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DANIEL QUIROGA HELLEN GOIS JULIANA TEIXEIRA LOREN SANTOS MATEUS ABRANTES VICTOR BUENO CANAIS TRP E DOR Monografia apresentada no curso de graduação à Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Medicina. CUIABÁ 2013 2 LISTA DE FIGURAS Figura 01 Potenciais receptores em fotorreceptores de Drosophila..........................06 Figura 02 Cronograma dos marcos de pesquisa dos canais TRP.............................07 Figura 03: Classes de nociceptores periféricos..........................................................08 Figura 04: Árvore filogenética dos canais TRP em humanos....................................10 Figura 05: Canais TRP...............................................................................................11 Figura 06: (A) Estrutura tetramérica proposta do TRPV1 na membrana plasmática e (B) single-channel recordings, demonstrando a sensibilidade do TRPV1........................................................................................................................12 Figura 07: Capsaicina liga-se à parte intracelular do TRPV1, permitindo a entrada de Na+ e Ca++, o que deflagrará o PA...........................................................................13 Figura 08: Canais TRP...............................................................................................14 Figura 09: Nervos Espinais........................................................................................16 Figura 10: Formação da bainha de mielina................................................................17 Figura 11: Diâmentros dos diferentes tipos de axônios de nociceptores...................18 Figura 12: Fibras nociceptivas reagem à diferentes estímulos..................................18 Figura 13: Lâminas do corno dorsal da medula espinal.............................................19 Figura 14: Medula Espinal e as fibras aferentes........................................................19 Figura 15: Bainha de mielina no SNC........................................................................20 Figura 16: crescimento diferencial da medula............................................................21 Figura 17: Relação da medula com os nervos espinhais...........................................21 Figura 18: 3 vias ascendentes da informação nociceptiva.........................................23 Figura 19: Tálamo em secção transversal.................................................................24 Figura 20: Núcleos do Tálamo...................................................................................25 Figura 21: Regulação de estimulo nociceptivo por fibras não-nociceptivas...............27 Figura 22: Controle descendente da dor....................................................................28 3 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 04 1.1 Conceito, tipos e importância da Dor ............................................................... 04 1.2 Descoberta dos canais TRP ............................................................................ 05 2 ESTÍMULO E TRANSDUÇÃO ............................................................................... 07 2.1 Estímulos nocivos ativam nociceptores ........................................................... 07 2.2 A transdução dos estímulos nocivos ................................................................ 09 3 CONDUÇÃO DO SINAL À MEDULA ESPINAL .................................................... 15 3.1 Os sinais são conduzidos para o corno dorsal da medula espinal ................... 15 4 A INFORMAÇÃO NOCICEPTIVA É TRANSMITIDA AO ENCÉFALO .................. 20 4.1 Cinco vias ascendentes importantes carreiam a informação nociceptiva........ 20 4.2 O papel dos núcleos talâmicos na interpretação dos sinais ............................ 23 4.3 O papel do córtex cerebral na interpretação dos sinais .................................. 26 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 28 5.1 Importância farmacológica dos canais TRP no alívio da Dor ......................... 28 5.2 Considerações finais ....................................................................................... 30 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 32 4 INTRODUÇÃO 1.1. Conceito, importância e tipos de dor Na língua portuguesa, a palavra “dor” vem do latim “dolore”, que significa “sofrimento”; e, na língua inglesa, a palavra correspondente (pain) vem do grego “peiné”, que significa “pena”. Portanto, a dor pode ser definida como uma sensação desagradável, mas de grande importância uma vez que constitui um dos componentes essenciais de defesa do organismo. A dor fornece um rápido aviso ao sistema nervoso para iniciar uma resposta motora e, dessa forma, minimizar os prejuízos físicos. A falta da capacidade de sentir dor – como na rara condição de insensibilidade congênita à dor ou em casos de hanseníase com comprometimento da capacidade de sentir dor – pode causar sérios problemas à saúde, tais como: automutilações, autoamputações e perda de visão. Houve um debate acalorado e vigoroso sobre a natureza da dor até o século XX. Um lado defendia que um estímulo que normalmente ativava os órgãos dos sentidos, tal como o tato, iniciaria a dor se este estímulo fosse suficientemente forte para que as mesmas estruturas o entendessem como nocivo. Outro lado defendia a existência de uma classe especializada de órgãos do sentido específicos para a dor (FEIN, 2011). Dentro desse segundo grupo de pessoas, o alemão Friedrich Kiesow (1858 - 1940), usando um alfinete, descobriu na boca pontos sensível ao toque, mas não à dor, mesmo aplicando-se os mais fortes estímulos. São esses pontos: o centro da mucosa das bochechas, a parte posterior da língua e a metade inferior da úvula. Se é possível não sentir dor onde há tato, é porque cada uma dessas sensações devem partir de órgãos do