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azevedolab.net © 2 0 1 1 D r. W a lt e r F . d e A z e v e d o J r. Biofísica Potencial de ação Prof. Dr. Walter F. de Azevedo Jr. Perguntas O que ocorre com o neurônio quando aplicamos um estímulo elétrico alto o suficiente? ? Amplificador Potencial de membrana Osciloscópio Gerador de corrente elétrica (estímulo elétrico) Questões… Pode o cérebro ser capaz de entender o próprio cérebro? ? Questões… Se um computador, com a complexidade do cérebro humano for construído, tal computador terá consciência? =? Fonte: http://www.cray.com/products/XT5.aspx Fonte: http://www.kurzweilai.net/ Singularidade tecnológica Fonte: http://www.kurzweilai.net/ O que é singularidade tecnológica? É uma etapa da evolução humana, onde segundo alguns autores, a humanidade atingirá um nível tecnológico que permitirá uma progressiva substituição de órgãos por próteses bio-mecânicas. Tal substituição permitirá um aumento progressivo da expectativa de vida. Por último, atingiremos a substituição do cérebro humano, por um equivalente computacional. Nesta fase a humanidade atingirá virtualmente a imortalidade. A situação onde tal transição ocorrerá é chamada de singularidade tecnológica. Singularidade tecnológica Fonte: http://www.kurzweilai.net/ O gráfico ao lado ilustra a lei de Moore, que estabelece que a cada aproximadamente 18 meses a velocidade de processamento dos computadores mais rápidos dobram. Tal lei, apesar de ter sido proposta na década de 1960, tem si confirmado. Uma extrapolação da lei de Moore para 2030, ou um pouco depois, indica que teremos computadores com a complexidade do cérebro humano. Terá tal computador consciência? Estudos de sistemas biológicos Diferentes formas de estudo de sistemas biológicos. In silico. Usa simulação computacional para o estudo de sistemas biológicos. Tem como principal vantagem o baixo custo, e a possibilidade de testarmos diversos sistemas diferentes em computador. O principal problema é a confiabilidade dos sistemas simulados. Nem sempre é possível obtermos modelos computacionais realísticos para um sistema biológico. A abordagem in silico é comum no estudo de novos fármacos. É uma forma de acelerar o processo de descoberta e desenvolvimento de fármacos, adicionando inteligência e ética ao desenvolvimento de novos fármacos. Fármaco contra tuberculose em estudo in silico. Fonte: Bio-Inspired Algorithms Applied to Molecular Docking Simulations. Heberlé G, De Azevedo WF Jr. Curr Med Chem 2011; 18 (9): 1339-1352. Estudos de sistemas biológicos Adicionamos inteligência, pois podemos testar milhares de sistemas em computador. No caso específico do desenho de fármacos in silico, podemos testar em computador milhares, até mesmos milhões de moléculas, que apresentam potencial de se tornarem fármacos. Adicionamos uma abordagem ética ao desenvolvimento de fármacos, pois ao invés de sacrificarmos milhões de cobaias em testes pré-clínicos, focamos os testes pré-clínicos nas moléculas mais promissores. Muitos testes pré-clínicos são feitos em camundongos e em cachorros. Estudos de sistemas biológicos In silico (uma história de sucesso). Algumas décadas atrás ocorreu a primeira grande epidemia de AIDS. O vírus HIV foi identificado como o causador da AIDS. No estudo da biologia do vírus foi identificado que o vírus expressa uma poliproteína, que precisa ser clivada para que o HIV seja ativo. As partes clivadas da poliproteína formam o vírus maduro que infecta as células. Se a clivagem for inibida o vírus é impedido de atingir sua forma madura. A elucidação de estrutura da HIV protease permite que o modelo chave fechadura seja usado para investigar in silico o potencial de novos fármacos contra o vírus HIV. Estrutura da HIV protease resolvida por cristalografia por difração de raios X. Código PDB: 7HVP Estudos de sistemas biológicos In vitro. Usa experimentos de laboratório sem envolvimento direto de cobaias (testes em tubos de ensaios). Tem um custo