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XXVIII CONGRESSO INTERNACIONAL DA ALAS 6 a 11 de setembro de 2011, UFPE, Recife-PE Grupo de Trabalho: Educação e desigualdade social Título do Trabalho: O papel da universidade pública brasileira no século XXI Autor: André Rodrigues Guimarães GEPES/ICED/UFPA e UNIFAP Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (GEPES) Doutorando em Educação PPGED/ICED/UFPA, com Bolsa da CAPES Docente da Universidade Federal do Amapá Introdução Neste texto temos como objetivo discutir o papel/função da universidade pública brasileira diante do processo de contrarreforma do Estado em curso no país nas últimas duas décadas. Entendemos que a política de expansão do acesso ao ensino superior privado, com a proliferação de instituições e o crescimento do número de matrículas em cursos de graduação, desencadeada no regime militar e acelerada a partir dos anos 1990 tem como premissa basilar a privatização/mercantilização da educação superior. Trata-se da efetivação de um processo de contrarreforma da educação superior que têm implicações negativas para a universidade pública ao induzir a conformação da lógica mercantil em tais instituições, rompendo o tripé ensino-pesquisa- extensão. Destacamos que para compreendermos essa política em sua totalidade é necessário considerarmos o processo de “reforma” do Estado desencadeado nos últimos vinte anos. Também é fundamental percebermos o caráter dependente da formação capitalista no Brasil, com suas especificidades de capitalismo “atrasado”. Como destaca Lima (2007), essa compreensão nos possibilitará analisar com mais concretude o processo de contrarreforma da educação superior desenvolvida no país a partir dos princípios econômicos neoliberais e monitorada por organismos financeiros internacionais. Concluímos que diante do aprofundamento da crise estrutural do capital e da subserviência estatal reafirma-se, aos que concebem a educação como direito social, a necessidade de defender a universidade pública com ensino, pesquisa e extensão e vinculada aos interesses coletivos da sociedade. Capitalismo dependente e contrarreforma do Estado brasileiro A inserção/relação do Brasil na economia capitalista, como no conjunto dos países latino-americanos, deve ser analisada no contexto do movimento mundial do capital, fundamentalmente articulada ao imperialismo norte- americano (FERNANDES, 2009), mas também a partir das especificidades histórico-conjunturais internas. Não há um modelo linear e único de desenvolvimento do capitalismo nas distintas áreas do globo. Como enfatiza Chilcote (2009) não há necessariamente uma simetria de caminhos seguidos entre os países capitalistas desenvolvidos e os menos desenvolvidos. O Brasil, como país capitalista periférico, não esteve/está em estágio preliminar de desenvolvimento, mas sim articulado orgânica e especificamente ao capitalismo global. Assim, na análise do capitalismo brasileiro é necessário romper com o modelo dualista desenvolvido a partir das orientações do modelo cepalino, segundo a qual o subdesenvolvimento é etapa preliminar (caminho) para o desenvolvimento capitalista. O “subdesenvolvimento” pareceria a forma própria de ser das economias pré-industriais penetradas pelo capitalismo, em “transito”, portanto, para as formas mais avançadas e sedimentadas deste; todavia, uma tal postulação esquece que o “subdesenvolvimento” é precisamente uma “produção” da expansão do capitalismo. (OLIVEIRA, 2003, p. 32-3). O rompimento com a análise harmônica, linear e desenvolvimentista significa considerar que a consolidação do capitalismo no país, ao longo do século XX, não ocorreu apenas pelo viés economicista e externo. Para além de interesses das potências econômicas mundiais há motivações e acomodações político-econômicas locais. Conforme expressa Ricardo Antunes, na apresentação de Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina (FERNANDES, 2009), para além de pressões exclusivamente externas o Brasil historicamente desenvolveu-se sem grandes rupturas, realizando constantemente uma “conciliação pelo alto, excludente em relação à classe trabalhadora e sempre de prontidão para o exercício da contrarrevolução, encontrou na dependência e no subdesenvolvimento a sua forma de integração para fora e