sentido diferentes, concluiu Kiesow. A partir daí, no final do século XX, o debate foi definido e mostrado conclusivamente que existem órgãos especializados que detectam a dor. (FEIN, 2011; LENT, 2010) Atualmente os fisiologistas distinguem os termos nocicepção e dor. O primeiro refere-se aos sinais que chegam ao sistema nervoso central através da ativação de receptores sensoriais especializados, denominados nociceptores. Estes fornecem 5 informações sobre a lesão tecidual ocasionada por estímulos nocivos, daí a origem da nomenclatura. Consequentemente, a dor é uma experiência emocional desagradável, que geralmente acompanha a nocicepção. (FEIN, 2011) A dor proveniente da sensibilidade visceral difere da somática. A primeira possui uma característica mais difusa, não permitindo uma localização precisa. Já a segunda possui uma característica mais localizada. Assim, podemos dizer que dói a ponta do dedo mínimo, mas não podemos dizer se dói a primeira ou a segunda alça intestinal. Além disso, os estímulos que determinam a dor somática são diferentes daqueles que deflagram a dor visceral. A secção da pele é dolorosa, mas o corte de uma víscera não o é. Ao contrário disso, a distensão de uma víscera é muito dolorosa, porém, em uma pele, esta ação não possui o mesmo efeito. Dessa forma, como a dor é considerada um sinal de alarme, o estímulo que causa dor em certa região é aquele que mais recorrentemente é capaz de lesá-la. Existe ainda um fenômeno denominado “dor referida”. Ele consiste em processos inflamatórios ou irritativos de vísceras e órgãos internos que apresentam manifestação dolorosa em determinados territórios cutâneos. Dessa maneira, processosirritativos do diafragma manifestam-se por dores e hipersensibilidade na região do ombro, bem como a apendicite pode causar hipersensibilidade cutânea na parede abdominal da fossa ilíaca direita. (MACHADO, 2005) A dor ainda pode apresentar-se de outras formas. Geralmente, afirma-se que para o estímulo doloroso existe uma resposta subjetiva em duas fases: a sensação em picada, de duração curta, seguida por uma segunda sensação em queimação, de duração longa. Portanto, uma pessoa que perfura seu dedo em um alfinete, ao procurar um objeto dentro de uma gaveta, primeiro sente a dor em picada após retirar a sua mão da gaveta, que possui uma curta latência, e logo em seguida sente dor em forma de queimação, que dura por um período muito maior (FEIN, 2011). 1.2. Descoberta dos canais TRP A família dos canais de cátions do receptor de potencial transiente (do inglês TRP: transient receptor potential) é interessante, pois vários de seus membros foram 6 implicados na transdução de sinal do nociceptor. Porém, eles não foram inicialmente descritos em nociceptores. O primeiro canal TRP, chamado de TRP mutante, foi originalmente isolado da Drosophila melanogaster (mosca da fruta). Quando este era estimulado por uma fonte luminosa provocava a deflagração do potencial receptor, tanto nos canais chamados mutantes TRP quanto nos selvagens (Figura 1). (FEIN, 2011) Figura 01: Potenciais receptores em fotorreceptores de Drosophila. Fonte: (Fein, 2011) Observou-se que, enquanto o estímulo luminoso era aplicado, os canais selvagens mantinham a despolarização por mais tempo que os mutantes TRP, uma vez que estes se adaptavam ao estímulo através de um potencial transitório, daí a origem da nomenclatura (FEIN, 2011). Na sequência dos fatos, uma série de pesquisas envolvendo os canais TRP começaram a ser feitas em modelos animais, principalmente em mamíferos, por volta da década de 90 em vários receptores, incluindo os nociceptores. A figura 2 mostra um breve cronograma dos marcos da pesquisa nos estudos dos canais TRP no que diz respeito a dor. (CORTRIGHT, KRAUSE e BROOM, 2007) 7 Figura 02: Cronograma dos marcos de pesquisa dos canais TRP. Fonte: (Cortright, D.N.; Krause, J. E.; Broom, D. C., 2007) O canal TRPV1 foi o mais estudado com relação à dor, dessa forma, os marcos das pesquisas relacionados a ele estão colocados do lado direito da figura 2. Os outros marcos de pesquisa (à esquerda da tabela) estão centrados ou na descoberta de outros canais da família TRP com capacidades de transdução sensorial ou com células do sistema imunitário. (CORTRIGHT, KRAUSE e BROOM, 2007) 8 2 ESTÍMULO E TRANSDUÇÃO 2.1 Estímulos nocivos ativam nociceptores A percepção da dor é subjetiva e é influenciada por diversos fatores. Por exemplo, muitos soldados feridos não a sentem até que sejam removidos da batalha; atletas machucados frequentemente não estão cientes dela até que o jogo acabe. Assim, o estímulo puramente “doloroso” não existe, um estímulo sensorial que invariavelmente provoca a percepção da dor em todos os indivíduos. Portanto, dor não é a direta expressão de um evento sensorial, mas o produto do processo elaborado pelo cérebro de uma variedade de sinais neuronais (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) Que seria, então, um estímulo nocivo? É aquele estímulo que tem o potencial de causar lesão aos tecidos. Danos aos tecidos podem resultar de estimulação mecânica forte, temperaturas extremas, privação de oxigênio e exposição a certos agentes químicos, entre outras causas (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2007) No corpo, principalmente nos órgãos periféricos (pele, articulações e músculos), podemos encontrar receptores sensoriais especializados que são ativados por estímulos nocivos. Diferente dos receptores somatossensoriais para tato e pressão, muitos desses nociceptores são simplesmente terminações nervosas livres dos neurônios sensoriais primários, os quais são classificados em três principais classes: térmico, mecânico e polimodal (Figura 3). Nociceptores térmicos são ativados em temperaturas extremas, geralmente acima de 45°C ou menor que 5°C e possuem fibras AΔ. Nociceptores mecânicos são ativados mais efetivamente por pressão intensa aplicada na pele e também possuem