he repetidamente indicado 
que esa ley ‘ultra-criminaliza’ el infanticidio indígena porque, por un lado, repite la sanción 
que pesan sobre acciones ya debidamente encuadradas en la Constitución y el Código 
Penal y, por el otro, incluye en la acusación no sólo a los autores directos del acto sino a 
todos sus testigos reales o potenciales, es decir, toda la aldea en que el acto ocurre, y otros 
testigos como, por ejemplo, el representante de la FUNAI, el antropólogo, o agentes de salud, 
entre otros posibles visitantes.” [grifos nossos]. [Material por e-mail pessoal], p. 6. 
 
29
nada fez ou faz para impedir o seu sacrifício”.145 Portanto, pode-se dizer que o 
Projeto de Lei n° 1.057/2007 é, de certo modo, rela tivizador, pois compreende que 
tais práticas são tradicionais (e não crimes), sendo elas analisadas de acordo com o 
artigo 231 da Constituição Federal. Além disso, propõe que todas as medidas 
previstas no Projeto de Lei para o combate das práticas tradicionais nocivas serão 
realizadas através “da educação e do diálogo”, consoante o artigo 7°. 
A única pena estabelecida encontra-se no artigo 4° do Projeto de Lei e refere-
se à omissão de socorro, a qual remete ao artigo 135 do Código Penal. Neste caso, 
em conformidade com os artigos citados e o artigo 3° do Projeto, qualquer pessoa 
(indígenas, antropólogos, agentes dos órgãos do Estado, visitantes, etc.) que souber 
de alguma prática tradicional nociva deverá comunicá-la a uma autoridade 
competente (FUNAI, FUNASA, Conselho Tutelar, autoridade judiciária ou policial), 
sob pena de ser responsabilizada. Caso as autoridades competentes não tomarem 
as devidas medidas em relação aos casos também incorrerão no crime de omissão 
de socorro, de acordo com o artigo 5° do mesmo Proj eto de Lei.146 
O texto do Projeto de Lei n° 1.057/2007 dispõe sobr e “o combate a práticas 
tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, 
bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais”. Por “práticas 
tradicionais nocivas” entende-se aquelas atentatórias à vida e à integridade físico-
psíquica (das crianças). Nesse sentido, o artigo 2° visa coibir não apenas o 
“infanticídio”, mas elenca as práticas tradicionais nocivas em um rol exemplificativo, 
de acordo com a seguinte classificação: (a) homicídio de recém nascidos (incisos I a 
IX); (b) abuso sexual (inciso X); (c) maus-tratos (inciso XI); (d) regra em aberto 
(outras práticas tradicionais que, culposa ou dolosamente, ofendam a vida ou a 
integridade físico-psíquica da criança). Observa-se, portanto, que o referido Projeto 
não abrange apenas o denominado homicídio de recém-nascidos, mas também o 
abuso sexual e os maus-tratos, assim como práticas atentatórias, estendendo-se às 
crianças indígenas e às pertencentes a sociedades ditas não tradicionais.147 
Em casos extremos, quando não houver um acordo entre as autoridades 
competentes e as partes envolvidas na prática, dispõe o artigo 6° que se deverá 
afastar os genitores do convívio da criança ou, então, retirá-la provisoriamente, 
mantendo-a em abrigos autorizados. O parágrafo único do mesmo artigo permite, 
ainda, que, no caso de ser frustrada a medida de afastamento, deve a criança ser 
encaminhada à adoção, tendo em vista a necessidade de preservação do direito 
fundamental à vida e da integridade físico-psíquica. 
 
145
 Disponível em: <http://henriqueafonso.com/infanti.php>. Acesso em: 05 set. 2009. 
146
 Poder-se-ia talvez aqui realizar um paralelo com o artigo 58 da Lei n° 6.001/1973 (Estatuto do Índio) , o 
qual não prevê punição ao indígena que adquire bebidas alcoólicas, mas a quem vender a ele. O 
referido artigo preceitua: “Art. 58. Constituem crimes contra os índios e a cultura indígena: [...] III – 
propiciar, por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos 
tribais ou entre índios não integrados. Pena – detenção de seis meses a dois anos.” Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L6001.htm>. Acesso em: 01 nov. 2009. 
Sobre a significação do uso de bebidas alcoólicas entre comunidades indígenas, conferir o 
trabalho de: CAMPOS, Jankiel de. Envio do artigo “O uso abusivo de bebidas alcoólicas entre os 
Macuxi e Wapishana de Roraima” (Jankiel de Campos) [Material por email pessoal]. Mensagem 
recebida por jankiel@prrr.mpf.gov.br em 09 maio 2009. 
147
 Caberia, no entanto, perguntar aqui se o conceito de sociedades não-tradicionais englobaria as 
sociedades não-indígenas, já que o Projeto de Lei n° 1.057/2007 não o especifica. 
 
30
Dentre as principais justificativas teóricas do Projeto de Lei n° 1.057/2007 está 
a proteção à vida, eis que é o “direito por excelência”, bem maior a ser tutelado pelo 
ordenamento jurídico brasileiro. Em outras palavras, independentemente do sistema 
simbólico que o indivíduo está inserido, deve prevalecer o Princípio da Dignidade da 
Pessoa Humana, o direito fundamental à vida e à saúde em oposição, no caso, ao 
direito de exercer a prática tradicional que seria válida em virtude do direito ao 
reconhecimento da diversidade cultural. Por essa razão, estabelece o referido 
Projeto de Lei – e este é o ponto cerne da reflexão – que o artigo 231 da 
Constituição Federal deve ser interpretado em conformidade com o ordenamento 
jurídico brasileiro, e não de maneira isolada. Nesse sentido, prevê o artigo 1°: 
 
Reafirma-se o respeito e o fomento a práticas tradicionais indígenas e de 
outras sociedades ditas não tradicionais, sempre que as mesmas estejam 
em conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na 
Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos. 
 
Por conseguinte, são reconhecidas as práticas tradicionais englobadas pelo 
artigo 231 da Constituição Federal, desde que as mesmas não infrinjam o 
ordenamento jurídico brasileiro. Salienta o texto do Projeto que as tradições são 
reconhecidas e devem ser respeitadas, no entanto, não são legitimadas quando 
violam os direitos humanos e fundamentais, conforme também preceitua o artigo 8°, 
n. 2, da Convenção n° 169 da OIT. Verifica-se, port anto, que há uma limitação ao 
direito constitucional de reconhecimento à diversidade cultural. Assim, o objetivo do 
Projeto de Lei é resguardar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, 
justificando-se em uma interpretação dos direitos e princípios constitucionais e das 
demais diretrizes de proteção à criança. É por isso, então, que foi desenvolvido o 
Capítulo anterior, a fim de expormos tal entendimento. 
 
Logo, cabe agora analisarmos as propostas do Projeto de Lei n° 1.057/2007 e 
as críticas dirigidas a ele. 
 
