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3 A CIDADE GREGA 3 A CIDADE GREGA Ao tratarmos das cidades da Grécia Clássica1 e Helenística focalizaremos temas que, além de apresentar alguns dos aspectos importantes da forte relação que os gregos mantinham com suas cidades, poderão também nos ajudar à compreender algumas questões e práticas urbanísticas de nossa época. Poderíamos ter escolhido cidades muito mais antigas para tratar de tais temas como as que surgiram na Mesopotâmia, no Egito, ou no vale do Indo, mas nossa escolha justifica-se, tanto pela herança cultural que recebemos da Grécia como, principalmente, por ter sido, em seu período clássico, considerada “a Grécia das Cidades”. (MAFFRE, 1988) „‟Qualifica-se usualmente a Grécia clássica como a Grécia das cidades. Realmente do ponto de vista político, salvo alguns reinos como a Macedônia, ou algumas regiões longínquas, como o Épiro, que vivem em aldeias, obedecendo a uma organização tribal, o mundo grego clássico está dividido em poleis, isto é cidades, que são entidades independentes; esses verdadeiros pequenos Estados, juridicamente soberanos e autônomos, compõem-se não apenas de uma cidade, que é o centro político, social, administrativo e religioso, mas também de um território mais ou menos vato, a khôra, essencialmente rural, onde estão instalados algumas aldeias, e pequenos burgos, algumas fortalezas perto das fronteiras e até alguma aglomeração importante como o porto, especificamente se a cidade principal não está a beira mar‟‟... (MAFFRE, 1988: p35) 1 No sentido restrito do termo, entende-se por Grécia Clássica a Grécia dos séculos V e IV antes de Cristo, e os historiadores limitam geralmente a época clássica do mundo grego aos anos compreendidos entre as guerras Médicas (490-479) e o advento e a morte de Alexandre, o Grande (336 ou 323 a.C). Os historiadores da Arte até reduzem o Classicismo grego a uma duração inferior a um século e meio, aproximadamente entre 450 e 323, data que marca tradicionalmente para eles, o início da época helenística. ( Maffre, 1989) O que me chamou atenção ao estudar as cidades gregas, principalmente durante a era clássica, foi a relação estreita dos habitantes com suas cidades, o interesse dos filósofos por elas e o cuidado, a eficiência e a criatividade que empregavam para conter seu crescimento, mantendo-as em equilíbrio com a área rural e, portanto, com a geração de mais produto, num tamanhos que permitia a seus moradores percorrê-las a pé. O clima ameno e a escala humana das ruas, dos largos e das praças estimulava os habitantes a sair de casa para ocupar os espaços públicos, aproveitando a amenidade do clima. As casas, com pequenas janelas, já que seu sistema construtivo não permitia a abertura de vãos de iluminação maiores, levavam os habitantes a se sentar nas calçadas, em frente a suas casas, conversando com os vizinhos ou fazendo pequenas tarefas, aproveitando a luz natural. Os habitantes das cidades gregas mantinham-se isolados, tanto por opção política e cultural como em função da precariedade das estradas existentes e do horror que os gregos tinham das ligações marítimas, deixando suas cidades de origem raramente para dirigir-se a cidades como Kós, onde iam para tratar da saúde e Olímpia, durante a realização dos jogos que atraiam atletas e espectadores de toda a Grécia. Fig. 15: Cidade de Olímpia na Grécia Cada cidade desenvolvia práticas e hábitos próprios, como nos ensina Maffre: Cada cidade exibe seu particularismo, tendo seu próprio sistema de pesos e medidas, organizando ao seu modo o calendário e cunhando sua própria moeda (MAFFRE, 1988: p.36) Esse isolamento é interrompido, como explica Marilena Chauí, ao situar na história da Grécia o período clássico: Período Clássico, do sec. V a.C ao IV a.C., quando, com as reformas de Clístenes 2 , primeiro, e mais tarde, com o Governo de Péricles 3 , Atenas se coloca à frente de toda a Grécia:.desenvolve-se a democracia e surge o império marítimo ateniense. O porto de Atenas, o Pireu, é o centro para onde convergem produtos e idéias do mundo inteiro e de onde partem em todas as direções, produtos e idéias no apogeu da vida urbana, intelectual e artística. Acirram-se as rivalidades entre as cidades e tem início a guerra do Peloponeso, que trará o fim do império ateniense e das cidades – estado gregas. (CHAUI,2002:p. 16) 3.1 As estruturas urbanas típicas A forma ou o desenho de uma cidade tem como principal determinante seu traçado viário, desse modo as duas morfologias que caracterizaram as cidades gregas, herança de um 2 Realizou, em 508 a.C., uma grande reforma política que proporcionou aos cidadãos de Atenas, independentemente do critério de renda, o direito de voto e ocupação dos mais diversos cargos. 