relativamente mais alto que a simulação computacional, mas é mais realista, visto que os experimentos são realizados em situações próximas às encontradas no ser vivo. In vivo. É o experimento mais realista, visto que é feito em seres vivos. Tem como principais problemas o custo elevado, quando comparado com as outras abordagens, e os aspectos éticos envolvidos. Fonte: http://www.vivopharm.com.au/us/in_vitro.php Cientistas demonstram a eficácia de nanopartículas para entrega de droga anticancerígena (doxorubicin) nas células alvos. Fonte: http://newsroom.ucla.edu/portal/ucla/srp- view.aspx?id=138683 Teste clínicos O teste mais avançado e realista dos estudos in vivo são os testes clínicos. Em tais testes, fármacos em potencial são aplicados em seres humanos. Os testes visam verificar se o fármaco em potencial apresenta eficácia e toxicidade tolerável. Normalmente são realizados testes pré- clínicos, onde os fármacos em potencial são testados in vitro e in vivo, com cobaias animais não humanas. Classicamente os testes clínicos são divididos nas seguintes fases: Fase 0. Tal denominação é recente ("Guidance for Industry, Investigators, and Reviewers". Food and Drug Administration. Consultado em 04 de setembro de 2011.) e visa testar o fármaco em potencial em humanos em doses sub-terapêuticas, onde é testado se o fármaco em potencial comporta-se como esperado. Fonte: http://www.almacgroup.com/pharmaceutical-development Teste clínicos Fase I. Nesta fase um grupo relativamente pequeno de indivíduos (entre 100 e 200) são testados. A fase 1 testa a tolerância da droga e normalmente usa indivíduos saudáveis. As regras para a participação nos testes variam de país para país, nos EUA pagam para indivíduos participarem de tais testes. Fase II. Nesta fase é testada a eficácia da droga, bem como sua toxidade. O número de indivíduos pode chegar a 300. Fase III. Nesta fase é realizado um estudo multi-centros e com um número maior de pacientes, até 3000. Fase IV. É a fase pós-mercado, ocorre depois do fármaco ter sido liberado para comercialização. Seriado Two and half men. Alan sendo convencido a participar de um teste clínico. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=8ypYeK8L- DQ Neurônio Dendritos Corpo celular Núcleo Axônio Terminais axonais Direção do impulso Cone de implantação O neurônio é uma célula nucleada, apresenta diversos dendritos que possibilitam sua conexão com outros neurônios e um terminal único e longo, chamado axônio. O axônio é responsável pela transmissão do impulso nervoso para células pós-sinápticas. O neurônio apresenta uma estrutura característica no corpo celular, chamada cone de implantação, que é responsável pela soma dos impulsos nervosos e pelo disparo de uma resposta, chamada potencial de ação. O potencial de ação propaga-se ao longo do axônio até os terminais axonais. Nesta aula iremos discutir as principais características do potencial de membrana, e as situações que levam o neurônio a disparar o potencial de ação. Neurônio Dendritos Corpo celular Núcleo Axônio Terminais axonais Direção do impulso Cone de implantação Usando-se uma abordagem de sistemas, podemos pensar no neurônio como uma unidade de processamento de informação. Nesta abordagem destacamos só as partes fundamentais para o processamento. Temos diversas entradas (Ii), os dendritos,uma central de processamento (Ii), o cone de implantação, e uma saída (S), o axônio. Abaixo temos uma representação desta analogia. Entradas (dendritos) IiI1 I2 I3 . . . Central de processamento (cone de implantação) Saída (axônio) S =0 ou S = 1 Neurônio Dendritos Corpo celular Núcleo Axônio Terminais axonais Direção do impulso Cone de implantação Dentro desta analogia podemos dizer que o neurônio tem uma saída binária (zero ou um). A saída “um” indica que há potencial de ação propagando-se pelo axônio, a saída “zero” indica que o axônio está em potencial de repouso. Entradas (dendritos) IiI1 I2 I3 . . . Central de processamento (cone de