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Tempo e representação análise de Hartog

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Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 17 
Tempo e representação: a nova Ordem do Tempo 
 
Mônica Brincalepe Campo* 
Resumo 
O artigo investiga a noção de “ser histórico” a partir de 
uma nova relação estabelecida com o tempo, percebido 
como “presentismo”, no dizer de FrançoisHartog. Para 
tanto, fizemos um balanço historiográfico teórico de 
como tem sido discutido o império do que parece ser 
uma nova Ordem do Tempo e estudamos, como objeto, 
a crítica cinematográfica argentina, que reconhece 
como tema central nas obras ali realizadas a 
predominância do cotidiano imediato imerso em ações 
banais e sem perspectivas ou diagnósticos causais.A 
título de exemplificação,analisamos o filme Rey 
Muerto, de Lucrecia Martel, elencado como 
representação desta produção cinematográfica. 
 
 
Palavras-chave: Tempo. História. Cinema. 
Representação. 
Abstract 
 
This article researches the notion of “being historic” 
based on a new relation established with the time, 
understood as “presentism”, in François Hartog’s 
speech. For this purpose, we did a theoretical 
historiographic appraisal of how the imperial of what 
it seems to be a new Order of Time has been discussed 
and we studied, as object, the Argentinean 
cinematographic critics, which recognizes the 
prevalence of the immediate quotidian immersed in 
trivial actions and without perspectives or causal 
diagnoses as the central theme of their production. In 
order to exemplify our thesis, we analyze Lucrecia 
Martel’s Rey Muerto, chosen as representative of this 
production. 
 
Keywords: Time. History. Film. Representation. 
 
O tema central investigado neste artigo está relacionado ao conceito de tempo1, tão 
caro e necessário para a construção do discurso histórico. Pretendemos aqui problematizar 
como nos compreendemos ser-no-tempo, isto é, seres históricos. Tal reflexão tem por base o 
atual questionamento de que viveríamos em um primado do presente, o que François Hartog 
denominaria de Presentismo2, ou a nova Ordem do Tempo. 
Para tanto, este artigo está apoiado em dois pilares principais. O primeirocompõe-se de 
uma reflexão teórica que levaria em conta os debates acadêmicos suscitados nos últimos anos 
em torno do tema do tempo e da noção de história que estaria se modificando. O outro pilar 
busca compreender o debate da crítica argentina e a atual produção cinematográfica 
desenvolvida por lá, conhecida como nuevo cine argentino (NCA). 
Na Argentina, em 1995, foi criado oINCAA3(Instituto Nacional de Cine y Artes 
Audiovisuales), o qual, pode-se dizer, iniciou uma nova fase na direção da política audiovisual 
 
* Profa. Dra. do Curso de História – INHIS – da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: 
monicacampo10@gmail.com. 
1 Este artigo está diretamente relacionado a tese de doutorado defendida por mim, História e Cinema: o tempo 
como representação em Lucrecia Martel e Beto Brant, em dezembro de 2010, na Universidade Estadual de 
Campinas (UNICAMP), na pós-graduação em História Cultural do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências 
Humanas. 
2HARTOG, François. Tempo e Patrimônio. Revista: VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, no 36: p.261-
273, Jul/Dez 2006 (consulta 02/11/2011); “Tempo, História e a Escrita da História: a Ordem do Tempo”. In: 
Revista de História 148 (1o - 2003), 09-34, (consulta em 02/11/2011). 
3 SILVA, Denise Mota da. Vizinhos Distantes: circulação cinematográfica no Mercosul. São Paulo: 
FAPESP/ANNABLUME, 2007, p.75. 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 18 
do país. Desde então, colhem-se os frutos de tal investimento e se amplia o leque de 
divulgação do audiovisual. O efeito da grande crise (econômica, social e política) que abalou 
a Argentina no início deste séculoacabou se revertendo em termos de ampliação da 
divulgaçãode suas obras, sendo seus filmes e cineastas promovidos e acolhidos em festivais 
internacionais, além de atendidos em suas demandas de investimento nos produtos que 
realizavam. 
O desenvolvimento dessa produção está diretamente relacionado à questão do tempo 
aqui proposta, pois a origem de tais preocupações e mesmo o desenvolvimento deste trabalho 
ocorreu a partir do encontro com a reflexão argentina. A produção cinematográfica argentina, 
assim como a crítica desenvolvida em torno desta, suscita uma provocação temática acirrada 
em torno do que entendíamos como sendo a base da produção da história e de como esta está 
edificada e desenvolvida. O debruçar sobre os primeiros textos de crítica acadêmica argentina 
sobre sua produção cinematográfica sugere que, nesta cinematografia, o tempo aparecia 
representado das seguintes maneiras: nostálgicoe puro presente ou pensamento4. 
A referência ao tempo nostálgico nos pareceu compreensível, historicamente falando; 
afinal, o nostálgico refere-se a uma sensação de idealização sobre o passado, muitas vezes 
calcada na frustração do presente e na ausência de perspectiva de futuro. Assim, em termos de 
discurso histórico, sua elaboração mantém as referências a passado e futuro, idealizados e 
distantes do real, ou ainda, saturados do real, mas percebido historicamente. 
Por outro lado, a referência ao tempo do pensamento, ou ainda, ao tempo do puro 
presente(momento atual percebido de maneira restritiva)gera confusão e questionamento; 
instiga-nos a investigar do que tratam estas novas conceituações: quais seriam as 
representações que esta sociedade realiza de si mesma e, mais do que isso, como se percebe e 
se reconhece nas obras constituídas com estas representações do tempo. Entendemos5 que 
otempo do puro presente (Wolf se refere a estar atado ao tempo do puro presente) ou do 
pensamento (portanto, da subjetividade)pressupõe uma ausência, ou ainda, uma restrição à 
perspectiva de se pensar historicamente, porque se perdem as noções de perspectiva e 
processo ao estar circunscrito ao imediato e ao fluxo contínuo de subjetividades 
individualizadas. 
O perceber-se parte de um processo constituído de passado para projetar-se em futuro 
e ainda, viver no presente carregando as heranças, buscando lidar com estas, mas também 
 
