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OS ROMANOS: TRANSMISSÃO DA GRAMÁTICA GREGA

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OS ROMANOS: TRANSMISSÃO DA GRAMÁTICA GREGA 
Lícia Heine 
 (UFBA/2005) 
 
 
 É sabido que os gregos transmitiram aos romanos o seu arsenal relativo às 
contribuições lingüísticas e à cultura em geral. Kristeva (1969, p. 140) diz que os eruditos 
romanos limitaram os seus esforços à transposição das teorias e das classificações gregas 
para as necessidades da língua latina, sem procurarem elaborar proposições originais 
sobre a linguagem. Trata-se de uma transposição, em sua maioria, direta, mecânica, pois os 
romanos consideravam a língua grega — modelo universal e, por isso, urgia encontrar 
também as suas categorias lingüísticas na língua latina. Contudo, é preciso asseverar, a partir 
de Robins (1979, p. 35), que “sem a presença de uma, a contribuição da outra para a 
civilização européia teria sido menos significativa e fecunda”. 
 Para Robins (1979, p. 34), os romanos, desde os primeiros contatos com os gregos, 
provocados em especial pelo domínio latino (sécs. III e II) ao mundo helenístico, 
reconheceram a superioridade das realizações gregas. Esse ponto de vista pode ser melhor 
ilustrado por meio da frase de Virgílio: que outros (i.e., os gregos) sobressaiam, se 
quiserem, nas artes, enquanto Roma mantém a paz do mundo (apud ROBINS, 1979, p. 36). 
O texto a seguir ilustra ainda mais esse contexto latino: 
 
 Os latinos que, em todos os aspectos da atividade intelectual, desejaram 
vivamente mostrar-se bons discípulos dos gregos, seguiram-lhes as pegadas 
no tocante às línguas estrangeiras [...]. Os seus gramáticos, assim como os 
seus filósofos não tiveram consciência do interesse que poderia apresentar, 
para o estudo de sua própria língua, o exame dos falares vizinhos. Mesmo a 
confrontação constante do grego e do latim foi estéril, esforçando-se os latinos 
em adaptar servilmente o estudo de sua língua às regras formuladas pelos 
teóricos gregos, cujas idéias nada mais faziam senão retomar e propagar [...] 
(LEROY, 1982, p. 20) 
 
 Surgiu, então, o período denominado greco-romano, no qual se subscrevia a aplicação 
do pensamento grego à língua latina. Vê-se, pois, que a partir desse contexto, parece difícil 
mencionar contribuições originais, oriundas da civilização latina. Contudo, há quem aponte 
Varrão (séc. I) como um dos gramáticos latinos mais originais. Além dele, embora mais 
 
 
dependentes dos gregos, destacam-se, dentre outros, Quintiliano (séc. I), Donato e Prisciano1 
(séc. V d. C.). A seguir, passa-se a tecer alguns comentários a respeito dos mesmos. 
Para Robins (1979, p. 37), Varrão foi um polímata, uma vez que as suas inquirições 
abarcaram não só questões lingüísticas, mas também assuntos relativos à agricultura, às 
antiguidades romanas, dentre outras. No que tange aos estudos lingüísticos, cita-se 
costumeiramente a sua obra De língua latina, que compreende vinte e cinco volumes dos 
quais conservamos os livros de 5 a 10 e fragmentos dos demais (1979, p. 37) na qual 
apresentou a concepção de gramática, tida como o conhecimento sistemático do uso língua da 
maioria dos poetas, historiadores e oradores2 (ROBINS, 1979, p. 37), voltando a discutir 
sobre a controvérsia natureza-convenção3 etc. Depreende-se a partir de Kristeva (1969, p. 
140-141) que ele tentou conciliar as duas teses, pois a língua exprime a regularidade do 
mundo, mas ela própria possui irregularidades. A sua compreensão sobre a linguagem, que, 
segundo ele, desenvolveu-se a partir de um conjunto limitado de palavras básicas que se 
fizeram aceitas para representar os objetos e que serviram para produzir novas palavras 
através das mudanças de letras ou da forma fonética — parece ratificar a conciliação que deu 
às duas teses, na medida em que reconheceu traços da natureza e da convenção, 
respectivamente, o desenvolvimento da linguagem a partir de um conjunto limitado de 
palavras básicas e a produção de novas palavras, tendo como ponto de partida o referido 
conjunto de palavras. Mas, em se tratando de questões de etimologia, Varrão demonstrou 
limitações, seguindo inclusive os gregos antigos que a concebiam a partir de uma relação 
entre o signo lingüístico e o seu conceito, que servia para revelar a verdadeira natureza das 
palavras, a partir da idéia de que sua forma corresponde efetivamente, e de modo natural, 
aos objetos que designam (DUBOIS et al., 1981, p. 251), tese hoje inaceitável por ser 
entendida como uma pesquisa, centrada nas relações que a palavra mantém com unidades 
mais antigas, das quais se origina. Essas mudanças foram paulatinamente se realizando no 
decorrer do tempo. 
Registra-se também que, apesar do relacionamento existente entre o latim e o grego, 
dos empréstimos lingüísticos devidos aos contatos entre diferentes povos e da presença de 
 