3 Péricles. 495/492 a.C. - 429 a.C., foi um estrategista e político grego, um dos principais líderes democráticos de Atenas e a maior personalidade política do século V a.C. Viveu durante a Era de Ouro de Atenas, e sua presença foi tão marcante que o período compreendido entre o final das Guerras Médicas (448 a.C.) e sua morte (429 a.C.) é chamado o Século de Péricles. passado ainda mais remoto, podem ser melhor compreendidas se analisarmos o desenho e as propriedades de seus sistemas viários. Ao fazê-lo perceberemos que as configurações não nos são estranhas, já que estão presentes em nossas cidades ora na sua forma pura, ora em intrincadas combinações. Referimo-nos aqui aos traçados de padrão circular, próprio das estruturas urbanas radiocêntricas e, os de padrão ortogonal, encontrado nas cidades de traçado viário em xadrez. 3.1.1 Estruturas urbanas de padrão radiocêntrico A preocupação com a segurança foi determinante para o surgimento dessas estruturas urbanas quase sempre protegidas por muralhas circulares que permitiam uma eqüidistância perfeita entre o centro da cidade e todos os pontos de sua periferia. Fig. 16: Estrutura de padrão radiocêntrico Como a construção das muralhas importava em uma grande quantidade de insumos (pedras, tijolos ou argamassa) e mão de obra, seu custo era muito elevado, assim construir muralhas circulares era também vantajoso em termos de custo, pois o círculo tem a propriedade de circunscrever a maior área, com o menor perímetro. A necessidade de segurança e o conhecimento dessa propriedade fizeram com que a forma circular fosse encontrada anteriormente nas proto-cidades, cercadas por paliçadas de madeira e, mais tarde, nas cidades medievais e barrocas, muitas das quais cercadas por grossas muralhas pedra. Nas cidades radiocêntricas, geralmente construídas em elevações para melhor visualizar os inimigos em potencial, as ruas assumiam traçados intrincados para melhor se acomodar à topografia movimentada, num desenho orgânico, que alem de evitar maiores agressões à paisagem, dificultava eventuais ataques de estrangeiros. A expansão urbana dessas cidades caracterizava-se por um crescimento radiocêntrico, marcado por sucessivas ampliações do perímetro murado, exigidas para proteger as edificações construídas fora do perímetro original. Este padrão de expansão deixou suas marcas em cidades como Atenas, Roma, Paris e Viena. Fig.18: Crescimento das cidades radiocêntricas 3.1.2 Estruturas urbanas de padrão ortogonal Na Grécia Clássica esse tipo de estrutura, mais adequado para as planícies, obedecia às normas urbanísticas criadas por Hipódamos de Mileto (Séc.VIAC.), filósofo sofista e urbanista, responsável pelo traçado do porto do Pireu. Fig. 17: Estrutura de padrão ortogonal As normas propostas por Hipódamos deram forma ao Plano Milésio que pretendia criar, como observou Aristóteles4, a cidade ideal, dotada de quarteirões padronizados quanto ao tamanho, ruas dimensionadas e hierarquizadas segundo sua função na estrutura urbana e onde o Ágora (centro cívico), e a Acrópole (centro religioso) ocupavam quarteirões, que se diferenciavam dos demais apenas pela função e forma das edificações. Fig. 19: Planta de Pirene O Plano, graças à regularidade de sua malha viária, facilitava a subdivisão da terra urbana, fator de extrema importância no planejamento das cidades – colônias5. As cidades que adotavam estruturas urbanas formadas por malhas ortogonais eram consideradas mais adequadas ao comércio, já que inspiravam maior confiança aos mercadores que com elas negociavam que, em caso de necessidade, podiam fugir da cidade orientando-se 4 Sua cidade observa Aristóteles, “era composta de dez mil cidadãos divididos em três partes - uma de artistas, uma de agricultores e uma terceira de defensores armados do Estado. Dividiu também a terra em três partes, uma sagrada, uma pública, uma