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SIMMEL, Georg. Sociologia da refeição

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TRADUÇAO 
Sociologia da refeição 
Gco rg Si 11/11/ cf 
Pertence ao universo das fatalidades próprias da existência social o fam 
de que os elementos essenciais, uniformemente distribuídos entre LOdos os indi­
víduos de um círculo qualquer, não se apresentam quase nunca como os impul­
sos e interesses mais elevados, mas freqüentemente como os mais baixos desses 
indivíduos. Pois nâo apenas no interior de um gênero orgânico são transferidas 
por herança a todo indivíduo, de um modo mais seguro, aquelas formas e funções 
que existem e que foram adquiridas pelo gênero desde muito cedo, portanto, 
aquelas primitivas, ainda nâo refinadas e que remontam às simples necessidades 
vitais, como também daquilo que cada indivíduo é dotado transparece apenas o 
dote dos menos aquinhoados. E já que é destino da humanidade que o mais alm 
caia para o lugar do mais baixo, mas este nào possa subir até o mais alto com a 
mesma facilidade- isso tudo faz com que o nível comum a mdos deva ficar muito 
Nota: Reli rado de Der Zt!irgeist, Búblatr ::um Btrlj"tr Tageblau. Bcrli m, n. 41, 10 de OUIU bro de 1910 (nú mero 
comemorativo do cenlenário da Universidade de Berlim), p. 1-2. Tradução de Edgard Malagodi, que agra­
dece a Vercna Albeni a revisão rigorosa da tradução. 
Estudos Hisuíricos, Rio de Janeiro, nU 33, janeiro-junho ele 2004, p. 159-166. 
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lúO 
estudos históricos e 2004 - 33 
próximo do nível mais baixo. Tudo que é mais elevado, intelectualizado, signi­
ficativo desenvolve-se não apenas em indivíduos escolhidos, mas também onde 
haja indivíduos dotados desses valores, que seguem uma direção particular qual­
quer no plano individual, mas divergem no plano coletivo. 
De tudo o que os seres humanos têm em comum, o mais comum é que 
precisam comer e beber. E é singular que este seja o elemento mais egoísta, que é 
por sinal o mais imprescindível e imediatamente restrito ao indivíduo. Já o que 
se pensa, pode-se dar a conhecer a outros; o que se vê, pode-se deixar que outros 
vejam; o que se fala, centenas podem escutar; mas o que se come não pode, de 
modo algum, ser igualmente comido por outro. Em nenhuma esfera elevada da 
vida humana pode-se encontrar uma tal situação: de que o que um deva possuir 
seja absolutamente impossível para o outro. 
Por ser algo humano absolutamente universal, esse elemento fisiológico 
primitivo torna-se, exatamente por isso, O conteúdo de ações compartilhadas, 
permitindo assim o surgimento desse ente sociológico -a refeição - que irá aliar a 
freqüência de estar juntO e o costume de estar em companhia ao egoísmo exclu­
sivista do ato de comer, de um modo que raramente se 'lê em outras esferas mais 
nobres ou espiritualmente mais elevadas. O incomensurável significado socio­
lógico da refeição está contido na possibilidade de pessoas que não partilham 
interesses específicos se encontrarem para uma refeição em comum - possi­
bilidade que se funda no primitivismo e, portanto, na trivialidade do interesse 
material. Os cultos da Antiguidade, que costumavam ser reservados apenas a CÍr­
culos restritos de comunidades locais, ao contrário das religiões mundiais, ti­
nham a possibilidade de se encontrar na refeição sacrificial. 
Isto representou uma relação entre irmãos, especialmente na Antigui­
dade semítica, através da permissao de partilhar a mesa de Deus. O comer e beber 
juntos -que para o árabe permite transformar um inimigo mortal desconhecido 
em um amigo - libera uma enorme força socializadora, que é tanto obscure­
cedora do fato de que na verdade não é "do mesmo", mas de porções totalmente 
exclusivas que se come e se bebe, quanto produtora da idéia primitiva de que se 
produz deste modo carne e sangue comuns. Identificando o pão com o corpo de 
Cristo, a ceia cristã foi pioneira ao criar, sobre o châo dessa mística, a verdadeira 
identidade também daquilo que é consumido, criando assim uma forma muito 
particular de comunhão entre os participantes. Pois aqui, onde cada um não to­
ma para si a parte do todo negada aos outros, mas cada qual recebe o todo em sua 
misteriosa indivisibilidade igualmente repartida a todos, o elemento egoísta da 
excludência, próprio do comer de cada um, foi superado por completo. 