fibras AΔ. Nociceptores polimodais podem ser ativados por estímulos mecânicos, químicos ou térmicos (quente ou frio) de alta intensidade. Esta classe de nociceptores é achada nas terminações de fibras C. 9 Figura 03: Classes de nociceptores periféricos. (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) Ao contrário da maioria dos outros receptores do corpo, os nociceptores se adaptam muito pouco e algumas vezes não se adaptam. De fato, em certas circunstancias, a excitação das fibras dolorosas fica progressivamente maior, à medida que o estímulo persiste, em especial a dor lenta persistente nauseante. Pode-se compreender prontamente a importância dessa ausência de adaptação dos receptores para dor, pois isso possibilita que a pessoa fique ciente da presença de estímulo lesivo, enquanto a dor persistir (HALL e GUYTON, 2011). Como dito anteriormente, essas três classes são distribuídas amplamente pelo corpo e frequentemente trabalham em conjunto. Por exemplo, ao bater o martelo no polegar, uma “primeira” dor aguda é sentida imediatamente, seguida posteriormente por uma dor mais prolongada, e algumas vezes por uma “segunda” dor de ardência. A dor aguda rápida é transmitida por fibras AΔ que carregam informações de nociceptores térmicos e mecânicos. A dor difusa lenta é transmitida por fibras C que são ativadas por nociceptores polimodais. Este assunto será melhor abordado na seção 3 desta monografia. Há ainda uma quarta classe de nociceptores, os chamados nociceptores silenciosos, que são encontrados nas vísceras. Esta classe de receptores normalmente não é ativada por estimulação nociva; pelo contrário, a inflamação e vários agentes químicos reduzem dramaticamente o seu limiar de disparo. Presume- se que sua ativação contribui para o aparecimento de hiperalgesia secundária e sensibilização central1, duas proeminentes síndromes de dor. 1 Para maiores esclarecimentos acerca dessas duas síndromes consulte o trabalho: ROCHA, Anita Perpétua Carvalho et al. Dor: aspectos atuais da sensibilização periférica e central. Rev. Bras. Anestesiol. [online]. 2007, vol.57, n.1 [cited 2013-08-20], pp. 94-105. 10 2.2 A transdução dos estímulos nocivos Dada a variedade de estímulos (mecânicos, térmicos e químicos) que podem dar origem à sensações dolorosas, a transdução dos sinais nocivos é um tanto complexa. Assim, na membrana do nociceptor existem proteínas específicas para a transdução do estímulo nocivo em um potencial elétrico despolarizante. Desde a identificação molecular do receptor de capsaicina, agora conhecido como TRPV1, os canais de potencial receptor transitório (TRP) tem ocupado um importante lugar no entendimento da função do nervo sensorial no contexto da dor. Por isso, merece uma posição de destaque neste presente trabalho. A superfamília TRP multigênica codifica proteínas integrais de membrana que funcionam como canais iônicos. A família TRP é subdividida em sete subfamílias (Figura 4): TRPC (canônica), TRPV (vanilóides), TRPM (melastatina), TRPP (policistina), TRPML (mucolipina), TRPA (anquirina) e TRPN (tipo NOMPC); esta último sendo encontrado apenas em invertebrados e peixes. Canais TRP são amplamente expressos em diferentes tecidos e tipos celulares, onde estão envolvidos em diversos processos fisiológicos. Muitos TRPs são canais catiônicos não-seletivos, apenas alguns são altamente seletivos à Ca2++, outros são permeáveis à íons Mg2++ altamente hidratados. Esta família de canais mostra uma variedade de mecanismos de ligação, como modos de ativação partindode ligantes específicos, voltagem e mudanças na temperatura a modificações covalentes de resíduos nucleofílicos. A ativação dos canais TRP causa despolarização da membrana celular, a qual ativa canais iônicos voltagem-dependentes, resultando em uma mudança da concentração intracelular de Ca2++ e consequente deflagração do PA (NILIUS e OWSIANIK, 2011) 11 Figura 04: Árvore filogenética dos canais TRP em humanos. TRPC2 é um pseudogene em humanos e TRPNs não são presentes em mamíferos, assim, utilizou-se TRPC2 de rato e TRPN1 de peixe para mostrar as relações entre todas as subfamílias. (Nilius e G., 2011) A arquitetura básica dos canais TRP é similar à família dos canais K+, tendo, inclusive trabalhos que exploram a relação estrutura-função entre essas famílias (KALIA e SWARTZ, 2013). Os canais TRP são estruturados em 6 domínios transmembrana, possuindo um poro que é formado entre o quinto (S5) e sexto (S6) segmento (Figura 5). S5, S6 e os loopings de conexões formam o poro central de condução catiônica, ao passo que S1-S4 e os terminais N e C possuem domínios regulatórios que controlam a abertura do canal. Vários canais possuem repetições de anquirina, família de proteínas adaptadoras que medeiam a união de proteínas integrais de membrana ao citoesqueleto, no domínio terminal N (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) (KALIA e SWARTZ, 2013). Figura 05: Canais TRP. (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) 12 Estas considerações básicas acerca da superfamília TRP possibilitam, agora, a abordagem específica de canais TRP relacionados à dor, o que demandou a utilização de técnicas de fluorescência e avanços na área farmacológica molecular. Os estudos atuais convergem para cinco canais, TRPA1, TRPM8, TRPV3, TRPV1, TRPV2. Neste trabalho utilizaremos o canal TRPV1 para demonstrar a importância da família TRP na transdução dos estímulos nocivos (JORDT, MCKEMY e JULIUS, 2003) (CORTRIGHT, KRAUSE e BROOM, 2007) (STUCKY, E, et al., 2008). 