4 WOLF, Sergio. “Aspectos del problema del tiempo en el cine argentino”. In: Gerardo YOEL (org) Pensar el 
cine 2: cuerpo(s), temporalidad y nuevas tecnologias .Ed. Buenos Aires: Manantial, 2004. 
5E neste sentido a reflexão é a do historiador encontrando a referência a partir de uma aparente semelhança – 
entre historiografia e teorias do cinema – na utilização de recursos conceituais. 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 19 
superá-las, faz com que esta vivência de ser presente seja percebida dentro de uma 
perspectiva histórica. Entretanto, na crítica argentina, se dizia que as representações 
cinematográficas realizadas estavam atadas ao tempo do puro presente, sem a relação com os 
demais tempos; portanto, sem se perceberemem um processo maior que sua própria, solitária 
e individualizada sobrevivência ou sem se preocuparem em estar relacionados a ela. 
Nestas representações deixa de existir passado, como também não há perspectiva de 
futuro. Não há relações causais, nem teleológicas, como também, não há processo a elaborar 
a história em sua narratividade: está-se atado e restrito ao tempo da crônica cotidiana, ao 
eterno presente – é a presentificação do olhar restrito e cercado do cotidiano, do banal, sem 
arroubos explicativos, mas sobretudo, sem a pretensão destes arroubos explicativos. A 
interpretação que os críticos fazem sobre este tipo de representação na cinematografia 
argentina contemporânea crê que a produção realizada está imersa no momento de sua 
realização e em sua reflexão. Em comum, há o fato deque este diagnóstico, ao contrário do 
que podemos supor, não é negativizado por estes críticos. Eles acolhem esta produção e este 
discurso como embebido de entusiasmado momento de inovação da cinematografia realizada. 
O cotidiano é narrado em sua mediocridade da sobrevivência diária, por vezes com 
fatos ocorrendo em simultaneidade entre os personagens. Os críticos o percebem na estrutura 
narrativa como elaborados a partir da ideia de tempos justapostos (que não ocorrem em 
flashback6). Não há o domínio dos personagens sobre os acontecimentos, como também não 
há possíveis saídas ou soluções para os conflitos, como ocorria na cinematografia produzida 
até os anos 1980. 
As hipóteses indicadas pelos críticos argentinos para explicar estas representações em 
tempo do puro presente apontam a crise provocada pela onda neo-liberal: a ausência de 
perspectiva de futuro, a ruptura e desfiliação em relação ao passado devido ao trauma pós-
regime militar e auma democracia frustrante. Estas hipóteses perpassavam tanto questões 
conjunturais e estruturais internas, próprias da sociedade argentina, quanto o chamado efeito 
da globalização a partir do Consenso de Washington. Entretanto, estas explicações sempre 
nos pareceram limitadas,como se fossem simples demais para tamanha ruptura com a própria 
concepção de ser-no-tempo, de ser histórico. 
 
6 A função do flashback no cinema clássico tem sido a de justificar, por uma relação causal, a situação presente 
narrada (seja do personagem, seja do tema abordado). Assim, seria uma relação anacrônica em termos de pensar 
o discurso histórico realizado, pois parte do conhecimento dado no presente à busca das razões históricas 
existentes no passado. O diagnóstico presente presidiria um olhar já maculado para o passado (poderíamos 
pensar, por exemplo, nas razões do atual poderio norte-americano tendo por base o pacto estabelecido no 
Mayflower, ou ainda, a corrupção da corte portuguesa em sua fuga para o Brasil e as raízes de nossa corrupção 
institucional atual). 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 20 
Elaboramos então a questão; como será possível existir história se as representações 
estão atadas ao tempo do puro presente? O risco que notamos ao analisar essas afirmações 
contidas na crítica argentina era que, tomando estas definições a partir do olhar do historiador, 
as representações realizadas na cinematografia argentina poderiam ser interpretadas como 
sendo de um temposem historicidade. A tese central que defendemos no doutorado é que as 
representações são concepções históricas, e caso suas narrativas estejam atadas no tempo do 
puro presente, isto não significa que estas não contenham a percepção de ser-no-tempo. Ou 
seja, mesmo elaborando narrativas fílmicas cujas representações estejam cronologicamente 
ligadas às ações dos personagens em seu cotidiano imediato, isto não significa que não seja 
possível perceber nestas obras a relação que a própria obra estabelece com a nossa 
constituição como ser histórico. Portanto, para nós, as representações cinematográficas 
comportam percepções sobre as maneiras como a atual sociedade se vê e se faz entender no 
mundo. Se, em primeira instância, as interpretações realizadas sobre as obras 
cinematográficas selecionadas as perceberam como sendo constituídas de discursos a-
históricos, ao nos debruçarmos sobre os filmes, construímos a proposição de que eles 
possuem de fato historicidade. Assim, mesmo com o aparente discurso do tempo do puro 
presente, ou ainda, de um olhar cronístico da intimidade, estas produções seriam permeadas 
de referências de sentidos de historicidade. 
Além disso, se tal percepção foi destacada nesta cinematografia e percebida pela 
crítica cinematográfica, cabe ressaltar que não é somente em seus produtos audiovisuais e em 
sua atual produção cultural que tal temática tem sido discutida. A questão do ser diante da 
história, a sensação de estar vivenciando um eterno presente cotidiano, emaranhado na 
ausência de passado ou de perspectiva de futuro, tem sido diagnosticada por diversos 
intelectuais, ressaltando que tal incidência é especialmente sentida em uma sociedade em que 
a individualização7 cresce, isolando e particularizando indivíduos em suas vidas ordinárias e 
massificadas. 
 
7“Esse ideal de ego do indivíduo, esse desejo de se destacar dos outros, de se suster nos próprios pés e de buscar 
a realização de uma batalha pessoal em suas próprias qualidades, aptidões, propriedades ou realizações, por certo 
é um componente fundamental da pessoa individualmente considerada. Trata-se de algo sem o qual ela perderia, 
a seus próprios olhos, sua identidade de indivíduo. Mas não é, simplesmente, parte de sua natureza. É algo que se 
desenvolveu nela através da aprendizagem social. (...) só emergiu na história, (...) gradativamente. (...) 
juntamente com a formação de nações industrializadas e urbanizadas, a princípio em grupos e classes 
relativamente pequenos. (...) esse ideal faz parte de uma estrutura de personalidade que só se forma com 
situações humanas específicas, (...) É algo sumamente pessoal, mas, ao mesmo tempo, específico de cada 
sociedade. A pessoa não escolhe livremente esse ideal dentre diversos outros como o único que a atrai 
pessoalmente. Ele é ideal individual socialmente exigido e inculcado na grande maioria das sociedades altamente 
diferenciadas. Evidentemente, é possível fazer-lhe oposição, mesmo nessas sociedades. Existem recessos em que 
o indivíduo pode furtar-se à necessidade de decidir por si e de se realizar destacando-se dos outros. Mas, em 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 21 
O que nos parece extraordinário neste diagnóstico desferido pelos críticos 
cinematográficos argentinos está na positividade que eles atribuem a obras que, no nosso 
entender, se seu conceito de tempo for de fato somente referente ao imediato, representariam 
a ausência de historicidade. Num movimento contrário, outros intelectuais que afirmam este 
diagnóstico o fazem a partir de um olhar negativo para esta perspectiva de esvaziamento do 
ser diante da história8. 
 
