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1 Fundação Universidade Federal de Rondônia Departamento de Enfermagem ATUALIZAÇÃO NA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE FERIDAS COMPLEXAS Elaboração: Profª Drª Vivian Susi de Assis Canizares I. Introdução Segundo Dantas (2003), “o significado da palavra ferida ultrapassa a simples definição da perda da solução de continuidade da pele”. Ao buscar sinônimos para ferida, encontramos a palavra chaga, que por definição significa: coisa que penaliza, desgraça, aquilo que deixa cicatriz. Culturalmente, a palavra traz consigo um significado que sobrepuja a lesão tecidual, e muitas vezes a expressão “ ferir alguém” é popularmente utilizada para situações onde o outro nem mesmo foi tocado pelo agressor. Da mesma forma, o cuidar da ferida de alguém vai muito além dos cuidados gerais da realização de um curativo. Uma ferida pode não ser apenas uma lesão física, mas algo que dói sem necessariamente precisar de estímulos sensoriais; uma ferida é algo que fragiliza e muitas vezes o incapacita. O portador de uma ferida orgânica carrega consigo a causa desta lesão: um acidente, uma queimadura, agressão, doença crônica, complicação após um procedimento cirúrgico, entre tantas outras. E a ferida passa ser a marca, o sinal, a lembrança da dor, da perda, mesmo após a cicatrização. Vivencia-se atualmente uma grande revolução na abordagem e terapêutica das feridas, principalmente quanto aos tratamentos tópicos. Apesar disso observa-se ainda no Brasil a utilização de condutas inadequadas e produtos ineficazes e até mesmo prejudiciais ao processo de cicatrização II. Aspectos Históricos do Tratamento de Feridas (Dantas, 2003; Blanes, 2005) Provavelmente a preocupação com o cuidar de uma ferida ocorreu já com o primeiro homem, na história da humanidade, que tenha se machucado. Há evidências de que na pré-história eram utilizadas plantas ou seus extratos como cataplasmas e umidificantes de feridas abertas, e muitos eram ingeridos para atuação por via sistêmica. Ainda nesta época alguns autores descrevem o uso da água, neve, gelo, frutas e lama em feridas com o objetivo de melhorar os resultados cicatriciais em menor tempo possível. A civilização egípcia, há mais de três mil anos, era repleta de realizações arquitetônicas e artísticas, mas também marcada pela opressão e violência; foi brilhante por criações científicas e técnicas, mas também por discórdias e homicídios; foi enegrecida pelo medo do demônio, mas iluminada pela sua fé. Naturalmente esses fatos influenciaram a medicina egípcia, especialmente rica em relatos de produtos tópicos para utilização em feridas. 2 Por volta de 2700 a.C., os egípcios utilizavam produtos que atualmente denominamos “ Farmácia da Sujeira”. Para o tratamento de feridas eram utilizados excrementos de mosca e lagartixa, urina humana, fezes de crianças recém-nascidas, pão mofado, e outros produtos que aparentemente absurdo, na realidade representavam a busca empírica de substâncias antimicrobianas para o tratamento ou prevenção de infecções. Por volta de 1550 a.C., os papiros egípcios de Erbs e Smith registravam inúmeras poções e drogas utilizadas para os mais diversos tipos de enfermidades e, embora já tivessem descrito mais de um terço dos remédios da farmacopéia atual, tinham associados às suas fórmulas, magias, orações e sacrifícios. Nesses papiros, há relatos de que ferimentos eram amarrados em tiras de linho impregnadas com resina ou atadas com carne fresca. Há também relatos do uso do salgueiro como antiinflamatório para feridas infectadas e da cauterização para hemostasia. Há relatos de outros povos, como os da Mesopotâmia (2000 a.C.) que faziam uso do salgueiro e do zimbro para o tratamento de feridas; os indús (2000 a.C.), tinham uma vasta farmacopéia com mais de 500 fórmulas medicamentosas de uso tópico e sistêmico. Os chineses (2800 a.C.) foram os primeiros a relatar o uso do mercúrio;os mexicanos e peruanos utilizavam o mactellu como antisséptico para feridas. Hipócrates (300 a.C.), célebre médico na história da medicina grega foi o primeiro a sugerir o tratamento de feridas com calor, uso de pomadas e remoção de material necrosado. Nesta mesma época, surgem recomendações de lavagem de feridas com vinho ou vinagre e manutenção do local seco. O histórico do tratamento de feridas revela uma enorme preocupação dos povos da Antiguidade com as complicações infecciosas. Entretanto esses povos não sabiam o que era o processo infeccioso, pois a Teoria dos Germes iria surgir apenas no século XIX. Conseqüentemente, na ausência de recursos científicos, os homens buscavam a salvação através de milagres junto a deuses e santos. Ainda hoje encontramos junto à população devotos a santos protetores de doenças. No caso das feridas, são invocados em orações São Bartolomeu, São Sebastião e São Cosme e Damião. No início da era cristã, com as influências da medicina hipocrática, a filosofia e a medicina se separaram e os deuses foram excluídos do tratamento. Hipócrates concentrava-se muito mais no doente do que na doença, e relacionava à saúde como um estado de equilíbrio físico e mental. Enfatizava os poderes curativos da natureza, a importância da alimentação, exercícios, banhos de mar e massagens. Os ensinamentos de Hipócrates deram início aos códigos morais e éticos da prática profissional. Nesse mesmo período começaram a ser descritos os princípios básicos dos procedimentos cirúrgicos. Aulus Cornélius Celsus descreve as características dos processos inflamatórios (edema, rubor, calor e dor). Gy de Chauliac (século XIV) diferencia as escolas médicas no tratamento de feridas: as que utilizavam os princípios cirúrgicos de fechamento por primeira intenção, as que estimulavam a formação do exsudato purulento; as que utilizavam substâncias leves sobre as feridas e as que ainda eram dependentes de milagres e encantamentos para auxiliar no tratamento. Ambóise Pare (1510-1590) consagrou-se como notável cirurgião francês, tendo sido responsável por consideráveis mudanças no tratamento de feridas. Paré aboliu a cauterização de feridas com óleos quentes, técnica que foi amplamente utilizada durante a guerra entre Francis I e Charles V na Europa. Pare substitui a cauterização por curativos realizados com solução feita à base de gema de ovo, óleo e solvente. No final do século XIX, com o desenvolvimento da Teoria dos Germes por Pasteur, surge o conceito de que as feridas deveriam ser mantidas secas e tratadas com substâncias antibacterianas para prevenção da contaminação e infecção. Somente no final da década de 1950 começaram a surgir os primeiros estudos sobre cicatrização de feridas em ambientes úmidos, despertando o interesse da comunidade científica. 3 No Brasil somente na década de 1990 começaram a surgir os primeiros trabalhos com curativos úmidos e, no final desta década, entraram no mercado nacional os produtos específicos para esta finalidade. O processo histórico do tratamento de feridas mostra que a humanidade sempre esteve em busca de cura de suas enfermidades, e os diferentes tratamentos tópicos utilizados revelam a realidade de cada época, os recursos disponíveis, as crenças ou novas descobertas. Hoje vivenciamos uma verdadeira revolução nos princípios de tratamento tópico de feridas. Entretanto ainda hoje é freqüente nos depararmos com condutas técnicas inadequadas e produtos ineficazes ou mesmo prejudiciais ao processo cicatricial. A história nos mostra as raízes de diversas condutas ainda hoje utilizadas e, embora na era da evolução médico- científica, nos deparamos muitas vezes com condutas medievais. Nesse começo de terceiro milênio, onde uma nova e ampla mentalidade perpassa toda nossa sociedade propondo novas perspectivas, novas alternativas, com base na crítica aos modelos antigos considerados ultrapassados, tudoaspira e conspira pelo novo, por novas vias que minimizem a dor e o sofrimento humano e que possam conduzir o tratamento de doenças de forma integral e humanitária. As mudanças são de responsabilidade de cada um de nós. III. Aspectos Éticos do Tratamento de Feridas (Dantas Filho, 2003) Vivemos hoje felizmente, um tempo de liberalismo em todas as instâncias da vida humana. Notamos também uma maior abertura com relação à discussão de todas as verdades consideradas infalíveis em outros tempos. Os questionamentos morais são, da mesma forma, reforçados pelos consideráveis avanços da ciência em nossos dias, o que tem levado a um renascimento das discussões éticas, uma vez que a liberdade de ação do ser humano necessita de mínimos referenciais e limites para a convivência em sociedade. A moral (do latim mores, conduta) discute as bases abstratas, teóricas e de foro íntimo sobre o certo e o errado, preocupando-se muito mais com o que o homem e a sociedade onde ele vive realmente são. Os conceitos morais manifestam-se nos usos e costumes do indivíduo e da sociedade. Por outro lado a ética (do grego ethos, casa) preocupa-se mais com os aspectos práticos da vida do indivíduo e da sociedade, tenta criar regras e normas de conduta para a atividade livre do ser humano, orientada pelos preceitos morais mais aceitos. Assim a ética, ao assumir caráter de norma de conduta, vai andar ao lado com o direito (do grego directum, reto) e as leis, tendo ambos força coercitiva com relação ao respeito a essas normas. A ética e o direito preocupam- se muito mais com o que o indivíduo e a sociedade a que ele pertence devem ser. Tentando focalizar a análise ética das questões relacionadas especificamente ao tratamento de feridas