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I - A Reorganização da Ordem Econômica Internacional: Da ‘Pax Britânica’ ao Acordo de Genova. Aula 2 - Parte 1 “O estudo da história monetária anterior a 1914 frequentemente nos leva a refletir sobre a similaridade entre as questões de política monetária então relevante e as atuais”. Marcello Cecco; Money and Empire. “A expressão ‘o padrão ouro’ é, em si mesma, uma falácia, uma das mais caras que já iludiu o mundo. O engano está em que ela sugere existir um, e apenas um, determinado padrão ouro. Assumir que sejam idênticos padrões monetários amplamente divergentes, todos sob um rótulo comum - o padrão ouro-, levou, recentemente, o mundo à beira da ruína”. Sir Charles Morgan-Webb; The Rise and Fall of Gold Standard. “O entendimento dos erros e acertos do passado são fundamentais para a formulação de políticas corretas para o presente e o futuro. A tendência natural é olhar o passado com olhos do presente, uniformizar diferentes situações, fases, acertos e falhas e submetê-las a uma análise muito condicionada pelo presente”. Henrique Meirelles; A vida como ela é. 1.1) Do Bimetalismo ao Padrão Ouro Esterlino: o nascimento de um sistema monetário internacional e suas bases de funcionamento. De acordo com Eichengreen (2000: 29) “muitos leitores imaginarão que um sistema monetário internacional é um conjunto de acordos firmados por autoridades e especialistas, e negociados em conferências de cúpula. Os Acordos de Bretton Woods para administrar taxas de câmbio e balanços de pagamentos, que resultaram de encontros de alto nível no Hotel Mount Washington em Bretton Woods, New Hampshire, em 1944, poderiam ser tomados como um exemplo perfeito desse processo. Na verdade, acordos monetários estabelecidos por negociação internacional são exceções, e não a regra”. E continua o autor “entretanto, mais frequentemente tais arranjos surgiram espontaneamente como resultado de decisões individuais de países condicionados pelas decisões individuais de seus vizinhos e, mais frequentemente ainda, por herança histórica”. (Eichengreen 2000: 29). 2 A própria emergência da libra resulta deste processo. Como ensina Eichengreen (2000: 29), a própria libra resulta deste processo. “A emergência do padrão ouro clássico antes da 1ª Guerra Mundial refletiu esse processo. O padrão ouro evoluiu a partir da diversidade de padrões de ‘commodities’ e moedas-mercadorias que surgiram antes do desenvolvimento do papel moeda e da prática da ‘reserva bancária fracionária’. Seu desenvolvimento um dos grandes acidentes monetários dos tempos modernos. Ele deveu muito à adoção de ‘fato’, embora acidental, pela Grã-Bretanha, de um padrão ouro em 1717, quando Sir Isaac Newton, como responsável pela Casa da Moeda, fixou para a prata um preço em ouro excessivamente baixo, fazendo com que, inadvertidamente, desaparecessem de circulação todas as moedas de prata, à exceção daquelas muito gastas e danificadas”. 1.1.1) O funcionamento e a importância de um Sistema Monetário Internacional – algumas considerações preliminares. Segundo Roberts (2000: 11) “O sistema financeiro internacional é a estrutura de acordos, regras, convenções e instituições em que os mercados internacionais e firmas operam”. “Um sistema financeiro internacional deve desempenhar três funções fundamentais.” 1) Realizar pagamentos relativos às transações internas e externas com efetividade; 2) Prover unidade estável de valor; 3) Estabelecer normas para pagamentos diferidos (adiados). São condições para um funcionamento eficaz do SMI: existir um mecanismo efetivo de ajuste; liquidez adequada; e confiança no sistema. Quando se refere a um sistema financeiro internacional, “os pagamentos são transfronteiriços, envolvendo, usualmente, transações em diferentes divisas. As 3 transações com divisas são realizadas nos mercados cambiais, que são parte importante do sistema financeiro internacional... O comércio internacional e os movimentos de capital transfronteiriços geram transações cambiais, já que os participantes, em geral, exigem pagamentos em suas próprias moedas. As moedas nacionais que são aceitas por residentes de outros países são reconhecidas como ‘moeda internacional’. Comprar e vender divisas é o negocio do mercado de câmbio. A determinação do preço pelo qual as moedas são trocadas no mercado cambial –a taxa de câmbio- depende do funcionamento do sistema financeiro internacional” (Roberts, 2000: 11). Assim, para o funcionamento do sistema financeiro internacional é necessário o provimento das seguintes condições: existência de mecanismos efetivos de ajustes para as contas externas; provimento de liquides adequado; e confiança no sistema. O atendimento a estes parâmetros são condições fundamentais e necessárias para seu funcionamento e a existência de um ambiente econômico estável. Sistemas cambiais: em geral são reconhecidos quatro tipos de sistemas cambiais. São eles: 1) Sistemas de taxas de câmbio automáticas: existem dois tipos de automatismo cambial; o sistema fixo com mercadoria padrão (no qual o ouro majoritariamente foi a mercadoria mais importante) e o de livre flutuação cambial; 2) Sistema com (N – 1) taxas de câmbio: neste sistema, o enésimo membro deste sistema com N países fixa seu câmbio em termos de mercadoria, por exemplo, o ouro, sendo que os demais países fixam seus câmbios em termos da moeda do enésimo país. Este sistema é uma variante do sistema com (N – 1) moedas; 3) Administração multilateral da taxa de câmbio: São sistemas de câmbios flutuantes sujeitos a intervenções governamentais, configurando o que se denomina ‘flutuação suja’; 4) União Monetária: é quando se programa a política da criação de uma moeda comum para uma determinada região ou área econômica. Apesar de eliminar algumas incertezas e certos custos de transações, não eliminam automaticamente os desequilíbrios dos balanços de pagamentos. Por isto, em geral, são colocadas 4 pré-condições de políticas econômicas para adesão dos membros. Também exigem a adesão dos membros às políticas para problemas regionais. 