implantação) Saída (axônio) S =0 ou S = 1 Potenciais Ao inserimos eletrodos na célula e ligarmos tais eletrodos a um voltímetro, podemos medir um potencial elétrico, denominado de uma forma geral de potencial de membrana da célula. Assim, o potencial elétrico medido na célula, para qualquer situação fisiológica, é chamado de potencial de membrana. Não precisa que a célula esteja em repouso. Quando a célula está em repouso, o potencial de membrana recebe um nome específico, potencial de repouso. Caso a célula receba um estímulo, alto o suficiente, teremos como resultado que o potencial de membrana apresentará uma súbita elevação, tal etapa é chamada potencial de ação. Amplificador Potencial de membrana Osciloscópio Para que a célula esteja em repouso não é necessário a ausência de estímulos, significa, simplesmente, que a soma dos estímulos elétricos que chegam à célula estão abaixo de um potencial de referência, chamado potencial liminar. O potencial é de poucos milivolts acima do potencial de repouso. Estímulos abaixo deste valor de referência, fazem a membrana celular funcionar como um circuito resistivo-capacitivo, onde a membrana é capaz de acumular carga elétrica Q, como indicado abaixo. +Q -Q Capacitor de placa planas e paralelas Modelo de membrana +Q -Q Potencial de repouso P o te n c ia l d e m e m b ra n a Tempo(ms) Potencial de repouso Potencial limiar 0 Voltando à nossa abordagem de sistemas. Podemos dizer que a soma de todas as entradas ( Ii ) apresenta um potencial abaixo de um valor de referência, chamado potencial limiar, nesta situação a saída é zero (S = 0), não há potencial de ação no axônio. Entradas (dendritos) IiI1 I2 I3 . . . Central de processamento (cone de implantação) Saída (axônio) Se Ii < potencial limiar S = 0 Potencial de repouso O potencial de repouso é resultado da ação conjunta da bomba de Na+/K+ e do canal de K+. A ação da bomba de Na+/K+ tem como resultado líquido o envio de 3 íons de Na+ para o meio extracelular e 2 íons de K+ para o meio intracelular, com gasto de uma molécula de ATP (adenosina trifosfato). Aproximadamente um terço do ATP gasto pela célula é usado pela bomba Na+/K+ para manter este fluxo iônico. O canal de K+ permite que o excesso de K+ seja expelido da célula, sem gasto de ATP. A ação conjunta das duas proteínas intrínsecas leva a uma perda de carga positiva pela célula, causando o aparecimento de um potencial negativo no meio intracelular, este potencial é chamado de potencial de repouso, pois não precisamos de estímulo externo para gerá-lo. Bomba de Na+/K+ Na+ K+ K+ Citoplasma Meio extracelular Canal de K+ Potencial de repouso Canais iônicos Quando o neurônio passa para o estado de potencial de ação, onde um aumento do potencial de membrana, além do potencial limiar, leva o neurônio a uma situação onde há influxo de sódio, entram em ação dois outros canais transmembranares, os canais de sódio e potássio, ambos dependentes do potencial elétrico da membrana. Aqui cabe uma pequena observação. Na linguagem física não usamos o termo “voltagem” para indicar potencial elétrico, contudo, a grande maioria dos textos de fisiologia em português, quando referem-se aos canais citados, usam a denominação “dependentes de voltagem”. No presente texto usaremos os termos “canais dependentes de voltagem”, para mantermos os termos usados na área de fisiologia. Fases indicadas no gráfico acima 1 Potencial de repouso 2 Despolarização 3 Repolarização Potencial de ação 4 Hiperpolarização P o te n c ia l d e m e m b ra n a ( m V ) Tempo(ms) 1 2 3 4 Canais iônicos As etapas canônicas do potencial de ação, ocorrem devido à ação coordenada dos canais de sódio e potássio dependentes de voltagem. A abertura do canal de sódio dependente de voltagem (despolarização), o fechamento do canal de sódio e abertura do canal de potássio (repolarização e hiperpolarização), conforme vemos no gráfico ao lado. A linha roxa indica o estímulo que é dado para o início do potencial de ação, veja que o