em nosso país, ressaltamos alguns pontos que necessitam de reflexão. Essa postura visa buscar uma ética mais aplicada, uma vez que o tratamento de feridas vem se tornando uma área cada vez mais específica e científica, diferenciando-se progressivamente como uma especialidade no campo de atenção à saúde. Inicialmente o doente que se nos apresenta, numa perspectiva mais contextualista, traz consigo os estigmas e preconceitos historicamente associados às lesões de pele, quer no súbito impacto daquelas que se manifestam agudamente, quer no desgastante sofrimento daquelas de curso crônico, associados à “ exposição de seus interiores” (“já que o mal e o bem à pele vem”, como lembra o dito popular). Numa perspectiva mais objetivista, temos à nossa frente um ser humano especialmente fragilizado, com odores e secreções, com dores, tanto no corpo como na “alma”. A auto-estima destroçada, a dura e prolongada recuperação e a perspectiva das complicações e sequelas são fantasmas que, geralmente, acompanham o tratamento desse tipo de doente. Já do ponto de vista mais subjetivista, o profissional de saúde sofre também o impacto das lesões a que se dispõe a tratar. Quantos mecanismos de defesa psicológica, em geral, vão sendo desenvolvidos com a dura convivência diária com o 4 sofrimento e a dor, quanta “frieza” temos que exercitar para os curativos e outros procedimentos, e quantas vezes nos percebemos que estamos nos tornando realmente “frios” no contato com as pessoas e os doentes? Não queríamos de modo algum, consciente ou inconscientemente estar “na pele” daqueles que nos procuram. Somos tentados a nos afastar cada vez mais do doente, das suas dificuldades. Evitamos a todo custo, tocar nas nossas próprias “feridas” e nas dos outros. As pressões frente à necessidade de atualização frente às rápidas evoluções científicas, as pressões econômicas e comerciais tanto dos custos do tratamento quanto dos fabricantes de novos produtos, sem falar das cobranças jurídicas que a sociedade nos impõe, tudo parece favorecer o distanciamento entre o profissional e o doente. Apesar de todas as influências contrárias devemos resgatar o sentido humanitário, a compaixão e a solidariedade no contato com todos os nossos semelhantes, principalmente com àqueles mais desprotegidos e doentes. A crescente tendência e necessidade da formação de profissionais especializados no tratamento de feridas nas diversas instituições, com funções específicas de orientar práticas diferenciadas de tratamento, coibir tratamentos empíricos e comprovadamente prejudiciais, além de adequar os custos conforme a situação econômica vigente, pode gerar situações de confronto entre os profissionais e os doentes e mesmo entre os profissionais, caso essas tendências não se realizem dentro de um razoável respeito entre os representantes dessa nova e científica mentalidade e os representantes da mentalidade tradicional, com base muito mais na benevolência e na “boa intenção” na assistência. Lembramos também que em qualquer parte dos casos o tratamento de feridas não se realiza dentro do ambiente hospitalar, ou não termina com a saída do doente do hospital. Os grupos de estudo e orientação do tratamento de feridas devem se responsabilizar pelo encaminhamento e orientação de todos os doentes, garantindo a continuidade do tratamento prestado. A documentação de todo o processo de tratamento deve estar presente no prontuário, bem como deve acompanhar o doente, no caso de encaminhamentos. Mais uma vez ressaltamos que, mesmo com todas essas e outras perspectivas, muitas vezes pensadas de forma fragmentária e reducionista, não devemos, em qualquer que seja a situação, perder de vista a fundamentação teleológica e deontológica da bioética no que diz respeito à salvaguarda integral da vida. IV. Aspectos Legais do Tratamento de Feridas Sabe-se que são muitos os fatores que interferem no processo cicatricial de uma ferida, portanto é indiscutível a importância de uma assistência multiprofissional ao seu portador. Contudo, deve-se destacar o papel do enfermeiro e da equipe de enfermagem neste contexto. Segundo a Lei 7.498 de 1986, em seu artigo 11, o enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem cabendo-lhe: “cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas, prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados à clientela durante a assistência de enfermagem”. Reforçando a descrição acima, Zarpão et al. (2005) relatam que “...sabe-se hoje que algumas lesões são decorrentes de fatores inerentes à doença e ao estado do cliente de alto risco, no entanto parte do problema pode ser evitado através do uso de materiais adequados para o alívio da pressão, cuidados da pele e considerações nutricionais”. O tratamento de feridas envolve procedimentos de alta complexidade técnica e o enfermeiro só poderá tomar decisões imediatas se tiver preparado cientificamente. Esse fato criou a necessidade da busca do aperfeiçoamento profissional, através de cursos de especialização e atualização. É importante salientar que a Resolução COFEN nº 240/2000 artigo 18, reforça que “é obrigação do enfermeiro manter-se atualizado, ampliando seus conhecimentos técnicos, científicos e culturais, em benefício da clientela, da coletividade e do desenvolvimento da profissão”. 5 Baseado na Resolução COFEN nº 240/2000, capítulo II, artigo 11, o enfermeiro “...deve suspender suas atividades, individual ou coletivamente quando a instituição pública ou privada para qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional”. Ressaltando a autonomia do enfermeiro nesta área, Silva, Figueiredo e Meireles (2007), destacam que “com relação à recuperação da saúde ou da reabilitação, especificamente no tratamento de feridas, o enfermeiro pode prescrever (utilizar) qualquer tipo de cobertura que se enquadra na descrição de produtos para a saúde, segundo a classificação da ANVISA (Lei 7.498 de 1986 e Decreto 94.406 de 1997). O enfermeiro é o profissional mais capacitado para identificar,avaliar, executar e acompanhar o tratamento dos diversos tipos de feridas. V. Aspectos Psicológicos do Portador de Feridas (Cruzeiro, Araújo, 2003; Giraldes, 2007) O homem sempre enfrenta crises, mudanças e instabilidades, sejam elas quais forem. Há uma tendência natural de nos sentirmos ameaçados e achamos que nossos alicerces estão ruindo. Tendemos a achar tudo ruim e muitas vezes nos sentimos impotentes e incapazes de transformar essas situações em algo bom e produtivo. Sempre tornamos tais situações em sofrimentos e nos esquecemos de que, na verdade, elas representam crescimento que nos impulsiona à vida. Quando ficamos presos a este tipo de relação distorcida, ao invés de nos integrarmos e traçarmos objetivos, nos dividimos entre razão e sentimento e isto contribui para desenvolvermos uma baixa auto-estima. A auto-imagem interfere diretamente na auto-estima. Ela é a imagem que cada um cria de si mesmo e que julga ser ideal para si, direciona e norteia nossas ações, nossos gestos em todos os momentos. Se a nossa auto-imagem for positiva, a nossa auto-estima também será. Porém nas situações diversas que vivemos no nosso dia-a-dia, precisamos ter maturidade e equilíbrio emocional para que não ocorra a baixa auto-estima. Outro fator que interfere na nossa auto-estima são nossas crenças, porque nossa tendência é achar que só as nossas são corretas. Falta imparcialidade aos nossos julgamentos. Com esses desequilíbrios, deixamos de buscar a nossa transformação interior, de melhorar a nossa percepção, a nossa auto-imagem e, conseqüentemente, a nossa auto-estima, criando ou desenvolvendo então as doenças. Segundo Requenha (1990) “os textos mais antigos da acupuntura chinesa afirmam que, se o psiquismo estiver em paz, equilibrado, o ser estará menos sujeito, até mesmo isento, de doenças, mesmo de origem externa, como por exemplo a influência das energias cósmicas ou climáticas, e ele não contrairá nenhuma doença, mesmo infecciosa, porque o psiquismo desempenha um papel importante na vulnerabilidade às doenças”. Para Dethlefsen (1997), “a doença significa a perda relativa da harmonia, ou o questionamento de uma ordem até então equilibrada. Essa perda de equilíbrio interior se manifesta no corpo como um sintoma. O sintoma nos informa que está faltando alguma coisa. A cura acontece exclusivamente pela transmutação da doença e nunca pela vitória sobre um sintoma, pois a cura pressupõe a compreensão de que o ser humano se tornou mais sadio, um todo se tornou mais perfeito. Como seres humanos estamos predispostos a conflitos, e por isso mesmo, também ficamos doentes”. Se observarmos as queixas de um doente, sempre o ouviremos dizer que, além das dores que sente, está triste, desanimado, irritado. A linguagem do nosso corpo é psicossomática, e muitas vezes não atentamos a ela; nossa tendência é dar somente explicações clínicas para os nossos sintomas e doenças. As relações que mantemos com as outras pessoas são de fundamental importância para o bem estar físico e mental e para a saúde do ser humano; assim, a saúde ou a doença seria o 6 resultado da conjugação de fatores originados do corpo, da mente e da interação de ambos com o meio ambiente e com o meio social. Percebemos claramente no portador de feridas a ligação entre corpo, meio e meio social. Dependendo do nível socioeconômico, o “viver com a ferida” é muito comum: vê-se isto nas ruas nos mendigos que se aproveitam da sua condição de “doentes” para obtenção de esmolas com maior facilidade, vivendo sem a menor condição de higiene e de tratamento adequado. Também