2.2.1 TRPV1 A identificação dos canais TRPV1, o primeiro canal TRP descoberto em mamíferos, foi o maior catalisador que lançou os campos das pesquisas da transdução somatossensorial e dolorosa para o nível molecular, tendo a descoberta de mais membros das famílias TRP como consequência. Os canais TRPV1 fazem parte da subfamília TRPV (vanilóide), a qual abriga seis membros divididos em dois grupos: TRPV1-V4 e TRPV5 e TRPV6. TRPV1- TRPV4 são os chamados termo-TRPs que são ativados diretamente mediante aquecimento e sistemas heterólogos de expressão (RAMSEY, DELLING e CLAPHAM, 2006). São encontrados em nociceptores de diâmetro pequeno a médio, os quais possuem fibras C em seus axônios. Especificamente, o TRPV1 é o receptor para capsaicina, o principal ingrediente da pimenta, que provoca a sensação de queimação dolorosa. No entanto, além da capsaicina, o TRPV1 pode ser ativado em temperaturas extremas, pH baixo (característica de tecido inflamado), voltagem e vários lipídeos (Figura 6) (TOMINAGA e TOMINAGA, 2005). Figura 06: (A) Estrutura tetramérica proposta do TRPV1 na membrana plasmática e (B) single- channel recordings, demonstrando a sensibilidade do TRPV1. (Tominaga e Tominaga, 2005) 13 Antes de prosseguir para a descrição breve dos ativadores do TRPV1 e seus sítios de ligação, cabe, aqui, uma importante observação: deve-se tomar cuidado porque estes atuais sítios de ligação são antagônicos aos sítios de fechamento e abertura do canal (gating) os quais, também, propiciarão mudanças nas propriedades alostéricas da proteína. Isto é importante porque, por exemplo, a capsaicina, mesmo em concentrações insuficientes para a ativação do canal, pode sensibilizar os receptores TRPV1 para prótons e calor. Similarmente, prótons podem sensibilizar os receptores TRPV1 para capsaicina e calor. Isso ocorre pois TRPV1 é um canal de múltiplos estados dos quais variam entre a taxa limite de fechado e aberto, os quais podem depender de voltagem, temperatura e uma variedade de agonistas (ROSENBAUM e SIMON, 2007). Como dito anteriormente, os receptores TRPV1 são ativados por vanilóides como a capsaicina (Figura 7). Em potenciais de repouso negativos, essa ativação resulta no influxo de cálcio e sódio, despolarizando, assim, a célula; estudos demonstram que, para uma completa ativação deste canal, são necessárias a ligação de, ao menos, duas moléculas de capsaicina. (SZALLASI, GOSO, et al., 1993) (HUI, LIU e QIN, 2003). Há boas evidências de que o sítio de ligação da capsaicina é intracelular nos TRPV1. Uma delas é que quando adicionado no meio extracelular, as formas membrano-impermeáveis de capsaicina estão inativas, mas são ativadas quando aplicadas intracelularmente (JUNG, HWANG, et al., 1999). Figura 07: Capsaicina liga-se à parte intracelular do TRPV1, permitindo a entrada de Na+ e Ca++, o que deflagrará o PA. (ANAND & BLEY, 2011) A sensação de dor é aumentada pelo meio extracelular ácido durante a isquemia ou inflamação. Essa acidificação possui dois efeitos primários na função do 14 TRPV1. Primeiro, os prótons extracelulares aumentam a afinidade por calor ou capsaicina enquanto agonistas do TRPV1, em parte porque diminuem o limiar de ativação do canal para ambos estímulos. Segundo, os prótons extracelulares podem, eles mesmos, serem vistos como agonistas já que pH menor que 6.0 leva o canal a abrir-se em temperatura ambiente. Acredita-se que os prótons extracelulares atuam, primariamente, aumentando a probabilidade da abertura do canal, em vez de alterar a condutância ou a interação direta com o TRPV1 (BAUMANN e MARTENSON, 2000) (TOMINAGA, CATERINA, et al., 1998). Além disso, foi mostrado, por meio de experimentos, que os prótons somente ativam os canais quando eles são adicionados em solução extracelular, sugerindo que o portão de ativação do próton está localizado na parte extracelular da molécula. (JORDT, TOMINAGA e JULIUS, 2000) (WELCH, SIMON e REINHART, 2000). A aplicação de rampas de temperatura revelou que o TRPV1 atua como um termômetro molecular. Em um potencial de repouso de -60 mV, o influxo aumenta abruptamente em torno de 43°C (temperatura chamada “temperatura de transição”). Caso mantida essa temperatura (ou maior) os canais passam a dessensibilizar-se (ROSENBAUM e SIMON, 2007). O limiar de temperatura é reduzido em pH baixo e também na presença de capsaicina. (TOMINAGA, CATERINA, et al., 1998) (GUENTHER, REEH e KRESS, 1999). Cabe ressaltar a importância dos demais canais TRP na transdução dos estímulos térmicos, como mostrado na Figura 8. Figura 08: Canais TRP. (Kandel, Schwartz, et al., 2012) 15 Apesar de muitos canais desempenharem papéis importantes na sensibilidade mecânica, existem poucas evidências definitivas para um mecanismo de transdução mecânica definitiva. Recomenda-se a leitura dos artigos de revisão de Cortright, et al., 2007 e Christensen, et al., 2007, bem como os estudos neles citados. As últimas décadas propiciaram algumas ideias acerca da transdução dos estímulos nocivos. Primeiro, a genética humana e a biologia molecular revelaram que canais Na+ específicos são expressos seletivamente pelos nociceptores, e a mutação dos genes que codificam estes canais resulta na insensibilidade à dor congênita, apesar de preservar outras modalidades somatossensoriais. Segundo, a descoberta das funções dos canais TRP, como a resposta sensorial à faixas de temperaturas, e o entendimento de que a capsaicina e outras moléculas podem ativar esses canais (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012). Como os estímulos mecânicos nocivos são transduzidos permanece um mistério, e definir a natureza dos canais iônicos envolvidos na mecanotransdução do estímulo nocivo é um importante desafio. 