A História Cultural e o Tempo 
 
Roger Chartier9 publicou uma obra de reflexãosobre a produção historiográfica 
realizada no campo da História Cultural nos últimos trinta anos na qual o tempo é uma das 
questões centrais. Esse pequeno livro de ensaio historiográfico tem como título: A história ou 
a leitura do tempo. No capítulo conclusivo, “Os tempos da história”,Chartier propõe que o 
primeiro substantivo seja pensado no plural, pois ele parte da noção de tempo tripartido 
proposto por Fernand Braudel, e o analisa a partir de três possibilidades construídas para 
compreender o que, na base, estava proposto nesse autor: Paul Ricouer, Michel Foucault e 
Pierre Bourdier. 
De Paul Ricouer,há referência a Tempo e Narrativa10. O filósofo discute, a partir das 
noções de história e narrativa, o lugar do acontecimento e como este fica enredado em meio à 
sua escrita; destaca que o fato, tal qual elaborado nos conceitos de tempo propostos por 
Fernand Braudel (longo, médio e curto), estariam sempre ligados ao ato presente e subjetivo 
do historiador11, trabalhados na articulação de sua escrita – assim, este sempre deve levar em 
consideração a subjetividade de sua atuação nesta produção. De Michel Foucault12, Chartier 
 
geral, para as pessoas criadas nessas sociedades, essa forma de ideal de ego e o alto grau de individualização a 
ela correspondente são parte integrante de seu ser, uma parte de que nãopodem livrar-se, quer a aprovem ou 
não.”. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p 118. 
8 Podemos indicar aqui, a título de exemplificação, os trabalhos desenvolvidos por FredricJameson sobre a 
alienação, que estaria presidindo o viver em sociedade na pós-modernidade porque o indivíduo se apartaria de 
suas responsabilidades e compromissos em nome do hedonismo e da vivência prazerosa do desejo individual. 
Sem responsabilidades e sem compromissos, estaríamos seguindo o desenvolvimento máximo estimulado neste 
neo-liberalismo de dias atuais. Consultar: F. JAMESON. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo 
tardio. São Paulo, Ática, 1996. ___________. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio 
de Janeiro, Ed. UFRJ, 2006. 
9 CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. 
10 RICOUER, Paul. Temps et récits. Paris: Editions du Seuil, 2000. 
11 Sobre a repercussão das propostas de Paul Ricouer e sua relação entre narrativa e tempo na produção do 
discurso histórico, além da leitura de obras do próprio, recomendo os livros de: REIS, José Carlos. História e 
Teoria: Historicismo, Modernidade, Temporalidade e Verdade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006; DOSSE, 
François. A História. Bauru, SP: EDUSC, 2003. 
12 FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 22 
lembra que os acontecimentos devem ser percebidos como relação de forças13: deste modo, a 
marca no tempo estaria firmada com a ruptura, a crise, o fato que leva à supressão de um 
estado e o estabelecimento de novas atitudes. A partir de tal percepção, Chartier tem como 
preocupação ressaltar que as forças em correlação não estão a cumprir papeis ou destinos pré-
determinados (não se trata de uma leitura teleológica), mas ocorrendo como situações 
aleatórias e descontínuas, nas quais atuam em novas fundamentações. Já de Pierre Bourdier14, 
o autor ressalta como a percepção do tempo é “uma das propriedades sociais mais 
desigualmente distribuídas”, pois há o poder dos dominantes que podem dispô-lo a seu bel-
prazer e a“impotência dos desfavorecidos”, aqueles que se encontram submetidos:15 
 
De modo que as diversas temporalidades não devem ser consideradas como 
envoltórios objetivos dos fatos sociais; são o produto de construções sociais que 
asseguram o poder de uns (sobre o presente ou o futuro, sobre si próprios ou sobre 
os demais) e levam os outros à desesperança. Atualmente, a arquitetura 
braudeliana das durações embutidas (longa duração, conjuntura, acontecimento) 
sem dúvida merece ser repensada. O fato é que a leitura das diferentes 
temporalidades que fazem que o presente seja o que é, herança e ruptura, invenção 
e inércia ao mesmo tempo, continua sendo a tarefa singular dos historiadores e sua 
responsabilidade principal para com seus contemporâneos. 
 
Evidentemente que, se nos referimos a tempo presente16 ao longo de toda esta 
explanação, as reflexões que percorrem a academia em relação à atuação dos historiadores 
nesta área (que era considerada de ação principalmente do campo da sociologia e do 
jornalismo) também entram em discussão, desde a diferenciação que se faz entre o campo da 
história – com a afirmação do conceito de tempo presente –e o campo do jornalismo– com a 
afirmação detempo imediato– estabelecendo aí uma diferenciação nos princípios de atuação e 
entre os saberes e práticas de historiadores e jornalistas. 
A história do tempo presente é aquela que se dá na duraçãoexistente entre o passado e 
o futuro, não pensada como continuidade, mas, conforme articulada em Hannah Arendt17, 
como possibilidade, abertura necessária para explorar a reflexão que inquietam os humanos. 
Já a atuação do jornalista estaria em influir no registro imediato do acontecimento, ainda 
durante sua ocorrência, percebendo-o como fato a ser documentado e a ser (ou não) 
investigado posteriormente com maior profundidade. Este tempo presente pode ainda ser 
 
13 Aqui se destacam as marcas do pensamento de Nietzsche na análise feita por Foucault a partir da crítica que o 
primeiro desenvolveu à noção de origem, para edificar, deste processo, a idéia da “transformação das relações de 
dominação” (CHARTIER, 2009, p. 67). 
14 BOURDIER, Pierre. Meditações Pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 
15 CHARTIER. Op cit, 2009, p 68 
16 TÉTARD, Philippe. Questões para a história do presente. São Paulo: EDUSC, 1999. 
17 ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007. 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 23 
qualificado e observado a partir da conceituação de Paul Ricoeur como sendo tempo 
inacabado18. 
Sobre tal assunto, referimo-nos às propostas de Michel de Certeau19: 
 
2- Existe uma historicidade da história. Ela implica no movimento que liga uma 
prática interpretativa a uma prática social; 3- A história oscila, então, entre dois 
pólos. Por um lado, remete a uma prática, logo, a uma realidade, por outro, é um 
discurso fechado, o texto que organiza e encerra um modo de inteligibilidade; 4- 
Sem dúvida a história é o nosso mito. Ela combina o ‘pensável’ e a origem, de 
acordo com o modo através do qual uma sociedade se compreende. 
 
 
As reflexões da História Cultural que estabelecem discussões sobre as narrativas 
(marcadas por seus estilos) constituem como foco de suas preocupações as representações. 
Elas nos ajudam na percepção do conceito de tempo através de como este se estabelece nas 
obras analisadas. Por meio destas reflexões, conseguimos demonstrar as relações que podem 
participar para compor um olhar sobre o ser no mundo.Acreditamos que os produtos 
cinematográficos podem ser observados como representações, nas quais uma confluência de 
fatores comporta percepções sobre as maneiras como esta atual sociedade se vê e se faz 
entender no mundo20. 
Michel de Certeau21 e Roger Chartier22 são aqueles que tomamos como parâmetros 
para pensar e discutir, mas, principalmente, elencar possíveis compreensões nessa história que 
praticamos.De Michel de Certeau lembramos que há os lugares de produção, onde, 
retomando nossa análise da cinematografia argentina, os discursos referentes ao cinema 
produzido após as leis de incentivo instituídas desde os anos 1990 são elaborados; assim, 
 