no portador de feridas incuráveis que faz tratamento médico, tendo muitas vezes que se afastar do seu trabalho e até do convívio familiar. Devemos observar sempre como o portador de feridas está reagindo, qual a sua real intenção em curar-se e se está realmente colaborando com o tratamento. Muitas vezes percebemos que ele não colabora com o tratamento ou até não quer tratar-se, não faz curativos adequados, não toma a medicação, não possui higiene pessoal, nem tem condições de alimentar-se adequadamente. Nesses casos, a condição socioeconômica favorece o descuido da ferida, pois o portador da mesma não possui nível cultural nem econômico para curar-se e acaba tratando-se de maneira errada, seguindo muitas vezes as crendices populares no tratamento de feridas. Dessa maneira, o portador de feridas acaba utilizando-se da doença como uma forma para chamar a atenção das pessoas, atrair amor e simpatia, buscando com este comportamento apoio pessoal. O início de uma ferida, por via de regra, é percebido na nossa pele. Ali é o seu começo, mas é também uma informação de que algo não está bem em algum órgão do nosso corpo, porque a pele o reveste inteiramente. A pele é um órgão comunicador de nossas emoções; portanto reflete tudo o que se passa com nossos órgãos internos. A psoríase é diagnosticada por muitos clínicos como a doença que afeta indivíduos que buscam isolamento e são duros consigo mesmo. Como vemos, muitos podem ser os motivos que fazem surgir na pele, feridas. Buscar a sua causa no psiquismo é o melhor processo para curá-las, sem esquecer do tratamento tópico adequado e sistêmico, quando necessário. O profissional de saúde, responsável pelo tratamento de feridas, deve aprender a valorizar os aspectos psicológicos do portador de feridas, salientando mais uma vez a importância da abordagem interdisciplinar, e contando, muitas vezes, com o auxílio de um psicólogo. Na atualidade, o papel do enfermeiro como parte integrante da equipe multidisciplinar, no tratamento de portadores de lesões, consiste em desenvolver a ação terapêutica propriamente dita e dar suporte a eles e a seus familiares, no enfrentamento da doença, pois o tratamento pode ser prolongado e passível de efeitos adversos. Todo este conjunto provoca transformações nas relações sociais e pessoais entre o paciente e a família, o que requer atenção e suporte por parte do enfermeiro e/ou outro profissional envolvido, prestando orientação e acompanhamento, sempre levando em consideração as características pessoais e sociais. Silva et al.(2002) destacam a importância da família na recuperação do paciente portador de feridas quando ressaltam que “a doença de certa forma também é da família, quando os familiares estão presentes, dando apoio constante, a dor, do doente é compartilhada, diluída”. Em meio a tanto sofrimento, muitas vezes, o paciente não se rende perante a desfiguração do seu corpo, ele luta com determinação, apoiado na fé, a profunda ligação que paulatinamente foi estabelecendo com Deus. Pelzer e Sandri (2002) refletem sobre esta espiritualidade, relatando que nos últimos anos os enfoques na dimensão espiritual da saúde têm revelado que a sua prática, ligada a religiosidade, causa benefícios físicos, podendo prolongar a sobrevivência em condições crônicas. 7 VI. Anatomia e Histologia da Pele (Dantas, 2003, Malagutti e Kakihara, 2011, Guimarães, 2011) A pele é o maior órgão do corpo, representando 15% de seu peso. Trata-se do manto de revestimento do organismo, que isola os componentes orgânicos do ambiente externo. Sua complexa estrutura de tecidos de várias naturezas está adaptada a exercer diferentes funções, tais como, proteção de estruturas internas (impede a agressão de órgãos e tecidos por agentes físicos e biológicos), manutenção da homeostase (glândulas sudoríparas regulam a temperatura e o equilíbrio hidroeletrolítico) e percepção (na pele estão instalados os receptores neurais para a percepção do meio externo, tato, pressão, calor, frio, dor), entre outras. A pele é também chamada de tegumento e constitui-se em três camadas distintas: epiderme, ou camada externa; derme ou córion (intermediária) e hipoderme ou tecido celular subcutâneo ou adiposo (camadainterna). Epiderme A epiderme é uma camada superficial e bem fina. Sua espessura varia de 0,04mm nas pálpebras a 1,6mm nas regiões palmares e plantares. Tem como principal função a proteção. É formada por um epitélio queratinizado, escamoso e estratificado, sem vascularização mas cuja nutrição se efetua por difusão através dos capilares situados na derme. Compõe-se de duas subcamadas, denominadas camada córnea, mais externa, e extrato germinativo ou camada basal, mais interna. Esta última é constituída por cinco extratos ou planos visíveis pela microscopia eletrônica ou eletroforese. A constituição essencial da epiderme é determinada pelas células denominadas queratinócitos, as quais perfazem 80% do total de células existentes. A camada morta superficial é formada por queratina que exerce uma barreira para germes patogênicos, além de ser quase impermeável à água. Outras células presentes na epiderme são os melanócitos. Têm coloração clara e acham-se localizados na camada basal entre os queratinócitos basais da pele e a matriz do pelo. Possuem organelas citoplasmáticas denominadas melanossomas responsáveis pela síntese de melanina, a qual exerce papel importante na coloração da pele e na sua proteção contra os raios ultravioletas excessivos, através de pigmentos escuros de melanina. A produção de melanina pelos melanossomas é 8 controlada por um hormônio secretado pelo hipotálamo chamado hormônio estimulador do melanócito. Outras estruturas localizadas na epiderme são as células de Langerhans e possuem atuação na captura primária dos antígenos exógenos, tendo função imunológica. Existem ainda na epiderme as células de Merckel, localizadas na camada basal, só visíveis ao microscópio eletrônico. Possuem grânulos citoplasmáticos que contém substâncias neurotransmissoras, com suposto envolvimento na percepção tátil. Derme Camada um pouco mais profunda e espessa, de 1 a 4mm variando de espessura conforme o local do organismo. É constituída por tecido conjuntivo, subdividindo-se em duas camadas: a papilar e a reticular. A diferença entre ambas reside no fato de a camada reticular ser composta por fibras colágenas e fibroblastos, enquanto a papilar situa-se entre a linha divisória da derme e epiderme formando evaginações na forma de papilas (cristas interpapilares). Essa junção ancora a epiderme na derme e permite a livre troca de nutrientes essenciais entre as duas camadas. Possuem vascularização sanguínea e linfática, nervos e receptores sensitivos, terminações nervosas responsáveis pela percepção de diferentes tipos de sensibilidade: tátil, térmica e dolorosa. Nesta camada acham-se os folículos pilosos, os músculos eretores dos pelos e as glândulas sebáceas. Esse entrelaço entre a derme e a epiderme produz pequenas ondulações na superfície da pele. Nas polpas digitais essas ondulações são denominadas impressões digitais. A camada reticular possui três porções: derme papilar, derme perianexial e derme reticular. As duas primeiras camadas são idênticas, formando uma unidade denominada derme adventicial. Essa camada é composta por um gel, rico em mucopolissacarídeos, denominada substância fundamental e por um material fibrilar constituído por três tipos de fibras: colágenas, elásticas e reticulares. Esse gel confere resistência à pele nos traumas mecânicos tais como compressão e estiramento. As fibras colágenas totalizam 95% dos tecidos da derme. Hipoderme Denominada também panículo adiposo ou tecido areolar ou tecido subcutâneo. É constituída por tecido adiposo. Efetua a união dos tecidos vizinhos com a camada reticular da derme. Na junção derme-hipoderme encontra-se localizadas as glândulas sudoríparas. A característica deste tecido é ser frouxo o que lhe confere maleabilidade e elasticidade, com exceção das regiões palmares, plantares e dedos, permitindo amplitude de movimentos. A variação de sua espessura e sua distribuição no organismo está relacionada ao sexo e à idade. Elementos e características normais da pele Coloração: é determinada pelo conjunto de vários fatores tais como, genético-raciais, individuais, regionais, sexuais e conteúdo dos vasos sanguíneos. Continuidade ou integridade: a pele reage aos agentes macroscópicos que tentam lesá-la através do aumento da espessura da camada córnea e aos agentes microscópicos através da reação inflamatória. Umidade, textura e espessura: a pele mantém-se úmida pela constante evaporação da água sendo capaz de eliminar até 4 litros de suor em uma hora. A perspiração insensível não se faz homogeneamente, a água perdida nas mãos e pés é três vezes maior que em outras partes do corpo. A umidade se acha diminuída nos idosos, nas pessoas com distúrbios renais, em algumas intoxicações, na avitaminose A e na desidratação. Em relação à textura da pele se tornar fina, áspera ou enrugada. O estilo de vida, a atividade exercida, a idade, os distúrbios nutricionais e hormonais, a perda rápida e excessiva de peso bem como a presença e eliminação de edemas, influenciam a textura e espessura da pele. 9 Elasticidade e mobilidade: a elasticidade é a propriedade que possui o tecido de estender-se ao ser tracionado e a mobilidade é entendida como a capacidade desse tecido de deslocar-se ou movimentar-se sobre os planos profundos que se situam nas áreas adjacentes. Esses dois elementos não são essenciais no processo de cicatrização