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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas à Distância Disciplina Biogeografia Prof. Dr. Francisco José de Figueiredo Aula 3. As Causas dos Padrões Biogeográficos No século XVIII o naturalista francês Georges Louis Leclerc de Buffon (1707-1788) chamou a atenção para o fato que regiões geográficas distantes com condições ecológicas semelhantes abrigam diferentes táxons. Adicionalmente, ele postulou que a medida que os mamíferos (o grupo de animais que ele usou como exemplo) dispersaram para alcançar áreas distantes do centro de origem, entraram em contato com novas condições climáticas e diferentes recursos alimentares, sofrendo assim transformações herdáveis. Mais tarde a constatação inferida da distribuição disjunta foi denominada pelo barão de Humboldt de Lei de Buffon ou, como hoje conhecemos, especiação geográfica. Basicamente sua proposta foi confirmada mais tarde. Tomemos como exemplo as florestas de terras baixas tropicais da América do Sul, da África e da Índia. Apesar de haver entre elas muitas semelhanças climáticas e fisiográficas os táxons que ocupam nichos ecológicos similares (equivalentes ecológicos) não são os mesmos. Foram moldados progressivamente por seleção natural adquirindo aspectos adaptativos convergentes. Sendo assim, não é possível explicar o padrão detectado por determinismo ecológico. Então, uma distribuição geográfica congruente sugere causas históricas, ligadas a história geológica da área geográfica. As espécies se originaram lá ou vieram de outro lugar. No primeiro caso, implica em dizer que a especiação ocorreu lá. No segundo caso, houve dispersão, colonização e consequentemente especiação naquele local. Podemos didaticamente dividir as causas históricas em bióticas e abióticas. As principais causas históricas bióticas levantadas para explicar padrão biogeográfico são: a) Dispersão saltatória – assume-se que uma espécie(s) ancestral(is) surge(m) num ponto restrito da superfície terrestre (centro de origem) e passa(m) a exibir uma rota de dispersão (coincidente ou não com a de outras espécies) e, com a transposição de barreiras (ecológicas, geográficas ou climáticas) preexistentes, alcança(m) a atual área e lá se diferencia(m) em nova(s) espécie(s). Como consequência direta desta proposição, uma biota qualquer é o resultado de histórias individuais diversas e convergentes. Este tipo de explicação racional e intuitiva era muito usada em escala global pelos biogeógrafos antes da segunda metade do século XX já que eles defendiam a proposta de espaço absoluto na qual os continentes sempre estiveram ao longo da história da Terra nas mesmas posições como se vê no mapa. Não havia ainda aceitação entre os cientistas da teoria da deriva dos continentes por tectônica de placas como paradigma das geociências. b) Geodispersão – na ausência ou na ineficácia de uma barreira (ecológica, geográfica ou climática), um agrupamento de organismos (ou seja, uma população ou táxon) tende a se expandir progressivamente no espaço geográfico até alcançar uma condição na qual certo tipo de barreira aparece e lhe impõe limite ao avanço. É a forma de dispersão que melhor se acomoda a um contexto de história dinâmica da Terra (com ciclos de fragmentações e coalisões de continentes), ou seja, dentro do contexto de espaço relativo, em oposição ao de espaço absoluto. c) Vicariância – É o rompimento ou quebra na continuidade no espaço geográfico de qualquer agrupamento de organismos (população, espécie ou táxon superior) em consequência do aparecimento de uma barreira. Neste caso, a barreira é da mesma idade que os dois novos agrupamentos de organismos separados por ela. Este processo está em íntima associação com a especiação geográfica ou alopátrica. Qualquer fator que produz vicariância é dito evento de vicariância. Pode ser o aparecimento de um rio, de uma faixa ou cinturão climático, uma bacia oceânica ou emergência de uma cadeia de montanhas. Da mesma forma, elevação ou abaixamento