16 3 CONDUÇÃO DO SINAL À MEDULA ESPINAL 3.1 Os sinais são conduzidos para o corno dorsal da medula Após a transduçãodos estímulos nos canais nociceptivos, ocorre o potencial de receptor e em seguida o potencial de ação no axônio do receptor estimulado. Este potencial levará a informação sensitiva para o sistema nervoso central, especificamente na medula espinal. Esta célula que carrega a informação à medula é chamada de neurônio de primeira ordem, ou neurônio primário. Estas células primárias são classificadas de acordo com seu diâmetro, estrutura, velocidade de condução e ainda pela intensidade e qualidade da dor. As fibras aferentes primárias são carreadas à medula espinal através dos nervos espinais. Estes nervos são mistos, pois carregam tanto as fibras sensitivas como as fibras motoras. Próximo à medula, o nervo se divide em dois ramos, um ventral e outro dorsal. As fibras ventrais são axônios dos neurônios motores, as fibras dorsais são axônios sensitivos, incluindo às fibras que levam os sinais da dor. O corpo celular dos neurônios sensitivos localiza-se fora da medula espinal, em uma projeção do ramo dorsal do nervo espinal, chamada de gânglio sensitivo. A partir do gânglio sai outra ramificação do corpo celular. Os neurônios sensitivos são pseudo- unipolares. Figura 09: Nervos Espinais Fonte: Slides Profª Juliane, Nervos Espinais As fibras que levam a informação a ser modulada na medula espinal podem ser mielinizadas ou amielinizadas. A mielina é formada pelas células de Schwann que circundam o axônio. Essas células formam uma dupla camada de membrana denominada mesaxônio, a qual se enrola várias vezes em volta do axônio expulsando o citoplasma entre as voltas, formando, por fim, a bainha de mielina. 17 Essas bainhas se interrompem em intervalos regulares chamados Nódulos de Ranvier, os quais estão separados por internódulos. Os nódulos de Ranvier constituem a região onde se encontram os canais de sódio e potássio, e são apenas nesses nódulos que os impulsos são propagados. As fibras mielinizadas, então, aumentam a condutância da fibra e logo após são subitamente interrompidas na região do nódulo de Ranvier, onde a condução é mais lenta. Portanto, quando ocorre a passagem do impulso elétrico através dessa complexa disposição, tem-se a aparência de uma propagação saltatória. (MACHADO, 2005) Figura 10: Formação da bainha de mielina Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/corpo-humano-sistema-nervoso/sistema- nervoso-23.php Neurônios sensoriais que propagam todos os tipos de estimulações dolorosas possuem fibras tanto mielinizadas como amielinizadas. A maioria dos livros atuais considera que apenas as fibras nervosas de diâmetros menores e mais lentas, fibras C e Aδ, transportam os sinais aferentes dos nociceptores. Algumas literaturas e pesquisas recentes sugerem que uma fração substancial dos nociceptores pode conduzir na faixa de velocidade de condução da fibra Aβ. Fibras Aδ são de diâmetro intermediário (2 a 6 μm), mielinizadas, sua velocidade de condução é intermediária, modulando a primeira fase da dor, mais aguda ou semelhante à pontada. Fibras Aβ são fibras de diâmetro grande (maior que 10 μm), mielinizadas e de condução rápida, responsáveis por sensações inócuas. Fibras C são fibras de diâmetro pequeno (0,4 a 1,2 μm), amielinizadas e de velocidade de condução lenta, responsáveis pela segunda dor ou dor difusa, queimação persistente. (FEIN, 2011) 18 Figura 11: Diâmetros dos diferentes tipos de axônios de nociceptores (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) Figura 12: Fibras nociceptivas reagem à diferentes estímulos KLAUMANN, P. et al, 2008. As fibras sensoriais nociceptivas terminam no corno dorsal da medula, que pode ser dividida em seis lâminas. Os neurônios nociceptivos do corno dorsal estão localizados nas lâminas mais superficiais: a lâmina marginal (lâmina I) e a substância gelatinosa (lâmina II). A maioria desses neurônios recebem conexões diretas de fibras Aδ e C. A lâmina II é formada quase que exclusivamente por interneurônios, tanto inibitórios quanto excitatórios, esses interneurônios fazem sinapses com aferências de fibras C e com outros interneurônios que fazem conexão indireta de fibras Aδ e Aβ. A lâmina IV recebe aferências direta dos axônios Aβ. As fibras Aδ fazem conexão direta com as lâminas I, II e V. 19 Figura 13: Lâminas do corno dorsal da medula espinal (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) A medula espinal é responsável pela modulação da informação que o axônio transporta, ela é composta pela substancia branca e pela substancia cinzenta. A substância branca contém fibras, a maioria mielínica, enquanto que a substancia cinzenta possui corpos celulares e fibras amielínicas. Na medula, a substância cinzenta localiza-se por dentro da branca e apresenta a forma de uma borboleta, ou de um ¨H¨. Nela distinguem-se de cada lado, três colunas que aparecem nos cortes como cornos, que são as colunas anterior, posterior e lateral. A coluna lateral só aparece na medula torácica e parte da medula lombar. No centro da substância cinzenta localiza-se o canal central da medula (KLAUMANN, P. 2008). Figura 14: Medula Espinal e as fibras aferentes PERKINS 20 4. A INFORMAÇÃO NOCICEPTIVA É TRANSMITIDA AO ENCÉFALO 4.1. Cinco vias ascendentes importantes carreiam a informação nociceptiva A informação nociceptiva é transmitida da medula ao encéfalo através de 5 vias ascendentes principais, que são os tratos espinotalâmico, espinorreticular, espinomesencefálico, cervicotalâmico e espinohipotalâmico (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012). Os tratos são estruturas formadas no interior do SNC compostas por um conjunto de fibras nervosas com origem, trajeto e destino semelhantes. Estas fibras podem ser amielínicas, quando não possuem a bainha de mielina, ou mielínicas, quando possuem a bainha de mielina (MACHADO, 2005.). É importante ressaltar que a bainha de mielina no SNC possui uma origem diferente do SNP. Enquanto no SNP a bainha de mielina é produzida pelas células de Schwann, no SNC a bainha é produzida por oligodendrócitos. Estas células emitem vários prolongamentos para diferentes axônios, aonde irão se enrolar produzindo o segmento internodal de mielina, responsável pelo impulso saltátorio do potencial de ação e com consequente maior velocidade do impulso nervoso. (ROSS; PAWLINA, 2012) Figura 15: Bainha de mielina no SNC http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Histologia/epitelio28.php As fibras nervosas ascendem pela medula agrupadas em 