Justamente por ser um evento marcado pelo primitivismo fisiológico e 
pela inevitável universalidade própria da esfera das ações sociais recíprocas, com 
o que toma um sentido suprapessoal, a refeição conjunta logrou obter um enor-
Sociologia da rcJeiçiio 
me valor social em épocas primevas, cuja revelação mais evidente são as inter­
dições de comensalidade. Deste modo, a Guilda de Cambridge impõs, no século 
XI, uma pesada pena para quem comesse ou bebesse com algum assassino de um 
irmão da Guilda; do mesmo modo, o Concílio de Viena de 1267,fortemente dire­
cionado contra os judeus, determinou muito obsequiosamente que os cristãos 
, 
não deveriam colocar-se à mesa com eles; assim também, na India, deixar-se 
contaminar por comer com alguém de casta inferior pode ter eventualmente 
conseqüências funestas. Freqüentemente o hindu come sozinho para estar com­
pletamente seguro de que não compartilha a mesa com um companheiro proi­
bido. 
Em todo O sistema de corporações medievais, comer e beber em comum 
constituem um ponto de uma importância tão essencial, que hoje nós mal pode­
mos revivenciar. Prefere-se acreditar que, na insegurança e flutuação da vida me­
dieval, isto era um ponto por assim dizer visivelmente estabelecido, um símbolo 
de segurança do pertencimento, ao qual sempre se retornava como um ponto de 
orientação. E, com isso, surge o nexo que permite que a simples exterioridade 
física da alimentação se apóie, não obstante, no princípio de uma ordem infi­
nitamente maior: na medida em que a refeição se torna um assunto sociológico, 
ela assume formas mais estilizadas, mais estéticas e mais reguladas supra-indi­
vidualmente. 
Formam-se então todas as prescrições sobre comer e beber, e isto não 
em uma perspectiva secundária sobre a comida como matéria, mas com res­
peito à forma de sua consumação. Entra em cena, em primeiro lugar, a regu­
laridade das refeições. Nós sabemos, de povos muito antigos, que comiam não a 
horas determinadas, mas anarquicamente: comia-se quando se tinha fome. A 
comensal idade conduz igualmente à regularidade na hora de comer, pois um 
círculo de pessoas apenas poderia se encontrar em horas predeterminadas -
esta foi a primeira superação do naturalismo do ato de comer. Segue-se, na mes­
ma direção, o que se poderia chamar de hierarquia da refeição: não se tira mais 
da gamela, ao bel prazer e sem regras, mas, para se servir, passa-se a respeitar 
uma certa seqüência. Nos clubes de comerciantes ingleses, precursores das 
associaçoes sindicais de hoje, havia uma multa para quem bebesse fora da sua 
vez. 
Com tudo isso, uma regra formal é imposta acima das carências va­
riáveis do indivíduo: a socialização da refeição a eleva ao grau de uma esti­
lização estética, que atua de volta sobre este. Pois onde se exige uma satisfação 
estética, além da necessidade de saciar-se, é necessário que OCOrra um inves­
timento, que a comunidade de muitos pode realizar não apenas antes do indiví­
duo isolado, como também interiormente, antes de fazer dele o portador regu­
lar daquela satisfação. 