terceira privada: a primeira era reservada ao costumeiro culto dos deuses, a segunda deveria sustentar os guerreiros , e a terceira era propriedade dos agricultores”. A terra seria dividida também em três partes: uma consagrada à religião, outra ao uso público e a terceira dada como propriedade aos particulares. A primeira se destinaria às necessidade do culto e dos sacrifícios, a segunda à alimentação e ao soldo do exército e a terceira aos lavradores. (MUNFORD, 2004: p 192) 5 Os romanos adotaram o mesmo padrão nos núcleos construídos para abrigar veteranos do exército, também utilizado nas cidades de guarnição (bastilhas) no sul da França e pelos espanhóis nas cidades que fundaram no Novo Mundo. Na América do Norte, o sistema em grade tornou-se a base do planejamento das cidades americanas, a partir da fundação das cidades de Filadélfia, Mew Haven e Savannah. O plano em grade facilitava a ambientação dos colonos ao novo sítio bem como o tornava mais facilmente reconhecível para forasteiros, estimulando a prática do comércio. com facilidade, graças ao desenho regular das vias, o que não acontecia no caso dos traçados intrincados, repletos de becos e vielas característicos das cidades radiocêntricas. Lewis Munford, em seu livro a Cidade na História sugere que a forma circular das cidades de partido radiocêntrico teria sido adotada pelos povos que viviam do pastoreio, habituados a defender seus rebanhos contra o ataque de animais selvagens e de grupos inimigos. As muralhas construídas em circulo inspiraram-se na forma que os rebanhos de ovelhas tomavam quando reunidos pelos pastores, já o traçado da cidade em xadrez seria inspirado nos sulcos feitos pelo arado nas plantações de povos com tradição agrícola. Estes povos ao preparar o solo para o plantio abriam valetas que se cruzavam ortogonalmente, facilitando os serviços de aração, semeadura, irrigação e colheita, assim como tornavam mais simples os cálculos necessários à determinação do volume das colheitas e da quantidade dos insumos e demais tratos agrícolas necessários.5 A influência de Hipódamos na estruturação das cidades grega e helenística revelava-se pela estrutura viária ortogonal, por um sistema viário hierarquizado, e por áreas com funções específicas como o Ágora (centro cívico), a Acrópole (centro religioso) e a praça do mercado. Experiências pessoais, eventualmente, podem nos fazer prestar mais atenção, ou ver com outros olhos à idéias que, até então, não tínhamos dado grande importância. Refiro-me ao texto em que Lewis Munford descreve, em seu livro „‟A cidade na História‟‟, a cena de um pastor observando seu cão correr em círculos para manter o rebanho de ovelhas reunido. Munford escreve sobre a esperteza do cão que, correndo em circulo, percorre o menor trajeto possível para reunir os animais e relaciona esse exemplo à construção de muralhas circulares por motivos semelhantes, já que o custo elevado dessa tática defensiva impunha a diminuição do perímetro ocupado pelas muralhas. Quando li A Cidade na História pela primeira vez, mal notei esse relato, entretanto, ele voltou- me à memória, com toda sua força simbólica, ao ver a muitos anos atrás um grupo de vaqueiros, montados em valentes cavalos marajoaras, a reunir o gado espalhado pelo pasto. O circulo perfeito formado pelo gado reunido, a “malhada”, como diziam os vaqueiros, trouxe-me a memória o texto de Munford que, daí por diante, jamais esqueci. O mesmo aconteceu com outra afirmação do autor de que às cidades de traçado ortogonal teriam se inspirado nas quadrículas produzidas pelos sulcos dos arados de povos com vocação agrícola. Ainda hoje me lembro dessa explicação quando, da janela de um avião, vejo as lavouras caprichosamente repartidas em quadras, lembrando os quarteirões de uma cidade. 