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POLÍTICA DE CURRÍCULO DESDE OS PROFESSORES Estamos em um tempo que presenciamos episódios não imaginados. Com isso, sentimos necessidade de, constantemente, perguntar sobre o significado de tudo, até mesmo de nós mesmos. É nesse tempo que eu, sendo agora professora de currículo em um curso de Pedagogia, ouço uma pergunta de mim mesma me reportando há uns vinte anos atrás, quando então professora dos primeiros anos iniciais do Ensino Fundamental: o que significa política de currículo? Não entenda o leitor que esta seja apenas uma reflexão que estabeleço comigo mesma, uma demanda existencial, mas uma questão que, entre tantas outras, um profissional situado em um coletivo de tantos outros profissionais na mesma condição, portanto em uma categoria de trabalhadores, fazem a si mesmos após percorrerem uma trajetória longa e intensa de experiência profissional. A pergunta vem na tentativa de fugir ao senso comum da academia que acaba por transformar muitos conceitos poderosos em mais um termo da Universidade Fashion Week. Vem, também, na esperança de estabelecer um diálogo entre uma professora universitária e uma professora dos primeiros anos do Ensino Fundamental, mesmo elas estando na mesma pessoa. Pra início de conversa, temos de lembrar que significado carrega a palavra política, há muito tempo em moda no mundo. Lembra-te professora, quando você sentia que podia fazer ou deixar de fazer muitas coisas com seus alunos? Lembra-te... As coisas que você fazia, por sua vez, faziam com que seus alunos sentissem que poderiam fazer ou deixar de fazer muitas outras coisas. Esse poder fazer e/ou deixar de fazer, as escolhas que diariamente temos de praticar em diversos lugares, envolvendo diferentes pessoas e com distintos graus de opção; escolhas que trazem conseqüências positivas ou negativas para nós mesmos e para outras pessoas, sejam estas de nosso convívio familiar, nossos colegas ou nossos alunos... Isso é poder e política significa poder. Essa compreensão nos remete a outro ponto da conversa: quanto maior for o grau de interferência nas escolhas, maior será o poder, então, temos, em seguida, outra questão: o que fazemos com nossos alunos pode aumentar ou diminuir o grau de opção deles! Portanto, pode aumentar ou diminuir seus poderes. Sabendo disso, qual é a nossa? Aumentar ou diminuir os poderes dos alunos? Retomando outro ponto da conversa, se estamos falando de política de currículo, estamos tratando das escolhas que nele fazemos e, consequentemente, entendendo que ele é um espaço de poder, portanto, um espaço político. Como muitas vezes as perguntas que aparecem nas conversas são mais importantes do que as respostas, nos impõe que perguntemos o que significa currículo. Para além da professora universitária e da professora do Ensino Fundamental que agora se falam, sabe-se que currículo é mais do que a grade onde consta a carga horária e o conjunto das matérias a serem trabalhadas com um nível ou modalidade do ensino; é mais do que uma lista de conteúdos a serem trabalhados no tempo que coube a cada matéria; é mais do que aquilo que se faz dentro da sala de aula; é mais do que o que fazem os professores, porque não o fazem sozinhos. O currículo é tudo isso e tudo isso é atravessado por valores e significados que formam, conformam e transformam projetos de gente e de sociedade. Sendo assim, o currículo escolar é um espaço poderoso e sendo os professores sujeitos do currículo, nós temos força política. Para que a conversa continue por outros sujeitos e em outros tempos e lugares, a quem nossas escolhas têm empoderado ou ainda podem empoderar? . . . . . . . . . . . √ Ozerina Victor de Oliveira: Professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT – FAPEMAT). IN: Jornal Eletrônico Redes Educativa e Currículos Locais. Disponível em: www.lab- eduimagem.pro.br/redes. Acesso em 24 de abril de 2011. POLITIZANDO O CURRÍCULO Política, de forma geral, é uma expressão utilizada para representar um conjunto de ações do Estado e/ou do governo. Por vezes, chegamos mesmo a fixar o lugar em que essa política é feita – no Legislativo, no Executivo, na capital de um país –, afastando a ação política de nossas vidas. Por mais que seja corrente a afirmação de que todo cidadão é político e de que a política está presente no cotidiano e influencia inclusive a vida pessoal, existe uma forte tendência em separar a ação cotidiana da política. Política é “algo que vem de fora e do alto”, precisamos escapar do cotidiano para vivenciar a política ou para fazê-la acontecer. Trata-se de um poder “fora de nós”, que nos escapa e nos determina. Por exemplo, o atual descaso de muitas pessoas para com as eleições e as instituições políticas é associado à despolitização da sociedade, como se a política não pudesse estar sendo realizada de outras formas e associada a outras instituições. Essa concepção, quando transportada para as políticas de currículo, mostra-se ainda mais restritiva e desmobilizadora, pois concebe a escola como espaço de implementação de orientações, diretrizes e parâmetros estabelecidos de forma verticalizada a partir do Estado e/ou dos governos. A escola não é vista como espaço de produção de políticas, mas como espaço de práticas. Essas práticas, algumas vezes, são entendidas como alternativas, como decorrentes da resistência às propostas oficiais ou da sua negação. Em outras vezes, são vistas como determinadas pelas diretrizes oficiais ou ainda como incapazes de incorporar as soluções apresentadas, por algum nível de carência: na formação dos professores, nas condições de trabalho, na capacidade de entendimento dos textos das propostas. Com isso, se desenvolvem, duas limitações. Primeiro, a de se conceber uma separação entre propostas e práticas curriculares, como se o currículo não assumisse simultaneamente as duas