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Caderno de textos - Filosofia, razão e modernidade - 1psi - 2016.1 res

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
São Gabriel 
Curso de Psicologia 
 
 
 
 
FILOSOFIA: 
RAZÃO E MODERNIDADE 
caderno de textos 
 
Prof. Dr. Claudemir Francisco Alves 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2016/1 
Filosofia: razão e modernidade 
1 
TEXTO 01: 
PARA QUE FILOSOFIA? 
Marilena Chaui 
 
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995. p.9-20. 
 
AS EVIDÊNCIAS DO COTIDIANO 
Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, 
aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos 
perguntas como "que horas são?", ou "que dia é hoje?". Dizemos 
frases como "ele está sonhando", ou "ela ficou maluca". Fazemos 
afirmações como "onde há fumaça, há fogo", ou "não saia na chuva 
para não se resfriar". Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por 
exemplo, "esta casa é mais bonita do que a outra" e "Maria está 
mais jovem do que Glorinha". 
Numa disputa, quando os ânimos estão exaltados, um dos 
contendores pode gritar ao outro: "Mentiroso! Eu estava lá e não foi 
isso o que aconteceu", e alguém, querendo acalmar a briga, pode 
dizer: "Vamos ser objetivos, cada um diga o que viu e vamos nos 
entender". 
Também é comum ouvirmos os pais e amigos dizerem que somos 
muito subjetivos quando o assunto é o namorado ou a namorada. 
Frequentemente, quando aprovamos uma pessoa, o que ela diz, 
como ela age, dizemos que essa pessoa "é legal". 
Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso 
cotidiano. 
Quando pergunto "que horas são?" ou "que dia é hoje?", minha 
expectativa é a de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, 
me dê a resposta exata. Em que acredito quando faço a pergunta e 
Filosofia: razão e modernidade 
2 
aceito a resposta? Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode 
ser medido em horas e dias, que o que já passou é diferente de 
agora e o que virá também há de ser diferente deste momento, que 
o passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou 
temido. Assim, uma simples pergunta contém, silenciosamente, 
várias crenças não questionadas por nós. 
Quando digo "ele está sonhando", referindo-me a alguém que diz 
ou pensa alguma coisa que julgo impossível ou improvável, tenho 
igualmente muitas crenças silenciosas: acredito que sonhar é 
diferente de estar acordado, que, no sonho, o impossível e o 
improvável se apresentam como possível e provável, e também que 
o sonho se relaciona com o irreal, enquanto a vigília se relaciona 
com o que existe realmente. 
Acredito, portanto, que a realidade existe fora de mim, posso 
percebê-la e conhecê-la tal como é, sei diferenciar realidade de 
ilusão. 
A frase "ela ficou maluca" contém essas mesmas crenças e mais 
uma: a de que sabemos diferenciar razão de loucura e maluca é a 
pessoa que inventa uma realidade existente só para ela. Assim, ao 
acreditar que sei distinguir razão de loucura, acredito também que a 
razão se refere a uma realidade que é a mesma para todos, ainda 
que não gostemos das mesmas coisas. 
Quando alguém diz "onde há fumaça, há fogo" ou "não saia na 
chuva para não se resfriar", afirma silenciosamente muitas crenças: 
acredita que existem relações de causa e efeito entre as coisas, que 
onde houver uma coisa certamente houve uma causa para ela, ou 
que essa coisa é causa de alguma outra (o fogo causa a fumaça 
como efeito, a chuva causa o resfriado como efeito). Acreditamos, 
assim, que a realidade é feita de causalidades, que as coisas, os 
fatos, as situações se encadeiam em relações causais que podemos 
conhecer e, até mesmo, controlar para o uso de nossa vida. 
Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que a outra, 
ou que Maria está mais jovem do que Glorinha, acreditamos que as 
Filosofia: razão e modernidade 
3 
coisas, as pessoas, as situações, os fatos podem ser comparados e 
avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, bom, ruim) ou pela 
quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos, assim, que a 
qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá-
las em nossa vida. 
Se, por exemplo, dissermos que "o sol é maior do que o vemos", 
também estamos acreditando que nossa percepção alcança as 
coisas de modos diferentes, ora tais como são em si mesmas, ora 
tais como nos aparecem, dependendo da distância, de nossas 
condições de visibilidade ou da localização e do movimento dos 
objetos. 
Acreditamos, portanto, que o espaço existe, possui qualidades 
(perto, longe, alto, baixo) e quantidades, podendo ser medido 
(comprimento, largura, altura). No exemplo do sol, também se nota 
que acreditamos que nossa visão pode ver as coisas diferentemente 
do que elas são, mas nem por isso diremos que estamos sonhando 
ou que ficamos malucos. 
Na briga, quando alguém chama o outro de mentiroso porque 
não estaria dizendo os fatos exatamente como aconteceram, está 
presente a nossa crença de que há diferença entre verdade e 
mentira. A primeira diz as coisas tais como são, enquanto a segunda 
faz exatamente o contrário, distorcendo a realidade. 
No entanto, consideramos a mentira diferente do sonho, da 
loucura e do erro porque o sonhador, o louco e o que erra se iludem 
involuntariamente, enquanto o mentiroso decide voluntariamente 
deformar a realidade e os fatos. 
Com isso, acreditamos que o erro e a mentira são falsidades, mas 
diferentes porque somente na mentira há a decisão de falsear. 
Ao diferenciarmos erro de mentira, considerando o primeiro uma 
ilusão ou um engano involuntários e a segunda uma decisão 
voluntária, manifestamos silenciosamente a crença de que somos 
seres dotados de vontade e que dela depende dizer a verdade ou a 
mentira. 
Filosofia: razão e modernidade 
4 
Ao mesmo tempo, porém, nem sempre avaliamos a mentira 
como alguma coisa ruim: não gostamos tanto de ler romances, ver 
novelas, assistir a filmes? E não são mentira? É que também 
acreditamos que quando alguém nos avisa que está mentindo, a 
mentira é aceitável, não seria uma mentira "no duro", "pra valer". 
Quando distinguimos entre verdade e mentira e distinguimos 
mentiras inaceitáveis de mentiras aceitáveis, não estamos apenas 
nos referindo ao conhecimento ou desconhecimento da realidade, 
mas também ao caráter da pessoa, à sua moral. Acreditamos, 
portanto, que as pessoas, porque possuem vontade, podem ser 
morais ou imorais, pois cremos que a vontade é livre para o bem ou 
para o mal. 
Na briga, quando uma terceira pessoa pede às outras duas para 
que sejam "objetivas" ou quando falamos dos namorados como 
sendo "muito subjetivos", também estamos cheios de crenças 
silenciosas. Acreditamos que quando alguém quer defender muito 
intensamente um ponto de vista, uma preferência, uma opinião, até 
brigando por isso, ou quando sente um grande afeto por outra 
pessoa, esse alguém "perde" a objetividade, ficando "muito 
subjetivo". 
Com isso, acreditamos que a objetividade é uma atitude 
imparcial que alcança as coisas tais como são verdadeiramente, 
enquanto a subjetividade é uma atitude parcial, pessoal, ditada por 
sentimentos variados (amor, ódio, medo, desejo). Assim, não só 
acreditamos que a objetividade e a subjetividade existem, como 
ainda acreditamos que são diferentes e que a primeira não deforma 
a realidade, enquanto a segunda, voluntária ou involuntariamente, a 
deforma. 
Ao dizermos que alguém "é legal" porque tem os mesmos gostos, 
as mesmas ideias, respeita ou despreza as mesmas coisas que nós e 
tem atitudes, hábitos e costumes muito parecidos com os nossos, 
estamos, silenciosamente, acreditando que a vida com as outras 
pessoas – família, amigos, escola, trabalho, sociedade, política – nos 
Filosofia: razão e modernidade5 
faz semelhantes ou diferentes em decorrência de normas e valores 
morais, políticos, religiosos e artísticos, regras de conduta, 
finalidades de vida. 
Achando óbvio que todos os seres humanos seguem regras e 
normas de conduta, possuem valores morais, religiosos, políticos, 
artísticos, vivem na companhia de seus semelhantes e procuram 
distanciar-se dos diferentes dos quais discordam e com os quais 
entram em conflito, acreditamos que somos seres sociais, morais e 
racionais, pois regras, normas, valores, finalidades só podem ser 
estabelecidos por seres conscientes e dotados de raciocínio. 
Como se pode notar, nossa vida cotidiana é toda feita de crenças 
silenciosas, da aceitação tácita de evidências que nunca 
questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos no 
espaço, no tempo, na realidade, na qualidade, na quantidade, na 
verdade, na diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre 
verdade e mentira; cremos também na objetividade e na diferença 
entre ela e a subjetividade, na existência da vontade, da liberdade, 
do bem e do mal, da moral, da sociedade. 
A ATITUDE FILOSÓFICA 
Imaginemos, agora, alguém que tomasse uma decisão muito 
estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de 
"que horas são?" ou "que dia é hoje?", perguntasse: O que é o 
tempo? Em vez de dizer "está sonhando" ou "ficou maluca", 
quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão? 
Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas 
perguntas, suas afirmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, 
ou “não saia na chuva para não ficar resfriado”, por: O que é causa? 
O que é efeito?; “seja objetivo”, ou “eles são muito subjetivos”, por: 
O que é a objetividade? O que é a subjetividade?; “Esta casa é mais 
bonita do que a outra”, por: O que é “mais”? O que é “menos”? O 
que é o belo? 
Filosofia: razão e modernidade 
6 
Em vez de gritar “mentiroso!”, questionasse: O que é a verdade? 
O que é o falso? O que é o erro? O que é a mentira? Quando existe 
verdade e por quê? Quando existe ilusão e por quê? 
Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O 
que é o amor? O que é o desejo? O que são os sentimentos? 
Se, em lugar de discorrer tranquilamente sobre “maior” e 
“menor” ou “claro” e “escuro”, resolvesse investigar: O que é a 
quantidade? O que é a qualidade? 
E se, em vez de afirmar que gosta de alguém porque possui as 
mesmas ideias, os mesmos gostos, as mesmas preferências e os 
mesmos valores, preferisse analisar: O que é um valor? O que é um 
valor moral? O que é um valor artístico? O que é a moral? O que é a 
vontade? O que é a liberdade? 
Alguém que tomasse essa decisão, estaria tomando distância da 
vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as 
crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa 
existência. 
Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, 
desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que 
sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos 
sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que 
chamamos de atitude filosófica. 
Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?” 
poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as 
coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os 
comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los 
sem antes havê-los investigado e compreendido. 
Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que Filosofia?”. E ele 
respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, 
sem maiores considerações”. 
Filosofia: razão e modernidade 
7 
A ATITUDE CRÍTICA 
A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, 
um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, 
aos fatos e às ideias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo 
diz e pensa”, ao estabelecido. 
A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, 
uma interrogação sobre o que são as coisas, as ideias, os fatos, as 
situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também 
uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma 
interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. 
O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais 
da atitude filosófica. 
A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem 