desintegração para dentro.” (p. 12). Isso significa que a formação do capitalismo dependente brasileiro ocorreu a partir de um acordo entre os objetivos da classe dominante local, principalmente a burguesia nacional, e o capital internacional (tendo nas últimas décadas a hegemonia norte-americana). Nesse ajuste, o Estado brasileiro desempenhou papel de protagonista e fundamental ao estabelecer as bases estruturais para a “modernização” do país e conformar/controlar a classe trabalhadora nacional. Isso fica explícito quando se analisa o processo de industrialização do país após 1930, delineados segundo a teoria desenvolvimentista (OLIVEIRA, 2003). Assim sendo, é necessário destacarmos que a consolidação, o papel e o significado dos Estados intervencionistas na América Latina não podem ser compreendidos a partir de modelos teóricos universais ou dos determinantes exclusivamente externos (como o imperialismo norte-americano). É necessário perceber a especificidade histórica e conjuntural (da qual também fazem parte elementos externos) que engloba interesses de classes e suas frações na constituição dos Estados nacionais na região. Para tal é possível/necessário “alinhar, na linha de alguns marxistas contemporâneos, um outro ponto de partida que permite uma releitura mais fecunda da problemática latino- americana, em torno das especificidades do seu capitalismo” (FIORI, 2003, p. 105). Para Demier (2009), fazendo referência a Trotsky, o caráter de capitalismo atrasado dos países latino-americanos tende a conduzi-los ao bonapartismo: o Estado amplia sua autonomia relativa diante das demandas do capital internacional, da burguesia nacional e da classe trabalhadora. Assim, o Estado apresenta-se “acima” dos interesses de classe e responsável pelo projeto de desenvolvimento da nação. No Brasil, desde o início da industrialização, até a crise dos anos 1980, a atuação estatal foi orientada a partir do modelo desenvolvimentista. O Estado interventor constituiu-se no principal responsável pelo fortalecimento da indústria e constituição dos pilares estruturais necessários à consolidação do capitalismo no país (FIORI, 2003). Entretanto, esse modelo de intervenção estatal além de não ter conduzido o conjunto da nação aos benefícios da riqueza produzida, em tempos áureos, levou a desestruturação da economia e do Estado brasileiro. O esgotamento do modelo desenvolvimentista, com a consequente crise do Estado interventor brasileiro, constituíram as bases de justificativa, com forte apego ideológico, da necessidade de ajustes estruturais no país na última década do século XX. Behring (2008) evidencia que um conjunto de fatores políticos, econômicos e sociais, desencadeados na década de 1980, criou as condições propícias para a contrarreforma do Estado brasileiro. Entre tais condições podemos destacar o crescente endividamento público e elevados índices de inflação em função do intervencionismo estatal do modelo desenvolvimentista; a intensificação das reivindicações sindical e popular por ampliação dos direitos democráticos, ocasionando uma crise política em torno de distintos projetos sociais; e a crise do intervencionismo estatal brasileiro (expressa no fracasso do projeto desenvolvimentista e nas críticas sociais a seus objetivos), que apontava a necessidade de reformas estruturais no Estado. Assim sendo, a década de 1990 será propícia para reformulação da política econômica adotada pelo país. Como destacamos, essasmudanças devem ser compreendidas a partir de um duplo movimento: a) de forma estrita considerando a especificidade da formação capitalista no Brasil (e suas crises) e sua inserção subalterna no mercado/produção mundial; b) de forma ampla a partir da reestruturação produtiva do capitalismo desencadeada no último quarto do século passado e a consequente liberalização dos mercados nacionais. Enquanto orientações gerais estão a liberalização dos mercados nacionais e de instituir políticas de ajustes fiscais, com o objetivo de reduzir a atuação do Estado (com o crescente ataque às políticas e direitos outrora considerados sociais) e ampliar a esfera do mercado. É enfatizado que a intervenção econômica estatal inibe o livre arbítrio dos consumidores. Nesse sentido, políticas e direitos sociais passam a ser considerados como