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4 O Período Helenístico O período helenístico se estendeu por mais de 700 anos (IV a.C. até 400 d.C, aproximadamente), nele a cultura helênica além de predominar se expandiu ainda mais, apesar da Grécia estar sob o domínio da Macedônia e, posteriormente, sob o jugo de Roma. Fig. 22: Mapa do império Macedônio e do Império Romano A influência do pensamento, da estética e dos costumes da Grécia se estenderá ao oriente, projetada pelas conquistas de Alexandre e, a partir de 50 a.C., anexada ao império romano, passará a “integrar um império universal numa sociedade organizada regionalmente, agrupada por corporações profissionais e desenvolvendo um pensamento cosmopolita que se abre para o Oriente, ao mesmo tempo em que passa a influenciá-lo intelectual e artisticamente. (CHAUI, 2002:17) Fig 23: As ordens clássicas: Dórica, Jônica e Coríntia Nesse período a escassez e a frugalidade com que os gregos viviam, além da nostalgia da “aldeia”, com seus costumes mais simples, deram lugar a uma sociedade que conviveu com a fartura decorrente de um notável aumento de bens materiais e, como nos ensina Munford: ‘’Exceto nas ciências físicas, nas disciplinas escolásticas mais quantitativas e na produção de bens materiais, nada prosperou na cidade pós-helênica. Enquanto aumentava a organização e a riqueza tecnológica, as finalidades ideais da cidade não mais encontravam expressão na vida cotidiana. O próprio espírito passava fome, não por falta de alimentos, mas pelo fato de ser superalimentado com uma nutrição vitaminada e estéril. O museu e a biblioteca ganharam precedência sobre a vida e a experiência: o academicismo substituiu o equilíbrio orgânico da academia original; o recolhimento e a classificação tornaram-se as principais avenidas da atividade intelectual.’’ (MUNFORD, 2004, p: 209) 4.1 Transformações na estrutura urbana Podemos dizer que, de uma maneira geral, as transformações que ocorrem nos núcleos urbanos, por vezes atingindo toda a cidade ou incidindo apenas sobre um ou mais componentes da estrutura urbana, decorrem de mudanças funcionais de maior ou menor amplitude. No primeiro caso, um dos melhores exemplos foi o crescimento excessivo que ocorreu em inúmeras cidades gregas em função da expansão das atividades artesanais e do comércio que marca o período helenístico. Crescimento que Aristóteles condenava ao comparar a cidade a um navio dizendo que um navio pequeno demais não servia à navegação e, grande demais, perdia sua dirigibilidade, impedindo que aportasse. No segundo caso, em que um ou mais componentes da estrutura urbana se modificam, podemos citar os alargamentos sofridos pelos eixos viários principais durante o período helenístico. Para que possamos compreender essas transformações primeiramente devemos perceber que as ruas do período helenístico, assim como as que lhe antecederam e as que vieram depois, desempenharam e desempenham, ainda hoje, diversas funções além de servir para a passagem de pedestres e veículos. Entender o seu papel em toda sua complexidade, perceber suas transformações, relacionando- as às mudanças funcionais é um dos objetivos deste capítulo. As sucessivas transformações da “rua” na Grécia Clássica, durante o Helenismo e na constituição do império romano refletiram o intenso processo de transformação das cidades frente às mudanças políticas, econômicas e sociais desse longo período, cujo final marca o fim da Antiguidade. Na Grécia clássica as ruas raramente ultrapassavam 4,0 m de largura, propiciando todas as condições de acessibilidade requeridas pelas pessoas e pelo transporte de mercadorias que as pequenas cidades demandavam. Graças a pequena largura das ruas vizinhos podiam se comunicar com toda facilidade e conforto, bastando sentar-se à porta das casas, aproveitando o clima ameno e a luminosidade da Grécia. A população em geral, com exceção dos muito ricos, sempre olhados com desconfiança pelos demais, viviam em casas com paredes construídas com montantes de madeira e argamassa, que por limitações estruturais não admitiam grandes aberturas. Como resultado a maioria dos cômodos permaneciam na obscuridade, estimulando seus ocupantes a permanecer fora de casa, incorporando o espaço público em suas prosas diárias. A dimensão das ruas era, então, perfeitamente adequada à essa função e também à passagem das carroças transportando mercadorias e o pequeno número de pedestres de cidades cujo tamanho era mantido sob controle. Fig. 24: Ruas estreitas de Hydra na Grécia, herança da cidade helênica. Com a notável expansão territorial que caracterizou o período helenístico, muitas cidades