5 As malhas ortogonais eram também utilizadas, tradicionalmente, na disposição das barracas dos acampamentos militares. Experiências pessoais, eventualmente, podem nos fazer prestar mais atenção, ou ver com outros olhos à idéias que, até então, não tínhamos dado grande importância. Refiro-me ao texto em que Lewis Munford descreve, em seu livro „‟A cidade na História‟‟, a cena de um pastor observando seu cão correr em círculos para manter o rebanho de ovelhas reunido. Munford escreve sobre a esperteza do cão que, correndo em circulo, percorre o menor trajeto possível para reunir os animais e relaciona esse exemplo à construção de muralhas circulares por motivos semelhantes, já que o custo elevado dessa tática defensiva impunha a diminuição do perímetro ocupado pelas muralhas. Quando li A Cidade na História pela primeira vez, mal notei esse relato, entretanto, ele voltou- me à memória, com toda sua força simbólica, ao ver a muitos anos atrás um grupo de vaqueiros, montados em valentes cavalos marajoaras, a reunir o gado espalhado pelo pasto. O circulo perfeito formado pelo gado reunido, a “malhada”, como diziam os vaqueiros, trouxe- me a memória o texto de Munford que, daí por diante, jamais esqueci. O mesmo aconteceu com outra afirmação do autor de que às cidades de traçado ortogonal teriam se inspirado nas quadrículas produzidas pelos sulcos dos arados de povos com vocação agrícola. Ainda hoje me lembro dessa explicação quando, da janela de um avião, vejo as lavouras caprichosamente repartidas em quadras, lembrando os quarteirões de uma cidade. 3.2 Espaços urbanos especializados No interior da cidade grega determinados espaços também adquiriram um elevado grau de especialização, traduzida por sua função na vida urbana, escala e relações espaciais entre as edificações neles contidas. Dois desses espaços intra – urbanos podem ser considerados exemplares: a Acrópole e o Ágora, presentes nas cidades gregas e helenísticas. 3.2.1 A Acrópole Fig.20: Acrópole de Atenas No espaço urbano da Acrópole desenvolviam-se as principais atividades religiosas. Em Atenas os edifícios da acrópole mantinham entre si relações espaciais tridimensionais, isto é, entre a altura, a largura e a profundidade das edificações. Isso ocorria porque cada edificação era orientada segundo as funções religiosas nelas praticadas, por exemplo o templo de Apolo era voltado para o leste, de forma a receber os primeiros raios de sol pela manhã. Assim, de uma maneirageral, a implantação dos templos valorizava a paisagem dele vislumbrada, principalmente a visão de locais sagrados nos bosques e montanhas que cercavam a cidade. O que poderia ter resultado em uma implantação confusa, tornou-se um dos maiores atrativos da Acrópole, em termos urbanísticos. Em termos urbanísticos é importante observar que a ocupação da Acrópole, que levou aproximadamente cinco séculos, foram mantidas as mesmas diretrizes urbanísticas, somente desconsideradas a partir da dominação romana. 3.2.2 O Ágora Fig. 21:Ágora de Atenas A disposição espacial do Ágora, por sua vez, se desenvolveu a partir de outras diretrizes urbanísticas que destacam principalmente o espaço central definido pelas edificações vazio por elas definidos. Como ocorreu em Atenas com a Acrópole, o Ágora obedeceu às suas diretrizes urbanísticas durante o longo período em que se desenvolveu, só vindo à abandoná-las durante a dominação de Roma. A principal diferença, quanto a disposição das edificações, nas duas áreas era que na acrópole as relações espaciais se faziam entre as massas das edificações (relações tridimensionais), já no ágora a relação entre os edifícios se dava apenas pelos planos das fachada (relações bidimensionais). A função do ágora deveria ser essencialmente política, pois nele ocorriam as manifestações da população fundamentais numa civilização que adotara como forma de governo a democracia direta ou participativa, entretanto para desgosto do filósofo as atividades comerciais eram ali praticadas. De certa forma o Ágora pode ser considerado o antecedente das praças atuais, principalmente daquelas que além do lazer, tem uma função política. As diferenças entre a Acrópole e o Ágora estão resumidas no quadro seguinte: Diferenças entre a Acrópole e o Ágora Função Escala Relações Espaciais entre as edificações Elemento Valorizado ÁCRÓPOLE religiosa Divina tridimensionais Edificações ÁGORA política humana bidimensionais Espaço Como ser humano, urbanista, arquiteto e professor sou obrigado a lidar seguidamente com questões relativas ao espaço. Sempre o faço com cautela devido a dificuldade de trabalhar com uma dimensão difícil de administrar, principalmente quando acompanhada do fator tempo. Não se trata de investigar esses conceitos a luz da física newtoniana, da teoria da relatividade e da mecânica quântica, utilizadas pelo arquiteto