serviços não exclusivos do Estado e devem estar na esfera mercantil. Os organismos financeiros internacionais (principalmente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional) consubstanciam-se em instituições centrais para estabelecimento, implementação e controle de tais diretrizes. O papel dos organismos internacionais na elaboração e difusão dos valores e concepções que constituem este projeto de dominação tem sido fundamental. As políticas promovidas por estes sujeitos políticos coletivos do capital – Grupo BM, UNESCO e, mais recentemente, a OMC – vêm orientando um conjunto de reformas econômicas e políticas realizadas nos países da periferia do capitalismo. (LIMA, 2007, p. 51). Como analisa Behring (2008) essas orientações encontraram “solo fértil” no Brasil dos anos 1990. Como resultado de pressões dos organismos e acordos financeiros internacionais e com o aval da burguesia brasileira, o Brasil passou a adotar políticas de redução da atuação social do Estado e ampliação da esfera do mercado. Trata-se de ajustes que visam “reformar” o Estado a partir dos princípios neoliberais: “reformas” que desestruturam políticas sociais e atacam os direitos da classe trabalhadora, por isso trata-se de uma contrarreforma (BEHRING, 2008). Principalmente a partir dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) o Estado brasileiro passará por “reformas” estruturais, seguindo as indicações do Consenso de Washington1: tratava-se de ajustar a política econômico-social brasileira aos princípios neoliberais do livre comércio. A centralidade e urgência do tema nos governos de FHC se expressaram na criação, em seu primeiro mandato, do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), nomeando como ministro Bresser Pereira. Ainda em 1995, foi criado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado que redefiniu o papel do Estado na condução do setor público a partir de um modelo gerencial com centralidade no controle de resultados. Desde então, o Brasil passa por política de ajuste fiscal, com o argumento de controle da inflação, elevadas taxas de juros, privatização e abertura comercial com forte incentivo ao capital especulativo e a consequente redução do orçamento social. Como resultado, as políticas sociais e os direitos trabalhistas são duramente atacados em um cenário de crescente desemprego, informalidade e outras formas de precarização do trabalho (BEHRING, 2008). Em 2003, com a chegada de Lula da Silva à presidência, com uma Coligação de Frente Popular, da qual participou o Partido Liberal (que indicou como seu vice-presidente José de Alencar, empresário da indústria têxtil), havia certa expectativa, por parte do movimento sindical e popular e de intelectuais da esquerda, na modificação da política econômica. Entretanto, seu governo evidenciou a manutenção, em uma nova fase, da política de ajustes neoliberais no país (LIMA, 2007). Desse modo, mesmo com o discurso de reformas estruturais que levariam ao desenvolvimento nacional, o Estado brasileiro adentra o século XXI marcado por um processo histórico de submissão/dependência internacional, 1 O “Consenso de Washington” foi como ficou conhecido o resultado de reunião, realizada no final de 1989, conduzida pelos EUA e organismos financeiros (FMI, BM e BID), que avaliando a situação latino-americana reafirmou a necessidade de políticas econômicas de orientações neoliberais para a região. construído a partir de acordos/consenso com a burguesia brasileira. Como característica nova, tal processo trás a desestruturação do caráter social do Estado brasileiro e o ajuste aos novos ditames do capitalismo em crise e global. Em suma, trata-se de ampliar o espaço do mercado/capital na condução do Estado e reduzir a pressão/conquista da classe trabalhadora brasileira. Contrarreforma da educação superior brasileira A constituição histórica e as transformações recentes do Estado brasileiro têm implicações negativas para a consolidação da educação superior enquanto política social. Os interesses das camadas economicamente superiores (representada, a partir do ideário desenvolvimentista, pela burguesia brasileira) e o caráter dependente da economia nacional impediram a constituição da educação como direito social e dever do Estado. Como veremos, a ausência