1.1.2) A Libra Esterlina: do Bimetalismo ao Padrão Ouro. A utilização do ouro e da prata como moedas já eram frequentes entre os séculos X e XV, sendo que a Inglaterra, em geral reconhecida como a responsável pela criação do Padrão Ouro, jamais utilizou o ouro como moeda até o século XII. Com o descobrimento da prata no continente americano, este metal passou também a ser utilizado como moeda, principalmente na América do norte. Neste cenário foi criado o denominado bimetalismo, onde o ouro e a prata eram as referencias para os valores das moedas. Tentando solucionar as dificuldades “de manter a circulação das moedas de baixo valor e, também, as de valor elevado, a Inglaterra iniciou uma série de experiências no século XVII que viriam, 150 anos mais tarde, a substituir o bimetalismo pelo padrão ouro. Em 1663, a Inglaterra cunhou uma moeda chamada ‘guinel’ (com a palavra tendo sua origem na região da África de onde vinha o ouro), para a qual não foi criado um valor equivalente em prata. Como resultado disso, o chamado padrão duplo (bimetalismo), que tendera sempre a forçar uma ou outra moeda a desaparecer de circulação foi substituído pelo ‘padrão paralelo’, no qual cada produto à venda recebia o preço em ouro e também em prata. O padrão paralelo constituía uma inconveniência óbvia para o comércio e, em 1717, a Inglaterra voltouao padrão duplo”. (Rolfe e Burtle; 1975: 24 e 25). Esta mudança, entretanto, não foi fácil devido a certa atração ao bimetalismo. Como argumenta Eichengreen (2000: 36), “Em vista da dificuldade de operacionalizar o padrão bimetálico, sua persistência na segunda metade do século XIX causa perplexidade ao analista. Isto é particularmente verdadeiro diante do fato de que nenhuma das explicações comumente citadas para a persistência do bimetalismo é inteiramente satisfatória”. 5 Eichengreen (2000: 37) apresenta uma teoria, proposta por Ângela Redish, que explica esta persistência em razão de que até o surgimento da máquina a vapor o padrão ouro não era viável na prática por ter um valor muito alto para ser utilizado entre pessoas nas suas transações corriqueiras. Valendo o equivalente à remuneração por vários dias de trabalho, não tinha, praticamente, qualquer utilidade para o trabalhador. 6 7 Assim, a circulação monetária tinha necessariamente de ser complementada por moedas de prata menos valiosas. Dando sobrevida ao bimetalismo. Também, segundo Eichengreen (2000: 37), “... a circulação de moedas falsas feitas de um metal cujo valor de mercado era menor do que seu valor de face. Em virtude da utilização de prensas manuais acionadas por uma alavanca giratória, era difícil produzir uma cunhagem regular, sendo, portanto, difícil detectar falsificações”. Desta forma, Eichengreen (2000: 37), conclui que “embora esta teoria ajude a explicar o entusiasmo pelo bimetalismo anterior à década de 1820, ela não pode responder pelo posterior atraso na mudança para o ouro. Os fortes vínculos de comércio de Portugal com a Grã-Bretanha levaram os portugueses a acompanhar os britânicos na adoção do padrão ouro em 1854, mas outros países esperaram meio século ou mais”. Um dos países resistentes foi os EUA. Em função de questões políticas e de seus interesses na mineração da prata. Segundo Eichengreen (2000: 38), ”Uma segunda explicação é que fatores políticos impediram a desmonetização da prata. O suporte ao preço da prata decorrente da criação de um uso monetário para o metal fomentou sua produção. Isso levou ao desenvolvimento de um vigoroso interesse mineiro que exerceu pressões contra a desmonetização. A suplementação do meio circulante de ouro com um estoque adicional de moedas de prata prometia também aumentar o montante global de dinheiro em relação ao que existiria se todo o dinheiro fosse baseado em ouro, beneficiando aqueles com dividas não reajustáveis. Com frequência, os beneficiários eram os agricultores. Como observou David Ricardo, os produtores rurais, mais que qualquer outra classe social, beneficiava-se com a inflação e sofriam com um declínio no nível de preços, porque eles estavam amarrados ao pagamento de hipotecas e outros compromissos fixados em termos nominais”. Portanto pode-se concluir que o fim do bimetalismo vigente até por volta de 1854, e o advento do padrão ouro esterlino é de que “as desvantagens do sistema vigente tinham de ser acentuadas antes que houvesse um incentivo para abandoná-lo. Nas palavras de um diplomata holandês, enquanto a Holanda permanecesse financeira e geograficamente entre a Alemanha e a Grã-Bretanha, ela tinha um incentivo para se conformar às práticas monetárias de seus vizinhos. Foram necessários abalos que 8 estilhaçassem a solidariedade do bloco de países praticante do bimetalismo para que aqueles incentivos deixassem de prevalecer. Por fim, tais abalos ocorreram com a disseminação da Revolução Industrial e com a rivalidade internacional que culminou com a Guerra Franco-Prussiana. Até então, as externalidades em rede mantiveram a prática do bimetalismo”. 