3.2 O OLHAR ANTROPOLÓGICO SOBRE O PROJETODE LEI N° 1.057/2007 
 
Como vimos, o Projeto de Lei n° 1.057/2007 refere-s e à nocividade de 
algumas práticas tradicionais indígenas, com base no Princípio da Dignidade da 
Pessoa Humana. Porém, o que significam essas práticas para as próprias 
comunidades indígenas? A resposta a esta pergunta só pode ser realizada a partir 
de um trabalho antropológico e, como destacado anteriormente, não temos o intuito 
de trazer descrições sobre elas, até porque esta tarefa demandaria um estudo mais 
aprofundado, o qual não nos cabe aqui. Assim, para compreendermos melhor a 
necessária aproximação entre Direito e Antropologia, exporemos a pesquisa de 
Marianna Assunção Figueiredo Holanda, que evidencia a significação dos sistemas 
simbólicos de algumas comunidades indígenas em relação a determinados interditos 
da vida. 
Afirma a autora que a vida entre os ameríndios – de uma forma geral – é 
construída. É construída, pois é através do vínculo com a comunidade que a criança 
torna-se aos poucos pessoa: pela aquisição de alimentos, pelo cuidado, pela 
 
31
socialização, resumidamente, pelo saber “ser social”.148 Nesse sentido, a construção 
da pessoalidade é “um processo contínuo de aprender a ser humano”.149 Observa-
se, assim, a importância do social e do coletivo para a concepção de vida ameríndia. 
De acordo com Marianna Holanda: 
 
[...] o projeto indígena de criação de vidas só se efetiva pela elaboração do 
social como um espaço de trocas, reciprocidades e interações. Fora disso 
não há social, não há possibilidade de vida humana sem vínculos afetivos, 
consangüíneos e/ou afins. Não há possibilidade de vidas nuas.150 
 
Segundo Seeger, DaMatta e Viveiros de Castro, o corpo desempenha 
importante função para refletir a concepção de ser humano e para desenvolver a 
organização das sociedades indígenas brasileiras.151 A idéia de indivíduo recai sobre 
o aspecto social e coletivo, tendo em vista que a noção de pessoa está atrelada à 
corporalidade, relação baseada nas trocas inter-pessoais de fluídos (sêmen, sangue, 
leite), de alimentos e na convivência social.152 Nesse sentido, a pessoa é construída 
pela sociedade, ou seja, pelo processo de socialização. Portanto, nesses sistemas 
simbólicos, o nascimento implica em diversas transformações, afetando a vida 
prática dessas sociedades e as relações de parentesco e de troca.153 
Dessa forma, por exemplo, os povos Araweté e Yanomami dão o nome à 
criança apenas quando ela está envolvida nos laços sociais, ou seja, quando ela 
consegue interagir com o meio social (falar, andar, alimentar-se, etc., de maneira 
autônoma).154 
Ocorre que alguns recém-nascidos não possuem condições desse “saber 
ser”, pois estão impedidos, de alguma forma, de viver no grupo. Por essa razão, 
muitos deles não são considerados seres, são considerados não-humanos.155 Em 
outras palavras, os “entes”, nesses casos, não existem.156 Dentre as razões de as 
crianças não serem consideradas humanas, apresentam-se alguns fatos, como por 
exemplo, a criança não ter pai,157 o número ideal de filhos e o planejamento familiar, 
 
148
 Segundo Marianna Holanda, “uma criança que ‘nasce’ não é imediatamente feita humana e, 
portanto, a procriação não é garantia de parentesco. Isso porque, para eles, a consubstancialidade 
que nos faz consangüíneos e parentes não é fato, não é um dom, mas uma condição a ser 
continuamente produzida pelas trocas e relações”. (HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. 
Quem são os humanos dos direitos? Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. 
Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de 
Brasília, Brasília, 2008, p. 16). 
149
 Ibidem, p. 17. 
150
 Ibidem, p. 135. 
151
 SEEGER, Anthony; DAMATTA, Roberto; CASTRO, Eduardo Viveiros de. A construção da pessoa 
nas sociedades indígenas brasileiras. In: OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de Oliveira (Org.). 
Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1987, p. 13. 
152
 Ibidem, p. 20-21. 
153
 HOLANDA, op. cit., p. 37-38. 
154
 Ibidem, p. 27. 
155
 Ibidem, p. 17. 
156
 Marianna Holanda destaca que alguns neonatos, por carecerem do “saber ser”, não são inseridos 
nas relações sociais. Tal motivo justifica a sua denominação a eles como “entes”, ao invés de 
“seres”. (Ibidem, p. 17). 
157
 IRELAND, apud HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? 
Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em 
Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 25; 
REVISTA TERRA apud HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos 
 
32
a gemeleidade, a deficiência física e/ou mental, a preferência pelo sexo da criança, a 
criança ser concebida fora do casamento, os filhos de viúva,158 entre outros. 
Conforme salienta Marianna Holanda, “são as relações que vão dizer quem 
está apto ou não a transformar-se, a humanizar-se ou a não fazer sentido 
socialmente”.159 De acordo com José Otávio Catafesto de Souza, para os indígenas, 
a questão maior é a do sofrimento. Para eles, uma vida sofrida é uma vida indigna, 
razão pela qual a morte é vista como um mal menor. Assim também destaca Rita 
Segato, com base em alguns estudos, que em determinadas circunstâncias avalia-
se se a vida do neonato vale a pena ser vivida ou não.160 
Logo, consoante Marianna Holanda, se a criança, devido a alguma das 
circunstâncias mencionadas, é considerada incapaz de se tornar humana, então, 
não poderá continuar vivendo. Nesse sentido, argumenta-se que não há morte e, 
portanto, não há crime, pois, para isso, a criança deveria ser considerada pessoa e, 
assim, pertencer à sociedade – o que não ocorre.161 Afirma Marianna Holanda: 
 
 
Isso indica que, no intuito de pensar a negação do status de pessoa a alguns 
entes não estamos falando em morte, nem de crime, nem de movimento. 
O despertencimento do universo social é um processo tão gradual como a 
aquisição de humanidade; esta é, inclusive, a função dos ritos funerários, 
retirar o consubstancial. Ritos que não são efetuados para neonatos que 
nunca vieram a pertencer. Nenhuma marca social é registrada nestes entes. 
[...] Contudo, é justamente por estarem fora do sistema de relações que 
compõe o mundo, inclusive do sistema vida e morte, humanos e não-
humanos que, paradoxalmente, podem ser constitutivos de toda esta sócio-
lógica ameríndia: eles falam de tudo que se ausentam.162 
 
Ao contrário, ressalta a autora, se a criança já está socializada, se já pertence 
ao grupo, a retirada de sua vida significa a morte e, neste caso, são procedidos os 
rituais funerários163 e a respectiva punição. 
Portanto, podemos perceber que a cultura indígena possui um sistema de 
símbolos significantes muito diferente do nosso. E é a partir desta tese que o olhar 
antropológico irá criticar o Projeto de Lei n° 1.05 7/2007. Agora, com o intuito de refletir 
melhor sobre o assunto, ordenamos as principais considerações de Rita Segato e 
Marianna Holanda,164 restringindo-nos a explicar somente as críticas concernentes ao 
 
direitos? Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em 
Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 42. 
158
 HOLANDA, op. cit., respectivamente p. 48-49 e 64; 50-55 e 62-63; 59-60; 62; 61; 61. 
159
 Ibidem, p. 44. 
160
 SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo 
Jurídico en diiálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. 
ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de 
globalización. México: CIESAS e Red Latinoamericana deAntropología Jurídica, 2008, [Material 
por e-mail pessoal], p. 9. 
161
 HOLANDA, op. cit., p. 44. 
162
 HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a 
criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia 
Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 44. 
163
 Ibidem, p. 60. 
164
 Rita Laura Segato é antropóloga e professora da UnB e, em agosto de 2007, foi convocada pela 
Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Congresso Nacional para participar da Audiência 
 
