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Resumo: O presente ensaio se propõe a traçar para a comunidade acadêmica, de forma bastante sucinta, clara e didática, elementos diferenciadores de dois importantes institutos do direito penal, erro de tipo e erro de proibição – tratados nos arts. 20 e 21, do Código Penal, respectivamente –, cuja dificuldade de diferenciação é recorrente. Palavras-chave: Erro de Tipo - Erro de Proibição - Erro de Fato - Erro de Direito. I. INTRODUÇÃO Os profissionais do Direito, por vezes, e os acadêmicos, com frequência, se deparam na seara penal com a necessária distinção entre erro de tipo e erro de proibição. Diferenciação esta que já deve ficar assentada desde os primeiros anos do Curso de Direito, como pré-requisito para a ampla e correta compreensão de outros institutos penais posteriores e pertinentes a estes no estudo da Parte Geral do Estatuto Repressivo. Daí, ainda, ser pertinente tratar do tema, embora este pequeno esboço não tenha o condão de esgotar o assunto – que já foi objeto até de obras específicas de grandes penalistas pátrios –, mas, pode se mostrar como um contributo aos acadêmicos de Direito, que, a partir dele, podem despertar para o fato de que são os pormenores, muitas vezes, que fazem a diferença entre os muitos institutos do Direito, demandando, assim, perspicácia por ocasião dos estudos, buscando-se aseparação conceitual e, ao mesmo tempo, a integração entre eles – muitas vezes através de exemplos buscados em casos concretos –, e que ao se estudar as diversas cadeiras da faculdade deve-se ter em mente a interdisciplinaridade, já que os ramos do Direito não são estanques. Cumpre destacar, também, preliminarmente, que esta questão objeto da análise é deveras recorrente em provas e concursos jurídicos. Com efeito, antes da reforma de 1984 na Parte Geral do Código Penal, o erro de tipo e o erro de proibição estavam dispostos no art. 17, parágrafos 1º e 2º, daquele estatuto, que estabelecia: Art. 17 - É isento de pena quem comete o crime por erro quanto ao fato que constitui, ou quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. §1º - Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. §2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. Agora, até a chegada do novo Codex Penal, são os arts. 20 e 21, do Código vigente, que tratam do assunto. 2. ANÁLISE DO TEMA I- CRIME Para tratarmos de erro de tipo e erro de proibição, mister se faz, inicialmente, conceber-se o que é crime, seu conceito, sua estrutura e seus requisitos. A teoria clássica considera crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável. Hoje o entendimento da doutrina é praticamente pacificado que o Código Penal, reformado em sua Parte Geral pela Lei n.º 7.209/84, adotou a Teoria Finalista – quesito fundamental para se aferir qual a estrutura do crime. Para esta teoria, crime, sob o prisma formal, é um fato típico e antijurídico. Constituindo-se a culpabilidade, juízo de reprobabilidade da conduta do agente, como pressuposto de aplicação da pena. Logo, crime – fato típico e antijurídico – possui a seguinte estrutura: 1- Fato típico, que é composto dos seguintes elementos: a) Conduta humana [1] dolosa ou culposa. b) Resultado (exceto nos crimes de mera conduta). c) Nexo causal entre a conduta e o resultado (exceto nos crimes de mera conduta e formais). d) Tipicidade (enquadramento da conduta realizada pelo agente à norma penal incriminadora). 2- Antijurídico Diz-se que o fato é antijurídico quando é contrário ou está em conflito com o ordenamento jurídico. Esse conceito de antijuridicidade se extrairá, na verdade, por exclusão, tendo-se que o fato típico, em princípio, é antijurídico, pois milita contra o fato típico a presunção da antijuridicidade, salvo se acobertado por uma das excludentes de ilicitude [2] previstas em lei (legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, estado de necessidade, exercício regular de direito, normas permissivas da Parte Especial do Código Penal ou de legislação extravagante). Já a culpabilidade, que não integra o crime e sim funciona como condição de aplicação de pena, compõe-se dos seguintes elementos: 1- Imputabilidade. 2- Exigibilidade de conduta diversa. 