1.1.3) Um caminho para o ouro: o fim do Bimetalismo e a consolidação do Padrão Ouro Esterlino – Ouro, Grandeza e Glória. Conforme argumenta Eichengreen (2000: 29), “Muitos leitores imaginarão que um sistema monetário internacional é um conjunto de acordos firmados por autoridades e especialistas, negociados em conferências de cúpula. Os Acordos de Bretton Woods para administrar taxas de câmbio e balanços de pagamentos, que resultaram de encontros de alto nível no Hotel Mount Washington em Bretton Woods, New Hampshire, em 1944, poderiam ser tomados como exemplo perfeito desse tipo de processo. Na verdade, acordos monetários estabelecidos por negociação internacional são exceções, e não a regra. Mais frequentemente, tais arranjos sugiram espontaneamente como resultado de decisões individuais de países condicionados pelas decisões anteriores de seus vizinhos e, mais frequentemente ainda, por herança histórica”. Na verdade acordos monetários que percorreram este caminho são exceções e não regras. Mais frequentemente, tais arranjos surgiram espontaneamente como resultado de decisões individuais de países condicionados pelas decisões anteriores de seus vizinhos e, mais frequentemente ainda, por herança histórica. Como exemplo, Eichengreen (2000: 29), ensina que a “emergência do padrão ouro clássico [esterlino] antes da Primeira Guerra Mundial refletiu este processo. O Padrão Ouro evoluiu a partir da diversidade de padrões de ‘commodities’ e moedas- mercadorias que surgiram antes do desenvolvimento do papel-moeda e da prática da ‘reserva bancária fracionária’”. 9 Ou seja, foram fatores aleatórios e políticos mais que uma construção teórica e consensual que prevaleceu em sua criação. Em síntese, “seu desenvolvimento foi um dos grandes acidentes monetários dos tempos modernos. Ele deveu muito à adoção ‘de facto’, embora acidental, pela Grã-Bretanha, de um padrão ouro em 1717, quando Sir Isaac Newton, como responsável pela Casa da Moeda, fixou para a prata um preço excessivamente baixo, fazendo com que, inadvertidamente, desaparecessem de circulação todas as moedas de prata, à exceção daquelas muito gastas e danificadas”. Eichengreen (2000: 29). A decorrência direta do processo de criação de uma moeda, a Libra Esterlina, conversível em ouro e o advento da Revolução Industrial inglesa, no século XIX, colocaram a Inglaterra na condição de potência militar, industrial e financeira do mundo. Em decorrência deste contexto “as práticas monetárias britânicas tornaram-se cada vez mais uma alternativa lógica e atraente à moeda baseada na prata para os países que procuravam desenvolver o comércio com as Ilhas Britânicas e dela obter empréstimos”. Eichengreen (2000: 29). Entretanto o próprio Eichengreen (2000: 30; 31) ressalta que o uso de moedas de ouro e prata já existia desde tempos imemoriais. “Ainda hoje, essa característica das moedas é, às vezes, evidente em seus nomes, que indicam a quantidade de metal precioso que elas continham no passado. A libra e o pêni ingleses originaram-se da libra e do denário romanos, ambos unidades de peso. A libra como unidade de peso permanece familiar às populações de língua inglesa, e o pêni como uma medida de peso sobrevive na gradação de presos”. Por outro lado, existe, por assim dizer, certo gosto por determinados metais dentro do processo histórico, principalmente entre o ouro e a prata. Como mostra Eichengreen (2000: 29; 30), “a prata foi a moeda predominante durante toda a Idade Média e persistiu até a era moderna. “Outro metais eram muito pesados (como o cobre) ou muito leves (como o ouro) quando fundidos em moedas de um valor conveniente para as transações.” 10 Em função de demandas, dificuldades de extração e descobertas de novas jazidas de metais, surgiam forte oscilação entre seus preços. Este processo era utilizado para especulaçõescambiais, frente às condições das reservas existentes em cada país. Gerava, por assim dizer, uma oportunidade de especulações cambiais de acordo com a denominação de suas reservas em metais. Assim, se o preço do ouro subisse frente ao preço da prata, os especuladores migrariam para o ouro e vice-versa, criando um movimento especulativo gerado pelo sistema bimetalista. Assim, o bimetalismo poderia trazer uma instabilidade cambial para um sistema no qual poderia ser utilizado mais de um metal como signo de valor. Existiam também problemas logísticos como o caso da Suécia que em função de possuir jazidas de cobre importantes lastreou seu sistema monetário a este metal. “O governo sueco, que detinha uma participação no controle da maior mina de cobre da Europa, estabeleceu um padrão cobre em 1625. Uma vez que o preço do cobre equivalia a um centésimo do preço da prata, as encorpadas moedas de cobre pesavam cem vezes mais do que as moedas de prata de igual valor; uma moeda de grande valor pesava mais de 19 quilos. Esse dinheiro não podia ser roubado porque era muito pesado para que ladrões pudessem carregá-lo, mas os volumes de dinheiro necessários para transações cotidianas precisavam ser transportados em carroças. O economista sueco Eli Hekscher descreve como o país foi levado a organizar todo o seu sistema de transporte para satisfazer essas necessidades”. Eichengreen (2000: 30-31). As mudanças ocorridas entre os séculos XVIII e XIX caminharam para uma combinação de metais preciosos como o ouro, prata e cobre, com uma importante prevalência do ouro e da prata. Esta combinação de metais foi por certo tempo à base para as compensações internacionais. Assim, “os residentes em um país, ao adquirir do exterior mais do que vendessem a países estrangeiros, ou ao conceder empréstimos em montante superior ao que houvessem tomado de empréstimo, acertavam as diferenças com dinheiro aceitável por seus credores. Esse dinheiro podia assumir a forma de ouro, prata ou de outros metais preciosos, exatamente como hoje um país pode fazer a compensação de um déficit em seu balanço de pagamentos através da transferência de dólares norte-americanos ou marcos alemão”. 