do nível do mar podem ser eventos de vicariância. Imaginemos uma ilha não vulcânica próxima do continente. Ela hoje se apresenta isolada do continente nos levando a crer que a história de sua biota poderia ser melhor explicada por colonização a partir do próprio continente. Mas, o que diríamos se a história geológica nos mostrasse que em passado remoto ela estava contectada ao continente por uma extensão de terra? Por consequência lógica alguém poderia propor uma outra explicação, com base em evento de vicariância, ou seja, com a elevação do nível do mar em passado recente se deu a separação das biotas insular e continental. d) Extinção – É um processo evolutivo correspondente ao fim de uma linhagem evolutiva. Em consequência disso há o fim de parte ou toda a sua área de distribuição. Quanto a duração o evento de extinção pode ser: i) gradual (e.g., quando a espécie vai perdendo progressivamente habitats em função de mudança climática ou de ação antrópica) ii) súbito (e.g., causado por algum fator contingente, como a colisão repentina de um grande meteorito numa imensa área geográfica). Figura 1C. Diferença entre vicariância e dispersão saltatória. Na vicariância a barreira é da mesma idade que os dois agrupamentos de organismos (populações, espécies) separadas por ela. No caso da dispersão saltatória a barreira é anterior, mais antiga. Quanto a linhagem afetada a extinção pode ser: populacional ou taxonômica. No primeiro caso, na maioria das vezes, não há comprometimento para a extinção do táxon. Isto é normal e pode haver redução na abundância e nas dimensões da área de distribuição. Mas há chance de recuperação, como nos casos conhecidos de reflorestamento ou despoluição de rios e lagos. Porém, no caso de extinção taxonômica, o problema é bem mais sério, pois a perda total de uma espécie é algo irrecuperável. Os casos mais drásticos de extinção taxonômica são aqueles das extinções em massa que levaram ao extermínio várias linhagens evolutivas ao mesmo tempo na história da Terra. Em escala global, elas abarcaram grandes áreas geográficas durante certo tempo. Conhece-se, pelo menos, cinco grandes eventos de extinção em massa. O mais famoso ocorreu por volta de 65 milhões de anos, na transição Cretáceo- Paleógeno, e determinou o fim dos grandes dinossauros e dos moluscos amonoides. O pior momento da história de biodiversidade foi aquele no final do Permiano e início do Triássico, a cerca de 252 milhões de anos, que determinou o fim de mais de 95% dos organismos marinhos e 70% dos vertebrados terrestres, numa combinação de fatores diversos tais como intenso vulcanismo, alta taxa de metano na atmosfera, acidificação e depleção de oxigênio dos mares, colisão de meteoritos, proliferação de microorganismos anaeróbicos, desertificação nos blocos continentais, redução da área costeira disponível para habitats marinhos com a formação da Pangéia. Entre os animais que se extinguiram estavam trilobitas, euripterídeos (“escorpiões-marinhos”), acantódios e vários peixes actinopterígios. Quanto a escala, as causas para as extinções podem ser: i) Em menor escala: incêndios, competição interespecífica, aumento dos índices de radiação ultravioleta, enfermidades emergentes, ação antrópica (e.g., introdução de novas espécies e eliminação de resíduos tóxicos no ambiente), perda (destruição ou fragmentação) de habitats e micro-habitats. ii) Em grande escala: vulcanismo, colisão de grandes meteoritos com a superfície terrestre, mudanças climáticas globais, reduçãodo teor de oxigênio da água do mar e na atmosfera, crescimento geométrico exagerado de microorganismos anaeróbios em larga escala de tempo, aumento de gás metano na atmosfera. Existem casos especiais associados com o conceito de extinção denominados pseudo- extinção (ou extinção filética) e Efeito Lázaro. Pseudo-extinção ocorre quando a espécie ancestral desaparece na ocasião em que as espécies filhas dela surgem durante o processo de especiação. Determina o final da anagênese. Elas (as novas espécies) são