1 Donato (séc. IV) também é citado, mas por falta de dados, não se vai tecer considerações sobre o 
mesmo. 
2 Comparando essa concepção com a de Dionísio da Trácia, parece que Varrão a copiou na íntegra. 
3 De acordo com Kristeva (1969, p. 141), a controvérsia natureza-convenção ficou conhecida como 
analogia-anomalia, mas, para não confundir com a própria controvérsia analogia-anomalia, proposta pelos 
gregos antigos, manter-se-á neste trabalho as terminologias, tais como postas pelos gregos. Para maiores 
esclarecimentos, veja o texto sobre a Grécia 
 
 
itens lexicais oriundos do indo-europeu e/ou de empréstimos, Varão e os demais filósofos da 
Antiguidade não se interessaram sobre as questões da história da linguística, talvez daí o 
porquê de não terem estabelecido a distinção entre sincronia e diacronia. 
Porém, foi no âmbito da morfologia4 que Varrão veio a contribuir de forma original 
nos estudos lingüísticos, ao fazer a distinção entre variação natural — a flexão e, variação 
voluntária — a derivação, momento em que teve oportunidade de dar exemplos favoráveis 
tanto à analogia quanto à anomalia. A variação voluntária se refere à possibilidade de se 
formar novas palavras por meio dos morfemas derivacionais, caracterizados por não 
ocorrerem pautados em paradigmas fechados; daí processarem sempre relações abertas, traço 
que caracteriza o léxico de uma língua em oposição à sua gramática (SOUZA e SILVA; 
KOCH, 1991, p. 25). Nas palavras de Zanotto, (1991, p. 55) isto quer dizer que as 
possibilidades de derivar novas palavras e até mesmo de criar algum novo morfema 
derivacional permanecem em aberto. A variação natural, por oposição, efetiva-se com base 
em paradigmas que processam relações fechadas, não possibilitando que a sua ocorrência 
dependa da vontade do falante. O que se quer dizer é que as possibilidades de flexão esgotam-
se nos paradigmas listados pela gramática, seja para nomes, seja para verbos, sendo, pois, 
regulares e sistemáticos. Além disso, Varrão distinguiu as palavras variáveis das invariáveis, 
classificando-as em nomes, verbos, particípios conjunções e advérbios, mostrando com isso 
certa independência em relação à proposta dos alexandrinos. Voltou-se também para as 
categorias secundárias (vozes e tempos verbais, casos latinos etc). Ao examinar este último, 
ele reconheceu que a língua grega só possuía cinco casos, a saber: nominativo, vocativo, 
genitivo, dativo e acusativo, acrescentando-lhes o ablativo, inerente à língua latina, daí ser 
denominado frequentemente do caso latino (KRISTEVA, 1969, p. 142-143). 
 Outro gramático latino é o Quintiliano, que viveu no século primeiro da era cristã e 
expôs as suas idéias relativas à língua latina na obra Institutio Oratória. Dedicou-se 
prioritariamentee de forma mais acurada, ao estudo dos casos latinos, chegando inclusive a 
propor um sétimo caso para a língua latina – que seria o desenvolvimento do ablativo, quando 
este indicasse uso com valor instrumental. Porém, Prisciano, observando que não havia, no 
latim, marcas morfológicas para o ablativo com valor instrumental, considerou inócua a 
proposta de Quintiliano. 
 
 
4 Segundo Robins (1979, p. 37), Varrão dividiu os estudos em etimológicos, morfológicos e sintáticos, 
mas o material disponível para pesquisa se atém aos primeiros módulos gramaticais. 
 