estatal na manutenção da educação superior como política pública e direito de todos será mantida e aprofundada no processo contrarreforma de orientação neoliberal em curso no país. Conforme destaca Lima (2007) o caráter extremante elitista da educação superior brasileira, nascida como privilégio social, tem seus limites nas necessidades na modernização do capital. As transformações produtivas implementadas no país com a vigência da orientação das teorias desenvolvimentistas imputavam a necessidade de ampliar o acesso aos trabalhadores a possibilidade de formação de nível superior. Por outro lado e em contraposição, movimentos docentes e estudantis reivindicavam reformas democratizantes para a universidade brasileira. Esse movimento, acirrado no início da década de 1960, com as crescentes reivindicações sociais por reformas estruturais no país, implicava um rompimento com o elitismo do acesso à universidade e, estruturalmente, a revisão do padrão dependente do capitalismo brasileiro. Com o intuito de evitar tais transformações, a burguesia brasileira com aval/desejo do imperialismo norte-americano, passou a implementar, a partir do golpe militar de 1964, um processo de reforma universitária que, ao mesmo tempo, atendesse as demandas do mercado de trabalho, controlasse as reivindicações sociais e, como demandas das intenções anteriores, ampliasse o acesso à educação superior. Trava-se então da burguesia conduzir o “processo que Florestan Fernandes [...] denominou ‘reforma universitária consentida’” (LIMA, 2007, p. 127), para manter seu controle sobre o Estado. Essa reforma trouxe, entre outras implicações, a ampliação do número de matrículas em cursos de graduação, passando de 142 mil, em 1964, para 932 mil, em 1974. Entretanto, essa expansão se deu principalmente em instituições privadas (com crescimento de quase 1000% de matrículas na década em questão), invertendo o predomínio público na manutenção do ensino superior. Em 1964 a maioria das matrículas (61,6%) estava em instituições públicas, dez anos depois as instituições privadas já possuíam essa hegemonia (com mais de 63% das matrículas). Ainda que a hegemonia do mercado na oferta de educação superior se reduza na década seguinte, considerando os dados de 1984 (com quase 1,4 milhões matrículas, com 40,9% públicas) é notório que a ampliação do acesso ao ensino superior no período militar implicou no fortalecimento da lógica mercantil neste nível de ensino. (SGUISSARDI, 2008). Em primeiro lugar, a proliferação de escolas privadas de ensino superior [...] permitiu o acesso de vastas camadasda classe média ao ensino universitário, atendendo assim a uma expectativa que se vinha tornando cada vez maior. Em segundo lugar, o caráter próprio dessas organizações empresariais supunha naturalmente um perfil de curso superior significativamente distinto daquele dos cursos em instituições públicas. Os parâmetros de eficiência e lucratividade excluíam qualquer ideário pedagógico mais consistente, o que foi substituído pelo senso de oportunidade comercial na organização e venda de serviços segundo o critério da demanda. (SILVA, 2001, p. 295). Desse modo, mesmo com uma expansão significativa do acesso à universidade durante o regimento militar, inclusive em instituições públicas (saindo de pouco mais de 87 mil matrículas em 1964 para mais de 570 mil em 1984), institui-se no país um espaço propício para o mercado: o ensino superior. Tal abertura implicou na fundamentação de duas grandes concepções de educação superior. Por um lado, temos a concepção, adotada principalmente por universidades públicas e historicamente reivindicada pelo movimento docente e estudantil, que defende a universidade como espaço crítico e autônomo, responsável pela formação profissional, produção e socialização de conhecimentos de acordo com os interesses coletivos da sociedade. Por lado, temos a constituição de instituições privadas, predominantemente de ensino, preocupadas com interesses comerciais que buscam sujeitos/consumidores para comprar seus produtos formulados segundo as condições econômicas dos compradores e as exigências mais imediatas do mundo produtivo. Com a adoção das políticas de ajustes fiscais e incentivo ao livre mercado a partir dos anos 1990, o Estado brasileiro passa a adotar medidas