11 Desta forma os metais faziam as compensações entre os déficits e superávits entre os países. E como hoje, déficits representavam transferências de reservas e superávits acúmulos de reservas. O volume de moeda em circulação aumentava em um país superavitário e diminuía em um país deficitário, contribuindo para reduzi seu déficit. A circulação simultânea do ouro e da prata não era em si uma ameaça ao sistema, embora deixasse um espaço especulativo através de arbitragem. Assim, no caso da França, “o mercado, consciente dessa característica do bimetalismo, levava-a em conta suas expectativas. Quando o preço da prata caía até o preço da arbitragem estar a ponto de se tornar lucrativa, os negociantes, percebendo que o sistema bimetálico estava a ponto de absorver prata e liberar ouro, compravam prata em antecipação. Assim, o patamar inferior da banda em torno da proporção bimetálica constituía um piso no qual se dava o suporte ao preço relativo do metal abundante”. Entretanto este processo de estabilização era limitado e funcionava apenas em pequenas variações nos estoques de ouro e prata. Entretanto, foi a partir de decisões autônomas dos governos, e não de um acordo consensual, que nasceu um sistema de taxas de câmbio fixas, ancoradas no ouro. Este sistema ficou conhecido como Padrão Ouro Esterlino. Embora o ouro já fosse utilizado como moeda em alguns países na antiguidade, foi a Inglaterra que o utilizou a partir de uma arquitetura de sistema monetário e financeiro. Este sistema ficará conhecido como o Padrão Ouro Esterlino, tendo a libra esterlina como moeda internacional e o Banco da Inglaterra como o Banco Central do Mundo. A Inglaterra também utilizará o papel moeda e títulos como meio circulante (moeda e quase moeda) que também terão garantia de livre conversibilidade em ouro. Ao colocar ouro como principal referencia cambial para a libra, a Inglaterra rompe com o bimetalismo evitando o conflito permanente sobre qual a moeda, prata ou ouro, que deveria prevalecer e acabando na prática com o bimetalismo. A política macroeconômica internacional sob o Padrão Ouro, entre 1870 e 1914, segundo Krugman e Obstfeeld (2001: 548), “baseou-se em ideias sobre política macroeconômica internacional muito diferente daquelas que formaram a base dos arranjos monetários internacionais na segunda metade do século XX. No entanto, o período exige atenção porque as tentativas subsequentes de reforma do sistema 12 monetário internacional com base nas taxas de câmbio fixas podem ser vistas como tentativas de fortalecer o padrão ouro, ao mesmo tempo em que se evitava seu enfraquecimento. Entende-lo na prática é necessário examinar o seu funcionamento e como o mesmo possibilitou que os países alcançassem metas de equilíbrios interno e externo”. (Obstfeeld; 2001: 548). “A consolidação do padrão ouro ocorreu com o uso de modas de ouro como moeda, após o abandono do bimetalismo, em 1819, quando o Parlamento inglês aprovou o ‘Resumption Act’. Essa lei teve seu nome originado da necessidade que o Bank of England tinha de reassumir sua prática-interrompida quatro anos após o termino das Guerras Napoleônicas (1793-1815)- de trocar notas por ouro, demandado a uma taxa fixa. O ‘Resumption Act’ marca a primeira adoção de um padrão ouro verdadeiro porque ele repeliu simultaneamente as restrições sobre exportações de moedas e lingotes de ouro da Inglaterra”. O equilíbrio externo no padrão ouro esterlino ocorria com a preservação da paridade oficial entre a libra e o ouro, sendo que “para manter esta paridade, o banco central necessitava de manter um estoque suficiente de reservas de ouro”. Os “responsáveis pela política econômica consideravam o equilíbrio externo não em termos de um objetivo da conta corrente, mas como uma situação em que o banco central não estava ganhando ouro do estrangeiro e, principalmente não estava perdendo ouro para os estrangeiros tão rapidamente”. Para evitar grandes perdas de ouro, os bancos centrais “adotaram políticas que levaram o componente não-reservas do superávit (ou déficit) da conta de capital a se comportar em paralelo com o déficit (ou superávit) em conta corrente. O equilíbrio do Balanço de Pagamentos de um país ocorre quando a soma de sua conta corrente e de sua conta de capital (não reservas) é igual a zero, de modo que o saldo em conta corrente é totalmente financiado por empréstimos internacionais sem movimento de reservas. (Obstfeeld (2001: 549). Com um superávit muitos países passaram a usar a política do laissez-faire em relação às contas correntes, apoiando-se nas ideias alicerçadas no liberalismo econômico. 13 A ‘Pax Britânica’: o imperialismo, a oficina do mundo, o fascínio do ouro e a fé no liberalismo. Os pilares políticos e econômicos da chamada Pax Britânica, uma analogia ao poderoso Império Romano da antiguidade, são basicamente quatro aspectos importantes. O interessante é que estes pilares podem ser associados aos pensamentos dos principais pensadores econômicos deste período. 