das feridas, mas têm realce quando se considera o processo fisiológico de envelhecimento, pois nos idosos ocorre diminuição na produção de colágeno e elastina. Turgor: é um indicador de hidratação da pele, passando uma sensação de “suculência” ao se efetuar uma prega na pele com os dedos, a qual se desfaz rapidamente quando estes são soltos. Um turgor alterado se traduz em pele murcha, podendo também ocorrer nos casos de desidratação, caracterizando-se por lentidão no desaparecimento das pregas provocadas pelos dedos. Sensibilidade: é constituída por quatro modalidades: dor, calor, frio e tato. Essas modalidades são mantidas por numerosas terminações nervosas, consideradas estruturas diferenciadas, subdivididas em terminações finas, amielínicas e ramificadas e terminações organizadas, um pouco mais complexas, puntiformes, constituídas por: Corpúsculo de Meissner – localizados nas regiões plantares e palmares. São específicos para sensibilidade tátil; Discos ou meniscos de Merkel-Ranvier – são plexos nervosos terminais, localizados nas pontas dos dedos, sendo responsáveis pelo tato de resposta lenta; Corpúsculos de Ruffini – são principalmente detectores de sensibilidade térmica; Corpúsculos de Vater Pacini – localizam-se especialmente nas regiões palmares e plantares, sendo específicos para detecção de sensibilidade à pressão; Corpúsculos de Krause – são detectores da semsibilidade ao frio. Situam-se na derme papilar ou subpapilar. Estão localizados em maior número nos lábios, no clitóris e glande; Cestos de folículo piloso – são responsáveis pelo tato às modificações de posição do pelo e consideradas estruturas importantes na regeneração da pele, principalmente a queimada. Funções da Pele A pele é um revestimento impermeável e quase indestrutível que possui propriedades protetoras e adaptativas: Proteção: a pele protege o organismo contra lesões externas, entre elas destacam- se as mecânicas (capacidade moldável e elástica), físicas (impedindo a absorção das radiações ultravioletas), físico-químicas (mantendo o ph ácido da camada córnea), química (pelo manto lipídico que possui atividade antimicrobiana), imunológicas (células de Langerhans presentes na epiderme, e dos macrófagos, linfócitos e mastócitos) e mantém o equilíbrio hídrico e eletrolítico (através de sua impermeabilidade relativa à água e aos eletrólitos); Previne a penetração: é uma barreira que impede a penetração por microorganismos e a perda de água e eletrólitos originados do interior do corpo; Percepção: é uma vasta superfície sensitiva que contém órgãos neurosensoriais para tato, dor, temperatura e pressão; Regulação da temperatura: permite a dissipação de calor pelas glândulas sudoríparas e o armazenamento de calor pelo tecido subcutâneo; 10 Identificação: as pessoas identificam umas às outras por combinações únicas de características faciais, cabelo, cor da pele, e até mesmo impressões digitais. A auto- imagem é estimulada ou desaprovada segundo os parâmetros de beleza da sociedade, comparados às características percebidas em cada pessoa; Comunicação: as emoções são expressas na linguagem de sinais da face e postura corporal. Os mecanismos vasculares como enrubescer ou empalidecer também são sinais de estados emocionais; Recuperação de feridas: é responsável pela substituição das células em feridas superficiais; Absorção e excreção: a pele excreta com restrições alguns detritos metabólicos, produtos colaterais da decomposição celular, como minerais, açúcares, aminoácidos, colesterol, ácido úrico e uréia; Produção de vitamina D: a pele é a superfície na qual a luz ultravioleta converte o colesterol em vitamina D. Características dos Tecidos Vivos Os tecidos vivos apresentam as seguintes características, segundo o tipo de tecido: Pele – é formada por duas camadas de coloração conforme a etnia. É uma importante barreira de proteção do corpo e, com sua destruição total perde a capacidade de regeneração; Tecido Adiposo: é amarelo, semelhante à “gordura de galinha” e é pouco vascularizado, podendo facilmente sofrer dano pela pressão e infecção; Fáscia: é branca, brilhante e fina, porém pode ser mais espessa em algumas partes do corpo. É considerada um plano cirúrgico e é a camada do “pare e pense” por ser facilmente sujeita, não somente ao ressecamento e conseqüentemente necrose, mas principalmente à infecção. Deve ser mantida em meio úmido para permanecer viável; Músculo: é vermelho vivo, muito vascularizado, podendo sangrar durante a manipulação e contrair-se ao ser pinçado; Tecido ósseo: é branco brilhante, de consistência dura, recoberto pelo periósteo e resseca-se facilmente quando exposto; Articulação: contém fluido lubrificante no seu interior, nela não existe fluxo sanguíneo e também apresenta facilidade de se infectar; Tendão: é um cordão de tecido elástico, forte, branco, brilhante, pouco vascularizado, fixado do músculo para o osso e move-se com a manipulação da articulação adjacente. Esse movimento é uma importante característica na identificação do tendão, pois proporciona segurança ao profissional durante a 11 remoção de tecidos que o envolvem, principalmente se o método de escolha envolver instrumentos cortantes. Característica dos Tecidos Mortos O tecido morto de acordo com o tipo de tecido acometido apresenta-se da seguinte forma: No epitélio – forma-se uma escara de consistência dura, de coloração cinza, marrom ou preta; No tecido subcutâneo ou fáscia – necrose apresenta-se de coloração cinza amarronzado para preta; No osso: estando ressecado, apresenta-se amarelo. Se não perder o periósteo, crescerá tecido de granulação. No entanto, se houver necrose do periósteo o córtex fica exposto e predisposto à infecção; No tendão – fica semelhante à fáscia em coloração, e a recomendação é que não deve ser removido. As características mais importantes desses tecidos, que facilitam a retirada segura dos mesmos com instrumentos cortantes e sem uso de anestésicos são: Ser avascular: assim não causará sangramento ao ser cortado e, se houver sangramento é porque tecidos vivos foram atingidos; Ser insensível: por ser desprovidos de terminações nervosas, não causará dor; Ter odor fétido: freqüentemente, pelo resultado da decomposição dos tecidos e do crescimento bacteriano. Vocabulário Científico para Registro das Lesões de Pele (Classificação de Shulmann modificada por Azulay et al., 2004) Para registro das características específicas de feridas traumáticas ou não, acompanhadas de lesões dermatológicas e comprometimento da pele periferimento é necessária a revisão de alguns termos científicos. Para descrição da distribuição das lesões: Localizada: lesão em uma ou em algumas regiões; Disseminada: lesões individuais em várias regiões; Generalizada: lesões extensas, intercaladas por pele sadia; Universal: comprometimento de todo o tegumento, incluindo o couro cabeludo. Para descrição das alterações de cor da pele sem relevo (manchas ou máculas): Manchas Pigmentares 1. Relacionadas à melanina Hipercrômica (aumento) 12 Hipocrômica (diminuição) Acrômica (ausência) 2. Relacionadas a pigmentos anormais Bilirrubina (icterícia) Alimentar (caroteno) 3. Relacionadas a pigmentos exógenos Medicamentos Tatuagens Manchas Vasculares-Sanguíneas: estas manchas possuem coloração avermelhada, determinada pelo sangue que circula nos vasos da derme. Ocorrem devido à dilatação ou constricção desses vasos ou ainda pelo extravasamento das hemácias. 1. Vasculares Transitórias: o surgimento e tempo de permanência variam conforme seu elemento causal e são classificadas da seguinte forma: Eritema: cor avermelhada, causada pela dilatação das arteríolas e consequentemente aumento do afluxo sanguíneo. Cianose: cor azulada observada nas extremidades, leito ungueal, orelhas e conjuntiva quando a concentração de hemoglobina reduzida no sangue está aumentada e com valores acima de 5g%. Enantema: eritema localizado na mucosa. Cianema: cianose localizada na mucosa. Exantema: surgimento súbito de lesões eritematosas disseminadas. 2. Decorrentes do Pigmento Hemático: surgem em decorrência de hemorragias, mais frequentemente dérmicas do que hipodérmicas, causando modificação da coloração da pele. Dependendo do tempo da hemorragia varia a nuance, que vai do vermelho ao amarelo e castanho. As hemácias depositadas no interstício tecidual vão, com o tempo, sendo fagocitadas pelos macrófagos. A lesão elementar neste caso é chamada de púrpura, podendo ser classificada em três tipos de lesões purpúricas: Petéquia: quando a lesão é puntiforme. Víbice: quando a lesão é linear. Equimose: quando a lesão apresenta-se com dimensões maiores que as anteriores. Hematoma: termo usado nos casos de lesões com grandes coleções, e em geral, de origem traumática, e considerado foco de infecção. Para descrição da formação e tamanho Conteúdo sólido: são resultantes de processo inflamatório ou neoplásico, podendo afetar de forma isolada ou conjunta à epiderme, a derme e a hipoderme. 1. Pápula: lesão superficial, dura, medindo geralmente menos de 5 mm, não deixa cicatriz após involução. 2. Placa: lesão elevada em platô. Pode ser o resultado da confluência de várias pápulas. 3. Tubérculo: lesão elevada, dura, medindo geralmente mais de 5 mm, deixando cicatriz após involução. 13 4. Nódulo: lesão dura, de dimensões variáveis, surge em razão do aumento do número de células ao nível da derme profunda ou hipoderme, pode ser visível à simples inspeção ou reconhecida exclusivamente pela palpação. 5. Ceratose: espessamento da epiderme decorrente da proliferação da camada córnea. Pode apresentar dimensões variáveis, e sua superfície normalmente é áspera e esbranquiçada. 