estímulo não está em escala com o potencial indicado pela linha vermelha. O eixo horizontal é o eixo do tempo (em ms), e o eixo vertical o eixo do potencial de membrana (em mV). A linha vermelha indica a variação do potencial de membrana, durante as diferentes etapas do potencial de ação. O neurônio é considerado inicialmente em potencial de repouso. P o te n c ia l d e m e m b ra n a ( m V ) Tempo(ms) 1 2 3 4 Fases indicadas no gráfico acima 1 Potencial de repouso 2 Despolarização 3 Repolarização Potencial de ação 4 Hiperpolarização Canais iônicos A análise da afinidade iônica do canal de potássio dependente de voltagem indicou que o mesmo apresenta uma afinidade 10.000 vezes maior por potássio do que por sódio. Em 1998 foi elucidada a estrutura tridimensional do canal de potássio dependente de voltagem de uma bactéria (Streptomyces lividans), e foi lançada alguma luz sobre o mecanismo de ação desse canal. A técnica usada para elucidação de estrutura 3D foi a cristalografia de proteínas, por difração de raios X. P o te n c ia l d e m e m b ra n a ( m V ) Tempo(ms) 1 2 3 4 Fases indicadas no gráfico acima 1 Potencial de repouso 2 Despolarização 3 Repolarização Potencial de ação 4 Hiperpolarização Canal de K+ dependente de voltagem O canal de K+ dependente de voltagem é formado de duas partes, um filtro (proteína indicada na parte superior) e um portão (estrutura na parte inferior). O filtro permite a saída de K+ e o portão abre e fecha o canal em resposta ao ambiente (potencial elétrico por exemplo). A figura abaixo traz a representação do canal de K+ inserido na membrana celular. Analisaremos aspectos relevantes desta estrutura. Fonte: http://www.rcsb.org/pdb/static.do?p=education_discussion/molecule_of_the_month/pdb38_2.html). Citoplasma Meio extracelular Canal abertoCanal fechado Um aspecto curioso das estruturas é que vemos claramente íons de K+ na estrutura fechada (esferas verdes), e não há íons de K+ na estrutura aberta. As esferas vermelhas são moléculas de água. Canal de K+ dependente de voltagem A habilidade mostrada pelos canais de K+ dependentes de voltagem, de só permitirem a saída de íons de K+, é conseguida por meio de um filtro de seletividade, presente numa das extremidades do poro, como mostrado na figura ao lado. Esta figura ilustra a passagem de íons de K+ (esferas verdes) pelo canal de K+. A região mostrada é a parte do filtro. Em solução, os íons de K+ apresentam-se envolvidos por 8 moléculas de água (esferas vermelhas na figura), formando uma camada de hidratação. A esferas dehidratação dos íons de K+, acomodam-se no canal de K+ e começam a perder as moléculas de água, a interação com a água é substituída pela interação com os oxigênios das carbonilas do canal de K+ dependente de voltagem. Canal de K+ interagindo com íons de K+ (esferas verdes) (fonte: http://www.rcsb.org/pdb/static.do?p=education_discussio n/molecule_of_the_month/pdb38_4.html ). Meio extracelular Citoplasma Canal de K+ dependente de voltagem A região do canal de K+, que captura a esfera envoltória de K+, apresenta um tamanho preciso para uma interação favorável com a camada de hidratação envoltória de K+. No caso do íon de Na+, a esfera envoltória é menor que a do K+, levando a uma interação fraca com o canal de K+. Assim, o sistema da esfera de Na+, não tem uma interação favorável com o canal de K+, permanecendo no interior da célula. Canal de K+ interagindo com íons de K+ (esferas verdes) (fonte: http://www.rcsb.org/pdb/static.do?p=education_discussio n/molecule_of_the_month/pdb38_4.html ). Meio extracelular Citoplasma Canal de K+ dependente de voltagem A estrutura do canal de K+ dependente de voltagem de Streptomyces lividans apresenta estrutura quaternária tetramérica (4 cadeias polipeptídicas), representadas na figura ao lado. Cada cadeia é formada por três hélices transmembranares e um loop (laço), o íon de potássio está representado no centro do tetrâmero em verde. Também vemos o loop P e a hélice P, que são