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estudos fristâ,-ieo.'. 2004 - 33 
E, por fim, a regulação da gesticulação na hora da comida, a sua norma­
tização conforme princípios estéticos, representou uma conquista da socia­
lização da refeição. Nas camadas mais baixas, onde a refeição está essencialmente 
centrada na materialidade da comida, não se formam elementos reguladores da 
gesticulaçao. Nas mais altas, ao contrário, nas quais o simples ato material de co­
mer é dominado pelo prazer de estar junto até a sua culminação - pelo menos, é o 
que se diz- de estar em "sociedade", surge um código de regras, que vai desdeco­
mo segurar faca e garfo, até os temas convenientes de se falar à mesa, para regular 
o comportamento dessas camadas. Prestando-se atenção nos quadros, a imagem 
de um jantar em ambientes refinados aparece como algo totalmente esquema­
tizado, regulando os movimentos dos indivíduos, em comparação com o jantar 
em uma casa de campônios ou num evento operário. 
Essa normatização rígida e a formalização homogênea não têm nenhum 
objetivo exterior, pois isto significa unicamente a superação ou reformulação 
que sofre o egoísmo individual materialista ao passar a ser a forma social da re­
feição. O fato, em si, de comer com um instrumento já fornece uma base para o 
estilo estético. Ao contrário de comer com faca e garfo, comer com a mão tem al­
guma coisa decididamente individualista, colocando o indivíduo em um contato 
mais direto com o alimento, expressando desta forma uma avidez sem reservas. 
No que o instrumento de comer coloca esta última a uma certa distância, uma 
forma conjunta, apropriada para o agrupamento de muitos, é colocada acima do 
processo, o que não ocorre de modo algum quando se come com a mão. No ma­
nejo do instrumento de comer, esse aspecto tem sua intensidade aumentada, ao 
mesmo tempo que a forma universalmente normalizada se revela uma forma li­
vre. Aliás, envolver garfo e faca com todo o punho é feio, porque impede a liber­
dade dos movimentos. 
As gesticulações dos não-educados são rudes e desarticuladas, mas 
também não estão submetidas a uma regularidade suprapessoal; já os modos 
dos educados pressupõem esse elemento regulativo, que se expressa justa­
mente ao comportar-se de modo flexível e livre - como um emblema de que a 
normatização social apenas adquire sua própria vida com a liberdade do indi­
víduo, a qual se mostra deste modo como a contraparte do individualismo na­
tural. 
Mais uma vez, documentando essa síntese, o prato aparece como uma 
criação individualista face à gamela, da qual cada um podia se servir direta­
mente, em épocas primitivas. O prato indica que esta porção de comida é exclu­
sivamente para esta única pessoa. A forma redonda do prato demarca isso; a li­
nha circular é a mais demarcadora possível, concentra em si o seu conteúdo de 
modo mais definitivo, ao contrário da gamela usada por todos, que pode ter can­
tos ou a forma oval, e assim ser menos provocadora de ciúmes. 
Sociologiu du refciçrio 
o pralO simboliza, de um lado, a ordem que determina à carência do in­
divíduo o que lhe cabe como membro de um lodo, dividido em partes; mas tam­
bém não lhe permite tocar além de seus limites. Mas, de outro lado, o pralO supe­
ra este individualismo simbólico, na medida em que estabelece um comparti­
lhamento formal, em um plano mais elevado: pois os pralOs da mesa de jantar de­
vem ser IOlalmente uniformes, não admitindo nenhum tipo de individualidade; 
pratos e copos diferentes, destinados a diferentes pessoas, seria algo extrema­
mente absurdo e muilO feio. 
A cada avanço empreendido pela refeição na sua forma imediata e sen­
sorial de expressão de valores sociais sintéticos, mais elevados, corresponde 
também um valor estético mais elevado. Por isso, a conciliação estética da cir­
cunstância física do comer desaparece mesmo em circunstâncias exterior­
mente bem cuidadas, tão logo desapareça o elemento da socialização - o que se 
observa na situação repugnante da table d'Mre·. Aqui as pessoas se encontram 
apenas e dominantemente pela razão de comer; estar junlO de alguém não é a si­
tuação desejada com um valor em si, mas, ao contrário, apesar de estar com­
partilhando uma mesa com todas essas pessoas, de modo algum se pressupõe 
que se entre em relacionamento com elas. Todas as baixelas ricas de mesa, co­
mo também todo bom comportamenlO, não podem remediar a situação posta 
pela finalidade materialista de comer: a aversão demonstrada pela sensibili­
dade refinada contra a lable d'hôre demonstra que apenas a socialização pode ca­
nalizar aquela finalidade a uma ordem estética mais elevada. Os atrativos dessa 
ordem não funcionam quando a situação de estar junlO como tal não tem ne­
nhum sentido próprio, quando, em certo sentido, falta a alma, e as baixelas e 
louças não podem esconder a situação de constrangimento, nem mesmo a feiú­
ra do ato físico de comer. 