6. Vegetação: lesão que cresce para o exterior em decorrência da hipertrofia de papilas dérmicas. Existem dois tipos: verrucosa (lesãoseca, a epiderme se apresenta íntegra e com aumento da camada córnea) ou condilomatosa (lesão úmida, a epiderme se apresenta normal ou diminuída). 7. Liquenificação: lesão circunscrita, produzida pelo ato de coçar frequentemente, acarretando espessamento da pele, que passa a evidenciar com maior nitidez sulcos e saliências. 8. Infiltração: espessamento difuso da pele causado pela presença de um elevado número de células na derme e até mesmo na hipoderme. 9. Esclerose: endurecimento da pele decorrente da proliferação de tecido colágeno. Conteúdo líquido: formadas pelo acúmulo circunscrito de líquido. 1. Vesícula: lesão de pequenas dimensões (mm), com conteúdo citrino, fazendo pequena saliência cônica ao nível da pele. 2. Bolha: lesão de dimensões maiores (cm), com conteúdo seroso, fazendo saliência em abóbada. 3. Pústula: lesão de dimensões variáveis com conteúdo purulento. Por solução de continuidade: originam-se de uma alteração que provoca descontinuidade tegumentar. 1. Escoriação: rotura da continuidade por mecanismo traumático. 2. Erosão: solução de continuidade do tegumento, que compromete somente a epiderme, causada por mecanismo patológico superficial. 3. Exulceração: caracteriza-se por uma erosão mais profunda, que atinge a derme papilar. 4. Ulceração: lesão com maior profundidade podendo atingir toda a derme, a hipoderme, músculo e osso. 5. Fissura: é uma solução de continuidade linear e estreita. 6. Fístula: é uma solução de continuidade de trajeto linear, geralmente sinuoso, através do qual ocorre eliminação de material necrótico e outros elementos. Pode atingir além da hipoderme. Caducas: são lesões que tendem a eliminação espontânea. 1. Escama: lamínulas epidérmicas de dimensões variadas, desprendendo continuamente e com facilidade. 2. Crosta: origina-se do ressecamento do exsudato, considerada melisérica nos casos de exsudato seroso ou purulento ou hemática nos casos de exsudato hemático. Para descrição dos tipos de exsudato Seroso 14 Hemático Purulento Para descrição da simetria Simétricas: iguais dos lados direito e esquerdo do corpo. Assimétricas: surgem mais de um lado do que do outro, ou em locais diferentes em cada lado. Para descrição do formato Anular: em forma de anel. Circinada: em forma de círculo. Numular: arredondada em formato de moeda. Serpiginosa: em forma de serpente. Em íris ou em alvo: centro eritematovioláceo, circundado por um halo mais claro e borda externa eritematosa. Puntiforme: em pontos. Lenticular: lembra lentilhas. Foliácea: descamação em folhas. Arciforme: lembra um arco. Umbilicada: deprimida no centro. Para descrição das bordas Nitidez: bem ou mal demarcadas. Regulares ou irregulares VII. Conceito de Feridas Ferida é uma ruptura na continuidade de qualquer estrutura corporal, interna ou externa, causada por diversos fatores. A cicatrização da ferida consiste na restauração de sua continuidade. Mecanismos de Lesão Celular Hipoxia: interfere na respiração oxidativa da célula, sendo uma das principais causas de lesão e morte celular. Agentes físicos: compreendem traumatismos mecânicos, condições extremas de temperatura (queimaduras e frio intenso), choque elétrico, irradiação, entre outros). Agentes químicos e drogas: há relatos de inúmeros agentes químicos que podem produzir lesão celular, como por exemplo, oxigênio em excesso, cianeto, monóxido de carbono, etc. O álcool, assim como as drogas narcóticas e terapêuticas, também está incluído nesta categoria. Agentes infecciosos: a ação diferenciada de uma série de microorganismos também pode culminar em lesão e morte celular. Ex: Erisipela. Reações imunológicas: embora o sistema imunológico sirva como defesa para o organismo humano contra a ação de agentes agressores, as reações imunes também podem resultar em lesão celular, como a reação anafilática. 15 Distúrbios genéticos: defeitos genéticos podem resultar em malformações congênitas, anormalidades enzimáticas e outros distúrbios. Ex: Anemia falciforme. Desequilíbrios nutricionais: diversos desequilíbrios nutricionais podem resultar em lesão e morte celular, como as deficiências calórico-proteicas e os excessos lipídicos, que causam predisposição à aterosclerose e à obesidade, entre outras. VIII. Classificação das Feridas As feridas possuem várias classificações que podem variar segundo o autor ou pesquisador e segundo algumas características específicas. Desta forma, abaixo destacamos um dos tipos de classificação mais utilizados: De acordo com a presença ou ausência de microorganismos Limpa: quanto não contém microorganismos patogênicos. São àquelas realizadas por meios estéreis. Contaminada: quando contém microorganismos patogênicos. Incluem feridas acidentais e cirúrgicas onde a técnica asséptica não foi respeitada devidamente. Infectada: quando contém microrganismos patogênicos e os mesmos são virulentos e estão presentes em grande quantidade. Geralmente os microorganismos já estavam presentes antes da lesão. De acordo com sua duração Feridas crônicas: feridas de longa duração ou de recorrência freqüente. Ex: úlceras de pressão. Feridas Agudas: geralmente são feridas traumáticas. Em geral respondem rapidamente ao tratamento e cicatrizam sem complicações. De acordo com a presença ou ausência de uma solução de continuidade no revestimento superficial Fechada: não existe ruptura na pele ou mucosas. Aberta: envolve a destruição da pele ou mucosa e a destruição dos tecidos subjacentes. De acordo com sua causa Traumática ou acidental: ocorre em condições sépticas. Possui grande condição de se tornar infectada. Intencional: é produzida com uma finalidade específica e geralmente em condições assépticas. De acordo com o mecanismo da lesão (maneira que ocorrem) Arranhadura: ocorre como resultado de fricção ou atrito. É uma ferida onde as camadas externas da pele ou mucosas são lesadas. Contusa: ocorre como resultado do golpe de um instrumento sem corte, como martelo, que não rompe a pele. São caracterizadas por traumatismos das partes moles, hemorragia e edema. Cortante ou incisa: ocorre como resultado de lesão por instrumento afiado. As bordas da ferida são uniformes. Ex: Ferida provocada por um bisturi durante um ato cirúrgico. 16 Lacerada: os tecidos são rasgados. Suas bordas são recortadas e irregulares. Ex: Corte por uma serra. Penetrante: ocorre como resultado da penetração profunda de um instrumento nos tecidos do corpo. Ex: ferida provocada por uma bala que penetra no tórax e se aloja no pulmão. Perfurante ou puntiforme: causada por um instrumento pontiagudo como prego ou arame. Também é o nome utilizado para feridas causadas por mordidas de animais ou picadas de insetos. De acordo com o comprometimento tecidual (queimaduras, úlceras venosas e de pressão possuem suas próprias classificações) Estágio I: caracteriza-se pelo comprometimento da epiderme apenas, com formação de eritema em pele íntegra e sem perda tecidual. Estágio II: caracteriza-se por abrasão ou úlcera, ocorre pela perda tecidual e comprometimento da epiderme, derme ou ambas. Estágio III: caracteriza-se pela presença de úlcera profunda, com comprometimento total da pele e necrose de tecido subcutâneo, entretanto a lesão não se estende até a fáscia muscular. Estágio IV: caracteriza-se por extensa lesão tecidual chegando a ocorrer lesão óssea muscular ou necrose tissular. IX. Processo de Cicatrização Cicatrização é a transformação do tecido de granulação em tecido cicatricial,sendo a cicatriz a etapa final do processo curativo da ferida. O processo de cicatrização pode ser dividido em várias e diferentes etapas (segundo autor pesquisado). Didática e resumidamente vamos dividir o processo cicatricial em quatro fases: fase de hemostasia, fase de estase, fase de fibroplasia e fase de contração. 9.1 Fase de Hemostasia Esta fase tem como objetivo interromper o sangramento, sendo composta sequencialmente, de vasoconstrição reflexa dos vasos seccionados, formação do tampão hemostático provisório (formado pelas plaquetas) e substituição desse tampão pelo coágulo formado pela rede de fibrina e pelas células sanguíneas nele encarceradas. A formação deste coágulo ocorre mediante ativação da cascata dos fatores de coagulação por “deflagradores”, antes escondidos pela barreira endotelial íntegra. Pode-se dizer que a hemostasia antecede a inflamação, pois a ruptura dos vasos no local da lesão, expõe o colágeno subendotelial às plaquetas, resultando à adesão, ativação e agregação plaquetária, com liberação concomitante de substâncias pró- inflamatórias. As plaquetas formam tampões hemostáticos, liberam fatores de crescimento e fibronectina, substâncias que atraem células importantes no processo. O coágulo formado nesta região funciona como uma ponte para estas células invasoras, como os neutrófilos, monócitos, fibroblastos e células endoteliais, dando início à fase inflamatória. Clinicamente vê- se a interrupção do sangramento com formação de crostas hemáticas aderidas ao tecido, o que começa a ocorrer poucos minutos após a produção da ferida. É possível identificar o tipo de sangramento presente pela simples inspeção da ferida, sendo ele arterial quando se faz de modo pulsátil, venoso quando “vaza” lentamente de vasos visíveis (veias) e capilar quando “mina” da ferida, sem identificação dos vasos seccionados a olho nu. A interrupção do sangramento pode ser auxiliada muitas vezes pela simples compressão da ferida por alguns 17 minutos ou pela realização de um curativo compressivo no local. Vasos de maior calibre podem ser ligados ou eletrocoagulados para hemostasia adequada. 