urbanista Sergio Magalhães para relacionar a cidade moderna à noção de tempo futuro, em seu livro A Cidade da Incerteza-ruptura e contigüidade em urbanismo, leitura obrigatória para quem estuda a cidade contemporânea. Prefiro mostrar para vocês, a titulo de exemplo da relatividade do conceito, as diferenças das nossas percepções espaciais ao passar por uma rua num automóvel ou percorrê-la a pé, parando diante de uma vitrine, para bater papo com um conhecido ou, se você for arquiteto, para admirar um prédio que se destaca. No primeiro caso você não terá uma visão completa do espaço percorrido, se o carro tiver fechado com o ar condicionado e o rádio ligados, menos ainda, os sons, os cheiros, a temperatura, a textura dos pisos e até mesmo a paisagem, recortada pelas janelas do carro, não deixarão grandes impressões e, quando se der conta, já terá passado pela rua. Além disso, dependendo da velocidade do veículo não será possível nem mesmo registrar as fachadas dos prédios, cada uma com suas particularidades. Esse problema já existia na Paris, do século XIX, devido a velocidade das carruagens, para resolvê-lo foram criadas normas que fixavam uma mesma altura para os prédios, os materiais utilizados nos telhados assim como o mesmos tipo de arco nas janelas, buscando uma continuidade compositiva que pudesse ser registrada. Inversamente, quando a rua é percorrida a pé estamos expostos a uma explosão de estímulos sensoriais, ainda que não demos conta da sua grande maioria. O tempo de percurso é outro, assim como a percepção do espaço, que adquire maior complexidade. Nesse caso a percepção não resulta apenas das características físicas do espaço, expressas no comprimento e na largura das calçadas e na altura das edificações. Variáveis como uso do solo, a taxa de ocupação e a altura dos prédios da rua, a intensidade do tráfego de veículos, o tipo de pisos e a conservação das calçadas, a iluminação pública, a arborização, os ruídos, os cheiros, a hora do passeio e até nosso estado de espírito estarão presentes na formação da nossa percepção do espaço urbano. 3.3 Crescimento por colonização Podemos dizer que, com exceção de Atenas e de alguma outra cidade que tenha crescido além do tamanho se considerado ideal pelos gregos que a maioria de suas cidades apresentavam no período clássico as seguintes características: escala urbana reduzida, abrigando populações entre 10.000 a 20.000 habitantes; Intima relação com o campo (Khôra), de onde recebiam suprimentos e produtos necessários à vida urbana; .Estreitas relações interurbanas, proporcionando a formação de verdadeiros sistemas de cidades funcionalmente especializadas como Delfos, onde ficava o oráculo de Apolo, Kos, onde se instalaram centenas de médicos atraídos pelo poder curativo das águas que jorravam das fontes da cidade e Olímpia, sede dos jogos olímpicos Crescimento por colonização segundo o qual os gregos controlavam o crescimento de suas cidades, criando um novo núcleo assim que a cidade atingia os limites populacionais considerados adequados. O modelo de crescimento por colonização, além de permitir a manutenção de um tamanho ideal de cidade, foi responsável pela criação de verdadeiros sistemas de cidades ligadas entre si por fortes laços familiares, comerciais e institucionais. Os gregos chamavam de Paleópolis (cidade antiga) à cidade que dava origem a novas cidades, as Neópolis (cidade nova). Na Grécia as discussões sobre os problemas urbanos eram valorizadas pelo interesse que o tema despertava não só nos governantes e na população em geral, como também em filósofos importantes como Platão, Aristóteles e Hipódamos de Mileto, entre outros. Platão (429-347 a.C.) nasceu em Atenas numa família aristocrática, sua fama repousa em seus diálogos. Ele considerava que a comunidade urbana permitia que seus integrantes adquirissem um elevado grau de especialização. Dizia que “todos prosperavam quando o sapateiro limitava seus esforços a fazer sapatos, o ferreiro a malhar o ferro e o camponês a tratar das colheitas”. Concebia a estrutura urbana como um elemento de elevada rigidez geométrica. Não menos rígida era, para Platão, a estrutura de classes que compunha a sociedade urbana, dividida, segundo ele em filósofos, guerreiros, artífices e agricultores. Para ele a cidade ideal teria 5.040 