3 funículos da substância branca, que são o anterior, lateral e posterior. A medula por sua vez pode ser dividida em 31 segmentos sem delimitação evidente, sendo a ligação com o nervo espinhal correspondente que determinará o segmento medular. São 8 segmentos cervicais, 12 torácicos, 5 lombares, 5 sacrais e 1 coccígeo. E devido ao 21 crescimento diferencial entre medula e coluna que a partir do 4ª mês cresce mais rapidamente, a medula não ocupa todo o canal vertebral e ocorre o afastamento dos segmentos medulares das vértebras correspondentes. (MACHADO, 2005) Figura 16: crescimento diferencial da medula MACHADO, 2005 Figura 17: Relação da medula com os nervos espinhais MACHADO, 2005 O trato espinotalâmico é formado por axônios de neurônios presentes nas lâminas I e V-VII, estes passam para o lado contralateral e ascendem pela substância branca ântero-lateral, terminando no tálamo. Esta via quando lesada resultará em uma diminuição da sensibilidade do lado contralateral (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2003) O trato espinorreticular é formado por axônios das lâminas VII e VIII, estes ascendem pelo quadrante ântero-lateral da medula espinal e terminam na formação reticular e tálamo. A maioria das fibras não cruza o plano mediano. (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2003) 22 O trato espinomesencefálico é formado por axônios das lâminas I e V, que se projetam pelo quadrante ântero-lateralda medula até a formação reticular e substância periaquedutal. A partir daí pelo trato espinoparabraquial para os núcleos parabraquiais, e daí para o sistema límbico, com isso acredita-se que o trato espinomesencefalico esteja envolvido no componente emocional da dor. (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2003) O trato cervicotalâmico tem origem nos neurônios presentes nos núcleos cervical lateral na substância branca dos segmentos C1 e C2 da medula, estes núcleos recebem informação dos neurônios nociceptivos das lâminas III e IV. Os axônios cruzam para o lado contrateral e ascedem para o tálamo, ou também podem fazê-lo através da coluna dorsal para os núcleos cuneiforme e grácil do bulbo. (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2003) O trato espino-hipotâlamico é formada por axônios das lâminas I, V e VIII que vão para os centros supra-espinais de controle autonômico, podendo estar relacionado com respostas neuroendócrinas e cardiovasculares complexas. (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2003) Outra importante via que neste caso transmite a informação nociceptiva da face e cabeça é a trigemial. A informação chega ao tálamo através dos nervos cranianos, principalmente, o trigêmeo (IV par de nervos cranianos) que envia projeções para o núcleo espinal do trigêmeo presente no tronco encefálico, onde decussam e ascendem ao tálamo. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2007) Figura 18: 3 vias ascendentes da informação nociceptiva (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) 23 4.2 O papel nos núcleos talâmicos na interpretação dos sinais 4.2.1 Tálamo in Situ O tálamo é um par de estruturas com formato ovalado, posicionado medialmente, e que forma parte da parede lateral do terceiro ventrículo. Esse é composto por vários núcleos, que recebem aferências de diferentes estruturas corticais e subcorticais. Ele funciona como um “portão” para o córtex. Estímulos sensoriais, com exceção dos olfatórios, são transmitidos através do tálamo antes de chegar ao córtex. Todas as eferências do cerebelo e do gânglio basal passam pelo tálamo. Ele também transmite impulsos do sistema límbico ao córtex (RUBIN, SAFDIEH, 2007). Figura 19 - Tálamo em secção transversal – RUBIN; SAFDIEH, 2007 24 4.2.2 Os núcleos do Tálamo Figura 20 - Núcleos do Tálamo - RUBIN; SAFDIEH, 2007 Legendas: CM – Centromedial LD – Dorsolateral LP – Póstero-lateral MD – Medial Dorsal VA – Ventral Anterior VI – Ventral Intermédio VL – Ventral Lateral VPL – Ventral Póstero- lateral VPM – Ventral Póstero- medial O tálamo contém vários núcleos que participam do processamento dos sinais nociceptivos. Existem duas áreas de maior importância nesse caso: os grupos de núcleos lateral e medial (RUBIN; SAFDIEH, 2007). O grupo lateral compreende os núcleos Ventral Póstero-lateral, Ventral Póstero-medial e Póstero-lateral. Esses três grupos recebem entradas de sinais através do trato espinotalâmico dos neurônios especificadamente nociceptivos nas lâminas I e V do corno dorsal. Acredita-se que o tálamo lateral é responsável pelo processamento da informação da localização específica de uma lesão, geralmente representada por uma dor consciente e aguda. Comprovando essa visão, neurônios dos núcleos talâmicos laterais contém pequenos campos receptivos, da mesma forma que os neurônios espinais pré-sinápticos (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) Lesões no trato espinotalâmico e suas conexões talâmicas causam uma forma severa de dor: Dor Central. Um infarto em uma pequena parte do tálamo ventral póstero-lateral produz a sensação de uma dor espontânea de queimadura, e que são percebidas como se estivessem sendo originadas em diversas partes do 25 corpo. Estimulação severa do tálamo também pode causar dores intensas (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) O grupo de núcleos mediais do tálamo compreende os núcleos centro-laterais e o complexo intralaminar deste. Sua principal via de entrada são os neurônios da lâmina VII e VIII do corno dorsal. O caminho até esses núcleos parece ter sido a primeira projeção espinotalâmica evidente na evolução dos mamíferos, e ficou conhecido como trato paleoespinotalâmico. Algumas vezes esse é também chamado trato espinoreticulotalâmico por conta de suas conexões indiretas através da formação reticular do tronco cerebral. As projeções do tálamo lateral para os núcleos ventral póstero-lateral e para os núcleos mediais são as mais desenvolvidas