9.2 Fase de estase, fase inflamatória ou exsudativa Esta fase prepara a ferida para o processo cicatricial, removendo os restos celulares e tecidos desvitalizados. É caracterizada pelos sinais típicos do processo inflamatório localizado como dor, rubor, calor, tumor (edema) e, freqüentemente perda da função local. Nesta fase ocorre o processo de coagulação com a formação do “tampão” e ativação da cascata coagulante. Como resultado de uma lesão nas células, os capilares dilatam-se na área afetada. O volume sanguíneo aumenta, mas a velocidade do fluxo diminui. O sangue traz leucócitos e plasma que formam um exsudato na área lesada. Nesta ocasião as células lesadas desintegram-se e verifica-se algum edema devido ao tamponamento dos linfáticos pela fibrina. Durante esta fase a ferida torna-se normalmente coberta por uma leve crosta, ou rede de fibrina, que depois é absorvida. Dura em média 72 horas. A ferida pode apresentar-se com edema, vermelhidão e dor. 9.3 Fase de fibroplasia, proliferativa ou regenerativa Nesta fase em que a ferida é considerada “limpa” (pelos leucócitos), o reparo do dano tecidual continua. Ocorre formação de capilares novos e brotos endoteliais linfáticos na área afetada. A fibroplasia resulta na formação de tecido de granulação, a seguir ocorre a epitelização. Nesta fase o colágeno é o principal componente do tecido conjuntivo reposto, por isso a vitamina C auxilia muito nesse processo metabólico da cicatrização. A ferida apresenta-se cor de rosa, devido aos novos capilares no tecido de granulação, e a área é frágil e sensível. Pode durar de 1 a 14 dias. 9.4 Fase de contração, reparativa ou de maturação Fase de remodelação. Ocorre cicatrização pelos fibroblastos após o término da fibroplasia. Os capilares e brotos endoteliais linfáticos no tecido novo desaparecem, há maturação das fibras colágenas. Nessa fase ocorre uma remodelação do tecido cicatricial formado na fase anterior. O alinhamento das fibras é reorganizado a fim de aumentar a resistência do tecido e diminuir a espessura da cicatriz, reduzindo a deformidade. Esta fase tem início no terceiro dia e pode durar até seis meses. X. Tipos de Cicatrização (Menegin, Valtimo, 2003, Guimarães, 2011) 10.1 Cicatrização por primeira intenção É a situação ideal para o fechamento das lesões e está associada a feridas limpas, ocorrendo quando há perda mínima de tecido, quando é possível fazer a junção das bordas da lesão por meio de suturas ou qualquer outro tipo de aproximação e com reduzido potencial para infecção. O processo cicatricial ocorre dentro do tempo fisiológico esperado, e como conseqüência deixa uma cicatriz mínima. 10.2 Cicatrização por segunda intenção 18 Está relacionada a ferimentos infectados e a lesões com perda acentuada de tecido, onde não é possível realizar a junção das bordas, acarretando um desvio da seqüência esperada de reparo tecidual. Este processo envolve uma produção mais extensa de tecido de granulação e também requer maior tempo para a contração e epitelização da ferida, produzindo uma cicatriz significativa. 10.3 Cicatrização por terceira intenção As feridas cicatrizam por terceira intenção quando há fatores que retardam a cicatrização de uma lesão inicialmente submetida a um fechamento por primeira intenção. Esta situação ocorre quando uma incisão é deixada aberta para uma drenagem e posteriormente fechada, ou na deiscência da sutura inicial. XI. Avaliação e Tratamento de Feridas (Malagutti e Kakihara, 2011, Guimarães, 2011, Domansky e Borges, 2012) 11.1 Ambiente do tratamento Deve-se levar em conta o ambiente no qual o tratamento é administrado. Harding (1992) propôs uma matriz de cicatrização de feridas que inclui o ambiente e a pessoa que presta os cuidados. O tratamento de uma ferida é afetado pelas circunstâncias da vida do paciente. Por exemplo, a hora da troca de curativo talvez não seja importante para o paciente hospitalizado, mas pode ser crítica para um paciente que está em casa. A flexibilidade pode ser importante para o paciente com uma ferida crônica que precisa retornar ao trabalho. O profissional que vai realizar o curativo deve ser capacitado para tal, tendo conhecimentos básicos para avaliar o tipo de ferimento, qual a melhor técnica a ser utilizada, os materiais, o tipo de cobertura, etc. O local de realização deve ser apropriado, limpo, bem iluminado e de preferência restrito a realização de curativos. O profissional deve estar trajando roupa apropriada, jaleco, e EPIs (Equipamentos de Proteção Individuais), conforme a necessidade. 11.2 Fatores que afetam a cicatrização Muitos fatores influenciam a velocidade e o caráter do processo de cicatrização, entre eles destacamos: Nível nutricional – a diminuição dos elementos protéicos, vitamina C e desidratação são os principais causadores do retardo da cicatrização pois afetam diretamente a síntese do colágeno. Uma deficiência nutricional pode dificultar a cicatrização porque também deprime o sistema imune e diminui a qualidade e a síntese de tecido de reparação. Condições de vascularização, perfusão de tecidos e oxigenação – como o sangue fornece os elementos cicatrizantes, quanto melhor a circulação mais rápida será a cicatrização. Doenças que alteram o fluxo sanguíneo normal podem afetar a distribuição dos nutrientes das células assim como as dos componentes do sistema imune do corpo. Estas condições prejudicam a capacidade do organismo em transportar células de defesas e antibióticos administrados, o que dificulta o processo de cicatrização. O fumo reduz a hemoglobina funcional e eleva a disfunção pulmonar o que reduz o transportede oxigênio para as células e dificulta a cura da ferida. Idade – a cicatrização é mais rápida em crianças do que em pessoas idosas. Existem muitos fatores que retardam a cicatrização nas pessoas idosas, entre eles temos a 19 menor eficiência do sistema circulatório, particularmente nas áreas superficiais do corpo, e uma maior probabilidade de ser deficiente o estado nutritivo nas pessoas idosas além da vulnerabilidade do sistema imune. Edema e obstrução linfática – o edema dificulta a união das extremidades da ferida porque diminui o fluxo sanguíneo e o metabolismo do tecido, inibindo o transporte de suprimentos regenerativos para a área e facilitando o acúmulo de catabólitos e produzindo inflamação. Administração de drogas – a administração de alguns tipos de drogas pode dificultar o processo cicatricial porque mascaram a presença de infecção. Por exemplo os corticóides, os quimioterápicos e os radioterápicos podem reduzir a cicatrização de feridas pois diminuem a resposta imune normal à lesão. Eles podem interferir na síntese protéica ou divisão celular, agindo, diretamente, na produção de colágeno. Além disso, podem tornar a cicatriz mais frágil, aumentando a atividade da colagenase. Deve-se também evitar o uso de antimicrobianos nas feridas. As drogas anticoagulantes podem dificultar o processo de coagulação causando retardo no início do processo de cicatrização. Técnica de curativos – a troca insuficiente do curativo, falhas na técnica asséptica, curativo apertado e outros erros podem provocar retardo na cicatrização. Extensão da lesão – o processo de cicatrização é naturalmente mais demorado quando a lesão nos tecidos é mais extensa. Localização da ferida – feridas em áreas mais vascularizadas e em áreas de menor mobilidade e tensão cicatrizam mais rapidamente do que aquelas em áreas menos irrigadas ou áreas de tensão ou mobilidade (como cotovelos, nádegas, joelhos). Hemorragia – o acúmulo de sangue propicia o acúmulo de células mortas que precisam ser removidas, bem como o surgimento de hematomas e isquemia. Isso provoca dor e lentifica o processo de cicatrização. Corpo estranho na ferida – implantes de silicone, válvulas cardíacas artificiais, material de curativo ou qualquer outro corpo estranho podem retardar o processo de cicatrização, por serem inertes. Infecção – a infecção é definida como uma concentração bacteriana superior a 10. Colonização da ferida não pode ser confundida com infecção. A colonização ocorre quando a ferida é mantida livre de tecido necrótico e/ou material estranho e é controlada pela ação de neutrófilos e macrófagos. Já a infecção ocorre quando há uma alta concentração bacteriana, tecido local comprometido (necrose ou corpo estranho) e comprometimento geral do paciente. Hiperatividade do paciente – a hiperatividade dificulta a aproximação das bordas da ferida. O repouso favorece a cicatrização. Tabagismo – o ato de fumar reduz a tensão de oxigênio no sangue e nos tecidos e leva a uma hipóxia tecidual, que perdura por alguns meses após a interrupção do ato de fumar, que é associada a uma cicatrização defeituosa. Acredita-se que isto seja decorrente de uma vasoconstrição causada pela nicotina. 