18 RICOEUR, Paul. Op cit, 2000. 
19 CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982, p. 33. Tais 
propostas estão intimamente ligadas às reflexões que o autor realizava sobre o fazer histórico em meio às críticas 
à história cultural ao avanço das leituras estruturalistas e à virada linguística. Barthes e Foucault eram as 
referências primeiras neste situar do que seria o lugar da produção do fazer histórico. Aqui, o historiador 
demarcava seu campo e suas intencionalidades na reflexão que elaborava. 
20“A consciência é o lugar no qual os fluxos do tempo convergem para se tornarem elementos de delimitação da 
própria experiência. O tempo é percebido sempre a partir das categorias específicas da consciência conforme a 
sua relação mais forte com o exterior ou com o interior (para-si e para-outro). Daí a imprecisão objetiva do 
tempo precisamente objetivo. A consciência não segue o fluxo do tempo, mas reconstrói a cada instante sua 
própria percepção do tempo objetivo, subjetivado, apropriado pela consciência como o tempo do ser. Os dados 
imediatos dos sentidos apontam um tempo externo à consciência, que, uma vez conhecido, é confrontado com o 
conjunto de experiências do ser no tempo, ao que denomino tempo interno – os dados imediatos do pensamento. 
A conjunção é o fluxo detempo percebido pela consciência.” Luís Mauro Sá MARTINO. Estética da 
Comunicação: Da consciência comunicativa ao ‘eu’ digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, (pg 47). 
21 Michel de CERTEAU. Opcit, 1982. 
22 Roger CHARTIER. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: 
Bertrand Brasil, 1988. 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 24 
esses são lugares históricos e não corpus flutuantes sem referências23. Situar as atuais 
produções e percebê-las embrenhadas em situações e debates podem ajudar a compreender 
suas especificidades. As obras não podem ser analisadas como reflexos de uma realidade, 
como se fossem espelhos dela, mas como parte dessa própria realidade que deve ser entendida 
historicamente. Os filmes participam de uma dimensão social que se percebe política, na qual 
possuem seu lugar. Assim, as obras cinematográficas realizadas são, para nós, a construção da 
Representação efetivada,com base nasPráticas constituídas e Apropriadas, de que fala Roger 
Chartier: 
 
A história cultural tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o 
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é 
construída, pensada, dada a ler. (...) 
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à 
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas 
pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário 
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. 
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem 
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma 
autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto 
reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e 
condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como 
estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos 
desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. (...) 
(...) Desta forma, pode pensar-se uma história cultural do social que tome por 
objecto a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das 
representações do mundo social – que, à revelia dos actores sociais, traduzem as 
suas posições e interesses objectivamente confrontados e que, paralelamente, 
descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse.24 
 
 
François Hartog e o Regime de Historicidade 
 
O historiador François Hartog tem desenvolvido e divulgado nesta primeira década do 
século XXI suas reflexões a respeito do que perceberia como sendo uma mudança no Regime 
de Historicidade e propõe que este teria ocorrido, principalmente, a partir dos eventos do final 
da década de 1980 e início de 1990, mais precisamente, com a crise produzida a partir da 
queda do muro de Berlim em 1989. 
Na França, o livro Régimes d’historicité: présentisme et expériencesdutemps25 foi 
publicado em 2003 e rende os frutos de diversas palestras e conferências. No Brasil, este 
 
23 Michel de CERTEAU. Op. cit. p 32. 
24CHARTIER, Roger. Op. cit, 1988, p. 16-9 
25HARTOG, F. Régimes d’historicité: présentisme et expériencesdutemps.EditionsduSeuil, col. La 
LibrairieduXXIe. Siècle, France, 2003. 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 25 
trabalho, não traduzido ainda, é divulgado por meio dos artigos acadêmicos.No ano de 2010, 
fechando o encontro nacional de historiadores ocorrido no mês de julho, em São Paulo, o 
professor esteve presente e fez a conferência de encerramento reafirmando suas análises sobre 
o referido tema. 
Quando Hartog indica a mudança que ocorre em 1989, ele está distante de corroborar 
com a tese proposta na época por Fukuyamasobre o “Fim da História”, com a vitória da 
democracia liberal, mas sim interessado em perceber que uma fase de compreensão e de 
produção de história poderia ser percebida como encerrada. A essa fase, e em sintonia com R. 
Koselleck, Hartog percebe o período que vai da Revolução Francesa, de 1789,à queda do 
muro de Berlim, em 1989, compreendida como a da modernidade em termos de concepção da 
história. Neste período, teríamos vivido em função de um primado do futuro. Assim, a história 
seria elaborada e produzida tendo como objetivo a indicação de futuro, portanto, a ela seria 
inerente outros conceitos, como os de evolução e de progresso. Essa história teria sido 
marcada pela presença de história política a indicar o desenvolvimento das nações. 
 
No que respeita à historiografia, a expressão moderno regime significa um período 
em que o ponto de vista do futuro domina. A palavra-chave é Progresso, História é 
entendida como processo e Tempo como se direcionando a um fim (progressão). O 
fim deste regime moderno significaria que não é mais possível escrever história do 
ponto de vista do futuro e que o passado mesmo, não apenas o futuro, se torna 
imprevisível ou mesmo opaco. Deve ser reaberto.(…) 26 
 
A reflexão que Hartogelabora ao repensar o edifício da história se baseia em Walter 
Benjamin e em sua proposta de vazio; a sustentação teórica e conceitual desta nova percepção 
em que o futuro deixa de deter o primado da reflexão ésubstituída pela percepção de crise 
vivenciada. A queda do muro de Berlim e, para além disso, a crise da URSS e do modelo 
socialista quebraram a própria ideia ocidental projetada em futuro. Daí, e na subsequente crise 
das ciências sociais nos últimos vinte anos, a história deixa de ser uma projeção para o futuro, 
deixa de ter no passado o lugar seguro onde ancorar estas ideias, e passa a vivenciar a 
insegurança do presente que não sabe para onde vamos, mas principalmente, deixa de ter 
certeza sobre o passado que foi vivenciado, por isso esse passa a ser relativo e aberto a novas 
possibilidades interpretativas. Hartog, para comprovar esta proposta de presentismo, faz um 
balanço historiográfico desde a Mesopotânia até chegar aos nossos dias atuais. Recorta 
modelos exemplares de produção da história, destaca obra e autores, demonstra como,em 
 
26 HARTOG, F. Revista de História USP, p 11 
 
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diversos e distintos momentos de elaboração histórica, outras ordens foram vivenciadas, para 
chegar a atual sensação de presentismo, ou o que ele denomina de nova Ordem do Tempo. 
 Tendo em vista esta reflexão de Hartog, seguimos construindo agora uma ponte que 
uniria virtualmente as preocupações do professor às nossas próprias ao encontrarmos com a 
produção cinematográfica argentina e com a crítica produzida em torno desta. Estaria nesta 
produção uma comprovação material desta nova Ordem de Tempo e, nestas representações, o 
novo olhar que a sociedade faz sobre si mesma? 
 