responsáveis pela seletividade iônica (indicados em azul). O loop P é formado pelo resíduos Gly-Tyr-Gly, que estão alinhados de forma a estreitar o funil formado pela estrutura do canal. Estamos olhando do meio extracelular para o meio intracelular. Canal de potássio visto do meio extracelular para o meio intracelular. Fonte: Sansom, MS. Current Biology 1998, 8:R450–R452 http://biomednet.com/elecref/09609822008R0450 O canal de K+ dependente de voltagem forma uma passagem na membrana celular. Esta passagem é altamente seletiva por K+ e sensível à mudança de potencial. A parte intracelular do tubo do canal de K+ apresenta uma cavidade de 10 Å de diâmetro. Esta cavidade está alinhada com resíduos hidrofóbicos e preenchida por moléculas de água. As dimensões desta cavidade, permitem um ajuste ideal para interação com os íons de K+. Canal de potássio visto do meio extracelular para o meio intracelular. Canal de K+ dependente de voltagem A figura a lado mostra um zoom da região que interage com o íon de K+. A carga positiva do íon de K+ interage eletrostaticamente com os oxigênios das carbonilas dos resíduos de Tyr58, com as distâncias interatômicas variando de 3,07 a 3,21 Å. Os oxigênios das carbonilas não apresentam uma carga elétrica completa, mais uma carga elétrica parcial negativa, que sofre atração eletrostática pela carga positiva do íon de K+. O íon de K+ é mostrado pela esfera verde no centro da figura. Canal de K+ dependente de voltagem Na figura ao lado vemos a superfície molecular do canal de K+ . A coloração azul indica carga positiva, a vermelha carga negativa e a azul ciano carga neutra. O íon de K+ (indicado pela esfera verde no centro da estrutura) sofre interação eletrostática com as concentrações de cargas negativas do canal de K+ . Canal de K+ dependente de voltagem Na figura ao lado removemos o monômero D, o que possibilita visualizarmos o interior do canal de K+. A figura foi girada 90º em relação à anterior. O tubo formado permite a passagem do íon de K+ do meio intracelular (parte de baixo) para o meio extracelular (parte de cima). Na parte de baixo, vemos uma região essencialmente hidrofóbica, no centro do canal (indicada por uma circunferência branca), esta região apresenta uma cavidade, que permite a passagem dos íons de K+. Canal de K+ dependente de voltagem O íon de K+ intracelular é capturado e desloca-se para a cavidade hidrofóbica, indicada pela circunferência branca. Acima desta cavidade temos o loop P, com a sequência de resíduos de aminoácido Gly-Tyr-Gly, que estreitam o tubo que liga ao meio extracelular, selecionando os íons de K+. A presença de resíduos glicina (Gly) no loop P confere grande flexibilidade estrutural a esta região da proteína. Loop P Cavidade hidrofóbica Canal de K+ dependente de voltagem Como já destacamos anteriormente, um aspecto estrutural comum a muitas proteínas intrínsecas é a presença de hélices alfas na região transmembranar. Na estrutura do canal de K+ vemos um feixe de hélices alfas interagindo com as caudas hidrofóbicas da bicamada fosfolipídica, como mostrado abaixo. O canal de K+ tem um aspecto de cone invertido, como se fosse uma casquinha de sorvete. K+ Citoplasma Meio extracelular Canal de K+ dependente de voltagem Os canais de K+ dependentes de voltagem são de fundamental importância na sinalização nervosa, assim qualquer interferência com tal proteína transmembranar pode ter efeitos danosos à transmissão do sinal nervoso. Algumas espécies de escorpião tiram vantagem disso para paralisar suas presas. Podemos pensar no veneno de escorpiões como um coquetel de peptídeos e proteínas. Um dos componentes do veneno do escorpião (Leiurus quinquestriatus hebraeus) apresenta uma neurotoxina, formada por um peptídeo de 37 resíduos de aminoácidos, que bloqueia o canal de K+ dependente de voltagem. Canal de K+ dependente de voltagem Fonte: http://www.latoxan.com/VENOM/SCORPION/Leiurus- quinquestriatus-hebraeus.php A figura abaixo ilustra este peptídeo