a continuidade do material genético da ancestral, com suas novidades e atavismos. Outro caso interessante é o que chamamos de Efeito Lázaro, no qual uma linhagem que se considerava extinta no registro fóssil é redescoberta em outro momento. Isto ocorre principalmente devido a deficiência de coleta ou ausência de fossilização. Um exemplo recente é o mamute-lanoso (Mammuthus primigenius) que era considerado extinto desde o final do Pleistoceno, mas que foi descoberto no Holoceno do norte da Sibéria e no Alasca. Muitas relíquias biogeográficas atuais estão associadas ao Efeito Lázaro (e.g., os répteis tuataras endêmicos da Nova Zelândia). Para finalizar, pode(m) ocorrer evento(s) de extinção ao longo da extensão da área de distribuição de um táxon, afetando diretamente as populações e produzindo imensas lacunas. Desta forma ela se torna drasticamente alterada. Por exemplo, tomando-se o padrão de distribuição geográfica das antas (família Tapiridae), notamos ela é disjunta. Encontramos antas no sudeste asiático e na região neotropical (parte da América do Sul e América Central). Há um grande hiato entre elas, mas preenchido com vários espécimes conhecidos por fósseis que documentam ocorrências no passado geológico em sítios intermediários. Os principais processos abióticos, em larga escala, que explicam os padrões biogeográficos são: a) Tectônica de placas – mudanças na formação de placas tectônicas (ou litosféricas) e seu efeito na distribuição dos seres vivos, isolando (e.g., aparecimento de uma bacia oceânica separando continentes) ou reunindo grupos taxonômicos (e.g., encontro de dois blocos continentais e a formação de uma cadeia de montanhas). b) Eustasia – é a variação global no nível do mar ao longo do tempo geológico. A elevação ou abaixamento do nível do mar resulta em invasões (transgressões) do mar no continente ou seu recuo (regressões). Mudanças eustáticas muitas vezes estão associadas com eventos climáticos globais tais como : i) Glaciação – avanço das geleiras das calotas polares sobre os blocos continentais e consequente abaixamento do nível do mar de forma que o clima global passa a ser mais frio e seco ii) Interglaciação - com a fusão de parte das geleiras há a elevação do nível do mar, o recuo das geleiras e mudança global do clima que passa a ser mais quente e úmido, pelo menos nos trópicos. c) Clima – muitas mudanças climáticas ocorreram ao longo da história da Terra, associadas a tectônica de placas, mudanças da posição da Terra na elíptica, correntes marítimas e eustasia. d) Oceanografia – particularmente, as mudanças na circulação oceânica em consequência de separação e coalisão de continentes, mudança na topografia do fundo das bacias oceânicas em associação com mudanças nos parâmetros abióticos (taxa de salinidade, variação de temperatura). Em pequena escala há fatores abióticos que contribuem para as mudanças das áreas de distribuição tais como incêndios naturais, erupções vulcânicas, inundações e furacões. Figura 2C. Selo comemorativo mostrando retrato de Al-Biruni. O grande geógrafo árabe Abu Al-Rayhan Mohammed ben Ahmad Al-Biruni (937- 1050) indicou que a maioria das espécies de animais originalmente tendem a expandir as suas áreas de distribuição e a ocupar a maior extensão possível, alcançando uma condição de cosmopolitismo. Assumindo esta proposição como verdadeira, o biogeógrafo León Croizat apontou que na história biogeográfica de populações e espécies há duas fases: a) Mobilismo – na qual as populações ou espécies se expandem o máximo possível e aumentam em número no espaço geográfico tendo em vista as condições ecológicas favoráveis devido a falta ou ineficácia de barreiras preexisntes até alcançar certos limites impostos por barreiras eficientes. Nesta fase predomina o processo de geodispersão. A área funciona como elemento estático e os organismos, os elementos dinâmicos. b) Imobilismo – uma vez alcançado o cosmopolitismo para a área em questão, a distribuição se estabiliza. Nesta situação a área de