33
direito, tais como: (a) a necessária superação do pensamento monista do Estado; (b) o 
ideal universalista dos Direitos Humanos; (c) as práticas, as quais o Projeto de Lei n° 
1.057/2007 denomina como “nocivas”, não possuem o mesmo significado para as 
comunidades indígenas; (d) o Projeto de Lei “ultra-criminaliza” as práticas, pois legisla o 
que já foi legislado; (e) o caráter intervencionista e colonizador do Projeto de Lei; (f) as 
comunidades indígenas devem participar efetivamente na deliberação sobre uma lei, a 
qual elas estão englobadas; (g) o papel do Estado e a necessidade de um projeto de 
pluralismo jurídico no Brasil. 
Segundo Holanda, o direito ao reconhecimento à diversidade cultural só 
poderá ser efetivamente garantido se for superado o pensamento monista do 
Estado, ou seja, de que ele não é o único produtor de juridicidade. Tendo em vista 
as diferenças culturais, é de notar-se que não existe apenas uma única concepção 
do que é a vida, morte, ética e ser humano.165 Ressalta a autora que o problema 
está na interpretação desses direitos tidos como universais, isto porque “a teia moral 
que balizou e sustenta os Direitos Humanos foi se constituindo também pela 
imposição de inumanidade às alteridades, sempre portadora de falhas morais a 
serem corrigidas”.166 Assim, a imposição de valores universais tem por conseqüência 
a minimização das diferenças. Esse ideal de igualdade sustentado pelo Estado e 
dissociado da compreensão da alteridade reflete um racismo institucional,167 que 
abafa a voz do “outro” e exige ao mesmo uma adaptação à forma do Estado, que 
nem sempre corresponde a sua própria forma de organização.168 Em outras 
palavras, evidencia-se a postura etnocêntrica do Estado em relação às 
peculiaridades culturais dessas comunidades indígenas. 
Nesse sentido, algumas comunidades indígenas revelam possuir outra 
significação de vida e de morte, razão pela qual suas práticas não deveriam ser 
consideradas pelo Projeto de Lei n° 1.057/2007 como “nocivas”. Como já referido, 
pode-se dizer que a elaboração da vida para algumas comunidades indígenas se dá 
através da construção da rede social, na qual os indivíduos precisam ter condições 
de viver em comunidade.169 Acerca deste tema, sustenta Segato: 
 
Constatamos una vez más, que no es la ignorancia lo que se esconde 
detrás de la diferencia en el tratamiento de la vida recién nacida en 
sociedades originarias del Nuevo Mundo, sino otra concepción de lo que es 
humano y de las obligaciones sociales que lo manufacturan.170 
 
Pública sobre o Projeto de Lei n° 1.057/2007. Maria nna Holanda é antropóloga e foi orientada por 
Rita Segato em sua dissertação de mestrado, trabalho já referido aqui. Por serem as pessoas 
envolvidas neste assunto e que possuem material publicado a respeito, exporemos suas idéias e 
críticas em relação ao referido projeto de lei. 
165
 HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a 
criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia 
Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008. p. 143. 
166
 Ibidem, p. 10. 
167
 STAVENHAGEN, apud HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos 
direitos? Sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em 
Antropologia Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 10. 
168
 HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a 
criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social) – 
Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 10-11. 
169
 Ibidem, p. 135. 
170
 SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo 
Jurídico en diiálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. 
 
34
 
Ademais, para Rita Segato, o referido projeto de lei “ultra-criminaliza” as 
práticas indígenas, uma vez que estabelece diretrizes já previstas no ordenamento 
jurídico brasileiro, como as normas da Constituição Federal e do Código Penal, além 
das reconhecidas internacionalmente.171 Assim, para a antropóloga, não haveria 
sentido promulgar uma lei com este conteúdo, porque isso implicaria em legislar 
sobre o que já está devidamente legislado.172 Em sua opinião, o projeto de lei ligado 
às campanhas humanitárias promovidas por algumas organizações não-
governamentais (como ATINI e JOCUM), que atuam em prol da vida das crianças 
indígenas, mascaram uma propaganda anti-indígena. Isso porque eles criam uma idéia 
de que os povos indígenas são bárbaros, ignorando a significação de seus sistemas 
simbólicos, com o fundamento de que as crianças devem ser salvas da incapacidade 
cultural de seus povos. Tal fato origina uma abertura para a intervenção, na qual muitas 
vezes ocorre de maneira inadequada. Nesse sentido, alega Rita Segato: 
 
Tanto las noticias plantadas por esta organización en diarios y revistas de 
amplia distribución nacional como la conmovedora entrada en el auditorio 
del Congreso en que se desarrollaba la sesión resultan naturalmente en una 
imagen de las sociedades indígenas como bárbaras, homicidas y crueles 
para con sus propios e indefensos bebés. Imagen contrapuesta a la de un 
movimiento religioso que afirma “salvar los niños” de pueblos que los 
asesinan. La legítima defensa de la vida de cada niño y el deseo de una 
buena vida para todos se transformaba así en una campaña proselitista 
anti-indígena y en la prédica de la necesidad de incrementar la supervisión 
de la vida en las aldeas.173 
 
Igualmente, Marianna Holanda refere que: 
 
Isso faz das missões e da forma de atuação das missões um debate que 
deve ser posto na cena política nacional. A violência com que muitas delas 
atuam em aldeias indígenas no Brasil é encoberta por uma filantropia e 
protegida por uma moralidade que não se sustenta mais [...] Mudar as 
culturas “em seus aspectos sombrios e negativos” é o desejo trágico destas 
missões. [...] Um humanismo que insiste no que, por séculos, os Povos 
Indígenas no Brasil vêm demonstrando: que não se dobram à colonização 
persistente.174 
 
ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de 
globalización. México: CIESAS e Red Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008. p. 12. 
[Material por e-mail pessoal]. 
171
 Em relação às diretrizes de proteção à criança que já possuiriam previsão legal, se poderia 
destacar: artigo 1°, inciso III (dignidade da pesso a humana); artigo 5°, caput (direito à vida); artigo 
5°, inciso III (tratamento desumano ou degradante); artigo 227, caput (dever do Estado em 
assegurar o direito à vida e à saúde às crianças) – todos da Constituição Federal; artigo 121 
(homicídio); artigo 129 (lesão corporal); artigo 135 (omissão de socorro); artigo 136 (maus-tratos) – 
todos do Código Penal; o artigo 7° (direito e prote ção à vida e à saúde); artigo 13 (maus-tratos); 
artigo 15 (dignidade da pessoahumana); artigo 17 (integridade física, psíquica e moral), todos do 
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069 de 1990). (SEGATO, Rita Laura. "Que cada 
pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo Jurídico en diiálogo didáctico con 
legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. ORTIZ, Héctor; SIERRA, María 
Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de globalización. México: CIESAS e 
Red Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008, [Material por e-mail pessoal], p. 6. 
172
 Ibidem, p. 14. 
173
 Ibidem, p. 5. 
174
 HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Quem são os humanos dos direitos? Sobre a 
criminalização do infanticídio indígena. 2008. 157 f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia 
Social) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2008, p. 145. 
 