neurotóxico. O peptídeo apresenta uma hélice alfa no N-terminal e uma folha beta anti-paralela no C-terminal (figura da esquerda). Análise da sua estrutura tridimensional indica o posicionamento de resíduos de aminoácidos positivamente carregados numa porção da folha beta (figura da direita). Tal concentração de carga positiva foi proposta como mecanismos de ação neurotóxica do peptídeo. Canal de K+ dependente de voltagem Estrutura da neurotoxina extraída do veneno do escorpião (Leiurus quinquestriatus hebraeus). Em azul (na figura da direita) estão resíduos de aminoácidos básicos, que interagem com o canal de K+ . Membrana plasmática No repouso (Vr = -75mV) Portão m fechado Portão h aberto Após a despolarização (VKr= 50 mV) Portão m aberto Portão h aberto 5 ms depois da despolarização (VKr= -50 mV) Portão m aberto Portão h fechado A) B) C) Potencial de ação O canal de sódio é um tipo especializado de canal iônico dependente de voltagem (potencial elétrico). Sua abertura está condicionada ao aumento do potencial de membrana. Quando temos um potencial de membrana, acima de um valor limite de potencial, o canal abre-se, permitindo o influxo de íons de sódio na célula. O canal permanece aberto por aproximadamente 1 milisegundo (1 ms). Tempo suficiente para elevar o potencial de membrana para dezenas mV positivos. O canal de sódio possui dois portões distintos, portões m (de ativação) e h (de inativação). O portão h fecha-se após a despolarização e permanece fechado, não permitindo o início de um novo potencial de ação (período refratário). Canais de potássio. Este canal abre-se imediatamente após a despolarização, o que permite a saída de carga positiva da célula, na forma de íons de potássio. O canal de potássio fica aberto durante toda a fase de repolarização, onde o potencial de membrana será trazido a valores negativos, chegando a ficar mais negativo que o potencial de repouso, durante a fase seguinte, chamada de fasede hiperpolarização. Membrana plasmática No repouso (VKr= -75mV) Canal de potássio fechado Após a despolarização (Vr = 50 mV) Canal de potássio fechado 5 ms depois da despolarização (VKr= -50 mV) Canal de potássio aberto Potencial de ação A) B) C) Potencial limiar Potencial de repouso Tempo(ms) Os canais de Na+ dependentes de voltagem (potencial elétrico), da membrana plasmática do axônio, são os responsáveis primários pelo potencial de ação. Podemos pensar no potencial de ação como um evento “tudo ou nada” ou “um e zero” e auto- regenerante. Potencial de ação V(mV) 50 0 -70 Potencial de ação, passo a passo. A) Os canais de sódio e potássio estão fechados. B) O aumento do potencial na membrana leva o canal de sódio, que é dependente de voltagem (potencial elétrico), a abrir-se. O que permite o rápido influxo de sódio na célula, aumentando de forma significativa o potencial de membrana. Esta fase é chamada despolarização (ou fase ascendente). C) Aproximadamente 1 ms depois, o canal de sódio fecha-se e os canais de potássio, dependentes de voltagem (potencial elétrico), abrem-se. Permitindo a saída do excesso de carga positiva da célula. Esta fase é a de repolarização (ou fase descendente). D) A saída de grande quantidade de íons de K+, leva a célula a atingir um potencial de membrana abaixo do potencial de repouso, esta fase é chamada de hiperpolarização. Membrana plasmática Potencial de ação Canal Na+ Canal K + A presença do portão de inativação (portão h) no canal de sódio dependente de voltagem garante a propagação unidirecional do potencial de ação. A entrada de íons de sódio, decorrente da abertura do canal de sódio dependente de voltagem, leva a uma difusão de íons de sódio nos dois sentidos no axônio. Tal presença de íons de sódio levaria à reabertura dos canais de sódio, caso não tivessem o portão de inativação (portão h). Tal portal permanece fechado por alguns milisegundos, caracterizando o período refratário do neurônio. Durante este período a elevação do potencial de membrana, além do