que incentivam a manutenção e proliferação da privatização e mercantilização do ensino superior. Tendo como balizadores externos os grandes organismos financeiros do capital internacional, amplia-se a esfera do mercado tanto em termos percentuais de atendimento, quanto na instituição cada vez mais acentuada da lógica mercantil na universidade pública. Em tal processo, é exaltado, na concepção, função e manutenção da universidade, um viés economicista segundo a qual conhecimento, ciência tecnologia são tidos como mercadoria. Como sintetiza Sguissardi (2005, p. 215) essa “idéia de uma universidade organizada e gerida nos moldes empresariais, trabalhando com uma semimercadoria no quase-mercado educacional está cada vez mais presente no discurso e nas práticas oficiais das políticas públicas de educação superior”. O marco legal principal de adequação da educação superior brasileira ao projeto neoliberal é certamente a Lei a Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/1996). A atual LDB intensifica o processo de privatização e mercantilização da universidade segundo os interesses operacionais do mercado neoliberal. Há, na Lei, um incentivo ao mercado da educação superior com a indução à expansão de instituições de ensino – com abandono da pesquisa e da extensão; a constituição de universidades isoladas por campo de saber e diversificação das Instituições de Educação Superior (ISE); centralidade e centralização da avaliação institucional com ênfase na cobrança de resultados; a flexibilidade curricular com a instituição de cursos seqüenciais; e o tratamento superficial sobre a educação à distância (BELLONI, 2003). Passado um pouco mais de dez anos de vigência da LDB, essas ações se confirmam em Decretos e Leis que regulamentam a Educação Superior. No âmbito do discurso governamental todo esse processo reformista foi ideologicamente justificado pela necessidade de modernizar a educação superior brasileira e promover a ampliação do acesso a tal nível de ensino. Além disso, recorrentemente a universidade pública foi acusada de ineficiente, onerosa e elitista, sendo esses os motivos, intrínsecos à instituição pública, da exclusão da população do acesso ao ensino superior. Como resultados de tal política verificamos no país um processo crescente de acesso ao ensino superior nos últimos anos. Triplicamos o número de vagas na graduação, saímos de 1,7 milhão, em 1995, para quase 6 milhões, em 2009. Entretanto ampliou-se a participação do mercado: em termos percentuais do total de matrículas em 2002 (final do governo FHC) 69,8% eram em IES privadas e em 2009 (penúltimo ano do segundo mandato de Lula da Silva) esse número sobe para 74,2%. A Tabela 1 evidencia o aumento anual constante de instituições e matrículas em cursos de graduação no Brasil, porém, também explicita o caráter marcadamente mercantil de tal processo. Tabela 1 – Evolução das IES, Matrículas Presenciais e a Distância na Educação Superior, por categoria administrativa – Brasil – 1995/2009 Fontes: INEP (1999a, 1999b, 2000, 2002, 2005, 2007a, 2007b, 2009). Notas: Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento; * Não se aplica dado numérico. IES Matrículas Presenciais Matrículas EAD Ano Pública Privada Pública Privada Pública Privada 1995 210 684 700.540 1.059.163 - - 1997 211 689 759.182 1.186.433 - - 1999 192 905 832.022 1.537.923 - - 2001 183 1.208 939.225 2.091.529 5.359 - 2003 207 1.652 1.136.370 2.750.652 39.804 10.107 2005 231 1.934 1.192.189 3.260.967 53.117 61.525 2007 249 2.032 1.240.968 3.639.413 92.873 276.893 2009 245 2.069 1.351.168 3.764.728 172.696 665.429 ∆ (%) 95-01 -12,8 76,6 34,1 97,4 * * ∆ (%) 03-09 18,3 25,2 18,9 36,8 333,8 6.483,8 ∆ (%) 95-09 16,6 202,5 92,9 255,4 * * De modo geral, como expressa a Tabela 1, é possível identificarmos que a expansão da educação superior nos governos de FHC ocorreu por meio do crescimento estrondoso do número de instituições e matrículas presenciais na iniciativa privada. Considerando o período 1995-2001 atingiu-se, respectivamente, elevação de 76,6% e 97,4%. Já nos governos Lula da Silva essa expansão encontra seus limites em função do poder aquisitivo das famílias brasileiras (SGUISSARDI, 2008). Isso conduziu, apesar da elevação nominal, a uma retração percentual, em relação ao período