cidadãos, aos quais se somariam 20.000 a 25.000 pessoas, entre pequenos agricultores, comerciantes e escravos. Aristóteles, preceptor de Alexandre, também se dedicou ao estudo das cidades, tratando da questão urbana em seu célebre livro A Política, onde afirmava que o homem só seria verdadeiramente ele mesmo no seio da Cidade. Aristóteles nasceu no ano de 385 a.C. na cidade de Estagiros, na Trácia, fundada por colonos gregos, na costa setentrional do mar Egeu. Foi aluno assíduo de Platão, distinguindo-se pela sua excepcional inteligência. O interesse de Aristóteles pelas questões urbanas se evidencia nopróprio título que escolheu para o capitulo VII da Política: Das Dimensões e da Localização da Cidade. Referindo-se ao número de habitantes e a dimensão da cidade considerava que : O número muito excessivo não é suscetível de ordem. Só o poder divino pode introduzi-la ali, como fez no Universo. Mas não é nem na extensão nem no número que se observa a beleza. Por conseguinte, é necessariamente muito bela uma cidade onde se encontre a justa medida de grandeza. Esta proporção é determinada como em qualquer outro gênero, por exemplo, num gênero de animais, de plantas, de instrumentos. Grande demais ou pequeno demais, cada um deles não tem mais a mesma eficiência, perde até sua natureza e se torna inútil. Um navio que só tivesse um palmo ou que medisse dois estádios de comprimento deixaria de ser um navio, pois sua pequenez ou sua excessiva grandeza o tornaria igualmente impróprio para a navegação 4 .O mesmo ocorre com uma Cidade ou um Estado.Sua propriedade essencial é a suficiência de seus meios. Se uma cidade tiver poucos habitantes, pecará por penúria; se os tiver em excesso, poderá subsistir como nação, se contar com as coisas necessárias, mas já não será uma cidade. Com efeito, não se poderá estabelecer nela uma boa ordem. (ARISTÓTELES,) Ainda sobre a dimensão da cidade concluía: “Portanto, a primeira condição para uma cidade é ter uma quantidade de habitantes tal que possa bastar para todas as suas funções e proporcionar todas as comodidades da vida citadina”. (ARISTÓTELES,) No mesmo livro trata da “Boa Localização da Cidade” dizendo que para proporcionar maior comodidade a seus moradores quatro questões deverão ser observadas: 4 Dois estádios corresponderiam a trezentos e cinqüenta metros. Em primeiro lugar, a salubridade é essencial; por conseguinte, devem-se preferir a exposição e os ventos do oriente por serem mais saudáveis e, subsidiariamente, a exposição do norte, por ser menos tempestuosa. Convém ainda que em haja em seu interior abundância de fontes ou, na sua falta, de amplas cisternas para receber toda a água da chuva, a fim de que não haja falta d‟água em caso de cerco. Em seguida, é preciso que o local seja próprio para os exercícios e para as reuniões civis, tenha saídas fáceis para os cidadãos e acesso difícil para os inimigos e seja ainda mais difícil de sitiar. Em terceiro lugar, no que se refere às casas particulares, elas são bem mais agradáveis e mais cômodas se seu espaço for bem distribuído, com uma estrutura à maneira moderna, ao gosto de Hipódamos. Não é que, quanto à segurança em caso de guerra, elas antigamente não fossem melhor concebidas. A entrada era difícil para os estrangeiros e a pilhagem para os inimigos. Seria bom misturar as duas práticas e, quando se constrói, imitar os vinhateiros, na disposição de suas cepas. Não se alinharão todas as ruas de um extremo ao outro, mas apenas certas partes, tanto quanto permitir a segurança e o exigir a decoração. Enfim, a respeito das muralhas, dizer que elas não são necessárias, nas cidades que se vangloriam de valor e de virtude é pensar um pouco demais à maneira antiga. A experiência refutou, sob nossos olhos, essa fanfarronada, nas próprias cidades que se jactavam... Não querer cercar as cidades com muralhas é como abrir o país às incursões dos inimigos e retirar os obstáculos de sua frente. (ARISTÓTELES,). A especialização funcional, defendida por Aristóteles, para as atividades dos habitantes das cidades, num segundo momento ocorreu em relação às próprias cidades que passaram a dar ênfase à determinadas atividades, como em Kós (serviços de saúde), em Olímpia ( sede das olimpíadas) e em Delfos (centro religioso).O crescimento por colonização foi fator importante