potencial limiar, não causa disparo de novo potencial de ação. Potencial de ação Dendritos Corpo celular Núcleo Axônio Terminais axonais Direção do impulso Cone de implantação Potencial de ação Vimos, no módulo anterior, que podemos usar uma equação simples para calcularmos o potencial elétrico devido à diferença de concentração iônica. Esta equação usa os valores das concentrações iônicas intracelular e extracelular, para o cálculo do potencial. Usaremos tal equação, chamada equação de Nernst, e os valores experimentais das concentrações iônicas, medidas em condições fisiológicas, para avaliarmos se é possível usar a equação de Nernst no cálculo do potencial de repouso da célula. Ou seja, será que a aplicação direta da equação de Nernst pode determinar o potencial de repouso da célula? Como só podemos colocar um tipo de íon por vez na equação de Nernst, iremos calcular o potencial devido a cada íon e, depois, somarmos a contribuição de cada íon. Este resultado será comparado com o valor experimental. Vr = (58,2 mV) log ( ) [Íon]fora [Íon]dentro Equação de GHK Íon Concentração iônica intracelular [Íon]dentro (mM) Concentração iônica extracelular [Íon]fora (mM) Relação [Íon]fora /[I]dentro Potencial de repouso Vr (mV) Ca++ 10-4 2 20.000 ? Cl- 5 120 24 ? K+ 150 4 0,0266. ? Na+ 15 145 9,666. ? Vr = (58,2 mV) log ( ) [Íon]fora [Íon]dentro Considere a composição do músculo esquelético de rã, indicada na tabela abaixo. O potencial de repouso é resultado da ação de todos os íons presentes no sistema. Vamos usar a equação de Nernst para fazer uma estimativa do potencial de repouso. Como temos a contribuição de 4 íons diferentes na membrana, calcularemos o potencial, a partir da equação de Nernst, para cada um deles. Equação de GHK A soma dos potenciais de cada íon poderia ser uma boa estimativa do potencial de repouso, para isto temos que somar os potenciais da última coluna. Íon Concentração iônica intracelular [Íon]dentro (mM) Concentração iônica extracelular [Íon]fora (mM) Relação [Íon]fora /[I]dentro Potencial de repouso Vr (mV) Ca++ 10-4 2 20.000 124,73 Cl- 5 120 24 80,05 K+ 150 4 0,0266. -91,30 Na+ 15 145 9,666. 57,15 170,63 de -85 a -95 mV Qual a razão para a diferença entre o valor calculado (170,63 mV e o esperado (de -85 a -95 mV)? Equação de GHK A aplicação da equação de Nernst, para determinar o potencial de repouso devido à presença de diversos íons, é inadequada, pois a membrana celular apresenta permeabilidade distinta para cada íon, devido aos diferentes tipos de canais presentes na membrana celular. A análise da permeabilidade levou a uma equação mais realística, como a desenvolvida por Goldman (1941) e Hodgkin & Katz (1949). Na equação os termos PNa , PK e PCl são as permeabilidades dos íons de Na, K e Cl respectivamente. Como a permeabilidade para os outros íons é desprezível, comparadas às do Na, K e Cl, para as condições do potencial de repouso, os termos referentes aos outros íons não são incluídos na equação. A equação abaixo está calibrada para 20oC, como fizemos para a equação de Nernst. Equação de GHK Vr =(58,2mV)log ( ) PNa [Na]fora + PK[K]fora + PCl[Cl]dentro PNa [Na]dentro + PK[K]dentro + PCl[Cl]fora Íon Concentração iônica intracelular [Íon]dentro (mM) Concentração iônica extracelular [Íon]fora (mM) Permeabilidade iônica relativa Cl- 5 120 1 K+ 150 4 50 Na+ 15 145 0,5 Fonte: Garcia, E. A. C. Biofísica. Editora Savier, 2000 (pg. 10). e http://employees.csbsju.edu/hjakubowski/classes/ch331/signaltrans/tableionpermeabcells.htm Equação de GHK Vamos descrever passo a passo a aplicação da equação de GHK, para o cálculo do potencial de repouso do músculo esquelético de rã. Consideremos os dados abaixo. Vr =(58,2mV)log ( ) PNa [Na]fora + PK[K]fora + PCl[Cl]dentro PNa [Na]dentro + PK[K]dentro + PCl[Cl]fora Equação de GHK Vr =(58,2 mV)log ( ) 0,5.145 + 50.4 + 1.5 0,5 .15 + 50.150+ 1.120 Substituindo-se os valores da tabela anterior, na equação de GHK temos: Calculamos primeiro o termo dentro do logaritmo, como segue, Vr =(58,2 mV)log ( ) 72,5 + 200 + 5 7,5 + 7500+ 120 Vr = (58,2mV)log ( ) Vr = (58,2mV)log(0,03638) 277,5 7627,5 Vr = (58,2mV).