o que chamamos de atitude crítica e pensamento crítico. 
A Filosofia começa dizendo não às crenças e aos preconceitos do 
senso comum e, portanto, começa dizendo que não sabemos o que 
imaginávamos saber; por isso, o patrono da Filosofia, o grego 
Sócrates, afirmava que a primeira e fundamental verdade filosófica 
é dizer: “Sei que nada sei”. Para o discípulo de Sócrates, o filósofo 
grego Platão, a Filosofia começa com a admiração; já o discípulo de 
Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a Filosofia começa com 
o espanto. 
Admiração e espanto significam: tomamos distância do nosso 
mundo costumeiro, através de nosso pensamento, olhando-o como 
se nunca o tivéssemos visto antes, como se não tivéssemos tido 
família, amigos, professores, livros e outros meios de comuni-cação 
que nos tivessem dito o que o mundo é; como se estivéssemos 
acabando de nascer para o mundo e para nós mesmos e 
precisássemos perguntar o que é, por que é e como é o mundo, e 
precisássemos perguntar também o que somos, por que somos e 
como somos. 
Filosofia: razão e modernidade 
8 
PARA QUE FILOSOFIA? 
Ora, muitos fazem uma outra pergunta: afinal, para que 
Filosofia? 
É uma pergunta interessante. Não vemos nem ouvimos ninguém 
perguntar, por exemplo, para que matemática ou física? Para que 
geografia ou geologia? Para que história ou sociologia? Para que 
biologia ou psicologia? Para que astronomia ou química? Para que 
pintura, literatura, música ou dança? Mas todo mundo acha muito 
natural perguntar: Para que Filosofia? 
Em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irônica, 
conhecida dos estudantes de Filo-sofia: “A Filosofia é uma ciência 
com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a 
Filosofia não serve para nada. Por isso, se costuma chamar de 
“filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da lua, 
pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são 
perfeitamente inúteis. 
Essa pergunta, “Para que Filosofia?”, tem a sua razão de ser. 
Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar 
que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma 
finalidade prática, muito visível e de utilidade imediata. 
Por isso, ninguém pergunta para que as ciências, pois todo 
mundo imagina ver a utilidade das ciências nos produtos da técnica, 
isto é, na aplicação científica à realidade. 
Todo mundo também imagina ver a utilidade das artes, tanto por 
causa da compra e venda das obras de arte, quanto porque nossa 
cultura vê os artistas como gênios que merecem ser valorizados 
para o elogio da humanidade. Ninguém, todavia, consegue ver para 
que serviria a Filosofia, donde dizer-se: não serve para coisa alguma. 
Parece, porém, que o senso comum não enxerga algo que os 
cientistas sabem muito bem. As ciências pretendem ser 
conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a procedimentos 
rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade, através 
Filosofia: razão e modernidade 
9 
de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos 
conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os. 
Ora, todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas 
acreditam na existência da verdade, de procedimentos corretos para 
bem usar o pensamento, na tecnologia como aplicação prática de 
teorias, naracionalidade dos conhecimentos, porque podem ser 
corrigidos e aperfeiçoados. 
Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer 
fatos, relação entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: 
tudo isso não é ciência, são questões filosóficas. O cientista parte 
delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as 
formula e busca respostas para elas. 
Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o 
trabalho da Filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo. No 
entanto, como apenas os cientistas e filósofos sabem disso, o senso 
comum continua afirmando que a Filosofia não serve para nada. 
Para dar alguma utilidade à Filosofia, muitos consideram que, de 
fato, a Filosofia não serviria para nada, se “servir” fosse entendido 
como a possibilidade de fazer usos técnicos dos produtos filosóficos 
ou dar-lhes utilidade econômica, obtendo lucros com eles; 
consideram também que a Filosofia nada teria a ver com a ciência e 
a técnica. 
Para quem pensa dessa forma, o principal para a Filosofia não 
seriam os conhecimentos (que ficam por conta da ciência), nem as 
aplicações de teorias (que ficam por conta da tecnologia), mas o 
ensinamento moral ou ético. A Filosofia seria a arte do bem viver. 
Estudando as paixões e os vícios humanos, a liberdade e a vontade, 
analisando a capacidade de nossa razão para impor limites aos 
nossos desejos e paixões, ensinando-nos a viver de modo honesto e 
justo na companhia dos outros seres humanos, a Filosofia teria 
como finalidade ensinar-nos a virtude, que é o princípio do bem-
viver. 
Roberto macena
Realce
Filosofia: razão e modernidade 
10 
Essa definição da Filosofia, porém, não nos ajuda muito. De fato, 
mesmo para ser uma arte moral ou ética, ou uma arte do bem-viver, 
a Filosofia continua fazendo suas perguntas desconcertantes e 
embaraçosas: O que é o homem? O que é a vontade? O que é a 
paixão? O que é a razão? O que é o vício? O que é a virtude? O que é 
a liberdade? Como nos tornamos livres, racionais e virtuosos? Por 
que a liberdade e a virtude são valores para os seres humanos? O 
que é um valor? Por que avaliamos os sentimentos e as ações 
humanas? 
Assim, mesmo se disséssemos que o objeto da Filosofia não é o 
conhecimento da realidade, nem o conhecimento da nossa 
capacidade para conhecer, mesmo se disséssemos que o objeto da 
Filosofia é apenas a vida moral ou ética, ainda assim, o estilo 
filosófico e a atitude filosófica permaneceriam os mesmos, pois as 
perguntas filosóficas – o que, por que e como – permanecem. 
ATITUDE FILOSÓFICA: INDAGAR 
Se, portanto, deixarmos de lado, por enquanto, os objetos com 
os quais a Filosofia se ocupa, veremos que a atitude filosófica possui 
algumas características que são as mesmas, independentemente do 
conteúdo investigado. Essas características são: 
- perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a ideia, é. A Filosofia 
pergunta qual é a realidade ou natureza e qual é a significação de 
alguma coisa, não importa qual; 
- perguntar como a coisa, a ideia ou o valor, é. A Filosofia indaga 
qual é a estrutura e quais são as relações que constituem uma coisa, 
uma ideia ou um valor; 
- perguntar por que a coisa, a ideia ou o valor, existe e é como é. 
A Filosofia pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de 
uma ideia, de um valor. 
A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas indagações ao mundo 
que nos rodeia e às relações que mantemos com ele. Pouco a 
Filosofia: razão e modernidade 
11 
pouco, porém, descobre que essas questões se referem, afinal, à 
nossa capacidade de conhecer, à nossa capacidade de pensar. 
Por isso, pouco a pouco, as perguntas da Filosofia se dirigem ao 
próprio pensamento: o que é pensar, como é pensar, por que há o 
pensar? A Filosofia torna-se, então, o pensamento interrogando-se a 
si mesmo. Por ser uma volta que o pensamento realiza sobre si 
mesmo, a Filosofia se realiza como reflexão. 
A REFLEXÃO FILOSÓFICA 
Reflexão significa movimento de volta sobre si mesmo ou 
movimento de retorno a si mesmo. A reflexão é o movimento pelo 
qual o pensamento volta-se para si mesmo, interrogando a si 
mesmo. 
A reflexão filosófica é radical porque é um movimento de volta 
do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se a si mesmo, para 
indagar como é possível o próprio pensamento. 
Não somos, porém, somente seres pensantes. Somos também 
seres que agem no mundo, que se relacionam com os outros seres 
humanos, com os animais, as plantas, as coisas, os fatos e 
acontecimentos, e exprimimos essas relações tanto por meio da 
linguagem quanto por meio de gestos e ações. 
A reflexão filosófica também se volta para essas relações que 
mantemos com a realidade circundante, para o que dizemos e para 
as ações que realizamos nessas relações. 
A reflexão filosófica organiza-se em torno de três grandes 
conjuntos de perguntas ou questões: 
1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e 
fazemos o que fazemos? Isto é, quais os motivos, as razões e as 
causas para pensarmos o que pensamos, dizermos o que dizemos, 
fazermos o que fazemos? 
2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos 
dizer quando falamos, o que queremos fazer quando agimos? Isto é, 
Roberto macena
Realce
Filosofia: razão e modernidade 
12 
qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos, dizemos ou 
fazemos? 
3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, 
fazemos o que fazemos? Isto é, qual é a intenção ou a finalidade do 
que pensamos, dizemos e fazemos? 
Essas três questões podem ser resumidas em: O que é pensar, 
falar e agir? E elas pressupõem a seguinte pergunta: Nossas crenças 
cotidianas são ou não um saber verdadeiro, um conhecimento? 
Como vimos, a atitude filosófica inicia-se indagando: O que é? 
Como é? Por que é?, dirigindo-se ao mundo que nos rodeia e aos 
seres humanos que nele vivem e com ele se relacionam. São 
perguntas sobre a essência, a significação ou a estrutura e a origem 
de todas as coisas. 
Já a reflexão filosófica indaga: Por quê?, O quê?, Para quê?, 
dirigindo-se ao pensamento, aos seres humanos no ato da reflexão. 
São perguntas sobre a capacidade e a finalidade humanas para 
conhecer e agir. 
FILOSOFIA: UM PENSAMENTO SISTEMÁTICO 
Essas indagações fundamentais não se realizam ao acaso, 
segundo preferências e opiniões de cada um de nós. A Filosofia não 
é um “eu acho que” ou um “eu gosto de”. Não é pesquisa de opinião 
à maneira dos meios de comunicação de massa. Não é pesquisa de 
mercado para conhecer preferências dos consumidores e montar 
uma propaganda. 
As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático. 
Que significa isso? 
Significa que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e 
rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera 
com conceitos ou ideias obtidos por procedimentos de 
demonstração e prova, exige a fundamentação racional do que é 
enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode 
fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e 
Filosofia: razão e modernidade 
13 
opiniões alcancem uma visão crítica de si mesmas. Não se trata de 
dizer “eu acho que”, mas de poder afirmar “eu penso que”. 
O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É 
sistemático porque não se contenta em obter respostas para as 
questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam 
válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras, 
estejam relacionadas entre si, esclareçam umas às outras, formem 
conjuntos coerentes de ideias e significações, sejam provadas e 
demonstradas racionalmente. 
Quando o senso comum diz “esta é minha filosofia”ou “isso é a 
filosofia de fulana ou de fulano”, engana-se e não se engana. 
Engana-se porque imagina que para “ter uma filosofia” basta 
alguém possuir um conjunto de ideias mais ou menos coerentes 
sobre todas as coisas e pessoas, bem como ter um conjunto de 
princípios mais ou menos coerentes para julgar as coisas e as 
pessoas. “Minha filosofia” ou a “filosofia de fulano” ficam no plano 
de um “eu acho” coerente. 
Mas o senso comum não se engana ao usar essas expressões 
porque percebe, ainda que muito confusamente, que há uma 
característica nas ideias e nos princípios que nos leva a dizer que são 
uma filosofia: a coerência, as relações entre as ideias e entre os 
princípios. Ou seja, o senso comum pressente que a Filosofia opera 
sistematicamente, com coerência e lógica, que a Filosofia tem uma 
vocação para formar um todo daquilo que aparece de mo-do 
fragmentado em nossa experiência cotidiana. 
EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO DA FILOSOFIA 
Quando começamos a estudar Filosofia, somos logo levados a 
buscar o que ela é. Nossa primeira surpresa surge ao descobrirmos 