11.3 Microorganismos mais comuns nas infecções de feridas Em decorrência de sua permanente exposição ao meio externo, a pele está sujeita a intensa contaminação microbiana. Os microorganismos mais encontrados nas infecções de feridas são: Sthaphylococcus epidermidis; Estreptococos alfa-hemolíticos; Sthaphylococcus aureus; Corynebacterium sp; 20 Escherichia coli; Klebsiella sp; Proteus sp; Acinetobacter sp. 11.4 Formato e tamanho da ferida O tamanho e o formato da ferida se alteram durante o processo de cicatrização. Nos estágios iniciais à medida que se removem tecidos necróticos e/ou esfacelados, a ferida parece aumentar de tamanho. Isso ocorre porque a real extensão da ferida estava mascarada pelo tecido necrótico. O monitoramento do formato da ferida é importante para auxiliar na seleção do curativo. Uma ferida com cavidade requer curativo diferente de uma ferida superficial. Alguns curativos não são apropriados se houver sinus (cavidade em fundo cego, espaço morto na ferida). Para julgar a evolução de uma ferida, é essencial fazer medições objetivas na avaliação inicial e repeti-las a intervalos regulares As feridas crônicas devem ser medidas a cada 2-4 semanas, as agudas evoluem com rapidez bem maior e a medida deve ser feita a cada troca de curativo. A medida regular permite o monitoramento da taxa de cicatrização. 11.5 Quantidade de exsudato na ferida A quantidade de exsudato varia durante o processo de cicatrização. Há considerável quantidade no estágio inflamatório e pouquíssimo na epitelização. Grande exsudação pode indicar prolongado estágio inflamatório ou infecção. Também afeta a seleção do curativo, tornando talvez necessário um curativo bem absorvente. Pode ocorrer maceração da pele circunvizinha se for usado um curativo que não seja suficientemente absorvente para o nível de exsudação. 11.6 Localização da ferida A localização de uma ferida deve ser observada como parte da avaliação. Ela pode indicar problemas potenciais como risco de contaminação nas feridas na região sacra ou problemas de mobilidade, causados por feridas nos pés. Outro aspecto é o fato de que um curativo permanece no lugar em certas partes do corpo, mas não necessariamente em outras. 11.7 Aparência da ferida A aparência de uma ferida dá indicação do estágio de cicatrização alcançado ou de qualquer complicação que possa estar presente. Feridas abertas ou feridas que cicatrizam por segunda intenção podem ser classificadas como: Com necrose; Com infecção; Com esfacelos – slough (células mortas do exsudato) Com tecido de granulação Com tecido de epitelização. Algumas feridas podem encaixar em mais de uma categoria e por isso se apresentam como feridas mistas. Antes de se avaliar uma ferida, resíduos da cobertura anterior devem ser removidos totalmente. Muitos curativos modernos formam gel que pode dar impressão errônea se não for totalmente removido. XII. Curativos 21 Curativos são os cuidados dispensados a uma área do corpo que sofreu solução de continuidade. É todo material colocado diretamente sobre uma lesão a fim de prevenir uma contaminação. Para que se faça a escolha de um curativo adequado é essencial uma avaliação criteriosa da ferida. Essa análise deve incluir: condições físicas, idade e medicamentos, localização anatômica da ferida, forma, tamanho, profundidade, bordas, presença de tecido de granulação, presença e quantidade de tecido necrótico e presença de drenagem na ferida. 12.1 Objetivos dos curativos Os principais objetivos da aplicação dos curativos são: Evitar a infecção nas feridas assépticas; Impedir ou reduzir a propagação de infecção em feridas sépticas; Absorver e facilitar a drenagem; Promover hemostasia; Promover a cicatrização; Promover conforto ao portador da ferida. 12.2 Tipos de coberturas (ou curativos) Semi-oclusivo: é absorvente e comumente utilizado em feridas cirúrgicas. Vantagens: permitir a exposição da ferida ao ar, absorver o exsudato e isolar o exsudato da pele saudável adjacente. Oclusivo ou fechado: sobre a ferida é colocada gaze ou compressa fixando-se com esparadrapo ou atadura de crepe. Pode ser oclusivo seco, úmido ou compressivo. Vantagens: absorve a drenagem de secreções, protege o ferimento das lesões mecânicas, promove hemostasia através da compressão, impede a contaminação do ferimento por fezes, vômito, urina e promove conforto psicológico ao paciente. Aberto: recomendado nas incisões limpas e secas, deixando-sea ferida exposta. Vantagens: elimina condições necessárias para o crescimento de microorganismos (calor, umidade, ausência de luz solar, etc), permite melhor observação e detecção precoce de dificuldade no processo de cicatrização, facilita a limpeza, evita reações alérgicas ao esparadrapo e é mais barato. Sutura com fita: após a limpeza da ferida, as bordas do tecido seccionado são unidas e fixa-se a fita. Este tipo de curativo é apropriado para cortes superficiais e de pequena extensão. Compressivo 12.3 O processo de limpeza e tratamento das feridas Para realizar o curativo de uma ferida ou qualquer outro procedimento invasivo, o profissional de saúde deve ser cuidadoso no manuseio de materiais estéreis, evitando assim a contaminação destes e também da ferida. O fato de uma ferida já estar contaminada não quer dizer que não sejam necessários materiais estéreis e uso de técnica asséptica, visto que é indesejável que haja aumento da carga de contaminantes no local e consequentemente retardo no processo cicatricial. Embora a reparação tecidual tanto por regeneração quanto por substituição de tecido, seja sistêmica, é absolutamente necessário favorecer condições locais através de terapia tópica adequada para dar suporte e viabilizar o processo fisiológico. Entre os diversos princípios da terapia tópica, a remoção não somente da necrose como também de corpo/partículas estranhas do leito da ferida constitui um dos primeiros e mais importantes componentes a 22 serem considerados na avaliação inicial e subseqüente da ferida. Esse conteúdo de agentes inflamatórios deverá ser retirado através de efetivo processo de limpeza. Limpeza é a ação de limpar. Limpar é retirar a sujidade e lavar é tirar as sujidades com água. Então a sujidade da ferida pode ser removida com água ou através de outros métodos. No processo de limpeza das feridas, cada etapa da trajetória de reparação tem uma necessidade, e para atender essa demanda, vários métodos e técnicas podem ser utilizados, optando-se por aqueles mais suaves ou mais agressivos, dependendo da condição do leito da ferida. Com relação às soluções de limpeza citadas por Rodeheaver (1997), normalmente para a maioria das feridas apenas a solução salina ou água é suficiente para lavá-las, não sendo necessário que a solução seja isotônica (cloreto de sódio a 0,9%), pois o tempo de permanência da solução na ferida é reduzido. Para o atendimento domiciliário, desde que a água seja adequada, a solução salina poderá ser preparada, acrescentando-se duas colheres das de chá em um litro de água fervida. Outros autores da Inglaterra e dos Estados Unidos utilizam rotineiramente a água de torneira, de boa qualidade e livre de contaminação, para a limpeza da ferida. Angeras e cols (1992) em estudo comparando o uso de soro fisiológico estéril e água de torneira para lavagem de lesões traumáticas agudas, concluíram que não houve aumento das taxas de infecção quando a água de torneira foi usada rotineiramente para a limpeza dessas feridas. Como se pode ver, a solução salina caseira e a água de torneira foram largamente utilizadas como solução de limpeza. Embora a água de torneira possa de fato, ser usada para a limpeza de feridas crônicas, deve-se considerar a concentração de flúor e cloro e as condições do reservatório, sendo mais adequado que seja fervida. Há consenso entre a maioria dos autores que, a limpeza das feridas em ambiente hospitalar deve ser realizada com solução de cloreto de sódio a 0,9%. Solução de Papaína Além da solução salina e da água, a solução de papaína em concentrações adequadas constitui, também, um excelente agente de limpeza a ser utilizado praticamente para todos os tipos de feridas, não somente para o debridamento mas também para limpeza, tanto de feridas infectadas quanto limpas, sem intervir no tecido viável, com resultados comprovados na bibliografia brasileira. As concentrações utilizadas são 1%, 2%, 4%, 10%, dependendo das características da ferida, recomendando-se maior concentração quanto maior a necessidade de limpeza. Para obter uma concentração a 2% diluem-se dois gramas de pó de papaína em 100ml de água destilada ou soro fisiológico a 0,9%. De acordo com a rotina do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP), a concentração de papaína utilizada é de 2% e a diluição é feita em almotolias limpas mantendo a diluição por um período de até 24 horas. Antissépticos O antisséptico tópico ideal deveria preencher as seguintes características: ter ampla atividade antimicrobiana e persistente, toxicidade mínima e sem efeitos adversos. Infelizmente a maioria das soluções antissépticas falha nesse conceito. Os antissépticos são usados primariamente para diminuir o crescimento bacteriano em objetos inanimados. Quando são usados em feridas têm propriedades antibacterianas, mas inibem a cicatrização por destruírem as estruturas celulares mesmo em concentrações clínicas normais. Por esta razão devem ser evitados no interior de feridas. Conforme Malagutt & Kakihara (2010), nos removedores de gordura comerciais, as concentrações de clorexidina maiores que 0,05% e o hipoclorito de sódio parecem eficazes na remoção de bactérias e tecidos desvitalizados, mas a cicatrização pode ser prejudicada quando eles são utilizados. 