A presentificação do tempo: História e Crônica 
 
Iara Lis Schiavinatto27, analisando a minissérie A Invenção do Brasil, produzida pela 
Rede Globo por conta da efeméride dos 500 anos do Descobrimento, diz: 
 
François Hartog e Koselleck indicaram a noção presentista do tempo 
contemporâneo. Ela se distancia das formas anteriores de percepção do passado. 
Quanto ao modo de diferenciá-lo, privilegiar a ruptura e a tentativa de ultrapassá-
lo com vistas às apostas no futuro e as esperanças aí depositadas – tal qual nas 
vanguardas ou na Revolução Francesa. Agora o presente rege os valores da 
existência humana – com suas configurações próprias – que privilegia o imediato, 
o tempo real, o on-line, enquanto condição que apreende o tempo e o vivencia. Há 
uma expansão da categoria do presente, que angula o vivido. Nessa medida, 
emerge a distância face ao passado e os modos de apreendê-lo.Daí, a necessidade 
premente de recuperar este abismo entre tais temporalidades e uma consciência de 
que o passado não nos pertence e é externo a nós. O passado nos é estrangeiro, 
merecendo, por decorrência, um hiperinvestimento da memória, tornada um dever 
irrefutável. A partir dos anos 70, expande-se os lugares de memória, há uma 
renovação de centros históricos, uma proliferação de centros culturais. Todos sob 
o signo do patrimônio. Essas experiências imbricam-se reciprocamente, 
delineando nossa compreensão de tempo.28 
 
 
François Hartog e ReinhardtKoselleck29 identificaram nas sociedades atuais esta 
propensão ao tempo presentificado. A análise de Schiavinatto tem por base a premissa de que, 
na produção midiática, principalmente, se constrói este locus de organização em que o 
presente se debruça sobre o passado. A produção midiática seguiria elaborando didaticamente 
a apropriação dos signos que elucidariam o presente, constituindo e possibilitando a apreensão 
do que ficou para trás, marcada sempre por esta noção clara de que o presente é quem o 
 
27SCHIAVINATTO, Iara L.. “Entre a hostilidade e a convivência: em torno da Invenção do Brasil – 2000”. In 
CAPELARI, Márcia R. (et alli).Figurações do outro na história. Uberlândia: EDUFU, 2009. 
28 SCHIAVINATTO. Opcit, 2009, p. 335-6. 
29HARTOG, François. “Tempo e história: Como escrever a história da França hoje?”. In História Social, 
Campinas, n.3, p. 127 – 154, 1996; KOSELLECK, Reinhardt. Lefutur passe. Contribuition à lasemántique dês 
tempshistoriques. Paris: Editions de l’ÉcoledêsHautesÉtudes en ScienxesSociales, 1990. Apud 
SCHIAVINATTO, op. cit. 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 27 
problematiza e predomina, sendo o passado o lugar da memória a ser resgatada. No caso do 
artigo analisado, a minissérie da Rede Globo participaria ativamente desta produção de 
sentidos que a obra midiática efetua na construção e problematização do discurso histórico. A 
obra se apoderaria do passado através desta presentificação:este é tratado como apartado de 
nós, daí o lugar de memória construído em resgate para referência do presente. 
Pierre Sorlin30 propõe uma interpretação sobre as narrativas televisivas e em como 
estas intervêm na idéia de história, dividindo-as em dois campos narrativos: a história e a 
crônica. A idéia de Sorlin é que a televisão, que passou a participar ativamente de nosso 
cotidiano (diferentemente do cinema), acabou por romper o discurso narrativo histórico 
forjado desde o século XIX ao impor a necessidade do imediato31, o que teria como 
consequência a ruptura que se estabeleceu na noção do processo que constrói todo o edifício 
de argumentos sobre os quais a narrativa histórica está assentada. Neste sentido, afirma 
Sorlin, o cinema não produziu o mesmo impacto, pois não interveio no espaço privado como a 
televisão o faz. 
O fato, o acontecimento, na narrativa histórica, está articulado à ideia de processo, 
pois permanece a percepção do que estaria no antes e no depois: passado em relação ao 
presente, projetando perspectivas de futuro. As narrativas televisivas, imbuídas do imediato, 
do estarem diante do real, redefiniram as noções de produção da história, fazendo com que, 
hoje, a crônica supere o estilo da ideia de processo (constituinte do discurso histórico), 
presentificando a narrativa, retirando-a de sua relação de tema construído ao longo do tempo, 
já que, em relação a este, a crônica corresponde, sobretudo, ao imediato. 
A análise de Sorlinsobre o poder desta estrutura narrativa para compreender a 
percepção do que se considera ser história baseia-se na leitura que realizou de Hayden White. 
A partir deste autor, ele compreendeu que a narrativa histórica está embrenhada na articulação 
de estilo retórico, e que, portanto, a mesma deve ser considerada se pensarmos os sentidos de 
seus argumentos temáticos utilizados para se produzirem significados. A hipótese de Sorlin é 
que atualmente a crônica, com a avalanche do presente disponível na televisão, educou os 
sentidos e a percepção do conceber histórico. Não apenas isso, ela igualmente interveio com a 
crescente demanda por fatos/acontecimentos sem a necessidade do estabelecimento da noção 
 
30 SORLIN, Pierre. “Televisão: outra inteligência do passado”. In NÓVOA, Jorge, FRESSATO , Soleni B. e 
FEIGEILSON, Kristian (org.). Cinematógrafo: um olhar sobre a História. Salvador: UDUFBA/ São Paulo: Ed. 
da UNESP, 2009, pp. 41-60. 
31Sorlin exemplifica esta afirmação com a cobertura jornalística realizada durante uma guerra: o fato ocorrendo 
diante do espectador e do próprio produtor da notícia sem que o mesmo se tenha finalizado, ou seja, durante sua 
execução não há o conhecimento sobre seu desfecho como também não há como realizar uma análise sobre o 
processo de desenvolvimento do mesmo. Ele ocorre diante de nossos olhos. 
 
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de processo. A televisão produziu, em sua permanente presença no espaço privado ao longo 
de décadas, a crônica como sentido retórico predominante. 
Para Sorlin, não está sendo marcada a superioridade de uma forma narrativa frente à 
outra, mas a possibilidade de perceber a coexistência e ainda a ascensão de novas demandas e 
comportamentos, percebidos aqui como processo histórico nesta sociedade. Neste sentido, 
alerta recordando de que forma as próprias estruturas retóricas que reconhecemos hoje como 
História foram forjadas no XIX. Elas atendiam a perspectivas e necessidades daquele mesmo 
momento, assim como as crônicas sempre ocuparam (com maior ou menor importância) 
espaço na produção em tempos anteriores: 
 
Não há nenhuma razão para fazer distinções entre história e crônica, a depender 
da maneira como são realizadas, as duas abordagens são igualmente interessantes 
ou enfadonhas. Elas dividem ainda o traço comum de serem utopias. A história se 
empenha em descobrir um ponto de vista que dá sentido aos acontecimentos, mas o 
ângulo de ataque não para de mudar, o esclarecimento que damos às coisas hoje, 
em função das preocupações do momento, será dificilmente compreensível amanhã 
quando outros cuidados serão prioritários. A crônica se atém aos fatos, sem ver o 
meio de controlar o que deixa um vestígio nas memórias daquilo que, não menos 
essencial, desaparece assim que é vista. Estas inconsequências quase não contam 
posto que a meta permanece idêntica: ajudar os humanos a não perder a noção do 
tempo que se esvai. Crônica e história coexistem desde muito tempo, mas as suas 
influências respectivas variam. A história foi uma das grandes aventuras da era 
industrial, ela acompanhou os progressos científicos e técnicos depois da época 
das ‘luzes’. Se a crônica assume atualmente a frente é, em parte, por causa do 
declínio dos ‘grandes relatos’. Mas é bem mais porque a televisão, se insinuando 
por toda a parte e a todo momento, faz da atualidade uma crônica permanente a 
qual ninguém escapa, nem mesmo aqueles que não tem televisor. A crônica coloca 
os fatos no presente e apresentam-nos num enfoque idêntico: ela é perfeitamente 
televisual.32 
 