35
Aliás, este também é o posicionamento da Associação Brasileira de 
Antropologia, ao declarar que o Projeto de Lei n° 1 .057/2007 simboliza uma 
renovação do preconceito e, por isso, merece ser arquivado pelo Congresso 
Nacional.175 
Conforme afirma João Pacheco de Oliveira, representando a Comissão de 
Assuntos Indígenas da ABA, as publicações sobre as práticas indígenas nos meios 
de comunicação (internet, televisão, revistas e jornais) demonstram nada mais do 
que um discurso desprovido de qualquer fundamentação científica, tornando-se uma 
perigosa estratégia retórica para criminalizar as comunidades indígenas, estando aí 
implícita a consideração da irracionalidade e da perversão desses povos.176 O 
antropólogo compara tal discurso àquele da época da colonização da América, onde 
os atos eram justificados por diversas pretensões “humanitárias”. Por trás disso há, 
em realidade, interesses de intervenção.177 
Da mesma forma, segundo o antropólogo, o Projeto de Lei n° 1.057/2007 
apóia-se em informações da mídia e registros não confiáveis. A questão que ele 
coloca é: como, então, legislar sobre o assunto, impondo um “parâmetro de 
fiscalização” e “outros modos de socialização” sobre essas coletividades?178 Logo, 
João Pacheco de Oliveira declara: 
 
Tal intervenção pode resolver problemas de consciência de algumas 
pessoas, mas decididamente cria um falso problema e propõe soluções 
lastimáveis. Pior ainda, contribui para estimular uma visão negativa, 
ultrapassada e mesmo racista desse segmento da população brasileira.179 
 
João Pacheco de Oliveira destaca ainda que a Declaração Universal dos 
Direitos do Homem serve como um instrumento para proteger os cidadãos, e não 
para afirmar a superioridade moral de alguns povos sobre outros. Nesse contexto, 
afirma que a Constituição Federal de 1988 teve justamente a proposta de romper 
com as barreiras autoritárias da tradição colonial, promovendo um Estado Social de 
Direito, ao reconhecer e proteger as coletividades culturalmente distintas. Contudo, o 
que aparenta estar acontecendo é que o Brasil está na “contramão da história”, 
renovando o preconceito através deste Projeto de Lei. Segundo o antropólogo, essa 
pretensão de um movimento interventor poderia ser convertida em um diálogo 
 
175
 Comissão de Assuntos Indígenas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. Infanticídio 
entre as populações indígenas – Campanha humanitária ou renovação do preconceito? Disponível em: 
<http://www.abant.org.br/index.php?page=2.31> Acesso em: 25/06/2009. p. 4. 
176
 O antropólogo João Pacheco de Oliveira afirma que atualmente as práticas em questão são raras 
entre as comunidades indígenas brasileiras e que não existem registros confiáveis e consistentes 
sobre elas. Além disso, comenta que o filme “Hakani”, veiculado no Youtube, trata-se de uma 
encenação produzida para obter fundos para as missões das instituições “pilantrópicas”. 
 Ressalta-se que o objetivo deste trabalho não é investigar os dados etnográficos e estatísticos da 
questão, mas expor os debates teóricos em torno do tema. 
Comissão de Assuntos Indígenas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. 
Infanticídio entre as populações indígenas – Campanha humanitária ou renovação do 
preconceito? Disponível em: <http://www.abant.org.br/index.php?page=2.31>. Acesso em: 25 jun. 
2009, p. 1 e 3. 
177
 Comissão de Assuntos Indígenas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. Infanticídio 
entre as populações indígenas – Campanha humanitária ou renovação do preconceito? Disponível em: 
<http://www.abant.org.br/index.php?page=2.31> Acesso em: 25 jun. 2009, p. 3. 
178
 Ibidem, p. 3. 
179
 Ibidem, p. 3. 
 
36
intercultural, o qual obviamente deverá contar com a efetiva participação das 
comunidades indígenas afetadas por esta polêmica discussão.180 
De acordo com essa abordagem, Rita Segato alega que o Estado não possui 
legitimidade, capacidade e responsabilidade para intervir nas comunidades 
indígenas afetadas pelo Projeto de Lei n° 1.057/200 7. Diante desse pensamento, ela 
relembra as “cicatrizes” deixadas pelo impacto colonial sobre os povos indígenas, 
período profundamente marcado pela exploração, violência e ganância.181 
Segundo Rita Segato, as conseqüências da promulgação deste Projeto de Lei 
seriam, no mínimo, nefastas. Em primeiro lugar, porque essas práticas, como o 
“infanticídio”, poderão virar emblemas da diferença, ou seja, essas práticas tornar-se-
iam um símbolo representativo com uma conotação extremamente negativa, sendo as 
comunidades indígenas “marcadas” e lembradas apenas por esses atos. Em segundo 
lugar, pois o cumprimento das diretrizes estabelecidas no Projeto de Lei poderá permitir 
a intervenção das forças públicas para vigiar e fiscalizar os atos das comunidades 
indígenas, interferindo, conseqüentemente, na sua autonomia e intimidade.182 
Explica a antropóloga que o papel do Estado deveria ser mais o de proteger e 
promover a vitalidade dos povos indígenas, bem como a sua autonomia, do que 
atuar com um caráter preponderantemente punitivo e interventor.183 O foco da 
discussão para Rita Segato é o direito dessas comunidades como sujeitos 
coletivos184, ou seja, o direito de condição como povos, o qual ainda não teria sido 
objeto de maior desenvolvimento no ordenamento jurídico brasileiro.185 Assim, é 
necessária que seja restituída e garantida a liberdade às comunidades indígenas 
para que elas possam resolver seus próprios conflitos de acordo com seus usos, 
costumes e tradições. Só assim, continua Segato, será possível que esses povos 
dialoguem a seu modo com os parâmetros estabelecidos no Brasil e 
internacionalmente.186 
 
180
 Comissão de Assuntos Indígenas da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. Infanticídio 
entre as populações indígenas – Campanha humanitária ou renovação do preconceito? Disponível em: 
<http://www.abant.org.br/index.php?page=2.31>. Acesso em: 25 jun. 2009, p. 3. 
181
 Estes são alguns questionamentos colocados por Rita Segato: “¿Qué Estado es ese que hoy 
pretende legislar sobre como los pueblos indígenas deben preservar sus niños? ¿Qué estado es 
ese que hoy pretende enseñarles a cuidarlas? ¿Qué autoridad tiene ese Estado? ¿Qué 
legitimidad y qué prerrogativas? ¿Qué credibilidad ese Estado tiene al intentar, mediante esta 
nueva ley, criminalizar a los pueblos que aquí tejían los hilos de su historia cuando fueron 
interrumpidos por la violencia y la codicia de los cristianos?”. (SEGATO, Rita Laura. "Que cada 
pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo Jurídico en diálogo didáctico con 
legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. ORTIZ, Héctor; SIERRA, María 
Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de globalización. México: CIESAS e 
Red Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008, [Material por e-mail pessoal], p. 17 e 20). 
182
 Ibidem, p. 21. 
183
 Ibidem, p. 17-18. 
184
 Em relação ao direito ao reconhecimento da diversidade cultural, há a discussão sobre a 
legitimidade dos sujeitos coletivos de direito.Não abordaremos tal assunto aqui. Sobre isso, 
consultar: SOUZA, Rosinaldo Silva de. Direitos Humanos através da história recente em uma 
perspectiva antropológica. In: DE LIMA, Roberto Kant; NOVAES, Regina Reyes (Org.). 
Antropologia e Direitos humanos. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2001, p. 47-79. 
185
 SEGATO, op. cit, p. 15. 
186
 Ibidem, p. 18. 
 