23 A utilização de antissépticos deve ser criteriosa. Algumas feridas infectadas podem necessitar do seu uso, entretanto estes produtos só devem ser utilizados no contexto de um plano de tratamento, através de avaliação sistemática e rotineira da ferida por profissional qualificado para tal. É importante lembrar que o antisséptico não deve ser utilizado indefinidamente e nem como rotina. Artifícios materiais utilizados para limpeza No quesito respeito aos artifícios empregados para a limpeza, devem ser respeitadas a condição e a fase de reparação tecidual procurando minimizar traumas aos tecidos. Ao utilizar materiais como gaze, esponjas ou escovas é indispensável observar se são macias, e deve ser aplicada mínima força, devendo evitar o uso em tecido de granulação. A irrigação também é um método eficaz de limpeza. A combinação ideal é a seringa de 35ml e agulha de calibre 19, obtendo-se assim uma pressão de 8psi (per square inch) que é a mais adequada e efetiva para este tipo de limpeza. No Brasil ainda não se dispõe de seringa de 35ml e os serviços têm utilizado a seringa de 20ml e agulha 40x12 ou frascos de soro fisiológico de 125, 250 ou 500ml perfurados de diferentes maneiras (com os frascos não é possível obter uma pressão constante). Até pouco tempo não se sabia qual a real pressão obtida com essa combinação de seringa e agulha. Atualmente já dispomos de uma pesquisa que validou essa técnica e chegou à conclusão que ao utilizar-se seringa de 20ml com agulha 40x12 obtêm-se pressões de 9,5 a 12,5psi. Embora esses valores estejam acima do valor considerado adequado para o processo de limpeza, estão abaixo de 15psi, pois acima deste, segundo Rodeheaver (1997), causa danos ao tecido de granulação. A distância que a seringa deve estar da ferida deve ser segundo Sibbald e cols. (2000) de 10 a 13cm. Ao ser realizada a limpeza através de irrigação, recomenda-se o uso de máscara, óculos, avental e luvas para proteção do profissional devido a ocorrência de respingos. Uma outra forma de irrigar é através da irrigação pulsátil. É um dispositivo que funciona com bateria, muito interessante, principalmente para irrigar feridas com cavidades, pois tem mecanismo de aspiração do conteúdo injetado, o que facilita e efetiva o processo de limpeza. A limpeza com o uso de fluidos deve ser realizada a cada troca de cobertura primária. No entanto, quando a troca for realizada mais que uma vez ao dia, dependendo das condições da ferida, o enfermeiro deve considerar se há necessidade de lavar ou se nãoé satisfatório, simplesmente retirar a cobertura saturada e colocar uma nova. Segundo Gilchrist, a lavagem freqüente da superfície é indesejada e a ferida terá melhor reparação se for menos manipulada. Ao ser realizada a limpeza, utiliza-se solução aquecida para evitar a queda da temperatura da ferida. Essa recomendação deve ser levada em consideração na prática clínica, não somente pelo aspecto do resfriamento da ferida, mas também pelo conforto do paciente. O soro fisiológico de 250ml poderá ser aquecido em forno de microondas durante 20 segundos na potência alta. Porém a temperatura obtida com esse método pode diferir-se de um para outro forno fazendo-se necessária a realização de testes em cada tipo de forno e em frascos com volume diferentes. No atendimento domiciliário ou em locais onde não há disponibilidade do forno, o aquecimento poderá ser feito em banho-maria. Antes de utilizar o soro na ferida, deve- se testar a temperatura na face interna da região do antebraço. Apesar de não se saber com exatidão a temperatura desse soro, temos como padrão à temperatura morna (aproximadamente 37ºC) de mamadeiras de recém-nascidos. Deve-se utilizar preferencialmente, técnica que minimize traumas tanto mecânicos quanto químicos. A técnica pode constituir-se de utilização de gazes úmidas para suave e cuidadosamente comprimir a ferida, despejar suavemente a solução sobre a ferida ou de irrigação sob pressão com seringas. Desbridamento 24 Durante a fase inflamatória do processo de reparação de feridas, os neutrófilos e os macrófagos digerem e removem, naturalmente, plaquetas, fragmentos e tecido avascular no leito da ferida. No entanto, quando ocorre um acúmulo de material para ser removido, esse processo natural torna-se insuficiente, ocasionando retardo na cicatrização. Sendo assim, a remoção desse material indesejado torna-se então, o objetivo central no planejamento dos cuidados, pois se considera que a presença da necrose, interfira no andamento adequado do processo de reparação da ferida por prolongar-se a fase inflamatória, inibir a fagocitose, favorecer o crescimento bacteriano, aumentando o risco de infecção e atuar como barreira física para a granulação e epitelização. O desbridamento objetiva: promover a limpeza da ferida, deixando-a em condições adequadas para cicatrizar; reduzir o conteúdo bacteriano impedindo a proliferação dos mesmos e também preparar a ferida para intervenção cirúrgica. Diversos autores recomendam que qualquer tecido necrosado observado durante a avaliação inicial e nas avaliações subseqüentes da ferida deve ser removido, desde que a intervenção seja consistente com os objetivos globais do tratamento e das condições clínicas do doente. As indicações gerais para o desbridamento são: purulência, infecção local e sistêmica, em especial osteomielite, presença de corpos estranhos, escara e grande área de necrose. Também existe consenso entre os autores quanto a melhor eficácia da técnica cirúrgica para o desbridamento. Embora o desbridamento seja realmente vital para a recuperação da ferida, existem determinadas situações nas quais não é a melhor indicação, como: Feridas de membros inferiores com perfusão duvidosa ou ausente, como escara seca e estável até que o estado vascular seja melhorado; Presença de escara em pacientes em fase terminal; Úlcera de pressão no calcanhar com presença de escara seca e estável; Apesar das contra-indicações referidas cima, se houver instalação de processo infeccioso, essas orientações não se aplicam e o desbridamento deve ser implementado. 12.4 Classificação das coberturas (Malagutti e Kakihara, 2011) As coberturas são classificadas de acordo com suas características e propriedades. Em vista da enorme diversidade de produtos pertencentes a diferentes grupos existentes no mercado, elas são classificadas com suas indicações, contra-indicações, mecanismos de ação, vantagens e limitações: Epitelizantes: substâncias que aceleram o processo de epitelização; Absorventes: absorvem secreções sobre o leito da ferida; Desbridantes: substâncias que degradam tecidos; Antibióticos: substâncias bactericidas e bacteriostáticas que impedem o crescimento bacteriano no leito da lesão; Antissépticos: substâncias que reduzem a microbiota presente nos tecidos vivos; Protetores: geralmente na forma de coberturas, confere proteção física ao leito da lesão. É importante lembrar que mesmo se tratando de substâncias químicas, nas mais diferentes formulações farmacológicas (gel, pomadas, óleos, etc), todas são, denominadas coberturas, podendo ser classificadas por: primárias, quando entram em contato direto com a pele íntegra ou com leito da ferida; secundárias, quando são utilizadas como cobertura final, muitas vezes para cobrir uma cobertura primária e conferir proteção. 25 Grupo P. Ativo Indicação Contra-indicação Epitelizantes Ácidos Graxos Essenciais (AGE) - Dersani Qualquer leão de pele infectada ou não, indiferente da fase de cicatrização. Não há. Absorvente e hemostático Alginato de Cálcio - Kaltostat - Acquacell Lesões superficiais ou cavitárias altamente exsudativas ou com sangramento, infectadas ou não. Feridas secas. Não deve ser associado a agentes alcalinos. Antibiótico bactericida Carvão ativado e prata - Actisorb Plus - Carboflex Feridas infectadas, exsudativas e com odores desagradáveis, superficiais ou profundas. Feridas secas, limpas ou queimaduras. Não é aconselhável o uso em tecido de granulação. Protetores, coberturas finais ou secundárias Filmes semipermeáveis - Opsite - Bioclusive - Tegaderm Feridas secas que cicatrizam por primeira intenção, queimaduras, como cobertura secundária, para proteção e fixação de dispositivos de punção venosa ou arterial. Feridas exsudativas e infectadas. Não utilizar no pós- operatório imediato. Crescimento Celular Fatores de crescimento celular - Regranex Lesão de difícil cicatrização que já experimentaram diversas terapêuticas sem sucesso. Em pacientes fora de possibilidades terapêuticas em virtude do alto custo. Feridas infectadas, altamente exsudativas. Absorventes Hidropolímeros - Cavity - Transorbent - Polymen Feridas exsudativas, limpas, profundas, superficiais e granulando. Feridas secas ou com pequena exsudação. Umidificantes e aceleradores do desbridamento autolítico Hidrogel - Hydrosorb - Intrasite gel Feridas secas, limpas e superficiais. Enxertias, úlceras e queimaduras. Feridas cirúrgicas que cicatrizam por primeira intenção. Sobre a pele íntegra e em feridas com grande exsudação ou com infecção fúngica. Idem Hidrocolóides - Tegasorb - Hydrocoll - Biofilm Feridas secas, com dano parcial do tecido, com ou sem necrose, que estejam exsudando pouco ou moderadamente. Feridas cirúrgicas que cicatrizam por primeira intenção. Queimaduras em grau III, lesões com dano expressivo, e feridas infectadas, principalmente as fúngicas. Desbridantes Enzimas Desbridamento químico Feridas limpas e 26 enzimáticos proteolíticas - Iruxol Mono - Kollagenase - Papaina granuladas. Antibiótico, bactericida e bacteriostático Sulfadiazina de prata - Dermazine - Pratazine Controle do crescimento bacteriano no leito da lesão em feridas infectadas e tecido necrosado. Hipersensibilidade a prata. Informações Complementares sobre Coberturas mais utilizadas Alginatos – são sais de polímero natural de cálcio, ou sódio ou ácido algínico, derivados da alga marrom. Suas fibras têm capacidade de absorver a exsudação de feridas e convertê-las em gel. Características:
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