que não há apenas uma definição da Filosofia, mas várias. A segunda 
surpresa vem ao percebermos que, além de várias, as definições 
parecem contradizer-se. Eis porque muitos, cheios de perplexidade, 
Filosofia: razão e modernidade 
14 
indagam: afinal, o que é a Filosofia que sequer consegue dizer o que 
ela é? 
Uma primeira aproximação nos mostra pelo menos quatro 
definições gerais do que seria a Filo-sofia: 
1. Visão de mundo de um povo, de uma civilização ou de uma 
cultura. Filosofia corresponde, de modo vago e geral, ao conjunto de 
ideias, valores e práticas pelos quais uma sociedade apreende e 
compreende o mundo e a si mesma, definindo para si o tempo e o 
espaço, o sagrado e o profano, o bom e o mau, o justo e o injusto, o 
belo e o feio, o verdadeiro e o falso, o possível e o impossível, o 
contingente e o necessário. 
Qual o problema dessa definição? Ela é tão genérica e tão ampla 
que não permite, por exemplo, distinguir a Filosofia e religião, 
Filosofia e arte, Filosofia e ciência. Na verdade, essa definição 
identifica Filosofia e Cultura, pois esta é uma visão de mundo 
coletiva que se exprime em ideias, valores e práticas de uma 
sociedade. 
A definição, portanto, não consegue acercar-se da especificidade 
do trabalho filosófico e por isso não podemos aceitá-la. 
2. Sabedoria de vida. Aqui, a Filosofia é identificada com a defi-
nição e a ação de algumas pessoas que pensam sobre a vida moral, 
dedicando-se à contemplação do mundo para aprender com ele a 
controlar e dirigir suas vidas de modo ético e sábio. 
A Filosofia seria uma contemplação do mundo e dos homens 
para nos conduzir a uma vida justa, sábia e feliz, ensinando-nos o 
domínio sobre nós mesmos, sobre nossos impulsos, desejos e 
paixões. É nesse sentido que se fala, por exemplo, numa filosofia do 
budismo. 
Esta definição, porém, nos diz, de modo vago, o que se espera da 
Filosofia (a sabedoria interior), mas não o que é e o que faz a 
Filosofia e, por isso, também não podemos aceitá-la. 
3. Esforço racional para conceber o Universo como uma 
totalidade ordenada e dotada de sentido. Nesse caso, começa-se 
Filosofia: razão e modernidade 
15 
distinguindo entre Filosofia e religião e até mesmo opondo uma à 
outra, pois ambas possuem o mesmo objeto (compreender o 
Universo), mas a primeira o faz através do esforço racional, 
enquanto a segunda, por confiança (fé) numa revelação divina. 
Ou seja, a Filosofia procura discutir até o fim o sentido e o 
fundamento da realidade, enquanto a consciência religiosa se baseia 
num dado primeiro e inquestionável, que é a revelação divina 
indemonstrável. 
Pela fé, a religião aceita princípios indemonstráveis e até mesmo 
aqueles que podem ser considerados irracionais pelo pensamento, 
enquanto a Filosofia não admite indemonstrabilidade e 
irracionalidade. Pelo contrário, a consciência filosófica procura 
explicar e compreender o que parece ser irracional e inquestionável. 
No entanto, esta definição também é problemática, porque dá à 
Filosofia a tarefa de oferecer uma explicação e uma compreensão 
totais sobre o Universo, elaborando um sistema universal ou um 
sistema do mundo, mas sabemos, hoje, que essa tarefa é impossível. 
Há pelo menos duas limitações principais a esta pretensão 
totalizadora: em primeiro lugar, porque a explicação sobre a 
realidade também é oferecida pelas ciências e pelas artes, cada uma 
das quais definindo um aspecto e um campo da realidade para 
estudo (no caso das ciências) e para a expressão (no caso das artes), 
já não sendo pensável uma única disciplina que pudesse abranger 
sozinha a totalidade dos conhecimentos; em segundo lugar, porque 
a própria Filosofia já não admite que seja possível um sistema de 
pensamento único que ofereça uma única explicação para o todo da 
realidade. Por isso, esta definição também não pode ser aceita. 
4. Fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das 
práticas. A Filosofia, cada vez mais, ocupa-se com as condições e os 
princípios do conhecimento que pretenda ser racional e verdadeiro; 
com a origem, a forma e o conteúdo dos valores éticos, políticos, 
artísticos e culturais; com a compreensão das causas e das formas 
Roberto macena
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Filosofia: razão e modernidade 
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da ilusão e do preconceito no plano individual e coletivo; com as 
transformações históricas dos conceitos, das ideias e dos valores. 
A Filosofia volta-se, também, para o estudo da consciência em 
suas várias modalidades: percepção, imaginação, memória, 
linguagem, inteligência, experiência, reflexão, comportamento, 
vontade, desejo e paixões, procurando descrever as formas e os 
conteúdos dessas modalidades de relação entre o ser humano e o 
mundo, do ser humano consigo mesmo e com os outros. 
Finalmente, a Filosofia visa ao estudo e à interpretação de ideias ou 
significações gerais como: realidade, mundo, natureza, cultura, 
história, subjetividade, objetividade, diferença, repetição, 
semelhança, conflito, contradição, mudança etc. 
Sem abandonar as questões sobre a essência da realidade, a 
Filosofia procura diferenciar-se das ciências e das artes, dirigindo a 
investigação sobre o mundo natural e o mundo histórico (ou 
humano) num momento muito preciso: quando perdemos nossas 
certezas cotidianas e quando as ciências e as artes ainda não 
ofereceram outras certezas para substituir as que perdemos. 
Em outras palavras, a Filosofia se interessa por aquele instante 
em que a realidade natural (o mundo das coisas) e a histórica (o 
mundo dos homens) tornam-se estranhas, espantosas, 
incompreensíveis e enigmáticas, quando o senso comum já não sabe 
o que pensar e dizer e as ciências e as artes ainda não sabem o que 
pensar e dizer. 
Esta última descrição da atividade filosófica capta a Filosofia 
como análise (das condições da ciência, da religião, da arte, da 
moral), como reflexão (isto é, volta da consciência para si mesma 
para conhecer-se enquanto capacidade para o conhecimento, o 
sentimento e a ação) e como crítica (das ilusões e dos preconceitos 
individuais e coletivos, das teorias e práticas científicas, políticas e 
artísticas), essas três atividades (análise, reflexão e crítica) estando 
orientadas pela elaboração filosófica de significações gerais sobre a 
realidade e os seres humanos. Além de análise, reflexão e crítica, a 
Filosofia: razão e modernidade 
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Filosofia é a busca do fundamento e do sentido da realidade em 
suas múltiplas formas indagando o que são, qual sua permanência e 
qual a necessidade interna que as transforma em outras.O que é o 
ser e o aparecer-desaparecer dos seres? 
A Filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os 
procedimentos e conceitos científicos. Não é religião: é uma 
reflexão crítica sobre as origens e formas das crenças religiosas. Não 
é arte: é uma interpretação crítica dos conteúdos, das formas, das 
significações das obras de arte e do trabalho artístico. Não é 
sociologia nem psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica 
dos conceitos e métodos da sociologia e da psicologia. Não é 
política, mas interpretação, compreensão e reflexão sobre a origem, 
a natureza e as formas do poder. Não é história, mas interpretação 
do sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e 
compreensão do que seja o próprio tempo. Conhecimento do 
conhecimento e da ação humanos, conhecimento da transformação 
temporal dos princípios do saber e do agir, conhecimento da 
mudança das formas do real ou dos seres, a Filosofia sabe que está 
na História e que possui uma história. 
INÚTIL? ÚTIL? 
O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? 
Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para 
quem algo é inútil? 
O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá 
prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis 
das coisas e das ações, identificando utilidade e a famosa expressão 
“levar vantagem em tudo”. Desse ponto de vista, a Filosofia é 
inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil. 
Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira? 
Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser 
usado em benefício dos seres humanos. 
Roberto macena
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Filosofia: razão e modernidade 
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Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, 
conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem 
alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção 
das técnicas e das artes. 
Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão 
adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode 
fazer, tendo como finalidade a felicidade humana. 
Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas 
contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para 
transformá-lo, transformação que traria justiça, abundância e 
felicidade para todos. 
Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver 
e mudar nosso mundo. 
Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, 
mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e 
a felicidade. 
Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? 
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum 
for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e 
aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a 
significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o 
sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for 
útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para 
serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a 
liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que 
a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres 
humanos são capazes. 
A PALAVRA FILOSOFIA 
A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo e 
sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor 
fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela 
vem a palavra sophos, sábio. 
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Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e 
respeito pelo saber. Filósofo: o que ama a sabedoria, tem amizade 
pelo saber, deseja saber. 
Assim, filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que 
ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o 
respeita. 
Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos (que viveu no 
século V antes de Cristo) a invenção da palavra filosofia. Pitágoras 
teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos 
deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-
se filósofos. 
Dizia Pitágoras que três tipos de pessoas compareciam aos jogos 
olímpicos (a festa mais importante da Grécia): as que iam para 
comerciar durante os jogos, ali estando apenas para servir aos seus 
próprios interesses e sem preocupação com as disputas e os 
torneios; as que iam para competir, isto é, os atletas e artistas (pois, 
durante os jogos também havia competições artísticas: dança, 
poesia, música, teatro); e as que iam para contemplar os jogos e 
torneios, para avaliar o desempenho e julgar o valor dos que ali se 
apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia Pitágoras, é como 
o filósofo. 
Com isso, Pitágoras queria dizer que o filósofo não é movido por 
interesses comerciais - não coloca o saber como propriedade sua, 
como uma coisa para ser comprada e vendida no mercado; também 
não é movido pelo desejo de competir - não faz das ideias e dos 
conhecimentos uma habilidade para vencer competidores ou 
“atletas intelectuais”; mas é movido pelo desejo de observar, 
contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações, a vida: em resumo, 
pelo desejo de saber. A verdade não pertence a ninguém, ela é o 
que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e 
vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê-la. 
Roberto macena
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ESTUDO DIRIGIDO I 
 