Apenas a estética da refeição não pode jamais menosprezar o que ela tem 
efetivamente que estilizar: a satisfação de uma necessidade localizada na base da 
vida orgânica e, por isso, uma necessidade abertamente comum a lOdos. Por isso, 
quando ela tem por objelO o aspecto individualista material, ela não pode por 
isso avançar para uma diferenciação individual, e sim apenas embelezar e refinar 
um nivelamento espiritual, até os limites em que isso seja possível. A aparência 
individual de uma comida não se limita ao seu objetivo, a saber, de ser consu­
mida; isso seria semelhante ao canibalismo. Também por isso não combinam 
com a mesa de jantar não apenas as cores modernas, cheias de nuances, que-
, Tablt d ·/lôtt. em fra ncês, no origina 1. Sign i fica "mesa de hÕlipedes" c i nd ica 3� propriedades dt! :l.gricuho­
res familiares que. na França, oferecem refeições. 
(N:r: Comribuição de Ghislainc: Duque.) 
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estudos histârico,l' e 2004 - 33 
bradas, mas o branco e a prata, que são amplas, têm brilho, e que despertam uma 
atratividade primitiva, 
Na mobília da sala de jantar se evita geralmente formas e cores muito ex­
pansivas, movediças ou provocadoras, preferindo-se as calmas, escuras, pesadas, 
Os quadros preferidos são retratos de família, que não despertam uma atenção 
aguda, mas os sentimentos do habitual e do seguro, que se apóiam na amplitude 
dos fundamentos da vida, A estética na arrumação e decoração dos pratos, mes­
mo no caso dos jantares mais refinados, é orientada por princípios em outras par­
tes há muito superados: simetria, escolha bem pueril das cores, formas e símbo­
los primitivos, A mesa posta também não deve ser uma peça de arte fechada em 
si mesma, de tal forma que não se ousaria quebrar sua forma, Enquanto a beleza 
da obra de arte tem sua essência na sua intocabilidade, que nos mantém à dis­
tância, o refi namento da mesa de jantar inclui em sua beleza o convite a ser vio­
lada, 
Aquela fixação geral rigorosa da gesticulação à mesa é tão necessária para 
as camadas mais altas de fora das hierarquias locais, quanto é próxima para eles a 
tentação de desenvolver aí um comportamento individualista, Ter modos indi­
vidualistas de comer, assim como se cosruma ter nos modos de andar ou mesmo 
de se trajar, na maneira de falar ou em todos os outros comportamentos, seria al­
go totalmente deslocado, não apenas uma contradição interna, mas algo incon­
veniente do ponto de vista do valor, o que faria que algo mais alto fosse tomado 
pelo mais baixo, ou seja, virado ao contrário, na dimensão totalmente oposta, 
pois um tal comportamento não teria um pOIHO de apoio, e teria assim que cair 
no vazio, Do mesmo modo, mantendo-se o estilo, a conversação à mesa não deve 
ser levada até a profundidade exigida por cada questão; não deve, portanto, ir 
além dos temas gerais e formas comuns de abordagem, 
No entanto, tudo isso deve ser explicado também por uma praticidade 
fisiológica, que exige desembaraço nos movimentos e tranqüilidade espiritual ao 
comer, Isso exprime na linguagem do corpo o nexo sociopsicológico que aqui 
deu lugar à realização social de uma carência muito primitiva, garantindo sua 
expansão segura, sem dúvida sem se desprender totalmente de sua base, mas 
, 
através da qual alçou à esfera de uma atratividade humana superior, espiritual. E, 
portanto, totalmente equivocado reclamar da banalidade das conversas típicas 
da mesa de jantar. A conversação donairosa à mesa - mantida sempre em um 
certo grau de generalidade e distante de iIHimidades - não deve nunca tornar 
esse fundamento totalmelHe insensível,porque a facilidade evanescente e a 
graça do jogo de superficialidades se manifestam apenas quando se mantém esse 
, seu cara ter. 