37
Portanto, conforme expõe a autora, não cabe ao Estado, através da coerção, 
impor o curso que esses povos devem seguir. Ao Estado compete respeitar e 
proteger a capacidade que cada sistema simbólico possui, como sujeitos coletivos 
de direito, de construir a sua história, livre de intromissões autoritárias.187 Nesse 
sentido, a posição final de Rita Segato é que o Projeto de Lei n° 1.057/2007, ao 
“criminalizar” as práticas aqui já mencionadas, coloca o “outro” em uma posição de 
inimigo, impedindo que as comunidades indígenas deliberem internamente sobre o 
curso de sua tradição, em outras palavras, que “teçam os fios de sua história”.188 Em 
conformidade com a antropóloga: 
 
Por eso, esa ley es, antes que nada, anti-histórica, ya que una de las 
preocupaciones centrales de nuestro tiempo es la de valorizar y preservar la 
diferencia, la reproducción de un mundo en plural que, para existir, necesita del 
desarrollo del derecho de sujetos colectivos. Cuidar de ellos es central inclusive 
porque, a pesar de nuestras agresiones constantes en el curso de estos 500 
años, esos pueblos no solamente sobrevivieron mediante sus propias 
estrategias y lógicas internas, sino también porque es posible imaginar que nos 
superarán en esa capacidad de sobrevivencia.189 
 
Além disso, Rita Segato discute que a tentativa de criminalizar as 
comunidades indígenas através deste Projeto de Lei viola o direito constitucional que 
garante e protege a diversidade cultural e desrespeita a autodeterminação e os 
Direitos Próprios desses povos, garantias asseguradas na Convenção 169 da OIT, a 
qual o Brasil ratificou.190 
A ênfase, portanto, da crítica de Rita Segato está na legitimidade do Estado 
na intervenção, na desnecessidade de legislar sobre o que já está previsto no 
ordenamento jurídico brasileiro, na eficácia dessa pretensa criminalização e, 
também, na não-participação das comunidades indígenas na redação das leis, como 
é o caso do Projeto de Lei n° 1.057/2007. 
Diante dessas circunstâncias, a antropóloga aponta a necessidade de um 
projeto de pluralismo jurídico191 no Brasil, isto é, a possibilidade de uma abertura 
para que os povos da nação resolvam e deliberem internamente sobre os seus 
conflitos e trilhem o seu próprio caminho.192 Tendo em vista o mundo multicultural e 
globalizado da atualidade, nada mais sensato do que permitir a esses povos esta 
 
187
 SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo 
Jurídico en diálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. 
ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de 
globalización. México: CIESAS e Red Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008, [Material 
por e-mail pessoal], p. 22. 
188
 Ibidem, p. 18. 
189
 Ibidem, p. 18. 
190
 Nas palavras de Rita Segato: “Esos datos imponen nuevos interrogantes al respecto de las 
motivaciones que los legisladores podrían entretener al insistir en una ley que criminaliza los pueblos 
indígenas y vuelve más distante su acceso a un Derecho Propio y a una jurisdicción propia para la 
solución de conflictos y disensos dentro de las comunidades, contraviniendo así el Convenio 169 de la 
OIT, plenamente vigente en Brasil desde 2002.” (Ibidem, p. 19). 
191
 Sobre o assunto do pluralismo jurídico, conferir a obra: WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo 
Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do Direito. São Paulo: Alfa-Omega, 1994. 
192
 SEGATO, op. cit, p. 20. 
 
38
garantia de liberdade, a fim de que não sejam objetos de ações fundamentalistas por 
outros setores da sociedade.193 
Essa proposta, contudo, não significa que o Estado deverá ausentar-se. Ao 
contrário, seu papel deverá ser o de promover o diálogo entre os povos e os poderes 
estatais, assim como o diálogo interno. Em suma, a intervenção estatal será no 
sentido de restituir e garantir a liberdade das comunidades indígenas, através de um 
projeto de pluralismo jurídico, que possibilite a deliberação de forma justa e o 
exercício da justiça própria.194 
Neste tópico, vimos que a discussão está baseada na interpretação do artigo 
231 da Constituição Federal. Por um lado, conforme a justificativa do Projeto de Lei 
n° 1.057/2007, tal artigo deve ser interpretado de acordo com o artigo 1°, III e com o 
artigo 5° da Constituição. Por outro, o olhar antropológico refere que os artigos 
mencionados devem ser lidos de acordo com o artigo 231, tendo em vista que a 
concepção de pessoa é relativa aos sistemas de símbolos significantes. 
Agora, passaremos a expor algumas propostas concernentes ao problema. 
 
3.3 O DIÁLOGO INTERCULTURAL E A HERMENÊUTICA DIATÓPICA 
 
Diante do polêmico assunto que expomos neste trabalho, é possível observar 
que um questionamento torna-se saliente: afinal, os direitos humanos e 
fundamentais poderiam assumir um caráter universal, no sentido de deverem estar 
presentes em todos os sistemas simbólicos da cultura brasileira, apesar das 
especificidades culturais? 
O Projeto de Lei n° 1.057/2007 é apenas um dentre o utros exemplos que 
poderíamos ter evidenciado sobre os casos que envolvem a problemática dos 
direitos humanos e fundamentais e a diversidade cultural e que indica a importante e 
necessária reflexão sobre o Direito e a Antropologia. 
Tentaremos desenvolver esse raciocínio a partir da tese de Boaventura de 
Souza Santos, a qual discute a aplicação dos direitos humanos em tempos de uma 
era globalizante. Ressaltamos que não temos o objetivo de fornecer respostas, mas 
de apenas impulsionar reflexões. 
Os direitos humanos tidos como universais, na visão de Boaventura de Souza 
Santos, são fruto da construção do mundo ocidental.195 Essa construção concebe a 
 
193
 SEGATO, Rita Laura. "Que cada pueblo teja los hilos de su historia: El argumento del Pluralismo 
Jurídico en diálogo didáctico con legisladores". In: CHENAUT, Victoria; GÓMEZ, Magdalena. 
ORTIZ, Héctor; SIERRA, María Teresa. (Coords.). (Org.). Justicia y diversidad en tiempos de 
globalización. México: CIESAS e Red Latinoamericana de Antropología Jurídica, 2008, [Material 
por e-mail pessoal], p. 20-21. 
194
 Ibidem, p. 23. 
195
 De acordo com a exposição de Boaventura de Souza Santos: “O conceito de direitos humanos 
assenta num bem conhecido conjunto de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais, 
designadamente: existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a 
natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante da realidade; o indivíduo possui 
uma dignidade absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade ou do Estado; a 
autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica, como 
soma de indivíduos livres”. (PANIKKAR, apud SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção 
 