nos primatas, e recebem o nome de trato neoespinotalâmico. Muitos dos neurônios do tálamo medial respondem principalmente a estímulos nocivos (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) 4.3 O papel do córtex cerebral na interpretação dos sinais Neurônios de diversas áreas do córtex respondem a estímulos nociceptivos. Aqueles que fazem parte do córtex somatossensorial possuem campos receptivos pequenos e podem não contribuir para a percepção da dor. Já os neurônios dos giros do cíngulo e insulares são bastante seletivos e sensíveis a estímulos de dor. O giro do cíngulo está associado ao sistema límbico e parece estar envolvido no processamento de estados emocionais relacionados à dor. O córtex insular recebe projeções diretas do tálamo, mais especificadamente dos seus núcleos mediais e Ventral póstero-mediais. Esse está mais envolvido com as respostas autonômicas à dor (XIE; HUO; TANG, 2009). Pessoas com lesões no córtex insular são capazes de sentir e caracterizar aspectos específicos da dor. No entanto, elas se tornam incapazes de manifestar respostas emocionais. Isso pode representar que o córtex insular é responsável pela integração dos componentes sensoriais, emocionais e cognitivos da dor (XIE; HUO; TANG, 2009). Existe a convergência de fibras que levam sinais nociceptivos e os não- nociceptivos. Em teoria, a ativação de neurônios não-nociceptivos fecham os “portões” para transmissão de sinais nociceptivos. O movimento de balançar a mão 26 após uma pancada ou de uma queimadura diminui a sensação de dor. Esse conhecimento pôde trazer uma base no desenvolvimento de novas terapias, como os estímulos elétricos transcutâneos do nervo para diminuição da dor. No entanto, para que a dor seja diminuída em determinado local, o estímulo de fibras não- nociceptivas deve ser feito no mesmo local afetado (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012). Figura 21: Regulação de estímulo nociceptivo por fibras não-nociceptivas (KANDEL, SCHWARTZ, et al., 2012) Várias outras partes endógenas do cérebro podem realizar a regulação da dor. Uma das formas efetivas de diminuir a dor é estimular a região periaquedutal cinza. Esse estímulo é bastante específico. Os animais ainda respondem ao toque, pressão e a alterações de temperatura na área em que há analgesia, mas eles sentem menos dor. A estimulação desse local pode também bloquear os reflexos espinais de retirada chamados numa estimulação nociva (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2007) A matéria cinzenta periaquedutal estimulada influencia os Núcleos de Raphe do bulbo, que por sua vez tem a capacidade de modular o fluxo de informação nociceptiva através dos cornos dorsais da medula espinal (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2007) 27 Figura 22: Controle descendente da dor (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2007) 28 5 CONCLUSÃO 5.1 Importância farmacológica dos canais TRP no alívio da Dor Em uma tentativa de disponibilizar medicamentos que realmente atuem no foco da dor e que sejam mais eficazes que opiáceos e anti-inflamatórios não- esteroides, realizaram-se diversas pesquisas com o objetivo de inibir canais TRP. Apesar de essas estruturas representarem fundamental importância na nocicepção, delimitar as propriedades específicas de cada um dos 28 tipos de canais TRP identificados até o presente momento (BREDERSON, J.D. et al, 2013) tornou a tarefa de inibir a dor conduzida por eles uma tarefa difícil. A possibilidade da geração de analgesia, principalmente em pacientesacometidos por dores crônicas, é muito atrativa quando se analisa o desempenho dos canais TRP, pois pode-se inibir a dor em dermátomos específicos, ao se atingir diretamente os gânglios sensitivos. No entanto, a partir dos estudos realizados, tem- se uma significante gama de efeitos colaterais advindos das substâncias inibidoras utilizadas. Um dos principais canais, o TRPV1, é sensível à capsaicina, ao calor e à acidez. Vários estudos envolvendo essa substância, que provê o ardor da pimenta vermelha, foram entusiastas da utilização de sua propriedade de “dessensibilização”, a qual torna a área exposta insensível a novos estímulos (BREDERSON, J.D. et al, 2013). O tipo de dessensibilização dependerá da concentração da capsaicina, o tempo de aplicação e absorção da mesma pela derme (TOUSKA, MARSAKOVA, et al., 2011). Há um certo número de maneiras pelas quais a capsaicina pode resultar em dessensibilização das fibras aferentes do TRPV1, como a dessensibilização rápida aguda (para evitar repetições, adotamos a seguinte abreviação: DRA), taquifilaxia de longa duração e, eventualmente, a retirada das fibras nervosas epidérmicas (FNEs). Ambos tipos de dessensibilização ocorrem na área em que foi feita a aplicação; entretanto, o período de tempo para cada uma varia. A DRA ocorre dentro dos primeiros 20 s depois da ligação do agonista ao TRPV1, ao passo que a taquifilaxia e a retirada das FNEs ocorrem ao longo de períodos superiores à 72 h após a aplicação (O'NEILL, BROCK, et al., 2012). 