1) A fé no liberalismo: Adam Smith um incontestável defensor do liberalismo econômico utiliza a figura retórica da mão invisível, mostrando que a intervenção do Estado trará uma perda de eficiência na competitividade do país. A liberdade econômica e a divisão do trabalho, por outro lado libertariam o espírito da eficiência e da produtividade existentes no capitalismo.Esta eficiência, por sua vez, seria transmitida para a demanda em função da racionalidade dos consumidores. É importante lembrar que o compromisso com o liberalismo foi consolidado a partir de duas revoluções sangrentas em 1640 e 1688. Como descreve Huberman (1974: 151), “Embora os fisiocratas tivessem antecipado a Adam Smith na defesa da ‘liberdade perfeita’, a influência deste último foi muito maior. Sua ‘Wealth of Nations’ teve edições consecutivas. Foi muito lida durante sua vida, e continuou a ser depois de morto. Na derrubada da teoria mercantilista, seus golpes foram os decisivos. Assim liquidou ele os partidários do muito ouro: ‘O país que não tem minas próprias deve, sem dúvida, obter seu ouro e prata dos países estrangeiros, tal como o país que não tem vinhas precisa obter seu vinho. Não parece necessário, porém, que a atenção do governo se deva voltar mais para um problema do que para outro. O país que tiver meios para comprar vinho, terá sempre o vinho que desejar; e o país que tiver meios de comprar ouro e prata terá sempre abundancia desses metais Eles são comprados por determinados preços, como todas as outras mercadorias”. E conclui, “O monopólio do comércio da colônia, portanto, como todos os outros expedientes mesquinhos e malignos do sistema mercantilista, deprime a indústria de todos os outros países, mas principalmente a das colônias, sem que aumente em nada – pelo contrário, diminui- a indústria do país em cujo benefício é adotado”. (Huberman; 1974: 151-152). 14 2) David Ricardo - as vantagens comparativas, a distribuição do excedente e o lucro do capital: Segundo Napoleoni (1973: 67), “apesar de Smith haver definido a economia como a ciência da riqueza das nações, ou seja, como aquela ciência que se ocupa dos meios que se devem adotar para que renda ao máximo a riqueza ‘da republica ou do soberano’, Ricardo define a economia política como aquela ciência que se ocupa com a distribuição do produto social entre as classes da sociedade”. Ricardo percebe que o dinamismo do capitalismo depende fundamentalmente da apropriação de parte importante do excedente, o lucro, para financiar a produção e, com isto aumentar a produtividade. Assim, a mão invisível de Adam Smith funcionaria somente se aumentasse o lucro do capital, pois este recurso é que garantiria o investimento e a geração de vantagens comparativas no plano nacional e internacional. Ricardo mostra que a grande ameaça ao desenvolvimento do capitalismo esta na distribuição do excedente, particularmente na renda da terra, sendo um crítico feroz, como Keynes - ironicamente um anti-ricardiano - que associa os vazamentos do excedente comprometendo o lucro do capital. Para ele a grande ameaça estaria na distribuição do excedente, principalmente na renda da terra. A renda da terra, pagamento feito pelos produtores capitalistas aos proprietários das terras, encareciam a produção e tornavam os produtos mais caros, aumentando os custos da produção e reduzindo o lucro do capital e, consequentemente o investimento. Neste cenário o país acabaria perdendo suas vantagens comparativas. Este cenário é descrito por Ricardo em seu famoso artigo “A influencia do baixo preço do trigo sobre o lucro do capital”. Neste artigo Ricardo critica os rentistas em geral, mas, principalmente os arrendatários de terras. A seu ver a renda da terra encareceria a produção, reduzindo as vantagens competitivas do país. Isto se daria pela elevação do custo do trabalho, a ineficiência produtiva e o custo do arrendamento das terras, o que elevaria o custo de produção e dos investimentos em geral tornando os produtos ingleses pouco competitivos. A consequência da efetivação deste quadro seria a perda das vantagens competitivas, a retração do consumo e do investimento, e o desemprego. 15 3) As vozes discordantes e a liberdade tutelada: Malthus, o Mercantilismo e Keynes: - Malthus e o paradoxo da poupança: apesar de ser mais conhecido pela sua Lei da População, desenvolvida em sua juventude, poucos conhecem as mudanças teóricas no pensamento teórico do velho Malthus. Ele dizia que antes da prevalência desta citada Lei outra seria muito mais preocupante, a qual ele denominou como ‘os freios endógenos do consumo e do investimento’. Este processo levaria a economia a conviver com recessões, decorrente de excessos de poupanças sem uma contrapartida no aumento do investimento. A consequência deste quadro seria a convivência com a recessão e o desemprego. Apesar de serem grandes amigos suas visões teóricas sobre a teoria econômica eram diametralmente opostas. Paradoxalmente, o puritano Malthus, talvez não na forma, compartilhava com uma visão de política pouco ortodoxa defendida por Mendeville que dizia uma nação feliz era uma nação com pessoas empregadas. Keynes concordará com tal visão indo mais além, pelo menos na retórica, que para tanto o governo deveria utilizar de todos os meios possíveis como festas, ou cavar e tampar buracos, obviamente uma figura de retórica. O importante é que as ideias de Malthus e as práticas mercantilistas contrariam a fé no liberalismo econômico, ou no mínimo entendem que o mercado em determinados momentos, precisa ser tutelado. Não chegam a questionarem o equilíbrio em si, mas a duvida se todo ponto de equilíbrio é necessariamente um ponto de pleno emprego. Assim, abrem, no início do século XX, o caminho para uma inovadora política econômica desenvolvida por Keynes nos anos 30, uma teoria que revolucionará o pensamento econômico, como o fez as teorias de Smith, Ricardo, Malthus e Marx nos séculos passados. Cabe ressaltar que, mesmo com as vozes discordantes, as visões de Smith e Ricardo foram o alicerce teórico e filosófico da chamada “Pax Britânica”. 