39
existência de uma natureza humana universal e a dignidade da pessoa humana 
como qualidade intrínseca. No entanto, percebe-se que outras culturas não 
compreendem a natureza humana e a dignidade humana da mesma forma, pois 
alguns povos sequer contemplam essas noções como direitos humanos. Nota-se, 
dessa forma, que os direitos humanos não são universais em sua aplicação. Desse 
modo, as políticas dos direitos humanos são políticas baseadas em pressupostos 
culturais específicos.196 Nesse sentido, eles tendem a atuar como localismo 
globalizado, razão pela qual é indispensável um redirecionamento dos direitos 
humanos à forma do cosmopolitismo. 
Para Boaventura de Souza Santos,a globalização, a partir de uma 
perspectiva social, cultural e política, compreende-se em diferentes conjuntos de 
relações sociais e, por serem diferentes, geram também diferentes modos de 
globalização. Por essa razão, segundo o autor, existem fenômenos de 
globalizações, no plural, e não no singular. Seguindo este raciocínio, há quatro 
modos de produção de globalização que dão origem a quatro formas de 
globalização: (a) o localismo globalizado, que ocorre quando um fenômeno local 
consegue se estender ao resto do globo, como é o caso dos fast-food, por exemplo; 
(b) o globalismo localizado, que ocorre quando um fenômeno global causa impacto 
nas condições locais e, assim, essas passam a se adaptar com o novo imperativo, 
como por exemplo, a transformação da agricultura de subsistência em agricultura do 
tipo exportação; (c) o cosmopolitismo, que ocorre quando as formas de dominação 
transnacional são utilizadas de forma não imperativa em prol dos interesses comuns 
dos Estados-nação, como é o caso das ONG´s; (d) o patrimônio comum da 
humanidade, processo no qual abrange todo o globo, como a discussão sobre a 
escassez dos recursos naturais. Diante disso, Boaventura de Souza Santos 
classifica as globalizações em: de-cima-para-baixo, isto é, com pretensões 
hegemônicas (localismo globalizado e globalismo localizado), e as globalizações de-
baixo-para-cima, ou seja, com pretensões contra-hegemônicas (cosmopolitismo e 
patrimônio comum da humanidade).197 
Esse raciocínio se faz necessário para entender a tese de Boaventura de 
Souza Santos. Segundo o autor, os direitos humanos podem assumir essas formas 
de globalização. Contudo, é necessário que a concepção de direitos humanos revele 
a forma de cosmopolitismo, ou seja, como uma globalização contra-hegemônica que 
opere de-baixo-para-cima. O autor pensa os direitos humanos não como universais, 
mas como multiculturais. Este projeto é proporcionado pelo diálogo intercultural e 
através do que ele denominou de “hermenêutica diatópica”.198 Nas palavras de 
Boaventura de Souza Santos: 
 
A minha tese é que, enquanto forem concebidos como direitos humanos 
universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo 
 
multicultural de direitos humanos. Revista Lua Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de 
Cultura Contemporânea, n. 39, p. 112, 1997). 
Sobre este aspecto, conferir: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos 
fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 
31-44. 
196
 SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Lua 
Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, n. 39, p. 107 e 112, 
1997. 
197
 Ibidem, p. 107, 109-111. 
198
 Ibidem, p. 107, 109-111. 
 
40
globalizado – uma forma de globalização de-cima-para-baixo. Serão sempre 
um instrumento de “choque de civilizações”[...]. A sua abrangência global 
será obtida à custa da sua legitimidade local.199 
Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização 
de-baixo-para-cima ou contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser 
reconceitualizados como multiculturais.200 
 
Conforme o autor, “todas as culturas tendem a considerar os seus valores 
máximos como os mais abrangentes, mas apenas a cultura ocidental tende a 
formulá-los como universais”.201 Dito de outro modo, cada cultura considera seus 
símbolos significantes como os mais abrangentes, entretanto, é característica do 
ocidente querer elevar a sua validade ao resto do mundo e, aqui, poderíamos 
arriscar em dizer que, talvez, essa atitude demonstra um caráter etnocêntrico. 
Assim, à medida que os direitos humanos operarem sob o aspecto universal, isto 
é, atuarem como localismo globalizado, pretendendo atingir um âmbito global 
(globalização de-cima-para-baixo/hegemônica), a sua abrangência e aplicação se dará 
“à custa da sua legitimidade local”, ignorando, muitas vezes, as peculiaridades culturais 
dos outros povos, a partir da imposição de valores ao restante do mundo.202 
Por tal razão, de acordo com Boaventura de Souza Santos, os direitos 
humanos devem assumir uma política progressista e emancipatória com âmbito 
global e legitimidade local.203 O que isso significa? Significa dizer que os direitos 
humanos necessitam operar como forma de cosmopolitismo, isto é, como 
globalização contra-hegemônica, assumindo uma dimensão multicultural, ao invés 
de universal. 
Tendo em vista que o multiculturalismo é requisito para uma vinculação 
harmônica entre as relações globais e locais, ele proporcionaria uma política contra-
hegemônica de direitos humanos.204 Logo, para transformar os direitos humanos 
universais, ou seja, aqueles decorrentes do localismo globalizado ou de uma 
globalização hegemônica (globalização de-cima-para-baixo) em direitos humanos 
multiculturais, isto é, aqueles decorrentes do cosmopolitismo ou de uma 
globalização contra-hegemônica (globalização de-baixo-para-cima) é preciso do 
diálogo intercultural. 
De acordo com Santos, o diálogo intercultural caracteriza-se pela troca de 
saberes entre universos de sentido diferentes,205 ou podemos dizer, entre diferentes 
sistemas de símbolos significantes. Para que isso ocorra, em primeiro lugar, é 
importante: (a) reconhecer que todas as culturas possuem noções de dignidade 
humana, embora diversas, mas de forma inteligível; e, principalmente, (b) 
reconhecer a incompletude de cada cultura em relação a essas concepções.206 
Dessa forma, é possível construir uma concepção multicultural de direitos humanos, 
 
199
 SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Lua 
Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, n. 39, p. 111, 1997. 
200
 Ibidem, p. 111-112. 
201
 Ibidem, p. 112. 
202
 Ibidem, p.111. 
203
 Ibidem, p. 105 e 107. 
204
 Ibidem, p. 112. 
205
 Ibidem, p. 115. 
206
 Ibidem, p. 114. 
 
41
que “em vez de recorrer a falsos universalismos, se organiza como uma constelação 
de sentidos locais, mutuamente inteligíveis, e que se constitui em redes de 
referenciais normativas capacitantes”.207 Trata-se, portanto, de uma concepção de 
direitos humanos com âmbito global e com legitimidade local. 
Ressalta-se que a proposta de um diálogo intercultural é viabilizada através do 
que o autor denominou de “hermenêutica diatópica”. Segundo Boaventura de Souza 
Santos, os universos de sentido de cada cultura são compostos por topoi forres, 
“lugares comuns teóricos mais abrangentes”, ou seja, premissas de argumentação. 
Através dos topoi de cada cultura é possível propor uma produção e troca de 
argumentos, isto é, estabelecer o diálogo intercultural.208 Isso significa que, por 
exemplo, a partir das premissas de argumentação sobre dignidade humana de uma 
cultura estabelece-se o diálogo com as premissas de argumentação sobre dignidade 
humana de outra cultura, como em nosso caso, entre noções indígenas e não-
indígenas de dignidade humana. Pode-se dizer que ocorre um intercâmbio de 
símbolos significantes, ocasião em que cada cultura vê-se a explicar e a justificar os 
significados dos símbolos de seu sistema. 
A tese de Boaventura de Souza Santos centra-se na idéia de que nenhuma 
cultura é completa. Segundo o autor, por mais fortes que sejam os argumentos – 
topoi –, eles são tão incompletos, assim como a sua própria cultura. Nesse sentido, 
a hermenêutica diatópica seria um instrumento capaz de auxiliar na compreensão da 
incompletude dos elementos culturais ou sistemas simbólicos, sem, no entanto, ter a 
pretensão de que o diálogo intercultural proporcione a sua completude, pois isso 
seria algo impossível.209 Ao contrário, esse esforço possuiria a ambição de ampliar a 
consciência sobre a incompletude de ambasas culturas e, por essa razão, revelar a 
necessidade do alargamento do diálogo, “com um pé numa cultura e outro, noutra”. 
Eis o caráter diatópico. 
Fazendo uso do pensamento de Ruth Benedict, no qual “a cultura é como 
uma lente através da qual o homem vê o mundo”, se poderia afirmar que nenhuma 
cultura consegue enxergar o mundo sozinha. Todas elas sofreriam de uma miopia, 
motivo pelo qual necessitariam dos óculos do “outro”, isto é, do diálogo intercultural 
e de um tráfico de símbolos significantes, proporcionando até mesmo uma 
(re)significação de seus próprios símbolos. 
Portanto, um dos pressupostos para o diálogo intercultural é o 
reconhecimento das incompletudes mútuas.210 Assim, a hermenêutica diatópica 
 