romperam os antigos limites populacionais, considerados ideais por Platão e Aristóteles e passaram a receber uma quantidade de mercadorias cada vez maior resultante do crescimento do comercio. O aumento da circulação de mercadorias e de pedestres exigiu que boa parte das ruas fossem alargadas para 6,00 a 7,00 metros de larguras e algumas atingissem até 30,00m de largura para servir de palco ao desfile dos exércitos que retornavam ou partiam para novas conquistas. É dessa época o eixo viário longo que, com suas dimensões monumentais, criou novas perspectivas, numa paisagem urbana que adquiria uma maior ordem formal e funcional. Nela o Ágora e a Acrópole ocupavam quarteirões que se diferenciavam apenas funcionalmente. ‘’Assim, a cidade helenística tornou-se um mostruário onde o poder dos governantes, dinástico ou mercantil, era posto em exibição, tanto para temor de seus súditos quanto para entretê-los. Talvez para curar a ferida causada pela perda de efetiva liberdade política e de criatividade cultural das cidades gregas, os novos governantes proporcionavam beleza como uma espécie de bálsamo ou analgésico; e a cidade como um todo exibia uma beleza que, se não chegava perto dos melhores exemplos da ordem arquitetônica helênica, não obstante, alcançava um nível geral a que Atenas, no tempo de Péricles jamais sequer aspirou.’’ ( Munford, 2004:p.218) A prevalência do Plano Milésio, com sua rigidez, permitia estabelecer um melhor controle da população, notadamente constituída por estrangeiros, constrangidos a se estabelecer em determinados quarteirões. É bem verdade que o Plano Milésio quando aplicado equivocadamente, em sítios de topografia muito movimentada, trazia graves problemas pelo fato de ser impossível acomodar sua Penso que, se analisarmos o forte crescimento da cidade grega durante o período helenístico, poderemos ver com mais clareza alguns pontos já estudados no curso: O primeiro refere-se à relação entre o tamanho de uma cidade e o de sua área de influência, ou melhor, a relação entre crescimento urbano e quantidade do mais-produto capturado pela cidade através da relação de dominação exercida sobre a área de influência (campo). Uma das principais características do período helenístico é a forte expansão do território dominado pelos gregos da Macedônia, graças ao gênio militar de Alexandre. Essa ampliação teve como conseqüência direta o aumento da quantidade dos fluxos de mais produto para as cidades gregas, afastando o medo da fome, razão principal para o rígido controle do crescimento urbano, até então exercido. Na realidade passava a existir, até mesmo, estímulos para o crescimento, na medida em que, cidades maiores estariam mais bem aparelhadas para atrair maiores fluxos de mais produto, tanto pela relação de dominação, como pelo aumento das atividades comerciais. O segundo ponto quepodemos rever é a relação que existe entre forma e função. Nesse caso específico, refiro-me as transformações espaciais sofridas pelas ruas principais das cidades gregas, durante o período helenístico. O fato é que, nessa época, alguns eixos viários sofreram alargamentos e embelezamentos que só se justificaram por grandes mudanças funcionais. Através deles, em dias de festa, os exércitos que voltavam de batalhas eram recebidos em triunfo, através deles, nos dias comuns, trafegavam uma enorme quantidade de pessoas e carroças necessárias ao transporte de quantidades cada vez maiores de mercadorias. A transformação das ruas em largas avenidas teria seu auge, na idade antiga, no Império Romano, especialmente em Roma, assunto de nossa próxima aula. estrutura ortogonal de grande rigidez formal a terrenos que não fossem predominantemente planos. Fig. 25: Planta de Mileto Sob a dominação romana tanto a formalidade como as dimensões da rua foram ainda mais ampliadas para atender ao crescimento da população e do comércio e das demonstrações de força dos conquistadores através dos desfiles de seus exércitos. Um dos elementos arquitetônicos mais característicos das cidades helenísticas foram as “stoas” que eram colunatas ou pórticos cobertos, criados para abrigar os comerciantes que expunham suas mercadorias e proteger os pedestres do sol e da chuva. À sombra das stoas a população fazia suas compras e desenvolvia uma série de atividades culturais e de lazer, substituindo e ampliando, em escala, o papel de ponto de encontro exercido pela rua na cidade grega. Fig. 26: Stoa de Attalus, Atenas, Grécia O crescimento populacional e espacial da cidade helenística acabou por afastar o campo da cidade, tornando a paisagem rural menos acessível aos habitantes que ocupavam as áreas centrais