1.1.4) O custo do liberalismo, da concorrência e do padrão ouro esterlino. Era da “Pax Britânica” exportação das ideias liberais e de seus capitais através do mundo, contribuindo para o desenvolvimento de outros países e dando uma orientação 16 ao intercâmbio internacional no sentido de se estabelecer um sistema multilateral e relativamente liberal. O padrão ouro esterlino era um mecanismo, dirigido por Londres, que contribuiu para tornar homogêneas as relações econômicas mundiais. A Inglaterra colhia as vantagens de se tornar o primeiro país produtor de manufaturas, conseguindo uma posição de destaque como principal produtor até finais do século XIX. Neste contexto, a partir de 1846 com o fim das “Corn Laws”, elegeu uma política livre- cambista, favorável ao comércio exterior e à divisão internacional do trabalho, num momento em que, graças à sua posição tais políticas poderiam ser colocadas em prática sem receio da concorrência internacional. Mesmo que tal política trouxesse regularmente um déficit em sua balança comercial, principalmente com o avanço da industrialização de outros países nas décadas finais do século passado, sua balança de pagamentos correntes era positiva e, graças a uma importante política de investimentos externos, a curto e longo prazo, fora um fator essencial de equilíbrio (ou reequilíbrio) no comércio internacional ao longo do século XIX. A soma de K investimentos pelos britânicos no exterior: - 1867 mais de 520 milhões de libras - 1912 cerca de 4000 milhões de libras “O mecanismo dos pagamentos internacionais dependiam dos empréstimos de curto prazo de Londres e, em particular, dos créditos de aceitação e desconto dos Bancos especializados em financiamento do comércio mundial” (Niveau, 1997:163). No entanto, na medida em que o processo de industrialização ia se expandindoem outros países, os indicadores apontavam claramente para uma transformação nas relações de forças e o peso dos protagonistas da economia mundial. 17 Neste novo quadro, onde as economias devedoras se tornam mais independentes à medida que se industrializam, ironicamente muitas vezes com a ajuda do capital inglês, aumenta a competição em nível mundial, reduzindo assim a participação da produção inglesa em relação à produção mundial, como mostrado a baixo: - Em 1870 a produção inglesa representava cerca de 30% da produção mundial; - Em finais do século passado a produção inglesa representava cerca de 19,0% da produção mundial; - Em 1913 a produção inglesa representava algo em torno de 14% da produção mundial se estabilizando por volta de 9% entre 1926 e 1938. Outros Sinais que reforçam a perda de participação da Inglaterra na economia mundial: - No comércio mundial a participação inglesa também decresce de 41% para 30% entre 1880 e 1913, e a importância das importações inglesa nas exportações mundial cai de 42% para 17% entre 1800 e 1913; - A Inglaterra sofre também mudanças significativas no seu padrão de importação: em 1860 os bens manufaturados montavam apenas 6% de suas importações; em 1900 esta proporção aumenta para 25%, indicando claramente a perda de competitividade no mercado mundial do produto manufaturado inglês, revertendo uma situação iniciada pela RI quando os ingleses eram imbatíveis nesta produção; - O déficit comercial britânico chega a um máximo de 181 milhões de libras em 1903, momento em que estava no auge a campanha de Joseph Chamberlain para uma reforma tarifária (protecionista). - A economia inglesa apresentava também sinais internos preocupantes; a taxa anual de crescimento da indústria cai de uma média de 3,2% em 1855/1872 para 2,2% em 1872/1900, passando o país a sofrer uma temporada de grande desemprego. 18 Desta forma, as mudanças estruturais ocorridas na economia mundial atingem duramente a economia inglesa, sua autoconfiança econômica e o liberalismo são duramente atingidos, juntamente com a ideia de que “Quanto maior a competição estrangeira melhor, porque nos tornará mais qualificados e nós triunfaremos”. A perda de competitividade da economia inglesa se expressa na redução de sua participação nas exportações mundiais, trazendo sérias consequências, apresentadas a seguir: 1. Em uma economia na qual as exportações em 1907 representavam cerca de 20% da Renda Nacional, tal redução se torna extremamente dramática, trazendo, consequentemente, uma redução no crescimento industrial e um aumento no nível de desemprego; 2. A “ossificação” da indústria inglesa e sua consequente estagnação trazem uma mudança na estrutura das importações e um agravamento do déficit comercial inglês; 3. A Inglaterra é obrigada a utilizar de forma crescente os resultados de seus movimentos financeiros: serviços internacionais, financeiros e comerciais, aproveitando os resultados favoráveis de sua balança de pagamentos e do fato de que grande parte das liquidações financeiras das transações comerciais do mundo se efetuar através da mediação de Londres. Assim, a Inglaterra soube aproveitar sua condição de um Império, onde o sol nunca se punha, além de grandes vantagens territoriais, históricas, econômicas, tecnológicas e militares sobre as demais potenciam concorrentes. Neste cenário sem concorrentes de peso, a Inglaterra dominou amplamente a economia mundial, particularmente impondo a ordem liberal, a libra como moeda internacional. Outro aspecto de grande importância foi sua capacidade de ultrapassar de forma concreta os limites nacionais, tornando a tecnologia de ponta passível de apropriação e a livre circulação de mercadorias, de capital e de trabalhadores. Vale dizer, o que mais favorecia seu processo de industrialização, além da tecnologia, era a diversificação dos resultados potenciais da livre circulação de mercadorias e serviços. 