 
A hipótese de Sorlin sobre a atualidade do estilo narrativo da crônicae a reflexão 
realizada por Schiavinatto sobre o comando do presente para ativar o olhar interpretativo 
sobre o passado que “nos é estrangeiro” (referência a David Lowenthal) voltam-se para a 
maneira como o passado tem sido abordado nas produções realizadas para a televisão, e como 
é percebido na mídia televisiva. A televisão e seus produtos ocupariam, em nossos dias, o 
espaço de construção e divulgação de saberes instigadores de curiosidade sobre este outro 
lugar “estrangeiro”, e atenderia, ao mesmo tempo, à crescentedemanda de curiosidade de seu 
público, criada e alimentada pelo próprio veículo comunicativo. 
Entretanto, as produções fílmicas argentinas a que nos atemos não pretendem falar 
sobre o passado, mas permanecem neste tempo presente. São filmes em cuja ação o 
 
32 SORLIN. Op. cit, p 58. 
 
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desenrolar sempre ocorre simultaneamente ao tempo da narração; não constroem, portanto, 
representações sobre o passado.Este não é o lugar de memória, como referido na pesquisa de 
Schiavinatto, nem é o espaço para o qual se volta o olhar curioso em descortinar o cotidiano 
existente antes, o da crônica do dia-a-dia a que se refere Sorlin33. As produções 
cinematográficas indicadas pelos críticos argentinos como sendo atadas ao tempo do puro 
presente, tempo do pensamento e tempo justaposto são aquelas que se voltam ao momento 
atual, sem buscar lugares de memória, sem projetarem futuro, restringem-se à crônica do 
atual cotidiano limitado, permeado e ensimesmado de tempos, tal qual o que encontramos nas 
obras de Lucrecia Martel e outros cineastas. 
Esta noção de tempo imediato a que os historiadores se referem é também percebida 
nas representações dos produtos televisivos, como diz Marcos Napolitano: 
 
Para o historiador que se preocupa com a representação do passado na televisão e 
com a produção da memória social a partir desse meio, é preciso pensar a 
televisão como uma nova experiência social do tempo histórico, na medida em 
que ‘a TV faz coincidir o verdadeiro, o imaginário e o real no ponto indivisível do 
presente’. A TV favorece e amplifica a experiência do tempo, mas não a 
consciência do tempo. Nela, a ‘atualidade’, a exigência sensorial de uma co-ação 
(agir junto) ganha maior dimensão, mas essa mesma ‘atualidade’ é constantemente 
desvalorizada pelo ritmo alucinante da sucessão das transmissões televisuais, 
volatizando a experiência histórica. 
Portanto, além de ‘testemunho’ de um determinado momento histórico, a televisão 
interfere na concepção de tempo histórico e nas formas de fixação da memória 
social sobre os eventos passados e presentes. Esse aspecto de ordem teórica é 
fundamental para o historiador, pois, no limite, ele estará presente no próprio 
material audiovisual analisado.34 
 
 
Acreditamos que as atuais produções cinematográficas estão carregadas desta 
representação do imediato que foi forjada na “nova experiência social do tempo histórico” a 
que se refere Napolitano. 
Assim, no encontro que ocorre entre estas reflexões indicadas acima, percebemos que 
as obras cinematográficas e as críticas a ela referentes poderiam significar representações a 
comprovar os estudos que indicam atualmente o primado do presente ao se elaborar o 
 
33 Neste sentido, Sorlin se refere às produções que atualmente versam sobre a vida cotidiana em outros tempos. 
Produções televisivas, seriados, que hoje ocupam a grade de programação em emissores, e que tem por tema 
compreender qual era a rotina e quais os hábitos de outros tempos. O autor afirma que tais preocupações não se 
apresentavam aos historiadores preocupados com os grandes temas, mas que ao serem realizadas estas obras de 
caráter naturalista, acabaram por suscitar curiosidade e interesse para novas pesquisas e novos campos de 
exploração temática. 
34 NAPOLITANO, Marcos. “A História depois do papel”in PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São 
Paulo: ed. Contexto, 2006, p.252. 
 
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discurso da história, mas que, entretanto, a partir destes, não significaria o fim da história, mas 
o estabelecimento de uma nova ordem do tempo (como afirmaria F. Hartog). 
Para exemplificar esta afirmação, vamos apresentar agora a análise de um filme de 
Lucrecia Martel em que esta presentificação da história poderia ser percebida como 
representação a ser indicada como fruto desta nova Ordem do Tempo. 
 
Produção de curtas pelo INCAA em 1995:Rey Muerto, de Lucrecia Martel 
 
Uma das primeiras realizações do INCAA foi a coletânea de produções de uma série 
de curtas-metragens realizados por diversos jovens cineastas. Dentre estas produções, 
encontramos o filme de Lucrécia Martel: Rey Muerto. O filme flerta com o gênero faroeste e 
traz uma família na trama principal: a mulher, seus filhos e o violento homem de quem ela 
pretende se separar.O curta-metragem tem a duração de cerca de 12 minutos. 
Na primeira cena, vê-se um aparelho de televisão, ligado, transmitindo o que nos 
parece ser a novela infantil Carrocel (que foi sucesso também aqui no Brasil em sua 
retransmissão pelo SBT). Este aparelho está em um bar/cabaré (sic),voltado para nós, 
espectadores do filme, mas não parece ser assistido por ninguém. Há música alta tocando e, 
quando se abre um pouco o quadro, vemos três homens, um em destaque, comendo e 
bebendo. Eles estão ao lado do aparelho, mas não o olham. A primeira impressão é de que 
tudo e todos neste ambiente são extremamente grosseiros e parecem ser violentos. Este 
homem em destaque é o antagonista de nossa heroína e seus filhos, caracterizado de forma 
repugnante. 
Composto em sequências de montagem em paralelo, entre as ações deste homem e da 
mulher e seus filhos, vamos aos poucos recebendo a caracterização dos personagens, mas sem 
que o tempo diegético seja determinado. Parece que tudo ocorre em tempo presente, o que 
seria impossível. A montagem é rápida e as sequências são didáticas, para desenvolver no 
espectador a percepção do entorno seco, estagnado e violento por onde passam estes 
personagens. Enquanto a mulher (acompanhada das crianças) caminha pela cidade, o homem 
é apresentado em vários outros ambientes, mas sempre destacando sua vulgar violência (no 
bar, em um atropelamento, caçando aves em um rio, segurando um galo de briga). 
Depois do bar/cabaré, vemos estes mesmos homens em uma estrada onde acabou de 
ocorrer um acidente (provocado pela picape azul em que estavam) em que um ciclista foi 
atropelado. O ciclista está no chão, ferido e contorcido; o homem desce da picape e o chuta 
várias vezes, violentamente e com raiva; os outros o assistem sem nada fazer. Este atropelador 
 