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São 
Paulo: Ática, 1995. p.9-20. 
 
ORIENTAÇÕES PARA TODOS OS ESTUDOS DIRIGIDOS: 
1. Caso ainda não tenha tido a oportunidade de ler o texto, antes de 
responder às questões, faça uma leitura atenta, mas descontraída, 
isto é, sem se preocupar em identificar as respostas para as 
questões. Ocupe-se em entender o texto e perceber como o autor 
vai apresentando e encadeando seus argumentos. 
2. Leia o roteiro com as questões a que você vai responder. 
3. Releia o texto todo, já identificando a resposta das questões. Esse 
momento é importante para que você, conseguindo localizar a 
resposta que será dada às questões, não perca a visão de 
conjunto. 
4. Responda às questões utilizando, sempre que possível, as suas 
palavras. Só utilize as palavras do autor se se tratar de um 
conceito que você julgue muito importante. Esse esforço vai 
ajudá-lo a assimilar as informações. 
5. Releia atentamente o que você escreveu observando, 
primeiramente, se o seu texto está compreensível. Verifique a 
lógica das frases, a sintaxe, a ortografia, a pontuação. 
6. Não tenha pressa. Dedique, aproximadamente, 01 hora e 30 
minutos para executar essa tarefa. Use todo o seu tempo; não o 
desperdice com interrupções desnecessárias. 
 
Filosofia: razão e modernidade 
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ROTEIRO DE ESTUDO 
1. Que crenças silenciosas sustentam nossas afirmações, negações, 
avaliações e condutas na vida cotidiana? 
2. Que é passar da atitude ingênua do senso comum à atitude 
filosófica? 
3. Quais as principais características da filosofia? 
4. Tem sentido perguntar “para que filosofia”? 
5. Por que a filosofia é diferente de outros tipos de conhecimento e 
de ações? 
6. Quais as definições de filosofia existentes? Quais podemos aceitar 
e por quê? 
7. Pode-se dizer que a filosofia é útil? Quando e por quê? 
 
Roberto macena
Nota
Sim, a Filosofia é útil. O tempo todo. Se há um questionamento sobre algo, estamos usando a filosofia para conseguir respostas sobre o que nos "assombra".
Roberto macena
Nota
Existem várias definições de filosofia no mundo, mas dentre elas, à quatro que dão uma definição geral sobre seu conceito: Visão de mundo; Sabedoria de vida; Esforçoracional para conhecer o universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido; Fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas. Podemos aceitar todas elas, ou até nenhuma, não há uma definição correta e nem errada para filosofia, ela é tudo o que move o mundo. A filosofa são as perguntas que não tem uma resposta.null
Roberto macena
Nota
Nem que sim nem que não, pois a filosofia é questionada e questionadora. As pessoas esperam coisas mais "palpáveis", que sejam certas, a filosofia não pode proporcionar isso. Só vai saber "Para que a filosofia?" quando se houver dúvidas que não a uma resposta exata para esclarece-la.
Roberto macena
Nota
Quando o questionador começa a redirecionar suas perguntas a um caminho que o leva a filosofar. 
Filosofia: razão e modernidade 
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TEXTO 02: 
A ATITUDE CIENTÍFICA 
Marilena Chaui 
 
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995. p.247-251. 
 