para o surgimento das cidades especializadas, graças às redes de cidades que criou. Resta dizer que o tamanho máximo de uma cidade, defendido por Aristóteles e por outros pensadores / urbanistas gregos, é bem inferior ao encontrado em cidades como Atenas e Esparta. Parte dessa diferença, entretanto, poderia ser atribuída ao fato de nessas estimativas foram incluídas a população das áreas rurais ( Khôras): Segundo estimativas recentes, Atenas, cidade e khôra, teria tido, incluindo-se todas as categorias sociais, entre 120 e150 mil habitantes (dos quais mais ou menos 30.000 cidadãos) por volta de 480; entre 200 a 300 mil (dos quais mais ou menos 40.000 cidadãos) por volta de 432, as vésperas da guerra do Peloponeso; apenas 115 a 175 mil ( dois quais 20 a 25 mil cidadãos), por volta de 400, após o massacre causado pela guerra; depois 170 a 250 mil ( dos quais mais ou menos 30.000 cidadãos), por volta de 360; Esparta teria tido nesse mesmo momento, entre 190 e 270 mil almas; a Beócia, 110 a 125 mil habitantes no século V, e 145 a 165 mil no século IV. (MAFFRE, 1988 : p.46) O estudo da Grécia Clássica e Helenística me atrai porque, através dele, podemos entender melhor questões importantes para os urbanistas, como saber até que ponto o crescimento de uma cidade influi na qualidade de vida de seus habitantes, ou qual a melhor maneira de controlá-lo. Os gregos que viveram na era clássica temiam que a população de suas cidades crescesse alem do limite de dez mil habitantes, sem contar os escravos, já que, além disso, a cidade poderia sofrer com a falta de alimentos, na medida em que, sua área de influência possivelmente não teria condições de abastecer a população. A solução encontrada pelos gregos para resolver o problema do crescimento de suas cidades, criando as “neópolis”, foi tão engenhosa que, séculos mais tarde, entre as duas grandes guerras mundiais, foi copiada pelos ingleses para conter o crescimento de Londres, já com três milhões de habitantes, através da criação das “new towns” (cidades novas). Para os ingleses, a criação das new towns, também resolveu outro problema, criado pela concentração excessiva das indústrias em Londres, Manchester e Liverpool, expostas aos ataques aéreos, que haviam sido inaugurados, com bastante sucesso, na Guerra de Quatorze. Para os gregos, as “neópolis” serviram para ampliar o poder político e econômico da “paleópolis”, aumentando sua área de influência para afastar, em definitivo, o fantasma da fome. Muitos urbanistas acreditam ser possível controlar o crescimento urbano através da aplicação da legislação urbanística, desde que haja por parte do poder público o compromisso de exercer uma efetiva fiscalização. Alguns ainda acreditam que a simples adoção de parâmetros urbanísticos para controlar a ocupação do solo urbano, teria o poder de criar cidades muito melhores do que as atuais. No meu modo de ver, eles poderiam até estar certos, se uma parte da cidade não se encontrasse na total informalidade, livre de qualquer tipo de restrição legal. Sabemos, por exemplo, que mais da metade das edificações do Rio de Janeiro foram construídas sem a fiscalização do município e totalmente a margem da lei. Como elevarmos a qualidade de vida de todos os cariocas sem primeiro dar fim a essa divisão que coloca de um lado a cidade formal, servida de equipamentos e serviços públicos e do outro a informal, desprovida de quase tudo? Hoje a prioridade não é o controle do crescimento da cidade como um todo, já que o Rio vem crescendo com um ritmo aceitável e sim o controle das áreas ocupadas por favelas que crescem a taxas elevadas. Entretanto, controlar o crescimento desses territórios segregados, em sua grande maioria dominados por traficantes ou milicianos, vivendo a margem da lei , não é suficiente para termos uma cidade mais inclusiva e democrática. É preciso mais, muito mais, para dar cidadania aos moradores dessas comunidades, garantindo-lhesacesso à habitação digna, aos serviços e equipamentos de infra e super- estrutura presentes na cidade formal. Enquanto isso não for feito os cariocas permanecerão divididos em cidadãos de primeira e segunda classe e a paz que todos desejamos, ainda que todas as comunidades sejam pacificadas, não poderá ser alcançada.
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