3- Potencial consciência da ilicitude. Assim, em resumo, para que alguém cometa um crime ou delito é necessário que pratique uma conduta típica e antijurídica. E mais, para que sobre ele recaia uma pena (espécie do gênero sanção penal) é necessário que se faça presente a culpabilidade (com seus três elementos supracitados). II- ERRO DE TIPO O erro é a falsa representação da realidade: é a crença de ser B, sendo A; é o equivocado conhecimento de um elemento, ao passo que ignorância é a ausência de conhecimento. O erro de tipo é tratado pela doutrina tradicional como erro de fato [3] (error facti), o que a moderna doutrina penal, dentre eles Damásio, não mais faz [4] . O art. 20, caput, do Código Penal, prescreve que: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.” Trata-se do erro de tipo, quando o agente não quer praticar o crime, mas, por erro, vem a cometê-lo. O erro aí incide sobre elementar ou circunstância do tipo penal (abrangidas também as qualificadoras, causas de aumento de pena e as circunstâncias agravantes). O agente tem uma falsa percepção da realidade, enganando-se, imaginando não estar presente uma elementar ou circunstância do tipo penal, e com isso falta-lhe a consciência e sem ela não há dolo, logo, o erro de tipo exclui o dolo, e sem este não há conduta, que, como se viu, integra o fato típico, excluindo a existência do próprio delito – caso inexista a previsão de figura culposa. Como exemplos citados pela doutrina tem-se o caso do caçador que atira em seu companheiro achando tratar-se de um animal bravio; indivíduo que se casa com pessoa já casada, desconhecendo o casamento anterior; alguém que recebe um carro idêntico ao seu das mãos do manobrista e o leva embora. Ora, nesses casos faltou aos agentes o dolo de matar “alguém” (pessoa), o dolo de casar com pessoa já casada e o dolo de furtar (subtrair coisa alheia móvel), respectivamente, logo não respondem por crime algum. Há duas formas de erro de tipo, as quais ensejam tratamentos e consequências diversas: erro de tipo essencial e acidental. O erro de tipo essencial é o que recai sobre elementares ou circunstâncias do tipo penal, de tal forma que subtrai do agente a consciência de que está praticando um delito. Com isso, exclui-se o dolo (se o erro essencial for vencível ou inescusável - art. 20, caput, 2ª parte e §1º, 2ª parte, CP), permitindo a punição a título de culpa (se houver previsão legal), ou exclui-se o dolo e a culpa (se o erro essencial for invencível ou escusável - art. 20, caput, 1ª parte, e §1º, 1ª parte, CP). Já o erro de tipo acidental é aquele que recai sobre elementos secundários e irrelevantes da figura típica e não impede a responsabilização do agente pelo crime, ou seja, não elide nem o dolo nem a culpa. Podendo assumir as modalidades de erro sobre o objeto (error in objecto), erro sobre a pessoa (error in persona), erro na execução (aberratio ictus), resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) ou erro sobre o nexo causal (aberratio causae). Por fim, anote-se que, segundo Mirabete [5] , o §1º do art. 20 do Código Penal, que trata das descriminantes putativas, está topograficamente mal colocado, haja vista que a teoria dominante entende que tais descriminantes referem-se a erro de proibição(art. 21) e não erro de tipo. Por seu turno, Damásio [6] , com mais acerto no nosso entender, leciona que neste caso do §1º do art. 20, se o erro incidir sobre os pressupostos de fato da excludente de ilicitude, trata-se sim de erro de tipo, aplicando-se o art. 20, §1º, CP; já, se o erro do sujeito recair sobre os limites legais (normativos) da causa de justificação, aplicam-se os princípios do erro de proibição (art. 21, CP). III- ERRO DE PROIBIÇÃO A doutrina tradicional trata o erro de proibição como erro de direito (error iuris), o que a moderna doutrina penal não mais faz [7] . O art. 21, do Código Penal, prescreve que: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá reduzi-la de um sexto a um terço. Considerando-se evitável o erro, se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.” Trata-se, pois, de erro de proibição. Consabido que, de acordo com o art. 3º, da LINDB [8], “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, pois, ignorantia legis neminem excusat, tem-se assentado a inescusabilidade da ignorância da lei. Viu-se, inicialmente, que