O SENSO COMUM 
O Sol é menor do que a Terra. Quem duvidará disso se, 
diariamente, vemos um pequeno círculo avermelhado percorrer o 
céu, indo de leste para oeste? 
O Sol se move em torno da Terra, que permanece imóvel. Quem 
duvidará disso, se diariamente vemos o Sol nascer, percorrer o céu e 
se pôr? A aurora não é o seu começo e o crepúsculo, seu fim? 
As cores existem em si mesmas. Quem duvidará disso, se 
passamos a vida vendo rosas vermelhas, amarelas e brancas, o azul 
do céu, o verde das árvores, o alaranjado da laranja e da tangerina? 
Cada gênero e espécie de animal já surgiram tais como os 
conhecemos. Alguém poderia imaginar um peixe tornar-se réptil ou 
um pássaro? Para os que são religiosos, os livros sagrados não 
ensinam que a divindade criou de uma só vez todos os animais, num 
só dia? 
A família é uma realidade natural criada pela Natureza para 
garantir a sobrevivência humana e para atender à afetividade 
natural dos humanos, que sentem a necessidade de viver juntos. 
Quem duvidará disso, se vemos, no mundo inteiro, no passado e no 
presente, a família existindo naturalmente e sendo a célula primeira 
da sociedade? 
A raça é uma realidade natural ou biológica produzida pela 
diferença dos climas, da alimentação, da geografia e da reprodução 
Filosofia: razão e modernidade 
23 
sexual. Quem duvidará disso, se vemos que os africanos são negros, 
os asiáticos são amarelos de olhos puxados, os índios são vermelhos 
e os europeus, brancos? Se formos religiosos, saberemos que os 
negros descendem de Caim, marcado por Deus, e de Cam, o filho 
desobediente de Noé. 
Certezas como essas formam nossa vida e o senso comum de 
nossa sociedade, transmitido de geração em geração, e, muitas 
vezes, transformando-se em crença religiosa, em doutrina 
inquestionável. 
A astronomia, porém, demonstra que o Sol é muitas vezes maior 
do que a Terra e, desde Copérnico, que é a Terra que se move em 
torno dele. A física óptica demonstra que as cores são ondas 
luminosas de comprimentos diferentes, obtidas pela refração e 
reflexão, ou decomposição, da luz branca. A biologia demonstra que 
os gêneros e as espécies de animais se formaram lentamente, no 
curso de milhões de anos, a partir de modificações de 
microorganismos extremamente simples. 
Historiadores e antropólogos mostram que o que entendemos 
por família (pai, mãe, filhos; esposa, marido, irmãos) é uma 
instituição social recentíssima – data do século XV – e própria da 
Europa ocidental, não existindo na Antiguidade, nem nas sociedades 
africanas, asiáticas e americanas pré-colombianas. Mostram 
também que não é um fato natural, mas uma criação sociocultural, 
exigida por condições históricas determinadas. 
Sociólogos e antropólogos mostram que a ideia de raça também 
é recente – data do século XVIII –, sendo usada por pensadores que 
procuravam uma explicação para as diferenças físicas e culturais 
entre os europeus e os povos conhecidos a partir do século XIV, com 
as viagens de Marco Polo, e do século XV, com as grandes 
navegações e as descobertas de continentes ultramarinos. 
Ao que parece, há uma grande diferença entre nossas certezas 
cotidianas e o conhecimento científico. Como e por que ela existe? 
Filosofia: razão e modernidade 
24 
CARACTERÍSTICAS DO SENSO COMUM 
Um breve exame de nossos saberes cotidianos e do senso 
comum de nossa sociedade revela que possuem algumas 
características que lhes são próprias: 
● são subjetivos, isto é, exprimem sentimentos e opiniões 
individuais e de grupos, variando de uma pessoa para outra, ou de 
um grupo para outro, dependendo das condições em que vivemos. 
Assim, por exemplo, se eu for artista, verei a beleza da árvore; se eu 
for marceneira, a qualidade da madeira; se estiver passeando sob o 
Sol, a sombra para descansar; se for boia-fria, os frutos que devo 
colher para ganhar o meu dia. Se eu for hindu, uma vaca será 
sagrada para mim; se for dona de um frigorífico, estarei interessada 
na qualidade e na quantidade de carne que poderei vender; 
● são qualitativos, isto é, as coisas são julgadas por nós como 
grandes ou pequenas, doces ou azedas, pesadas ou leves, novas ou 
velhas, belas ou feias, quentes ou frias, úteis ou inúteis, desejáveis 
ou indesejáveis, coloridas ou sem cor, com sabor, odor, próximas ou 
distantes etc.; 
● são heterogêneos, isto é, referem-se a fatos que julgamos 
diferentes, porque os percebemos como diversos entre si. Por 
exemplo, um corpo que cai e uma pena que flutua no ar são 
acontecimentos diferentes; sonhar com água é diferente de sonhar 
com uma escada etc.; 
● são individualizadores por serem qualitativos e heterogêneos, 
isto é, cada coisa ou cada fato nos aparece como um indivíduo ou 
como um ser autônomo: a seda é macia, a pedra é rugosa, o algodão 
é áspero, o mel é doce, o fogo é quente, o mármore é frio, a 
madeira é dura etc.; 
● mas também são generalizadores, pois tendem a reunir numa 
só opinião ou numa só ideia coisas e fatos julgados semelhantes: 
falamos dos animais, das plantas, dos seres humanos, dos astros, 
dos gatos, das mulheres, das crianças, das esculturas, das pinturas, 
das bebidas, dos remédios etc.; 
Filosofia: razão e modernidade 
25 
● em decorrência das generalizações, tendem a estabelecer 
relações de causa e efeito entre as coisas ou entre os fatos: “onde 
há fumaça, há fogo”; “quem tudo quer, tudo perde”; “dize-me com 
quem andas e te direi quem és”; a posição dos astros determina o 
destino das pessoas; mulher menstruada não deve tomar banho 
frio; ingerir sal quando se tem tontura é bom para a pressão; mulher 
assanhada quer ser estuprada; menino de rua é delinquente etc.; 
● não se surpreendem e nem se admiram com a regularidade, 
constância, repetição e diferença das coisas, mas, ao contrário, a 
admiração e o espanto se dirigem para o que é imaginado como 
único, extraordinário, maravilhoso ou miraculoso. Justamente por 
isso, em nossa sociedade, a propaganda e a moda estão sempre 
inventando o “extraordinário”, o “nunca visto”; 
● pelo mesmo moUvo e não por compreenderem o que seja 
investigação científica, tendem a identificá-la com a magia, 
considerando que ambas lidam com o misterioso, o oculto, o 
incompreensível. Essa imagem da ciência como magia aparece, por 
exemplo, no cinema, quando os filmes mostram os laboratórios 
científicos repletos de objetos incompreensíveis, com luzes que 
acendem e apagam, tubos de onde saem fumaças coloridas, 
exatamente como são mostradas as cavernas ocultas dos magos. 
Essa mesma identificação entre ciência e magia aparece num 
programa da televisão brasileira, o Fantástico, que, como o nome 
indica, mostra aos telespectadores resultados científicos como se 
fossem espantosa obra demagia, assim como exibem magos 
ocultistas como se fossem cientistas; 
● costumam projetar nas coisas ou no mundo senUmentos de 
angústia e de medo diante do desconhecido. Assim, durante a Idade 
Média, as pessoas viam o demônio em toda a parte e, hoje, 
enxergam discos voadores no espaço; 
● por serem subjeUvos, generalizadores, expressões de 
sentimentos de medo e angústia, e de incompreensão quanto ao 
trabalho científico, nossas certezas cotidianas e o senso comum de 
Filosofia: razão e modernidade 
26 
nossa sociedade ou de nosso grupo social cristalizam-se em 
preconceitos com os quais passamos a interpretar toda a realidade 
que nos cerca e todos os acontecimentos. 
A ATITUDE CIENTÍFICA 
O que distingue a atitude científica da atitude costumeira ou do 
senso comum? Antes de qualquer coisa, a ciência desconfia da 
veracidade de nossas certezas, de nossa adesão imediata às coisas, 
da ausência de crítica e da falta de curiosidade. Por isso, ali onde 
vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude científica vê 
problemas e obstáculos, aparências que precisam ser explicadas e, 
em certos casos, afastadas. 
Sob quase todos os aspectos, podemos dizer que o 
conhecimento científico opõe-se ponto por ponto às características 
do senso comum: 
● é objeUvo, isto é, procura as estruturas universais e necessárias 
das coisas investigadas; 
● é quanUtaUvo, isto é, busca medidas, padrões, critérios de 
comparação e avaliação para coisas que parecem ser diferentes. 
Assim, por exemplo, as diferenças de cor são explicadas por 
diferenças de um mesmo padrão ou critério de medida, o 
comprimento das ondas luminosas; as diferenças de intensidade dos 
sons, pelo comprimento das ondas sonoras; as diferenças de 
tamanho, pelas diferenças de perspectiva e de ângulos de visão, 
etc.; 
● é homogêneo, isto é, busca as leis gerais de funcionamento dos 
fenômenos, que são as mesmas para fatos que nos parecem 
diferentes. Por exemplo, a lei universal da gravitação demonstra que 
a queda de uma pedra e a flutuação de uma pluma obedecem à 
mesma lei de atração e repulsão no interior do campo gravitacional; 
a estrela da manhã e a estrela da tarde são o mesmo planeta, 
Vênus, visto em posições diferentes com relação ao Sol, em 
decorrência do movimento da Terra; sonhar com água e com uma 
Filosofia: razão e modernidade 
27 
escada é ter o mesmo tipo de sonho, qual seja, a realização dos 
desejos sexuais reprimidos, etc.; 
● é generalizador, pois reúne individualidades, percebidas como 
diferentes, sob as mesmas leis, os mesmos padrões ou critérios de 
medida, mostrando que possuem a mesma estrutura. Assim, por 
exemplo, a química mostra que a enorme variedade de corpos se 
reduz a um número limitado de corpos simples que se combinam de 
maneiras variadas, de modo que o número de elementos é 
infinitamente menor do que a variedade empírica dos compostos; 
● são diferenciadores, pois não reúnem nem generalizam por 
semelhanças aparentes, mas distinguem os que parecem iguais, 
desde que obedeçam a estruturas diferentes. Lembremos aqui um 
exemplo que usamos no capítulo sobre a linguagem, quando 
mostramos que a palavra queijo parece ser a mesma coisa que a 
palavra inglesa cheese e a palavra francesa fromage, quando, na 
realidade, são muito diferentes, porque se referem a estruturas 
alimentares diferentes; 
● só estabelecem relações causais depois de investigar a 
natureza ou estrutura do fato estudado e suas relações com outros 
semelhantes ou diferentes. Assim, por exemplo, um corpo não cai 
porque é pesado, mas o peso de um corpo depende do campo 
gravitacional onde se encontra – é por isso que, nas naves espaciais, 
onde a gravidade é igual a zero, todos os corpos flutuam, 
independentemente do peso ou do tamanho; um corpo tem uma 
certa cor não porque é colorido, mas porque, dependendo de sua 
composição química e física, reflete a luz de uma determinada 
maneira, etc.; 
● surpreende-se com a regularidade, a constância, a frequência, 
a repetição e a diferença das coisas e procura mostrar que o 
maravilhoso, o extraordinário ou o “milagroso” é um caso particular 
do que é regular, normal, frequente. Um eclipse, um terremoto, um 
furacão, embora excepcionais, obedecem às leis da física. Procura, 
assim, apresentar explicações racionais, claras, simples e 
Filosofia: razão e modernidade 
28 
verdadeiras para os fatos, opondo-se ao espetacular, ao mágico e ao 
fantástico; 
● disUngue-se da magia. A magia admite uma participação ou 
simpatia secreta entre coisas diferentes, que agem umas sobre as 
outras por meio de qualidades ocultas e considera o psiquismo 
humano uma força capaz de ligar-se a psiquismos superiores 
(planetários, astrais, angélicos, demoníacos) para provocar efeitos 
inesperados nas coisas e nas pessoas. A atitude científica, ao 
contrário, opera um desencantamento ou desenfeitiçamento do 
mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e 
relações racionais que podem ser conhecidas e que tais 
conhecimentos podem ser transmitidos a todos; 
● afirma que, pelo conhecimento, o homem pode libertar-se do 
medo e das superstições, deixando de projetá-los no mundo e nos 
outros; 
● procura renovar-se e modificar-se continuamente, evitando a 
transformação das teorias em doutrinas, e destas em preconceitos 
sociais. O fato científico resulta de um trabalho paciente e lento de 
investigação e de pesquisa racional, aberto a mudanças, não sendo 
nem um mistério incompreensível nem uma doutrina geral sobre o 
mundo. 
Os fatos ou objetos científicos não são dados empíricos 
espontâneos de nossa experiência cotidiana, mas são construídos 
pelo trabalho da investigação científica. Esta é um conjunto de 
atividades intelectuais, experimentais e técnicas, realizadas com 
base em métodos que permitem e garantem: 
● separar os elementos subjeUvos e objeUvos de um fenômeno; 
● construir o fenômeno como um objeto do conhecimento, 
controlável, verificável, interpretável e capaz de ser retificado e 
corrigido por novas elaborações; 
● demonstrar e provar os resultados obUdos durante a 
investigação, graças ao rigor das relações definidas entre os fatos 
estudados; a demonstração deve ser feita não só para verificar a 
Filosofia: razão e modernidade 
29 
validade dos resultados obtidos, mas também para prever 
racionalmente novos fatos como efeitos dos já estudados; 
● relacionar com outros fatos um fato isolado, integrando-o 
numa explicação racional unificada, pois somente essa integração 
transforma o fenômeno em objeto científico, isto é, em fato 
explicado por uma teoria; 
● formular uma teoria geral sobre o conjunto dos fenômenos 
observados e dos fatos investigados, isto é, formular um conjunto 
sistemático de conceitos que expliquem e interpretem as causas e 
os efeitos, as relações de dependência, identidade e diferença entre 
todos os objetos que constituem o campo investigado. 
Delimitar ou definir os fatos a investigar, separando-os de outros 
semelhantes ou diferentes; estabelecer os procedimentos 
metodológicos para observação, experimentação e verificação dos 
fatos; construir instrumentos técnicos e condições de laboratório 
específicas para a pesquisa; elaborar um conjunto sistemático de 
conceitos que formem a teoria geral dos fenômenos estudados, que 
controlem e guiem o andamento da pesquisa, além de ampliá-la 
com novas investigações, e permitam a previsão de fatos novos a 
partir dos já conhecidos: esses são os pré-requisitos para a 
constituição de uma ciência e as exigências da própria ciência. 
A ciência distingue-se do senso comum porque este é uma 
opinião baseada em hábitos,preconceitos, tradições cristalizadas, 
enquanto a primeira baseia-se em pesquisas, investigações 
metódicas e sistemáticas e na exigência de que as teorias sejam 
internamente coerentes e digam a verdade sobre a realidade. A 
ciência é conhecimento que resulta de um trabalho racional. 
O que é uma teoria científica? 
É um sistema ordenado e coerente de proposições ou 
enunciados baseados em um pequeno número de princípios, cuja 
finalidade é descrever, explicar e prever do modo mais completo 
possível um conjunto de fenômenos, oferecendo suas leis 
necessárias. A teoria científica permite que uma multiplicidade 
empírica de fatos aparentemente muito diferentes sejam 
Filosofia: razão e modernidade 
30 
compreendidos como semelhantes e submetidos às mesmas leis; e, 
vice-versa, permite compreender por que fatos aparentemente 
semelhantes são diferentes e submetidos a leis diferentes. 
 