distribuição estará sujeita a alterações na sua estrutura e composição que levariam a sua fragmentação ou decomposição. Neste caso, o processo predominante é a vicariância e mudanças de clima, tectônica e eustasia estariam entre os principais eventos vicariantes. Figura 3C. Dinâmica da área de distribuição mostrando a expansão de população ou táxon no espaço geográfico na fase de mobilismo (a-c) e a atuação de um evento vicariante eficiente na fase de imobilismo (d-e). Modificado de Juan Morrone (2011). Uma barreira para determinado grupo de organismos pode corresponder a uma “ponte” natural para outro e vice-versa. De modo que eventos que proporcionam dispersão e vicariância estão interligados. Um bom exemplo disso, está na história geológica das Antilhas e da América Central. Durante boa parte do Terciário, organismos marinhos do Atlântico e do Pacífico tiveram livre fluxo. O soerguimento do Istmo do Panamá, durante o Plio-Pleistoceno, foi um evento vicariante que levou à interrupção do fluxo. Por outro lado, o istmo funcionou como uma ponte ligando as Américas do Norte e do Sul, possibilitando dispersão de elementos continentais boreais e austrais. SOBRE AS MIGRAÇÕES Cabe aqui um esclarecimento quanto a migração. É um fenômeno populacional e, em geral, um movimento cíclico regular. Mas, há casos de migrações irregulares, por causas muito diversas (e.g., abundância ocasional de recursos alimentares, precipitações irregulares, inundações esporádicas). Também de uma forma geral, uma característica da migração é que a área de reprodução não se amplia substancialmente. Migrações sazonais regulares são comumente verificadas no contexto de muitas espécies, particularmente de certas aves, como o deslocamento para regiões mais favoráveis em certa época do ano para fugir do clima frio e inóspito do rigoroso inverno. Falamos de emigração, quando observamos saída de elementos populacionais de uma região para outra. E imigração quando nos referimos a entrada de novos elementos para a população. Há mecanismos ativos e passivos de dispersão individual que contribuem para as migrações. No caso das plantas que se propagam por mecanismo passivo falamos de autocoria e alocoria. No primeiro caso, esporos ou propágulos móveis são disseminados pela planta em época de reprodução. Em geral, os elementos reprodutivos caem e se espalham em decorrência do próprio peso (daí usarmos neste caso o termo barocoria). No caso da alocoria a distribuição passiva das sementes, frutos ou esporos é feita por meios externos. Por exemplo, muitos organismos se valem de fluxo d’água para se propagarem. É o que chamamos hidrocoria. No caso do uso do vento, chamamos de anemocoria e se for realizado por outro organismo qualquer, biocoria. Especificamente, quando o homem é responsável pelo transporte falamos de androcoria. Na história da vida de muitas espécies de peixes notamos migração regular da água doce para o mar para se reproduzir, chamamos de catádromas, como ocorre com as lampreias. Algumas espécies realizaçãomigração no sentido contrário, no caso do salmão, notamos a migração do mar em direção às cabeceiras dos rios para se reproduzir. São ditas anádromas. Muitas espécies migratórias apresentam lares de alimentação e de reprodução distintos. No primeiro caso, também chamado de berçário (nursey ground), comum a história da vida de vários peixes, é o local onde pós-larvas e juvenis se alimentam e crescem acumulando gorudura até serem incorporados ao estoque (uma população vulnerável à pesca). Normalmente é na parte baixa de um rio ou em estuário. Por lar de reprodução, é o local onde ocorre a desova dos peixes que realizam migrações. Normalmente ocorre nas partes altas dos rios para as espécies anádromas. Se nos casos anteriores tratamos de deslocamentos ou migrações “horizontais”. Podemos falar também de migração vertical de organimos marinhos, de zonas profundas para a superfície, quando há finalidade de obter recursos alimentares.
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