19 Em um balanço final, “Na Inglaterra, o desenvolvimento do capitalismo processou-se sem saltos, já que o próprio padrão de acumulação do ciclo têxtil gerava as condições para o ciclo ferroviário. (...) Por outro lado, os países atrasados, ao se industrializarem, estavam realizando um verdadeiro salto, dadas as descontinuidades que se apresentavam entre suas estruturas econômicas e as exigências do processo de industrialização” (Mazzucchelli, 2009: 35). Consequências deste quadro no inicio do século: tentativa de se estabelecer uma política protecionista como forma de reduzir o déficit comercial e estimular sua indústria. Chamberlain: “Nós estamos perdendo os nossos mercados externos, porque onde quer que estejamos começando a negociar a porta é batida na nossa cara com uma tarifa... e como se isso não fosse suficiente, estes mesmos estrangeiros que nos fecharam a porta, invadem nossos mercados e tiram o trabalho das mãos dos nossos trabalhadores e nos deixam duplamente injuriados... Nós iremos perder as grandes indústrias pelas quais este país tem sido celebrado, que o fizeram próspero no passado.” O fim deste movimento: eleição do governo liberal em 1906, adepto do livre comércio. O partido trabalhista é contra o protecionismo porque significava o encarecimento dos alimentos; a indústria têxtil, uma das principais beneficiárias é contra porque dependia das importações de matérias primas. Política adotada Sustentação do padrão-ouro e estabilidade cambial para assegurar os interesses financeiros, resguardando os reinvestimentos externos. Implicações desta política: Recrudescimento da incompatibilidade entre a promoção de um crescimento interno satisfatório e a manutenção da libra como moeda internacional (conseguindo mantê-la até por volta de 1914). 20 Opção Inglesa em manter a libra com moeda internacional, apoiando-se na manutenção do padrão ouro e na existência de uma estrutura bancária e mecanismos de compensações internacionais bastante desenvolvidos. Keynes: explicava, em 1913, que a política monetária britânica era muito mais eficaz que a política monetária de qualquer outro país, podendo, através de mecanismos de política Monetária fazer frente a desequilíbrios de liquidez. Política de desconto do Banco da Inglaterra; frente a uma redução do estoque de ouro. Mecanismos utilizados pelo Banco Central Inglês: -Variação na taxa de desconto (juros): 1) Atraia capital externo; 2) Retinha os depósitos realizados em Londres; 3) Freavam os novos empréstimos externos de curto prazo. Esta última medida se tratava mais de emprestar menos ao estrangeiro: ou seja, “Em épocas de dificuldade, é mais fácil emprestar menos que tomar mais emprestado e, por isto, um aumento do tipo de juros não podia ter um efeito tão rápido e profundo nos países tipicamente devedores como nos países credores”. Entretanto, se por um lado a estabilidade cambial, garantida pelo padrão ouro, e a manutenção de juros elevados eram atrativos para reter o ouro no país garantindo o funcionamento do padrão ouro esterlino, o custo desta política no longo prazo mostrou- se catastrófica para a Inglaterra. Conforme mostra Mazzucchelli (2009:24), “É essencial destacar, contudo, que a hegemonia inglesa na aurora do século XX, vinha sendo progressivamente solapada pelo fortalecimento político e pelo extraordinário crescimento econômico das nações rivais. Se a brutalidade da Primeira Guerra Mundial sancionou o seu fim, é porque seus fundamentos não tinham mais a mesma vitalidadeexibida na exposição de Crystal Palace em 1851”. 21 Neste contexto, fruto de uma conjugação de cambio valorizado, apego ao padrão ouro, juros reais elevado e uma defesa intransigente do liberalismo econômico, a Inglaterra irá conviver, no século seguinte, com um processo de desindustrialização relativa e perda de competitividade e desemprego, levando economistas importantes como, J. M. Keynes, a reverem seus pontos de vistas. Assim, a situação econômica da Inglaterra frente o fracasso de sua política liberal e, particularmente a sua incapacidade de conter o desemprego, mesmo em momentos de algum crescimento da renda, irá abrir o caminho, principalmente na década de 30, para novas discussões teóricas sobre as políticas econômicas mais adequadas à volta do crescimento do produto e da renda. A incapacidade das formulações teóricas fundadas no liberalismo econômico irá abrir definitivamente o espaço para novas propostas teóricas, destacando particularmente as ideias apresentadas na obra de J. M. Keynes, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, em 1935. 1.2) As bases de funcionamento do Padrão Ouro Esterlino: o fascínio do ouro e o paradoxo inglês. Padrão ouro esterlino foi a base de funcionamento do sistema financeiro internacional entre 1870 e 1914, tendo a Libra Esterlina como moeda internacional. Entre a 1ª e a 2ª Guerra Mundial este sistema sofreu alguns abalos que o inviabilizou na prática. O que foi o padrão ouro esterlino e qual o seu papel político no capitalismo? O padrão ouro esterlino foi um conjunto de regras relativas à criação e à circulação do dinheiro no âmbito dos principais países capitalistas, tendo como moeda internacional a libra esterlina e como Banco Central o Banco da Inglaterra. 