 
 
 
 
ESTUDO DIRIGIDO II 
 
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São 
Paulo: Ática, 1995. p.247-251; 286. 
 
ROTEIRO DE ESTUDO 
1. Dê exemplos de noções e preconceitos do senso comum que 
foram desmentidos pelas ciências. 
2. O que é e como opera o senso comum? 
3. O que é e como opera o senso crítico? 
4. Compare as características da atitude de senso comum com 
aquelas atribuídas pela autora como de senso crítico. 
5. O que garantem os métodos científicos? 
Filosofia: razão e modernidade 
31 
TEXTO 03: 
NÍVEIS DE CONHECIMENTO 
E SEUS SIGNIFICADOS 
Cipriano Carlos Luckesi 
Elizete Silva Passos 
 
 LUCKESI, Cipriano Carlos, PASSOS, Elizete Silva. Introdução à 
filosofia. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002. pp. 35-47; 53-54. 
 
No capítulo anterior, nos aproximamos do conceito de 
conhecimento, de seu processo de produção e dos modos de sua 
apropriação. Agora, cabe perguntarmos se os resultados obtidos 
com o processo de conhecer sempre tem o mesmo nível qualitativo. 
Assim, nos perguntamos pelo significado desses níveis para a vida 
humana individual, social e política. Em síntese, perguntamos: toda 
e qualquer explicação da realidade tem a mesma validade? Se não 
tem, quais são os níveis de explicação existentes e quais os seus 
respectivos significados para a vida humana? 
Neste capítulo, vamos abordar os níveis do conhecimento – 
comum e crítico – e seus significados para a vida humana, sejam de 
orientação prática para a vida, de superação da ignorância, de 
libertação individual e social, como também os possíveis usos do 
conhecimento como suportes da ação. 
Com isso, estaremos avançando mais um passo na compreensão 
desse complexo fenômeno que é o conhecimento. 
1. O SENSO COMUM 
O senso comum é a compreensão da realidade, constituída de 
um conjunto de opiniões, hábitos e formas de pensamento, 
assistematicamente estruturada e utilizada diariamente pelos seres 
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humanos como forma de entendimento e como forma de 
orientação de suas vidas. 
É o entendimento que emana das experiências cotidianas das 
pessoas; por vezes válido, por vezes sem qualquer fundamento ou 
justificação. Nem sempre é válido o ditado de que “a voz do povo é 
a voz de Deus”, no sentido de que aquilo que o povo diz, no dia a 
dia, é a verdade. Por vezes, o que o povo diz é simplesmente um 
conjunto de ingenuidades; porém, por vezes, é significativo e tem 
validade. Assim, pode-se dizer que o senso comum carrega em seu 
seio o bom senso, que nada mais é do que o conjunto de 
entendimentos e ações realizadas pelo ser humano, com base no 
conhecimento espontâneo e assistemático, que revelam acertos, 
diríamos quase que uma “ciência implícita”. 
O senso comum é o conhecimento acumulado pelas sociedades 
humanas sem um esforço de busca de coerência e organicidade das 
partes; por isso, manifesta-se como fragmentário. O bom senso 
define-se como o conjunto de elementos de criticidade que existe 
no seio do senso comum. 
Diz-se que este conhecimento é o da prática utilitária, devido ao 
fato de ele dar suporte ao conjunto das ações diárias dos seres 
humanos em sociedade, sem se perguntar e sem explicar em 
essência o que elas significam. Ou seja, faz-se alguma coisa desta ou 
daquela maneira devido ao fato de que “acostumou-se” a fazer 
assim. Porém, nunca se pergunta “por que” se faz desta maneira, 
nem qual é o fundamento desse modo de agir. Por exemplo, usamos 
o dinheiro diariamente, mas não nos perguntamos o que ele 
significa em economia política e na sociedade burguesa-capitalista 
na qual vivemos. Será que ele só serve de meio de troca ou é 
também uma mercadoria? Marx discute essa questão em O capital 
de maneira científica, buscando a sua compreensão essencial, que 
ultrapassa o utilitário cotidiano. 
Do exposto, pode-se concluir que o conhecimento produzido 
pelo senso comum é conhecimento, porém superficial, baseado nas 
aparências dos fatos e acontecimentos. 
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Entre o senso comum e o senso crítico há um salto qualitativo; 
enquanto um é superficial e fragmentário, o outro pretende ir à 
essência e buscar compreensões coerentes e universais. 
Devido ao fato de ambos serem conhecimentos e devido ao fato 
de que, na oportunidade do dia a dia e na ordenação cronológica de 
nossas vidas, deparamo-nos primeiramente com o senso comum, há 
autores que consideram que a determinação entre uma e outra 
forma de conhecimento dá-se tão-somente por um processo de 
sofisticação, ou seja, entre o senso comum e o senso crítico, há uma 
continuidade de compreensão do mundo; todavia, o senso crítico 
utiliza-se de recursos metodológicos não disponíveis ao senso 
comum. O senso comum, sofisticando-se, torna-se senso crítico.1 
De fato, parece que não é isso que ocorre. Ninguém nega que 
todos os seres humanos vivam o senso comum, inclusive aqueles 
que buscam a ciência e a filosofia; porém, o senso crítico exige um 
salto de qualidade, tanto no que se refere aos meios de produzi-lo 
quanto nas compreensões obtidas. 
Quanto ao modo de obtê-lo, Tiago Adão Lara, em Caminhos da 
Razão no Ocidente, nos diz: 
A diferença é que o conhecimento do homem do povo foi 
adquirido espontaneamente, sem muita preocupação com 
método, com crítica ou com sistematização. Ao passo que o 
conhecimento daquele que estudou algo foi obtido com 
esforço, usando-se um método, numa crítica mais pensada e 
uma organização mais elaborada dos conhecimentos.2 
Assim, um dos cernes da questão dos níveis do conhecimento se 
acha na maneira de apreensão da realidade. o conhecimento 
prático-utilitário do senso comum carece de um embasamento 
metodológico. Considerando que ele tem origem nas experiências 
comuns e espontâneas do dia a dia, o enfrentamento da realidade 
 