207
 SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Lua 
Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, n. 39, p. 107, 109-115, 
1997. 
208
 Ibidem, p. 115. 
209
 Ibidem, p. 116. 
210
 O autor fornece exemplos sobre os topoi dos direitos humanos na cultura ocidental, de dharma na 
cultura hindu e de umma na cultura islâmica, demonstrando que todas essas noções possuem 
incompletudes em si. Segundo Santos: “A hermenêutica diatópica mostra-nos que a fraqueza 
fundamental da cultura ocidental consiste em estabelecer dicotomias demasiado rígidas entre o 
indivíduo e a sociedade, tornando-se assim vulnerável ao individualismo possessivo, ao 
narcisismo, à alienação e à anomia. De igual modo, a fraqueza fundamental das culturas hindu e 
islâmica deve-se ao fato de nenhuma delas reconhecer que o sofrimento humano tem uma 
dimensão individual irredutível, a qual só pode ser adequadamente considerada numa sociedade 
 
42
torna-se um procedimento que engloba um trabalho mútuo, isto é, que envolve a 
construção de conhecimento por diversas culturas.211 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
O conceito antropológico de “cultura”, tal como concebido por Clifford Geertz, 
indica um conjunto de sistemas de símbolos significantes, construídos 
historicamente. A partir desta perspectiva, a diversidade cultural apresenta-se como 
as diferentes interações dos grupos humanos com os modelos “da” e “para” a 
realidade. A tarefa antropológica constitui-se, assim, na interpretação de diferentes e 
peculiares maneiras de como cada cultura elabora e organiza o seu universo de 
símbolos e seus respectivos significados. 
Com efeito, neste trabalho pôde-se perceber, através da pesquisa de 
Marianna Holanda, que algumas comunidades indígenas brasileiras concebem e 
compreendem diferentemente as noções de ser humano, de vida e de morte, 
comparativamente à cultura não-indígena, visto que esses símbolos possuem outras 
significações. 
Não obstante, a justificativa do Projeto de Lei n° 1.057/2007 centra-se na 
exigência da interpretação do artigo 231 da Constituição Federal de acordo com o 
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os direitos fundamentais, além de 
outras normas de proteção à infância, englobadas no ordenamento jurídico 
brasileiro. Isto significaria, a partir do olhar antropológico, a exigência de uma 
mesma interpretação ou atitude em relação ao ser humano entre diferentes culturas. 
Por outro lado, pode-se afirmar que algumas comunidades indígenas interpretariam 
os artigos 1º, inciso III e 5º da Constituição Federal de modo radicalmente diferente, 
uma vez que sua concepção de ser humano é compreendida de outra forma. 
Observa-se, portanto, um embate gerado pela transposição de categorias de um 
sistema simbólico a outro. No entanto, tal embate não traz como conseqüência a 
existência de diferentes ordenamentos jurídicos. 
Não é de se negar, que existam diferentes culturas em nosso país e que elas 
possuem outros universos de significação. Com isso não se quer dizer que as 
mesmas não estejam englobadas e protegidas pelo ordenamento jurídico nacional. 
Verifica-se no caso do Projeto de Lei, o inquietante debate entre o Direito e a 
Antropologia. Mais do que isso, nota-se a importância e a necessidade das 
aproximações entre esses dois campos de conhecimento. 
Acredita-se que o problema apresentado atinge a interpretação atual da 
ordem jurídico-constitucional brasileira, baseada no Princípio da Dignidade da 
Pessoa Humana. Nesse sentido, questionam-se as conseqüências de se levar em 
consideração a questão da diversidade cultural como sendo tão fundamental quanto 
o referido princípio. 
 
não hierarquicamente organizada”. (SANTOS, Boaventura de Souza. Uma concepção multicultural 
de direitos humanos. Revista Lua Nova, São Paulo, CEDEC – Centro de Estudos de Cultura 
Contemporânea, n. 39, p. 118, 1997). 
211
 Ibidem, p. 120. 
 
43
Visto que a cultura orienta o comportamento humano, dando sentido à sua 
experiência, trata-se, sobretudo, de estabelecer questionamentos e perceber que 
existem outras formas de concepção do que seja o ser humano, a vida e a morte no 
Brasil, símbolos os quais coordenam alguns sistemas simbólicos indígenas, e que 
não podem ser esquecidas ou ignoradas. 
Entretanto, frise-se oportunamente que, com tais reflexões, não queremos, 
simplesmente, ser a favor ou contra as práticas tradicionais indígenas, mencionadas 
no Projeto de Lei n° 1.057/2007. Parafraseando o tí tulo de um artigo de Clifford 
Geertz,212 adotaremos a posição Anti anti-“infanticídio”, ou seja, ao irmos contra as 
posições que procuram impedir algumas práticas tradicionais indígenas, como 
estabelece o referido Projeto de Lei, não estamos necessariamente adotando uma 
posição a favor de tais práticas. Isto significa dizer, como Geertz explica em sua 
posição anti anti-relativista, que a dupla negativa “permite rejeitar algo sem que com 
isso nos comprometamos com aquilo que este algo rejeita”.213 
A partir de tal posição, encontramos três direções sobre o caso investigado: 
(1) as ditas “práticas tradicionais nocivas” devem ser impedidas, pois ferem o 
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como as normas de proteção à 
infância, previstas no ordenamento jurídico brasileiro; (2) tais práticas, tendo em 
vista que estão inseridas em sistemas de símbolos significantes diferentes, não 
poderiam sofrer intervenções; (3) seria necessário o estabelecimento de um diálogo 
intercultural, tendo por objetivo principal a justificação de tais práticas entre ambas 
as culturas e, nesse sentido, elas seriam (3.1) permitidas ou (3.2) proibidas até o 
consenso sobre os seus topoi. 
Percebe-se, assim, que as duas primeiras direções baseiam-se fortemente 
ora na perspectiva jurídica, ora na perspectiva antropológica. Já a terceira procura 
um diálogo entre ambas as perspectivas, mas difere essencialmente em sua 
resolução inicial. Diante destas propostas, o nosso trabalho procurou mostrar que as 
duas primeiras direções são insuficientes. Por essa razão, consideramos válida a 
terceira direção, à qual passaremos a justificá-la a seguir. 
A perspectiva antropológica revela que, ao se examinar determinados 
fenômenos e elementos culturais, é essencial não dissociá-los do contexto do qual 
pertencem. Simplesmente “pinçar” um símbolo cultural, desvinculando-o de seu 
significado e de seu sistema simbólico, e transpondo outros valores ao mesmo, pode 
caracterizar uma atitude etnocêntrica. Dessa forma, o relativismo cultural, como um 
princípio metodológico, tem por objetivo compreender o “outro” a partir de seus 
próprios termos. 
Ressalta-se, no entanto, que, dentro do sistema simbólico indígena, existem 
muitos indivíduos que participam diferentemente de sua cultura, sendo algumas 
pessoas contrárias às suas próprias práticas tradicionais, razão pela qual elas 
reivindicam a proteção das crianças. 
A partir da perspectiva jurídica, considera-se de suma relevância a construção 
e a conquista histórica dos direitos humanos, as quaisdesencadearam e 
 