a culpabilidade é pressuposto de aplicação de pena e compõe-se de três elementos, dentre eles a potencial consciência da ilicitude, que exige do sujeito, por ocasião da prática do fato, consciência que aquele comportamento é contrário ao ordenamento jurídico (antijurídico). Daí, erro de proibição: erro que incide sobre a ilicitude do fato. Se a pessoa o pratica sem saber que o mesmo é proibido, sendo inevitável esse desconhecimento, fica excluída a culpabilidade, dando-se a isenção de pena; se evitável, fica atenuada a pena de um sexto a um terço. No erro de proibição o erro incide sobre a ilicitude do fato, o sujeito supõe como lícito o fato por ele praticado, fazendo um juízo equivocado sobre o que lhe é permitido fazer no convívio social. Como exemplos de erro de proibição, mencionados pela doutrina, pode-se citar o caso de dois irmãos que se casam supondo a inexistência de impedimento legal, ou a pessoa que tem cocaína na sua casa em depósito reputando aquela conduta como legal. Eles sabem, perfeitamente, o que estão fazendo, só que julgam tais condutas permitidas. 3. CONCLUSÃO Deveras, não há que confundir erro de tipo e erro de proibição. Como salientado alhures, são institutos distintos. O erro de tipo recai sobre elementares ou circunstâncias do tipo penal, ao passo que o erro de proibição é aquele que incide sobre a regra proibitiva, sobre a antijuridicidade do fato. No erro de tipo (art. 20, do Código Penal) o erro recai sobre o fato em si (daí a doutrina tradicional chamá-lo de erro de fato – error facti, e o Código Penal vigente tratá-lo como tal), ou seja, o dolo do agente não é o de cometer crime (animus dolandi), mas, por erro sobre elementares ou circunstâncias do tipo penal, vem a cometê-lo (tem uma noção errônea do fato, não sabe o que está fazendo), v.g., quando o agente se apodera de objeto alheio achando que é seu, isso enseja a exclusão do dolo (permitindo a punição a título culposo, se houver previsão legal) ou do dolo e culpa. Já no erro de proibição (art. 21, do Código Penal) tem-se um erro de direito (daí a doutrina tradicional chamá-lo de error iuris, e o Código Penal vigente tratá-lo como tal), ou seja, o agente erra quanto à ilicitude do fato, tendo um juízo equivocado, entendendo que aquela conduta não é ilegal (o engano incide sobre o comportamento do sujeito), com reflexos na culpabilidade, excluindo-a ou atenuando-a, e, em consequência, interferindo na pena. Por fim, traçando-se um paralelo em casos concretos, basta volver aos dois exemplos suprarreferidos do erro de proibição. Ora, no primeiro caso, dos dois irmãos que se casam supondo a inexistência de impedimento legal, se eles desconhecessem a relação de parentesco, estar-se-ia diante do erro de tipo, e não erro de proibição. Da mesma forma, no caso da pessoa que tinha cocaína em depósito, se ela julgasse que tal substância não fosse cocaína e sim outro material inócuo, o caso seria de erro de tipo e não erro de proibição. Assim, a título de arremate, a diferença que sobressai entre os dois institutos está na percepção da realidade, pois tem-se que no erro de tipo o agente não sabe o que faz, tendo uma visão distorcida da realidade, não vislumbrando na situação que se lhe apresenta a presença de fatos descritos no tipo penal incriminador como elementares ou circunstâncias; ao passo que no erro de proibição, a pessoa sabe perfeitamente o que faz, existindo um perfeito juízo sobre tudo o que está se passando, mas há uma errônea apreciação sobre a antijuridicidade do que faz, ela entende lícita sua conduta, quando, em verdade, é ilícita. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BALDACCI, Roberto. Teoria e questões de concursos. 1. ed., v. 1, São Paulo: Edipro, 1999. BRUNO, Aníbal. Direito penal. Rio de Janeiro, Forense, v. 1, 1959, v. 2, 1959, v. 3, 1962. DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 3. ed., São Paulo: Renovar, 1991. GONÇALVES, Victor E. Rios. Direito penal. Parte geral. 1. ed., v. 1, São Paulo: Saraiva, 1999. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. JESUS, Damásio E. Direito penal. 19. ed., v. 1, São Paulo: Saraiva, 1995. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 8. ed., v. 1, São Paulo: Atlas, 1994.
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