1
 Cf. Hegenberg, Leônidas. Ciência. In Hegenberg, Leônidas, Explicações científicas, São Paulo, 
Ed. Pedagógica Universitária, 1973, pp. 29-40. 
2
 Lara, Tiago Adão. Caminhos da razão no Ocidente. 2 ed. Petrópolis, Vozes, 1986, p. 12. 
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vai se dando de forma ametódica e assistemática. Os entendimentos 
vão se formulando ao sabor das circunstâncias que se apresentam, o 
que os faz imediatistas e utilitaristas, já que as experiências vividas 
quase sempre estão ligadas ao mundo mais próximo e, por isso, 
mais ou menos valorizadas, a depender do papel que venham a 
desempenhar na satisfação de necessidades emergentes. Por outro 
lado, o entendimento que se formula a partir do senso crítico tem 
um nível completamente diferenciado, pela sua coerência, 
organicidade e universalidade de seus juízos. o senso comum não 
está preocupado com as incoerências de suas partes, e muito menos 
se esse entendimento é válido aqui e acolá ouse só aqui ou só 
acolá. Sabe que, aqui e agora, nesse momento prático, ele é útil; o 
depois... e o acolá... do conhecimento são dimensões que não 
cabem no seu horizonte. 
Ernest Nagel, em um texto intitulado “Ciência: natureza e 
objetivo”, publicado em Filosofia da ciência, faz uma síntese 
interessante das características do senso comum, que 
transcrevemos abaixo. O senso comum manifesta: 
a) imprecisão e também aproximação de coisas e processos que 
são essencialmente diferentes; 
b) utilização arbitrária de crenças: havendo duas crenças 
incompatíveis para escolher, escolhe uma por preferência 
arbitrária; 
c) fragmentariedade: a dificuldade do homem menos culto de 
atingir relações mais sutis faz com que as ligações que existem 
entre enunciados independentes sejam habitualmente 
ignoradas; 
d) certo grau de inconsciência do alcance e das consequências 
das aplicações daquilo que é o seu saber; 
e) miopia utilitarista, que reduz seu campo de reflexão só àquilo 
que é presente, que exige apreensão imediata.3 
 