dimensões. Como se sentidos das práticas não perpassassem as propostas e sentidos das propostas não estivessem presentes nas práticas. Segundo, a de se colocar as ações políticas na escola em um lugar subalterno: são sempre comparadas a um padrão, normalmente estabelecido como um poder superior, a partir do Estado. De forma a questionar essa concepção verticalizada, tenho trabalhado com a concepção de que a política de currículo é uma produção de múltiplos contextos. As políticas envolvem textos variados que recebem a assinatura oficial, e por isso assumem certa legitimidade, mas não se reduzem a esses textos nem não são decorrentes apenas de sentidos destes textos. Incluem os processos de ressignificação dos mesmos, em diferentes esferas, bem como a inter-relação de seus sentidos com outros textos, práticas, sentidos, ações, os quais podemos englobar como discursos das políticas. Nessa concepção, a política curricular é produzida em múltiplos espaços e tempos e por múltiplos sujeitos nas instituições escolares, de uma forma que inclui o Estado, mas que também vai muito além dele. Penso, assim, que a maior produtividade dessa concepção é nos permitir entender como as políticas de currículo são produzidas e legitimadas. Acredito que, dessa forma, mais facilmente podemos atuar nas lutas políticas, para ressignificá-las na direção de propósitos que consideremos, mesmo que provisoriamente e de forma contingente, emancipatórios. . . . . . . . . . . . √ Alice Casimiro Lopes: Grupo de pesquisa Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura (www.curriculo-uerj.pro.br) do PROPEd/UERJ. IN: Jornal Eletrônico Redes Educativa e Currículos Locais. Disponível em: www.lab- eduimagem.pro.br/redes. Acesso em 24 de abril de 2011. QUEM É O RESPONSÁVEL? Na discussãodas políticas curriculares um aspecto – permanentemente, sujeito a polêmicas – aparece constantemente: quem é responsável pelos currículos? Existe uma posição que responde que cabe aos técnicos ‘desenha-los’, às autoridades educacionais (ou seja, aos chamados ‘políticos profissionais’) ‘determina-los’ e aos professores ‘executá-los’. Nossa experiência em projetos de pesquisa nesta área nos tem mostrado que, não concordando com a posição acima, o panorama dos processos curriculares é bem mais amplo e complexo. O ‘desenho’, a ‘determinação’ e a ‘execução’ de uma proposta curricular – como de qualquer projeto educacional – se dão em muitas instâncias do sistema escolar. Creio que uma narrativa ajudará a exemplificar esta afirmativa: Há muitos anos, eu trabalhava na Secretaria Estadual do Rio de Janeiro, em um setor que desenvolvia estudos sobre as condições das escolas e do ensino da rede a ela ligada.Em um desses trabalhos, fui ter em uma escola em um município do interior do estado, no qual chamou minha atenção uma escola que possuía uma turma de alfabetização com sessenta alunos, enquanto existiam duas turmas de 3ª série e duas de 4ª série do ensino fundamental (naquele então era 1º grau) com 20 alunos, cada uma. Por não entender o que estava acontecendo, perguntei à supervisora educacional e à diretora porque aquilo estava assim, já que estava trazendo tanta dificuldade para a professora de alfabetização. A resposta que obtive, dada pelas duas, em coro, foi: “há uma determinação da secretaria para que isto seja assim... embora não concordemos. A vida da professora está quase inviável, com esta situação!” Sabedora de que não havia nenhuma determinação para isto, afirmei: “não existe nenhuma coisa parecida”. Mas elas insistiam. Eu perguntei: “mas que determinação é esta?” Procurou-se daqui, procurou-se dali, até que, já no dia seguinte, elas se lembraram e acharam a tal ‘determinação’: tratava-se de uma resolução da época em que a Profa Mirtes Wenzel era Secretária da Educação e, pela primeira vez, no Brasil, tinha determinado algo parecido com o que, hoje, chamamos ‘ciclos’: naquele momento era chamado de ‘Bloco único’. Esta idéia de ‘Bloco único’ estava somente ligada às séries de alfabetização e 1ª série que deviam ser tratadas em conjunto. Nessa determinação, dizia-se o seguinte: após o primeiro semestre, assim como ao fim de cada uma dos semestres que formam a classe de alfabetização e a 1ª série, deveria ser feito um teste de domínio da leitura e da escrita de cada criança, após o qual elas deveriam ser reagrupadas de acordo com o nível de leitura e escrita, em turmas diferentes. A causadora daquela junção de alunos – após o teste de fim do primeiro semestre, as turmas tinham sido juntadas – estava na compreensão que, mesmo contra o que pensavam, as responsáveis pela gestão da escola tinham da palavra ‘reagrupadas’ que foi lida como ‘reunidas’. Podíamos perguntar: culpa delas que não leram direito? Não creio, pois a palavra ‘diferentes’ que coloquei acima e sublinhei, para que as pessoas pudessem entender a história, não estava presente na determinação da Secretaria, o que permitia, de fato, o equívoco dessas pessoas. Assim sendo, reagrupar, pode ser lido como agrupar em uma só turma... Esta história veio para mostrar que em políticas públicas e em projetos educacionais, há uma ‘leitura’ diferenciada do que está planejado, sempre. O que evita equívocos é o funcionamento de relações em redes ativas de conhecimentos e significações entre todos os praticantes dos currículos em qualquer das instâncias em que estejam colocados. O interesse que temos todos, acredito, é que as condições permitam o melhor trabalho dos professores e o ambiente mais próprio para que os alunos se sintam bem e que aprendam. . . . . . . . . . . . √ Nilda Alves: Professora titular da UERJ; coordenadora do Laboratório Educação e Imagem (www.lab-eduimagem.pro.br). IN: Jornal Eletrônico Redes Educativa e Currículos Locais. Disponível em: www.lab- eduimagem.pro.br/redes. Acesso em 24 de abril de 2011.
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