Pode-se lembrar aqui que, em toda uma série de setores da vida humana, 
as manifestações mais baixas, até mesmo os valores negativos, não têm sido 
Sociologirr drr refeiçiio 
apenas pontos de transiçâo para um desenvolvimento superior, nâo têm sido 
apenas razôes de fundo, das quais emerge o superior, mas a sua própria inferio­
ridade tem sido precisamente a causa do surgimento deste. Neste sentido, Dar­
win observa que a fraque7.3 corpórea do homem, em comparação com os animais 
do mesmo tamanho, talvez seja provavelmente a mesma razão que o fez transitar 
de uma existência isolada para a situação de convívio social. Entretanto, essa si­
tuação de convívio teria trazido consigo o desenvolvimento de todas as capa­
cidades do intelecto e da vontade, com as quais o homem não apenas compensou 
sua inferioridade física, como também, com base nesta mesma inferioridade, 
elevou sua força total até alcançar a Superioridade sobre LOdos os seus adver-
-
. sanos. 
Observa-se o mesmo processo entre os elementos da moralidade pessoal. 
A sedutibilidade e a corruptibilidade, o pecado e a culpa, se situam no outro pólo 
da escala moral, que de forma alguma se conecta, em transição fácil, com o bom e 
o puro; e, no entanto, a superioridade moral mais destacada está condicionada 
diretamente por aquelas obscuridades e profundezas de nossa existência. Quem 
poderia falar de mérito moral, sem fazer o contraponto com a lura contra a ten­
tação - situação que a tradição legendária nâo poupou nem aos santos -, sem o 
enfrentamento com as fraquezas, a sensualidade, o egoísmo? Com efeiLO, que ha­
ja mais júbilo no céu por um único pecador arrependido do que por dez justos 
expressa apenas a estrutura interna na qual o negativo não é apenas uma mera 
sombra sobre nossos valores, nâo é uma outra tendência, cujo significado seria 
pura e simplesmente afastar-se de nossos valores. Pois o seu contrário se desen­
volve a partir dele mesmo como se nascesse de uma energia positiva. Apenas as 
trevas e o mal, como se virassem ao contrário, podem produzir o mais luminoso e 
o mais valioso, capaz de chegar até nós. 
A indiferença e a banalidade do campo tratado nestas linhas não podem 
nos impedir de ver que nele vive a profundidade paradoxal desse tipo. Ter que 
comer é uma trivialidade muito primitiva e baixa, própria do desenvolvimento 
-
dos nossos valores vitais, indubitavelmente comum a cada indivíduo. E isto jus-
tamente que possibilita a reunião dos indivíduos para compartilhar uma refeição 
e, nessa oportunidade, desenvolver um tipo de socialização que permite a supe­
ração do simples naturalismo do ato de comer. Se esse aLO não fosse em si tão bai­
xo, também não teria sido buscada essa ponte, através da qual se alçou até a sig­
nificância da refeição sacrificial, até a estilização e a estetização de suas formas 
mais elaboradas. 
Se a essência do elemento trágico está no fato de que o elevado se quebra 
em si mesmo, se suas formas mais abaladas combatem os valores ideais exata­
mente com valores ideais, e deste modo se deixam afundar no nada e no negativo, 
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o desenvolvimento seguido aqui é exatamente o outro lado desse destino. Pois 
aqui o baixo e o negativo se desenvolveram através de si mesmos e para além de si 
mesmos, e o profundo se elevou às alturas do espiritual e das significações plenas, 
exatamente por ser profundo. Aqui, como em outros lugares, a significância do 
ripo vital entra em cena exatamente por ele nâo desdenhar o fato de se constituir 
a partir do insignificante. 
Tradução de Edgard Malagodi

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