3
 Cf. Nagel, Ernest. Ciência: Natureza e objetivo. In Morgenbesser, Sidney, Filosofia da Ciência, 
São Paulo, Cultrix, 1985, p. 16. 
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2. O SENSO CRÍTICO 
Das considerações sobre o senso comum, depreende-se que as 
características do senso crítico são diversas, ultrapassando 
qualitativamente o senso comum em metodicidade e universalidade 
de interpretação. O senso crítico exige um patamar superior de 
investigação e produz um entendimento mais significativo e 
abrangente da realidade. 
Do ponto de vista da construção do conhecimento, ele é 
intencional, voluntário e, por isso, utiliza-se de um variado recurso 
lógico-metodológico para apreender a verdade da realidade. Não 
espera, espontaneamente, que os fatos exijam alguma 
interpretação. O senso crítico está sempre inquieto com o 
desconhecimento e com a ignorância sobre os fatos e 
acontecimentos. Intencionalmente, procura compreendê-los. Para 
tanto, busca a sua essência, ou seja, o seu verdadeiro significado, 
que está oculto à primeira olhadela. Faz uso de recursos 
metodológicos tais como: 1) tomar o objeto de estudo como parte 
de um todo (uma gripe pertence ao organismo de um indivíduo e 
não só às suas vias respiratórias; os problemas de habitação não 
pertencem a uma cidade em específico, mas ao modelo capitalista 
de cidade); 2) tomar um objeto singular como representante de um 
universal (o sujeito individual gripado é um representante singular 
da universalidade dessa afecção da saúde; o problema habitacional 
de Salvador-BA é um representante singular de um universal, que é 
a questão da habitação na sociedade burguesa-capitalista); 3) tomar 
o objeto de estudo como uma manifestação aparente de algo que 
não está sendo captável, a sua essência; por isso, torna-se 
necessário desvendar a essência na aparência, a interpretação nem 
pode ser superficial, nem imediatista; 4) tomar o objeto de estudo 
como resultado de um passado; nenhum objeto presente manifesta-
se sem um determinado passado de precursores (um indivíduo não 
adoece de imediato, mas sim em decorrência de fragilidades 
anteriores; um acontecimento político não emerge gratuitamente, 
ele tem um passado que o torna compreensível). 
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Deste modo, o conhecimento do senso crítico é metódico. Além 
disso, manifesta-se como um patamar superior de compreensão da 
realidade, como já dissemos anteriormente. O que significa isso? 
Significa que o seu resultado, a sua explicação, explicita 
significativamente o que é um fato, o que é uma situação. 
Lembremo-nos dos casos da “febre puerperal” e do “bonapartismo” 
relatados no capítulo anterior. No nível do senso comum, a febre 
puerperal poderia ser um castigo dos céus, e o golpe de Estado um 
feito heroico de um ditador. No entanto, no nível do senso crítico, 
esses conceitos explicativos foram extraídos da própria realidade 
pelo uso de um instrumental metodológico. Constituíram-se não 
como “eventuais explicações” da realidade, mas sim como conceitos 
científicos universais e válidos. Isso significa que eles valerão para 
sempre? Não! Tanto os desvios orgânicos da febre puerperal como a 
prática de governo bonapartista poderão desaparecer da face da 
Terra e, então, esses conceitos não serão mais do que lembranças 
de fatos que aconteceram no passado. 
Vamos dar um outro exemplo. Pretendendo conhecer a estrutura 
administrativa de uma escola, solicitamos ao seu diretor o 
organograma e o regimento da instituição. Verificamos os órgãos 
competentes da escola, as relações entre eles etc. Até aqui, lemos 
os documentos e verificamos o que está escrito neles. Se 
assumirmos esta estrutura administrativa como aquela que está 
sendo exercitada, estaremos no nível do senso comum. Deixando os 
documentos e observando os atos das pessoas no processo 
administrativo dessa escola, veremos que as redes de poder aí 
vividas são diversas das descritas e, então, estaremos desvendando 
a verdadeira rede de poder dessa escola (aparência/essência). Neste 
segundo momento, descobrimos criticamente qual a verdadeira 
rede de relações do poder administrativo da escola e suas 
articulações. Aqui há um nível novo e verdadeiro de entendimento, 
que ultrapassa o primeiro. 
O primeiro é senso comum, o segundo, senso crítico. Em uma 
relação entre senso comum e senso crítico, é claro que o senso 
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crítico é um modo e um nível de conhecimento que merece a 
atenção de todos os seres humanos devido ao patamar qualitativo a 
que ele se propõe atingir de desvendamento da realidade, agindo de 
forma coerente e sistemática. Quanto mais lúcida for a forma de 
conhecimento, maior será a possibilidade de consciência e coerência 
nas ações de reivindicações. 
Essa comparação entre o senso comum e o senso crítico não 
deve conduzir-nos a dois desvios possíveis. Em primeiro lugar, a 
considerar que o conhecimento cotidiano é só um conhecimento 
acrítico. No geral, poderíamos dizer que ele é fragmentário, tendo 
em si fragmentos de ingenuidade ao lado de fragmentos de 
criticidade. Foi o que falamos do “bom senso”. Em segundo lugar, 
torna-se perigoso equiparar senso crítico com conhecimento 
escolarizado e senso comum com conhecimento não-escolarizado. 
De fato, todo conhecimento escolarizado deveria ser crítico, mas 
nem sempre tem sido, nem sempre o é. Além disso, importa ter 
presente que nem todo conhecimento crítico passa pela escola. 
Conhecimento crítico é uma categoria mais abrangente que 
conhecimento escolarizado. O senso crítico pode dar-se nos setores 
de estudos e pesquisas tanto intra quanto extra-escolares. O 
lembrete que estamos fazendo aqui é para evitar desvios de 
interpretações e atitudes preconcebidas, evitando privilegiar seja o 
conhecimento popular, seja o escolar. 
3. GLOBALIDADE E ESPECIFICIDADE DOS TIPOS DE 
CONHECIMENTO 
Por si, o conhecimento embutido no senso comum é 
globalizante, não possui especialidades. Com o mesmo tom, trata de 
normas morais, condutas sociais, religião, acontecimentos da 
natureza etc. As interpretações que emergem do senso comum não 
têm a pureza de tratar um objeto a partir dele mesmo. Trata um 
determinado objeto a partir de diversos direcionamentos, tais 
como: natureza, religião, normas morais, antropomorfismos. Cada 
fenômeno é interpretado por uma mescla de vertentes. 
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Diversamente, o conhecimento do senso crítico especializa-se: 
cada fenômeno é tratado e interpretado a partir do seu âmbito; a 
natureza a partir da natureza, os fenômenos sociais a partir da 
sociedade, os fenômenos religiosos a partir da teologia, e assim por 
diante.O senso crítico busca um aprofundamento de interpretação, 
daí necessitar de enfoques centralizados, ou seja, de centros 
específicos de interesse de estudo e compreensão. Isto, por si, não 
suprime a interdisciplinaridade. Ao contrário, ela é necessária, 
porém de uma forma ordenada, a partir de um núcleo de 
abordagem e tratamento. Um fenômeno biológico, por exemplo, é 
visto do ponto de vista da biologia, em primeiro plano, porém, pode 
ser articulado, interdisciplinarmente, com economia, sociologia, 
história etc. 
Em síntese, enquanto o conhecimento do senso comum é 
genérico, o conhecimento do senso crítico é especializado. Divide-se 
em áreas que já conhecemos, como: ciência, filosofia e teologia. Por 
sua vez, a ciência se especializa em seus ramos: ciências formais (as 
matemáticas), ciências empírico-formais (as da natureza), ciências 
sociais (as humanas). Esses ramos subdividem-se mais ainda; as 
ciências da natureza especificam-se em física, química, biológica etc. 
O mesmo ocorre com a filosofia, que se torna filosofia da ciência, 
filosofia do direito, filosofia da arte. [...] 
4. O PAPEL DO CONHECIMENTO NA VIDA INDIVIDUAL E SOCIAL 
Nas discussões que vimos desenvolvendo neste capítulo, temos 
tentado esclarecer os tipos de conhecimento. Agora, cabe tratar um 
pouco de suas consequências para a prática humana. Será que o 
conhecimento, seja no nível do senso comum, seja no nível do senso 
crítico, seria tão-somente um diletantismo? Ou o esforço dedicado a 
eles tem algum objetivo em relação às necessidades humanas? 
A nosso ver, tanto uma quanto outra forma de conhecimento 
tem um papel na vida individual e na vida social, assim como na vida 
dos povos. É do que vamos tratar a seguir. 
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4.1. O conhecimento prático-utilitário e a ação 
Vimos, anteriormente, que a perspectiva metodológica é um dos 
fatores que diferencia o conhecimento prático-utilitário do crítico-
metódico, assim como vimos que o primeiro é superficial e que o 
segundo busca a essência. 
Essas diferenças fundamentais entre eles não impedem que 
ambos exerçam a sua função no que concerne a um entendimento 
da realidade e a uma certa forma de lidar com a mesma, ainda que 
em níveis e perspectivas diferenciadas. 
Sendo o conhecimento prático-utilitário, direto e imediato, ou 
seja, sem uma busca intencional, proveniente da acumulação de 
experiências, um conhecimento que não se propõe a investigar em 
profundidade a significação das coisas, mas que se contenta com um 
entendimento orientado pelas aparências, a prática que ele orienta 
não poderá fugir a essas características. Essa prática se caracteriza 
por uma certa ingenuidade e por uma aceitação fácil daquilo que lhe 
é apresentado, sem questionamento e discussão. As ações são 
praticadas de maneira acrítica e pela lei do menor esforço. Se vamos 
a uma farmácia e o balconista nos diz que tal remédio é bom para 
tal doença, o compramos e usamos sem questionar seus efeitos e 
suas consequências. O que importa e que ele traga efeito imediato, 
mesmo que seja passageiro e acarrete consequências negativas 
posteriores. 
Assim sendo, no conhecimento prático-utilitário, o 
enfrentamento da realidade, bem como o produto desse 
enfrentamento, será baseado em “achismos”, no dado aparente e 
no aspecto sintomático. Isso implica uma frágil compreensão do real 
e, como consequência, uma superficial explicação do mesmo. Nesse 
nível de prática, o homem faz, mas não tem explicações objetivas do 
porquê e do como sabe fazer. 
Todavia, seria incorreto retirar todo valor desse tipo de 
conhecimento prático-utilitário, considerando que a maioria das 
ações humanas praticadas no dia a dia é fruto desse tipo de 
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conhecer. É indiscutível o significado prático daquilo que o homem 
consegue formular a partir das suas experiências cotidianas. 
O conhecimento crítico, decorrente do uso sistemático de 
recursos metodológicos, possibilita um patamar de entendimento 
objetivo que garante, por consequência, uma ação objetiva e 
eficiente. O senso crítico é fundamental para o ser humano, pois 
que é no seu contexto que se dá e se desenvolve a cultura e a 
tecnologia mais avançadas da sociedade moderna. As demandas 
científicas das diversas áreas especializadas do conhecimento 
humano e seus diversos benefícios técnicos e tecnológicos decorrem 
de uma busca sistemática e permanente de um aprofundamento 
crítico da compreensão do mundo. O senso crítico não dirige todas 
as nossas ações, mas, parece-nos, seria ideal que assim o fosse, na 
medida em que ele destitui as fantasmagorias cotidianas. 
Nesse contexto, vale ainda uma observação no sentido de 
lembrar que a sociedade na qual vivemos (sociedade capitalista) não 
pode ser transparente e totalmente explícita. Se assim o fosse, ela 
não teria como executar o tipo de poder e de relações sociais que 
exercita. Portanto, o senso crítico e a cultura dele decorrente não 
poderão nem deverão ser atributos de todos, visto que eles 
ofereceriam condições de consciência e ação sobre a realidade, 
possibilitando modificações. Por isso, normalmente, nesta 
sociedade, a educação sistemática é restrita, não atingindo a todos. 
O senso comum passa a ser um instrumento para sustentar a 
exploração dos oprimidos. 
4.2. O conhecimento crítico e a ação 
De acordo com o que foi dito, o conhecimento metódico-crítico 
não se contenta com as primeiras impressões, indo em busca do que 
é essencial nas coisas. 
Decorrente desse processo, o indivíduo assume um papel central 
no processo do conhecer, na medida em que é o sujeito do 
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conhecimento e, articulada com esse conhecimento, dá-se sua ação 
de forma consciente e fundamentada. 
O saber, que estamos denominando de metódico-crítico, 
proporciona ao sujeito segurança e eficiência na ação, uma vez que 
lhe possibilitará conhecer não apenas os aspectos aparentes e 
sensivelmente perceptíveis da realidade, mas, principalmente, a 
razão de ser das coisas, aquilo que essencialmente a caracteriza e a 
define. 
Tal situação de competência que proporciona ao indivíduo uma 
ação libertadora, é verificada também em nível social com os grupos 
e as nações. Quanto maior criticidade se porta, tanto mais há a 
possibilidade de adequação e eficiência na ação. 
É sabido que a cultura está voltada para a satisfação das 
necessidades humanas, fundamentalmente das necessidades 
básicas que garantam a sua sobrevivência, e, mais remotamente, 
para a satisfação das necessidades da convivência cultural. 
Do ponto de vista valorativo, não existem culturas inferiores ou 
superiores. Cada uma delas é o que é na sua circunstância. Porém, 
do ponto de vista do desenvolvimento da realidade, as culturas 
podem, sim, ser classificadas em superiores e inferiores. O senso 
crítico, inegavelmente, é superior ao senso comum, na medida em 
que é crítico, orgânico, explicativo, sustentador de uma práxis 
objetiva. 
As sociedades que investem no seu desenvolvimento científico e 
tecnológico, que buscam apossar-se de um saber mais objetivo e 
verdadeiro, terão maiores meios para resolver os seus problemas 
sem ter que recorrer ao know-how de outros povos. Tal fato, se 
aparentemente se apresenta como algo de menor importância, de 
fato não o é. Essa competência acarretará, por sua vez, 
autossuficiência, liberdade e autonomia. 
As sociedades, porém, que não incentivam essa prática, que não 
investem num saber desvelador do real, não terão condições de 
enfrentar, verdadeiramente, os seus problemas; darão passos em 
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falso e, certamente, precisarão da tutela do saber de fora. Essa 
prática as remeterá a uma situação de dependência, de 
domesticação

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