anterior, do número de instituições e matrículas presenciais no setor privado para, respectivamente, 25,2% e 36,8%. Destacamos que no período em questão, ocorreu uma expansão das vagas em instituições públicas federais, acentuada a partir da instituição do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB)2, com expansão de matrículas de graduação via EaD, e do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)3, ambos criados no governo Lula da Silva. Entretanto, essa expansão tem implicado no fortalecimento do modelo mercantil do acesso ao ensino superior. De forma explícita este processo ocorre a partir da ampliação do mercado educacional (expressa nas estatísticas oficiais). Por outro lado, mas segundo o mesmo princípio, implicitamente ações privatizantes são desenvolvidas pelo Estado brasileiro, seja para fortalecer a iniciativa privada como o Fies (Fundo de Financiamento do Ensino Superior) e o Prouni (Programa Universidade para Todos), ou consolidar a lógica gerencial (segundo modelo de contrato de gestão de Bresser Pereira) na relação da manutenção estatal das instituições públicas federais por meio do estabelecimento de “contratos de gestão” vinculando a liberação de recursos ao cumprimento de metas (cujo maior e mais recente exemplo é o Reuni). 2 Criado pelo Decreto 5.800/2006, o Sistema tem a finalidade de expandir e interiorizar a oferta pública da educação superior com ênfase nos cursos de licenciaturas. Para análise da UAB e da recente política de expansão da educação superior brasileira na modalidade EAD consultar Dourado (2008). 3 Instituído, segundo os princípios do contrato de gestão,pelo Decreto 6.096/2007 o Reuni permitiu que as universidades federais celebrarem convênios com o MEC, com propostas de expansão dos cursos e vagas na graduação, reestruturação curricular e ampliação da relação aluno/professor e das taxas de conclusão de cursos na graduação. Para análise do Programa ver Chaves e Mendes (2009). Em suma, o processo de “reforma” universitária em curso no país, ainda que eleve no número instituições de ensino superior e de matrículas em cursos de graduação, não rompe com a lógica excludente constituída a partir da formação dependente do país. Ao contrário, as políticas de ajustes neoliberais, em distintas fases e governos, ampliam o controle do capital (nacional e internacional) sobre o Estado e submete, de forma explicita ou não, a educação superior brasileira aos interesses mercantis. Defender a universidade pública diante da crise estrutural do capital Como evidenciamos o processo de mercantilização/privatização da educação superior em curso no Brasil deve ser analisado a partir do contexto sócio-histórico do capitalismo contemporâneo. Entendemos que isso implica em considerar que a submissão da função/papel da universidade aos ditames do mercado capitalista está organicamente vinculada à crise estrutural do capital. Essa articulação permite compreender a realidade em sua totalidade e nos possibilita uma ação em defesa da universidade pública efetiva, pois evidencia essência da problemática em questão. Desde o final da década de 1960 István Mészáros tem enfatizado que o capitalismo enfrenta uma crise estrutural (ANTUNES, 2009). Diferentemente das crises cíclicas do capitalismo, recorrentes e passageiras, vivenciamos um processo de intensificação da crise estrutural do sistema sociometabólico do capital. Todas as formas de exploração da vida atingiram níveis limítrofes, não sendo possível forjar novos mecanismos propulsores da lucratividade desejada pelo capital. Isso significa que se esgotaram inclusive as possibilidades de ajustes conjunturais (como o intervencionismo keynesiano) capazes de recuperar a economia em tempos de depressão: a manutenção do capital chegou ao seu limite. O sistema capitalista é estruturalmente contraditório (tendo como central/originária a contradição entre capital e trabalho) e incapaz de realizar suas projeções/promessas de universalidade (MÉSZÁROS, 2003). É esse caráter essencialmente contraditório do capital que é levado ao extremo nos dias atuais, com a intensificação sem precedentes da degradação humana e ambiental. Entretanto, todo esse processo de contradição e expropriação, mesmo diante da crise estrutural, é escamoteado ideologicamente