(-1,439) = -83,75 mV Aplicando-se a equação GHK temos: Vr = -83,75 mV, bem próximo ao valor determinado experimentalmente (de -85 a -95 mV). Como vimos anteriormente, canais iônicos são responsáveis pelo tráfego de informações entre o meio extracelular e intracelular. A informação aqui é representada por íons (sódio e potássio). A ação da bomba de sódio e potássio leva a uma concentração de íons de sódio no meio extracelular e uma concentração de íons de potássio no meio intracelular. Tal processo ocorre às custas de gasto energético, obtido da molécula de ATP (Adenosina tri-fosfato). Para a célula atingir o potencial de repouso, com dezenas de mV negativos, com relação ao meio extracelular, faz-se necessário a saída de íons de potássio. Tal saída ocorre através do canal de potássio, que leva a célula ao seu potencial de repouso (aproximadamente -70 mV). O potencial de membrana pode ser determinado a partir do conhecimento das concentrações iônicas e das permeabilidades iônicase o uso da equação de GHK, indicada abaixo. Equação de GHK Vr =(58,2mV)log ( ) PNa [Na]fora + PK[K]fora + PCl[Cl]dentro PNa [Na]dentro + PK[K]dentro + PCl[Cl]fora Toda vez que modelamos um sistema biológico, quanto mais realista for o modelo, mais confiável ele será. No caso da equação de GHK, a principal característica para o sucesso da sua aplicação no cálculo do potencial de repouso, é a inclusão do efeito da permeabilidade iônica. Esta grandeza física representa a facilidade com a qual os íons atravessam a membrana celular, especificamente os íons de Na+, K+ e Cl-. Cada qual com uma “facilidade de atravessar” a membrana distinta. As diferenças na permeabilidade iônica, refletem a diferença da distribuição de canais iônicos na célula, bem como a diferença de afinidade por cada íon exibida pelos canais iônicos. Outro aspecto a ser destacado, é que a célula tem outros íons que atravessam a membrana, mas a contribuição destes outros íons é desprezível, assim não são incluídos na equação de GHK. Observe que a concentração do cloro é invertida com relação aos demais íons, isto deve-se ao fato do íon cloro ser negativo. Vr =(58,2mV)log ( ) PNa [Na]fora + PK[K]fora + PCl[Cl]dentro PNa [Na]dentro + PK[K]dentro + PCl[Cl]fora Equação de GHK A anestesia local realiza o bloqueio da propagação do impulso nervoso. Tal bloqueio determina a perda das sensações, contudo não levam à alteração do nível de consciência. Anestésicos locais funcionam com o bloqueio do canal de sódio dependente de voltagem, drogas como lidocaína (xilocaína), funcionam bloqueando o canal de sódio, o que cessa o disparo de potencial de ação e, conseqüentemente, a transmissão do impulso nervoso da célula pré-sináptica para célula pós-sináptica. Praticamente todos os anestésicos locais agem com bloqueio reversível dos canais de sódio dependentes de voltagem. Lidocaína F o n te : h tt p :/ /p u b c h e m .n c b i. n lm .n ih .g o v/ s u m m a ry /s u m m a ry .c g i? c id = 6 3 1 4 & lo c = e c _ rc s Anestésicos locais Anestésicos locais Além da lidocaína diversas drogas apresentam efeito anestésico, abaixo segue a estrutura molecular de algumas que interferem com o canal de sódio dependente de voltagem. Uma dos primeiros anestésicos locais foi a cocaína, mas devido ao seu efeito viciante não é mais usada. Cocaína Tetracaína Novocaína OLIVEIRA, Jarbas Rodrigues de; WACHTER, Paulo Harald; AZAMBUJA, Alan Arrieira. Biofísica para ciências biomédicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. 313 p. OKUNO, Emiko; CALDAS, Iberê Luiz; CHOW, Cecil. Física para ciências biológicas e biomédicas. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1982. 490 p. VOET, Donald; VOET, Judith G. Bioquímica. 3ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2006. 1596 p. Referências
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