29 DRA envolve, primeiro, a ligação da capsaicina no TRPV1, o que não só ativa as fibras aferentes periféricas (FAPs) muito menos as vias da dor, mas resulta na liberação de neuropeptídios dos terminais da fibra C na periferia. Isso inclui CGRP e SP, que estão envolvidos na inflamação neurogênica local. Uma vez liberados, os terminais são esgotados e o nervo pode tornar-se dessensibilizado. (O'NEILL, BROCK, et al., 2012) Segundo, os canais iônicos voltagem-dependentes são inativados, o que resulta em uma dessensibilização rápida, de curta duração. Como consequência, PAs não poderão ser gerados. (TOMINAGA e TOMINAGA, 2005) (SIMONE, NOLANO, et al., 1998). Acredita-se que a dessensibilização das fibras seja um mecanismo de proteção contra o influxo excessivo do cálcio, o que leva à morte celular excitotóxica. A ativação do TRPV1 e a entrada de íons Ca++ para os nervos ativam um número de enzimas, as quais podem levar à sensibilização. Entretanto, um efeito secundário é a ativação de outras enzimas dependentes de Ca++, como a proteína fosfatase 2B/calcineurina, que possivelmente provoca a taquifilaxia. A calcineurina desfosforila o TRPV1 através de um sítio chave, possivelmente o Thr370, e, assim, diminui a sensibilidade à agonistas como a capsaicina. (O'NEILL, BROCK, et al., 2012) Ainda na dessensibilização de longa duração, ocorre a promoção do período refratário dos neurônios sensitivos das fibras C (que carreiam a dor de “queimação”), ao diminuir a liberação da substância P, peptídeo que age na neurotransmissão de repostas inflamatórias (CHANCELLOR, DE GROAT, 1999). Essa descoberta é demonstrada em um experimento no qual se administra a Resiniferatoxina, um análogo ultrapotente da capsaicina, ao nervo isquiático e safeno antes de uma incisão plantar em um rato (KISSIN; et al, 2002). Após o procedimento, observou-se que o espécime apresentou hipoalgesia mecânica (dois dias) e termal (oito dias). Teve-se algum sucesso também em outros estudos, como o de Rami et al., de 2006, em que se comparou a administração da substância com a de um placebo em humanos. É resultado generalizado, todavia, a deflagração de uma relativa hipertermia (variável de acordo com o análogo de capsaicina utilizado). Um estudo relevante é o de Gavva et al., de 2008, no qual tentou-se aliviar a dor da extração molar. Nesse 30 teste um dos pacientes voluntários apresentou uma resposta hipertérmica de 40,2 ºC, tendo que abortar o tratamento. Pode-se observar, também, a baixa eficiência de alguns testes, principalmente pela aplicação tópica de capsaicina, como relatado por Bley, de 2012. Outro ponto a ser ressaltado é o perigo ao qual o paciente pode ser exposto ao estar insensível a estímulos térmicos externos. Identifica-se tal situação nos estudos envolvendo o canal TRPV3, sensível a altas temperaturas, especialmente nas pesquisas de Moqrich et al., de 2005, na qual ratos com os canais TRPV3 inibidos foram imersos em água >48ºC e expostos à uma placa quente (55ºC), apresentando resposta deficitária à temperatura excessiva. Também existem outros canais sendo estudados, com moléculas antagonistas já bem definidas e em processo de avaliação clínica, como o TRPA- 1(polimodal, excitado por estímulos mecânicos, térmicos, osmóticos e químicos) e TRPM8 (sensível a baixas temperaturas). (BREDERSON, J.D. et al, 2013) 5.2 Considerações Finais O estudo da dor, em especial dos canais TRP, é extremamente importante, pois tem por objetivo solucionar os casos mais difíceis de dor crônica. Atualmente, deparamo-nos com condições clínicas que estão além dos analgésicos correntemente utilizados, as quais submetem os pacientes a dores agonizantes. Visto isso, a relação entre as informações já obtidas e a complexa cadeia de eventos envolvida no processamento da dor é essencial. Só assim, é possível o desenvolvimento de substâncias atenuantes desse estímulo que, apesar de indispensável para a vida, pode tornar-se insuportável. Nesse âmbito, os canais TRP trazem as soluções adequadas para a inibição dessas sensações. Essa importante estrutura aqui abordada tem relevância tanto na transdução do estímulo externo quanto na sua condução à medula, principalmente, já no sistema nervoso central. Isso se dá pelo fato de que os canais TRP, associados à nocicepção, têm seus estímulos conduzidos por fibras específicas para cada tipo de dor, ativadas em tempos diferentes ao das outras fibras aferentes somáticas, devido às características perceptivas inatas desses receptores. 31 Tem-se, também, é claro, que atentar para as áreas de processamento da dor, as quais definem a diferença entre um simples estímulo somatossensorial de uma sensação dolorosa. Esse estímulo especial é conduzido através de cinco tratos medulares específicos e tem por destino final os núcleos talâmicos e o córtex cerebral. Através de mecanismos ainda pouco conhecidos, o organismo que sofreu o estímulo pode interpretar tal informação tanto inconsciente quanto conscientemente, respeitando-se as limitações perceptivas inerentes a cada ser vivo. Após a análise dos eventos descritos acima, percebe-se que a interrupção da via dolorosa em pontos estratégicos de sua condução pode inibir a informação, a dor. Um método pouco invasivo e, teoricamente, muito eficiente, é justamente o bloqueio da recepção do estímulo externo, pela oportuna descoberta dos canais TRP. As pesquisas são sólidas e os resultados pré-clínicos cada vez mais positivos, devendo ser incentivadas substancialmente pelas entidades científicas da saúde. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANAND, P.; BLEY, K. Topical capaicin for pain management. British Journal of Anaesthesia, 2011. BAUMANN, T. K.; MARTENSON, M. E. Extracellular protons both increase the activity and reduce the conductance of capsaicin-gated channels. Journal of Neuroscience, 2000. BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neuroscience: exploring the brain. 3°. ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins, 2007. BREDERSON, J.D.; KYM P.R.; SZALLASI A.; Targeting TRP channels for pain relief. European Journal of Pharmacology, 2013. CHANCELLOR M.B.; GROAT W.C. Intravesical capsaicin and resiniferatoxin therapy: spicing up the ways to treat the overactive bladder. 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Acesso em: 16 de agosto de 2013. 4.2 O papel nos núcleos talâmicos na interpretação dos sinais 4.2.1 Tálamo in Situ 4.2.2 Os núcleos do Tálamo 4.3 O papel do córtex cerebral na interpretação dos sinais RAMI, H. THOMPSON, M. STEMP, G. FELL, S. JERMANN, J. STEVENS,A. SMART, D. SARGENT, B. SANDERSON, D. RANDALL, A. GUNTHORPE, M. DAVIS, J. Discovery of SB-705498: apotent, selective an dorally bioavailable TRPV1 antagonists suitable for clinical developm...
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