segundo os interesses da classe dominante. O fetiche do capital busca ignorar as consequências desastrosas e intransponíveis dentro da ordem estabelecida, reafirmando sua supremacia onipotente e onipresente. Desde o final dos anos 1960, como tentativa de enfrentamento à crise estrutural e fundamentalmente com o intuito de ampliar/recuperar o espaço/lucro da economia capitalista, vivenciamos um conjunto de transformações na sociabilidade humana. Como destaca Antunes (2002) nesse processo, a reestruturação produtiva, na perspectiva da acumulação flexível, e a redefinição dos papeis desempenhados pelos Estados nacionais, com a retomada das teses do livre mercado, assumem dimensões/impactos globais com o crescente agravamento da exclusão social. Trata-se de levar ao extremo a subordinação humana aos interesses estritos do capital: reprodução do valor de troca em detrimento do valor de uso na produção da existência humana (MÉSZÁROS, 2002). A reestruturação produtiva caracteriza-se pela crescente flexibilização na produção de mercadorias e nas relações de trabalho. Trata-se de um processo de acumulação flexível com inovação tecnológica, comercial e organizacional das empresas que passam a produzir de acordo com as demandas imediatas do mercado. A flexibilidade pressupõe produzir bens e relações trabalhistas supérfluas, descartáveis. Em suma, a estrutura produtiva é modificada/reformada, com a intensificação da exploração da força de trabalho4, para ampliar o espaço da produção e comercialização das mercadorias. Como parte desse processo o Estado, fundamentalmente administrador dos interesses burgueses (MARX; ENGELS, 2008), passa também por redefinições em sua função/intervenção. Para garantir os pressupostos necessários ao livre mercado, inclusive com a constituição de novas mercadorias, os Estados nacionais devem eliminar barreiras alfandegárias e limitar sua atuação na esfera social. Para os apologetas do capital toda 4 Para compreensão mais detalhada das características e conseqüências da reestruturação produtiva ver Ricardo Antunes, especialmente seu livro Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho (ANTUNES, 1999). estagnação econômica desencadeada pela crise do capital desde o início dos anos 1970 é também uma crise do intervencionismo estatal. Nessa perspectiva, ao estabelecer certos direitos sociais, como respostas às demandas dos trabalhadores, o Estado intervém para além de sua função basilar (garantir o direito à propriedade privada) e impede que o mercado proporcione a harmonia/desenvolvimento da sociedade (HAYEK, 1994). É nesse contexto, como evidenciamos anteriormente, que o processo de mercantilização/privatização da educação superior é concebido e implantado. A educação superior, principalmente na periferia do capitalismo global, é reduzida ao ensino e com objetivo de formação aligeira e técnica-ideologicamente ajustada aos interesses estritos do capital em crise estrutural. Segundo tal lógica, é necessário “desonerar” os custos com a universidade para permitir ao mercado maior competitividade e objetividade na oferta do ensino superior. REFERÊNCIAS: ANTUNES, Ricardo. A substância da crise e a erosão do trabalho. In: SAMPAIO JÚNIOR, Plínio de Arruda (org.). 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In: CHAVES, Vera Lúcia Jacob; CABRAL NETO, Antônio; NASCIMENTO, Ilma Vieira (Org.). Políticas para a educação superior no Brasil: velhos temas e novos desafios. São Paulo: Xamã, 2009. CHILCOTE, Ronald H. Influências trotskistas sobre a teoria do desenvolvimento da América Latina. Revista de Ciências Sociais. 2009, vol. 40, n. 1, p. 73.98. DEMIER, Felipe. O fenômeno da “autonomização relativa do Estado” em Trotsky e Gramsci: “bonapartismo” e “cesarismo”. 6º Colóquio Internacional Marx e Engels, 2009. GT 2: Os marxismos. Anais do evento. DOURADO, Luiz Fernandes. Políticas de expansão da educação superior no Brasil e a modalidade EAD. In: MANCEBO, Deise; SILVA JR., João dos Reis; OLIVEIRA, João Ferreira de (Org.). Reformas e políticas: educação superior e pós-graduação no Brasil. Capinas-SP: Editora Alínea, 2008. (Coleção políticasuniversitárias). FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Apresentação de Ricardo Antunes. 4ª ed. 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