motivando o plantio de árvores dentro do perímetro urbano assim como a utilização de grandes vasos ou jardineiras para o embelezamento das ruas. TÓPICOS PARA DISCUSSÃO O exame do que ocorreu com a Cidade grega, da Grécia Clássica ao Helenismo deu e ainda poderá vir a dar boas idéias para que possamos melhor compreender e planejar nossas cidades. Além disso, serve de estímulo para que aprofundemos nosso conhecimento e ampliemos a discussão de questões importantes que afetam a cidade contemporânea. A) Em relação às estruturas urbanas típicas Se procurarmos em nossas cidades exemplos das estruturas radiais e em xadrez iremos achar, com mais facilidade, exemplos em que os dois tipos aparecem combinados. O traçado orgânico, ajustado à topografia, característico de cidades radiocêntricas pode ser visto no Rio no bairro de Santa Tereza e, curiosamente, em algumas favelas cariocas. O padrão em xadrez, por outro lado, predomina em vários bairros da zona sul e dos subúrbios do Rio. Outro ponto interessante são as ideias de Arturo Sorya y Matta (1882) sobre a cidade linear que poderíamos considerar como uma terceiro tipo de estrutura urbana, adotada por vários planos urbanísticos, entre eles o de Brasília. As ideias de Sorya y Matta nos ajudam a compreender como como os avanços tecnológicos, no caso as ligações ferroviárias, criam condições para grandes transformações na estrutura urbana. Fig.27 A proposta de Cidade Linear de Sorya y Mata Fig.28: O Plano de Brasília B) Em relação aos espaços urbanos especializados A apresentação desse tema permite desenvolver algumas interessantes discussões com os alunos: Podemos introduzir a noção de zoneamento funcional e em seguida discutir as vantagens e desvantagens de um zoneamento de corte modernista, onde os diferentes usos não se misturam, ocupando áreas específicas da cidade. Podemos discutir também o impacto positivo na qualidade de vida de um zoneamento que estimule a reunião de diferentes usos numa mesma área da cidade, privilegiando os percursos a pé e eliminando a necessidade de grandes deslocamentos. Outro tema que poderá ser discutido é a eventual utilização do zoneamento como instrumento de segregação e de controle social. A apresentação das diferenças entre o Ágora e a Acrópole tem como um dos objetivo estimular os alunos a proceder a leitura de espaços urbanos diferenciados, dotando-os de um novo olhar sobre a cidade. No Rio de Janeiro bairros como Santa Teresa e Copacabana, a favela da Rocinha e edificações como o Maracanã e o Sambódromo e o próprio campus da UERJ, podem ser usados no exercício. Fig. 29: Santa Teresa Fig. 30: favela da Rocinha Fig. 31: Sambódromo Fig. 32: Maracanã C) Crescimento por colonização Ao tratarmos da preocupação dos gregos com crescimento excessivo de suas cidades podemos lembrar que essa preocupação persiste ainda hoje e discorrer sobre os instrumentos utilizados para conter esse crescimento em um passado mais recente e na atualidade. Neste sentido podemos contar como o crescimento por colonização dos gregos inspirou a elaboração do programa de cidades novas na Inglaterra, no início do século passado. Podemos falar da lógica do programa de incentivo às cidades médias, utilizado pelo governo brasileiro nos anos setenta como contenção do crescimento das grandes cidades e ainda do papel dos Planos Diretores nesse sentido. É preciso também relativizar a gravidade do problema nos dias de hoje, diante das baixas taxas de crescimento demográfico e de movimentos migratórios mais significativos. Finalmente, aproveitando o tema podemos falar das regiões metropolitanas, dos elementos que as caracterizam (existência de uma cidade pólo, serviços comuns e áreas conurbadas) e das dificuldades de gestão. Já que estaremos tratando da Grécia poderemos lembrar o que Aristóteles dizia sobre a impossibilidade de governar cidades pequenas demais e grandes demais, comparando-as a um barco que, demasiadamente pequeno, não conseguiria navegar num mar revolto e, grande demais, não conseguiria atracar. d) A Cidade e o Poder As complexas relações da cidade com o poder também podem ser examinadas através das transformações da rua objetivando demonstração de força e maior controle social. Nesse último aspecto cabe analisar a modernização da estrutura urbana de Paris por Hausman. LEITURAS SUGERIDAS -MUNFORD, LEWIS, Emergência da Polis - in A Cidade na História - suas origens, transformações e perspectivas, Martins Fontes, São Paulo, 1998 -MAFFRE, JEAN-JACQUES, A Vida na Grécia Clássica, Textos de ERUDIÇÃO & LAZER, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1989
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