212
 GEERTZ, Clifford. Anti anti-relativismo. In: _____. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 2001, p. 47-67. 
213
 Ibidem, p. 48. 
 
44
possibilitaram que diversas cartas constitucionais reconhecessem expressamente 
esses direitos e garantias. Além disso, é inegável a importância do Princípio da 
Dignidade da Pessoa Humana, bem como a necessidade de serem primordialmente 
resguardados os direitos fundamentais à vida, à saúde e à integridade físico-
psíquica das crianças brasileiras, sejam elas indígenas ou não-indígenas. 
No caso da “Lei Muwaji”, é evidenciado, por um lado, o seu caráter 
relativizador, pois tal projeto não considera as práticas indígenas como crimes, 
associando-as ao artigo 231 da Constituição Federal. Contudo, ao mesmo tempo, o 
referido projeto de lei pretende impedi-las, defendendo o Princípio da Dignidade da 
Pessoa Humana acima das especificidades culturais. 
Nesse sentido, observa-se que as propostas do Projeto de Lei n° 1.057/2007 
são embasadas em concepções hegemônicas de direitos humanos (e 
fundamentais), desconsiderando, por isso, as noções indígenas aqui já 
mencionadas. Além disso, verifica-se que a elaboração do referido projeto não 
contou com a efetiva participação das comunidades indígenas englobadas nesta 
discussão. 
Tecidas essas considerações, entende-se que a perspectiva do diálogo 
intercultural tem o condão de proporcionar trocas de justificação das práticas 
tradicionais. Desse modo, cada sistema simbólico – indígena e não-indígena – vê-se 
impelido a explicar e, sobretudo, fundamentar a significação de seus elementos, 
expondo-se ao olhar do “outro”. As conseqüências desse argumento indicam que, 
nesse caso, tanto a nossa cultura, quanto a cultura indígena precisaria realizar uma 
justificação mútua de suas práticas e de suas concepções de vida, sem uma 
intervenção enquanto isso não ocorrer. Uma importante pergunta que se poderia 
fazer agora, no entanto, é a seguinte: que tipos de justificações seriam aceitas como 
razoáveis? 
Atualmente, é salutar a reflexão sobre a aplicação dos direitos humanos e 
fundamentais, principalmente no cenário nacional, que se caracteriza pela vasta 
diversidade de culturas. Nesse sentido, a idéia de Boaventura de Souza Santos 
sobre o diálogo intercultural, através da hermenêutica diatópica, fornece uma 
interessante proposta para que haja um intercâmbio entre diferentes símbolos 
significantes. Assim, os direitos humanos e fundamentais podem assumir um caráter 
não-hegemônico, ou seja, multicultural, respeitando, dessa forma, as diferenças. 
Com isso, o saber antropológico auxilia a Ciência Jurídica, na medida em que 
fornece compreensões de outros universos culturais, isto é, traduz o significado dos 
símbolos. Dessa forma, ele pode facilitar o trabalho dos juristas no deslinde de 
diversas questões, tais como as indígenas. Conforme mencionam Marcelo Veiga 
Beckhausen e José Otávio Catafesto de Souza, a Antropologia surge como a ciência 
capaz de narrar e evidenciar os elementos culturais. Os antropólogos são, nesse 
sentido, os profissionais responsáveis por isso, uma vez que servem de 
intermediadores e tradutores dos símbolos significantes de outras culturas que, 
muitas vezes, não estão ao alcance do jurista. 
 
45
Em vista disso, os laudos antropológicos, por exemplo, assumem relevância 
nos processos judiciais e administrativos relativos aos direitos socioculturais.214 
Esses instrumentos podem ser requisitados em virtude da realização de perícias ou 
para o assessoramento técnico a juízes ou às partes envolvidas nos processos, a 
fim de serem contextualizados e avaliados determinados elementos e situações 
culturais.215 Dentre alguns exemplos de laudos antropológicos estão aqueles 
relacionados à demarcação de terras indígenas, identificação étnica, impacto 
socioambiental, educação, saúde, etc.216 
Em relação ao aspecto do trabalho antropológico, ressaltamos um importante 
trecho do Parecer Técnico n° 49/2009 da 6ª Câmara d e Coordenação e Revisão 
(Índios e Minorias) do Ministério Público Federal da 4ª Região, o qual sintetiza o 
pensamento até então desenvolvido: 
 
O objetivo é trazer para o bojo das ações do Estado perspectivas não-
hegemônicas, na tentativa de arejar e dilatar o alcance das decisões do 
poder público em favor da consolidação de direitos diferenciados. O intuito é 
evitar, ao máximo, que decisões relativas às vidas de grupos étnicos e 
sociais minoritários ocorram baseadas em uma visão etnocêntrica, que 
toma apenas as suas próprias categorias de compreensão do mundo como 
parâmetro de consideração e julgamento para outros contextos sociais e 
culturais. Desse modo, é pertinente que no Brasil a consolidação do 
pluralismo jurídico passa, também, pela afirmação das perícias 
antropológicas.217 
 
Por fim, mostra-se imprescindível um diálogo interdisciplinar entre os campos 
do direito e da antropologia, que, cada vez mais, vai encontrando espaço nos 
ambientes acadêmicos. A Resolução do Conselho Nacional de Educação e da 
Câmara de Educação Superior n° 9, 218 por exemplo, institui diretrizes curriculares 
nacionais do curso de graduação em Direito e dá outras providências, obrigando o 
desenvolvimento de projetos pedagógicos que envolvam o conteúdo sobre 
Antropologia. 
Retomando o pensamento de Ruth Benedict, o Direito não enxerga o mundo 
sozinho e, por isso, muitas vezes precisará dos “óculos” de outras ciências e de 
outros campos do saber para resolver a demanda de conflitos, tais como da 
Antropologia, Sociologia, Psicologia, Medicina, entre outros. 
 
 
 
 
 
 
 
214
 DARELLA, Maria Dorothea Post; MELLO, Flávia Cristina de. Laudos antropológicos e sua 
contribuição ao Direito. In: COLAÇO, Thais Luzia (Org.). Elementos de antropologia jurídica. 
Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 161. 
215
 Ibidem, p. 183-184. 
216
 Ibidem, p. 163. 
217
 BRASIL. Parecer Técnico n° 49/2009 da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (Índios e Minorias) 
do Ministério Público Federal da 4ª Região. Brasília, 2009. 
218
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