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é o antagonista. Este será o tom geral do filme: tensão e explosão, a violência sempre presente 
na paisagem desértica, em tons vermelhos de terra batida e empobrecida de seu entorno. 
A estrada leva a uma pequena cidade em que se espalham por uma rua principal casas 
pobres e estabelecimentos comerciais precários. A característica principal da opção de 
fotografia e construção da linguagem deste filme é que em nenhum momento a diretora usou 
tomadas gerais e campos abertos para situar o espectador, ou ainda, qualquer movimentação 
da câmera para acompanhar os personagens. Sempre assistimos aos acontecimentos através de 
frestas, recortes oblíquos (em plongé e contra-plongé). As tomadas formam enquadramentos 
precisos que recortam os personagens em meio ao ambiente em que se encontram. Denomina-
se este tipo de preocupação como sendo o de Cinema de Plano, em que se “trabalha mais os 
caracteres do plano, como o enquadramento e a ‘composição’”35. Os personagens parecem 
que estão sempre sendo observados a pouca distância e sem que seja possível se distanciar 
para melhor definir o seu entorno, o que provoca uma sensação dúbia de conhecer o que se 
passa mas, ao mesmo tempo, nunca se ter noção completa do que os circundam. Interpretamos 
que esta opção de filmagem produz a percepção de que é possível observar, mas nunca ter o 
controle sobre tudo o que se passa, pois isto, assim como o enquadramento fechado,é restrito.A música em ritmo percussivo, de estilo regional, pontua o andamento do filme, 
acirrando a tensão que este constrói. A edição passa a apresentar a mulher e seus filhos. Eles 
caminham por uma rua carregando um bujão de gás e algumas sacolas, além de levarem um 
cachorro. Seguem sendo observados pelos demais habitantes, que muitas vezes comentam 
entre si o que está acontecendo. Em uma mercearia param e vendem suas coisas. É pouco o 
dinheiro que recebem, mas é o que o comerciante se dispõe a dar junto à recomendação de 
que partam rapidamente. 
Àbeira da estrada, um carro vermelho para próximo à mulher e às crianças. Ela entrega 
dinheiro em troca de um pacote, mas quando ela o vai abrir, uma arma cai. O menino a pega e 
observa que está sem bala. O carro partiu sem que pudessem falar ou fazer algo. Vemos um 
ônibus se aproximar, a família está a beira da estrada e o espera, ansiosos. A caminho, o 
homem vem na caçamba da picape azul, em pé. Observávamos em montagem paralela sua 
corrida em direção à mulher e às crianças. Quando chega, gritando, ele não permite que 
entrem no ônibus e ordena que este parta. A mulher aponta o revolver para ele, envolta pelas 
crianças que a cercam escondendo-se atrás dela com medo. O homem parte para cima dela, 
agredindo-a, quando ouvimos um estampido. Ele, assim como todos, caem. Ela se ergue 
 
35AUMONT, Jacques. Dicionário teórico e critico de cinema. Campinas, SP: Papirus, 2003. 
 
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enquanto ele grita permanecendo de joelhos e cobrindo o rosto com as mãos repletas de 
sangue; ele foi ferido. A mulher, as crianças e o cachorro partem. Seguem pela estrada 
enquanto o homem permanece de joelhos, berrando, sujo de sangue, a cobrir o rosto. Ainda o 
ouviremos (ele ficará fora do quadro) gritando e clamando, mas logo o som é encoberto pela 
música e a conversa da mãe com a menina. Sobre uma ponte vemos escrito em uma placa: 
Rey Muerto. Eles seguem a pé enquanto a menina comenta alguma coisa com a mãe, mas a 
compreensão desta fala é muito difícil para entendermos; sabemos que se refere ao ferimento 
e à possibilidade de morte do homem, e as respostas da mãe dizem: não sei. Nenhum deles se 
importa com o que venha a acontecer ao homem. 
Considerando essa descrição, qual concepção de história estaria esta produção 
elaborando, distribuindo e divulgando? 
A canção forte, pontuadapor todo o filme, é parte importante para a construção de sua 
diegése. Ela acentua o clima tenso e o fecho violento, além de trazer um tom regionalista e 
rural, que joga o ambiente para uma província ou fronteira, onde a barbárie ainda predomina. 
A escolha de enquadramentos oblíquos (em plongé e contra-plongé), a montagem em 
paralelo (dos protagonistas e do antagonista) em cortes secos, as cenas sempre contando o 
mínimo necessário para a compreensão do quadro geral (sem que hajam tempos mortos), 
produzem o efeito de síntese dos acontecimentos e marcam um tom diferenciado desta 
narrativa, assim como uma proposta de linguagem instigante, pois pressiona os tratos 
narrativos convencionais. A opção do cinema de plano, em que os personagens passam diante 
da tela, mas esta permanece estática e sem acompanhá-los, suscita a interpretação de que não 
é possível se obter o todo; somente partes são resgatadas para a composição da memória 
destes personagens. 
A escolha do gênero faroeste como modelo (e lembramos do filme Matar ou Morrer, 
de Fred Zinnemann, com Gary Cooper) surpreende e faz com que várias referências deste 
gênero sejam retomadas em meio ao desenvolvimento da história. Entretanto, no filme de 
Lucrecia Martel, não há o transcorrer tradicional do gênero. A protagonista é uma mulher com 
seus filhos pequenos, que são alçados à categoria de heróis, ou seja, em oposição às narrativas 
tradicionais deste gênero, nas quais aqueles sempre são as figuras fracas e marginais da 
história, e que necessitam da ajuda de outros. Aqui, chegam sem ajuda de nenhum herói ao 
fim de sua jornada, contrariando todas as probabilidades; eles se tornam os protagonistas de 
sua própria história. 
Poderia se crer, a partir desta questão, que a proposta do filme possibilitasse a 
interpretação de que a partida destes personagens e sua vitória final produzisse uma 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 33 
transformação, e talvez, poderíamos confirmar tal interpretação com a metáfora da família 
andando pelaa estrada. Entretanto, devemos nos lembrar de que as escolhas para o 
enquadramento das tomadas de cena não encaminham a esta acepção teleológica de futuro, 
pois não mostram a estrada em perspectiva, mas somente enquadra a ponte em plongè 
enquanto a família a atravessa, até que eles saiam de quadro. A câmera permanece fixa neste 
enquadramento, assim como em todos os demais realizados ao longo do filme. A câmera não 
passeia, não acompanha os personagens, mas os enquadra fixamente e os deixa passar diante 
de suas lentes. O efeito desta opção de linguagem na composição da narrativa quebra a 
interpretação teleológica que tradicionalmente a estrada possui em finais de filmes. Não é esta 
a opção de escrita da história que Martel nos presenteia, não se assiste a rupturas 
transformadoras e portadoras de esperanças futuras, mas os fatos imediatos e sem 
desdobramentos, sem serem elaborados como deflagradores de consequências 
futuras.Enquanto espectadores passivos e pouco curiosos, assistimos ao acontecimento no 
momento exato da articulação do fato, mas este fecha e nós permaneceremos, sem 
acompanhar e sem saber se esta ação resultou em qualquer coisa que seja. 
Aliás, se formos questionar a noção de Tempo nesta produção, perceberemos que a 
temporalidade em que se passa o filme é deveras instigante, pois não é possível de ser 
definida. Não há referências ao passado, presente ou futuro, mas a um tempo estagnado, 
parado no puro presente, no imediato das ações. Mesmo as cenas em que supomos 
temporalidades passadas: o atropelamento, a caçada, ou ainda, umflashback ocorrido em meio 
ao filme, são referentes ao tempo imediato, menos justificadores causais do imediato, mas 
também elaborados como atemporais. Não possuímos histórico do passado destes 
personagens e nem da localidade em que se situam. Também não nos é dada nenhuma 
indicação de qual será o seu futuro. Os personagens passaram diante da lente e se foram, o 
quadro permanece onde sempre esteve, imóvel. 
O gênero faroeste como base escolhida poderia remeter a outra perspectiva de 
percepção histórica, aquela que se assenta na ideia de mito. O mito da fronteira, espaço ainda 
não civilizado e que necessita ser superado, o “oeste” bárbaro, permite o surgimento de heróis 
que, em sua predominância, são representados por homens, como o personagem de Gary 
Cooper em Matar ou Morrer. Se o personagem de Gary Cooper parte recompensado pela 
fidelidade da amada e sabendo para onde ir, e ainda, o que faria depois, a heroína de Martel 
não sabe o que fazer, segue sem destino, sem conhecimento, sem futuro; somente com a 
superação de um entrave vivido no presente, afirma à filha: “Não sei”. 
 