 
Prisciano (séc. V d. C.) vai colocar os estudos gramaticais no apogeu, por ser 
considerado o primeiro latino a dar tratamento sistemático à sintaxe que, segundo ele, seria 
responsável, juntamente com a morfologia, pelo sentido do enunciado. Assim, a sintaxe 
estudaria a disposição que visa a obtenção de uma oração perfeita, colocando a gramática no 
seio da lógica, já que a noção oração perfeita é uma noção lógica (KRISTEVA, 1969, p. 
143). No que tange à morfologia, parece que, pela influência recebida dos alexandrinos, 
reconheceu-a como independente da sintaxe, o que se conclui que as palavras também são 
classificadas a partir do cunho nocional. E quanto às noções de palavra e frase, 
respectivamente, definiu-as como unidade mínima da estrutura da frase e expressão de um 
pensamento completo (ROBINS, 979, p. 45), fundamentando a gramática, igualmente ao 
povo grego, na palavra e no paradigma. Conseqüentemente, não deu atenção aos processos de 
flexão, desconsiderando as idéias de Varrão, apesar de ter identificado partes nas palavras que 
hoje corresponderiam aos morfemas, tanto lexicais, quanto gramaticais; mas, talvez, por não 
querer alterar o paradigma gramatical grego, não desenvolveu uma morfologia, centrada nos 
elementos morfemáticos, que constituem a palavra. Ao examinar a classificação das oito 
partes do discurso feita por Dionísio, substituiu o artigo, já que o latim não o possuía, e 
incluiu a interjeição, como classe gramatical independente, embora se tratando ainda de uma 
classificação de base nocional, com foco na língua escrita do latim da literatura clássica. 
A sua fonética ainda se ateve às letras, apresentando, tal como propuseram os 
Estóicos, três propriedades: nomem (nome), figura (forma escrita) e potestas (valor fonético), 
mas ainda confundindo letra e som, a primeira como sendo a menor unidade gráfica e, o 
segundo como menor unidade sonora). Quanto às categorias gramaticais (os acidentes 
gramaticais), Robins informa que Prisciano, seguindo os alexandrinos, distinguiu, para os 
verbos, os tempos passado, presente e futuro, reconhecendo nas formas do passado os valores 
de imperfeito, perfeito, passado simples (aoristo) e mais-que-perfeito, bem como a sua 
classificação em termos de regência (ativos – os transitivos, passivos – os de ligação, neutros 
– os intransitivos), dentre outros. 
Na verdade, como se vê pelas sucintas considerações aqui apresentadas, os latinos, de 
fato, pouco se esforçaram para apresentar estudos originais, limitando-se a copiar as 
contribuições lingüísticas dos gregos. O texto a seguir ilustra melhor esse cenário latino: 
 
Os gramáticos latinos, cujos pontos de vista eram semelhantes aos dos 
estudiosos gregos de Alexandria, voltaram, como estes, a atenção para a 
 
 
literatura clássica, pois a gramática servia como introdução e fundamentação 
dos estudos literários. As mudanças que em torno deles ocorriam no latim 
falado e no uso escrito não-literário despertavam pouco interesse; as suas 
obras só apresentavam exemplos ou textos extraídos de escritores clássicos e 
dos anteclássicos Plauto e Terêncio. 
(ROBINS, 1979, p. 44) 
 
A obra de Prisciano representa algo mais que o final de uma era: constitui a ponte 
entre a Antiguidade Clássica e a Idade Média. A partir daí, a gramática passou a ser tida, não 
mais como a gramática grega, mas sobretudo como a gramática do latino Prisciano – uma 
greco-latina, centrada também na linguagem clássica, embora descrevendo principalmente 
Cícero (séc. I a. C.) e Virgílio (séc. I a. C.). 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos estudos linguísticos. 11 ed. Campinas, 
SP: Pontes, 1991. 331 p. 
DUBOIS, Jean et. al. Dicionário de linguísitca, Trad. Franscico Pessoa et al. São Paulo: 
Cultrix, 1973. 
GALLISSON, R.; COSTE, D. Dicionário de didática das línguas. Coimbra: Almedina, 1983. 
763 p. 
LYONS, John. Introdução à linguística teórica. Trad. Rosa Virgínia Mattos e Silva e Hélio 
Pimentel. São Paulo: Editora Nacional, 1979. 
LOBATO, Lúcia Maria Pinheiro. Sintaxe gerativa do português: da teoria padrão à teoria da 
regência e ligação. Belo Horizonte: Vigília, 1986. 
KRISTEVA, Júlia. História da linguagem. Trad. de Maria Margarida Barahona Lisboa: 
Livraria Martins Fontes São Paulo, 1983. 
ROBINS, R. H. Pequena história da linguística. Trad. de Luís Martins Monteiro de Barros. 
Riode Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979. 
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Organizado por Charles Bally e 
Albert Sechehaye, colaboração de Albert Riedlinger. 7 ed. São Paulo: Cultrix, 1961.

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