Fato&Versões, Uberlândia, v. 3 n. 6, ISSN 1983-1293 34 
Os personagens deste filme não possuem nomes.São eles a mulher, o homem, a 
menina, o menino mais velho, o menino mais novo e o cachorro. Até lembram os personagens 
de Vidas Secas, pessoas comuns destacadas nesta trama, mas que permanecerão no anonimato 
de suas vidas ordinárias. Se alimentam da caixa de ilusões românticas diariamente 
transmitidas pelas televisões, seja no espaço público como também no doméstico. Seria então 
a televisão com suas novelas a transmissora de ficções/mentirosas e o filme deficções/verdadeiras? Seria aqui retomada a discussão que contrapõe as narrativas míticas e as 
históricas como sendo opositoras, pois uma comporta o espaço da ficção enquanto a outra 
traria como objetivo declarado a busca da verdade? 
A primeira cena do filme, em que está em primeiro plano um aparelho de televisão 
transmitindo uma novela, pode ser a chave para superar este caminho simplista de 
interpretação, pois a partir desta primeira tomada é que irá se compor todo o filme em planos 
fixos de observação dos personagens. A escolha de Martel pelo enquadramento fixo lembra a 
cena da televisão no bar. Em tela, o contraste do movimento dos personagens em relação à 
permanência fixa do aparelho, ajudam a compor a opção de linguagem que será utilizada no 
filme. Acreditamos que este enquadramento fixo ressaltaria a ideia de parcialidade em que se 
constituemas narrativas, de que a história é composta de recortes e análises para constituir 
interpretações, que sempre serão restritas e parciais. Longe de opor mito à história, ambos 
podem ser pensados como portadores de constituição de verdades restritas, assim como as 
almejarem o real. Compreendemos que Martel, ao optar pelo enquadramento fixo, construiu o 
sentido do discurso histórico a partir da ideia de que ele também é parcial, não abarca todas as 
possibilidades e se constitui a partir da composição organizada em sintonia para estabelecer 
uma análise interpretativa que objetiva o real. 
Outro ponto a destacar é que, ao se restringir as ações em um tempo presente, 
ostensivamente imediato, também não se constrói a ideia de passado. O povoado e seus 
habitantes parecem sempre terem sido desta mesma maneira, não há um passado. Assim, não 
há uma relação de causalidade histórica, fruto de uma narrativa da história em que se pensa de 
forma perspectiva, em que se analisa o passado pensando em encontrar neste os traços que 
justificariam e encaminhariam a compreensão lógica do presente, com suas possibilidades de 
desenvolvimento para o futuro. A não existência de causalidade nesta trama também rompe 
com uma linha moderna de narrativas históricas, a que se referem Koselleck e Hartog. 
O rei está morto, mas não se coroou nenhum substituto, como também não foi 
substituído o regime.Não somos informados e nem nos é dada nenhuma indicação de 
possibilidades futuras. O quadro é restrito e fixo, a heroína e seus filhos partiram, o quadro em 
 
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que os vemos seguindo permaneceu fixo e sem mostrar perspectiva futura. Nesta história aqui 
escrita, não há certezas, causalidades, progresso, evolução, ou ainda, noção de tempo além 
daquele vivido no imediato. Então, o que há? Vidas que vem e que vão, frutos da sorte, ou, 
talvez, do azar, que produzem ações ou que, ainda, são pegas em meio a acontecimentos. 
Estes personagens não controlam seus destinos, arriscam-se no livre-arbítriode quem não 
segue o oráculo determinado, mas como o enquadramento restrito sugere, não possuem 
perspectiva projetada; o entorno é muito mais amplo do que é possível metodologicamente e 
racionalmente determinar, mas é campo a se lançar. Esta representação acaba por nos indicar 
a nova Ordem do Tempo, em que o presente impera, e a partir da qual não se pode indicar 
quais serão os desdobramentos futuros, e muito menos, restringir ao que ficou como sendo o 
passado. O vazio da crise e a resposta a esta sensação de impotência, sem respostas, é o 
vivenciado atualmente. 
Reafirmando o que propusemos no início deste artigo, acreditamos que as 
representações elaboradas nesta nova cinematografia argentina, assim como o debate da 
crítica produzida a partir destas obras, estão de fato regidas em um regime de historicidade. 
Este regime, entretanto, é novo, como afirma Hartog,e está permeado por uma nova relação 
com o tempo, não mais pensado e projetado para o futuro, o progresso, o desenvolvimento, e, 
por isso, vazio, onde aparentemente nada ocorre e no qual estamos imersos. A sensação de 
imersão em um tempo vazio pode ser resultado, em parte, da educação dos sentidos, tais como 
diagnosticado por Pierre Sorlin, o qual defende que a informação televisivaem nosso imediato 
cotidiano nutriu nossos sentidosnas últimas décadas. Podemos complementar tal afirmação 
lembrando que o advento da internet e da comunicação portátil contribuiu de maneira 
significativa para a sensação do imediato. A impaciência do tempo de evolução é 
cotidianamente sentida, desde a tensão com a página do site que demora para carregar até a 
mensagem “necessariamente” recebida e lida no celular iluminado dentro da sala escura do 
cinema. No mundo da comunicação de massa, com a entrada em cena de vasta população 
consumidora, o tempo parece esvair-se por entre os dedos como um punhado de areia que se 
deixa cair, e a história, nesse movimento, busca encontrar meios e mecanismos por se fazer 
reconhecer – daí os “lugares de memória”, a necessidade de efemérides comemorativas e toda 
a atenção que atualmente dispomos para a produção simbólica da memória histórica. 
 
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