22 Suas principais características eram: Em nível nacional: 1) A emissão do dinheiro era lastreada pelas reservas de ouro, utilizando moedas deste metal ou papel moeda com garantia (proporcional) de conversibilidade em ouro; 2) Havia o reconhecimento da livre conversão das notas em ouro, fossem seus portadores, nacionais ou estrangeiros. Em nível internacional: 1) Os pagamentos das transações internacionais eram feitos em ouro, que podia ser exportado ou importado livremente. Não havia impedimento para que este ouro permanecesse aplicado na Inglaterra; 2) As relações de câmbio, entre as moedas nacionais, eram expressas na proporção de seus conteúdos de ouro. Enquanto não houvesse uma modificação destes conteúdos, a taxa de câmbio tenderia a ser fixa. Pressupostos teóricos básicos do padrão ouro e seus principais mecanismos de funcionamento: Principal mecanismo operacional do equilíbrio econômico baseava-se no princípio da teoria quantitativa da moeda (MV=PQ), aplicada à escala mundial, e na ideia do ajuste automático dos Balanços de Pagamentos; Esta equação, formalizada posteriormente por Irving Fischer (1867- 1947), economista americano e professor em Yale, mostrava uma equação da condição de equilíbrio natural entre os mercados monetário e real, ou seja, a quantidade de moeda multiplicada pela velocidade de sua circulação seria igual aos preços vezes a quantidade de produtos. Estes mecanismos foram inicialmente desenvolvidos por David Hume e, em seguida, divulgados com maior rigor por David Ricardo; 23 Legislação bancária inglesa de 1821: consequência da expansão e supremacia inglesa no plano do capitalismo mundial baseada nos princípios da teoria das vantagens comparativas de David Ricardo. Este autor sublinhava uma relação causal entre o movimento internacional dos metais preciosos e o nível de preços: “a balança de pagamentos de” um país, conjunturalmente desajustada por uma saída (ou entrada) extraordinária de ouro, restabeleceria o seu equilíbrio mediante a queda (ou subida) dos seus preços internos e de seu poder de concorrência internacional; processo este determinado, em última instância, pela diminuição (ou aumento) da massa monetária e recuperação de sua quantidade e valor normais. “Tudo isso pressupunha uma projeção da teoria quantitativa da moeda à escala mundial”. (Lichtensztejn e Baer, 1987). As dificuldades para a manutenção do padrão ouro no plano internacional por outros países fizeram-no conviver com padrões que utilizavam a prata além do ouro (bimetalismo). Havia também uma tendência, por parte de vários países, de não adotar o padrão ouro de forma permanente, tornando-o mais flexível para enfrentar os ciclos depressivos e os elevados endividamentos de seus setores públicos. Na prática, poucos países tinham condições de garantir a convertibilidade de suas moedas. Por outro lado, este sistema mostrava-se incapaz de eliminar as desigualdades internacionais, através de sua propagada teoria do ajuste automático dos Balanços de pagamentos, e das vantagens comparativas a serem obtidas com o liberalismo comercial. Na realidade, para muitos países, a adoção do padrão ouro juntamente com as suas necessidades crescentes de importações, fez com que financiassem os seus déficits em contas correntes através de empréstimos internacionais. Tal prática levava-os cada vez mais a se afastarem de uma posição de equilíbrio em suas contas externas. 24 Outra característica importante do padrão ouro neste período é o fato da libra esterlina assumir as funções de: unidade de medida, meio de troca, unidade de crédito e de reserva internacional. Na prática o ouro foi substituído pela libra esterlina (padrão ouro esterlino). Assim, a hegemonia inglesa no cenário internacional advinha de um sistema bancário desenvolvido e eficiente, responsável, juntamente com o Governo, pela gestão do padrão ouro esterlino e do controle do sistema financeiro mundial, além do predomínio de sua indústria que se traduzia na dominação do comércio internacional. Esta condição dominante da Inglaterra no plano internacional irá durar até a 1ª Guerra Mundial. Esta supremacia foi capaz de concentrar quase a metade dos investimentos internacionais e 1/3 das exportações mundiais na Inglaterra. “Ao longo deste processo, Londres converteu-se no centro bancário e financeiro mais importante do mundo. Por um lado, da City regulava e controlava os movimentos de ouro de origem não comercial no mundo, mediante uma política monetária e através de taxas de desconto que lhe permitia atrair depósitos do exterior e ser origem de grande parte dos empréstimos e créditos internacionais. Por outro lado, contava com uma extensa rede de sucursais e filiais nos diversos países, o que multiplicava sua gravitação financeira” (Baer e Lichtensztejn, 1987:21) Ao regular a liquidez e o movimento de capital na economia mundial, a Inglaterra administrava o padrão monetário internacional e a libra cumpria o papel de uma moeda mundial, sendo que o ouro conservava o papel de ativo de reservas e fator de convertibilidade. Na prática, como já foi mostrado, existia um padrão ouro esterlino. Entretanto, uma depressão seguida por um forte processo de modernização industrial nos países europeus e o início da concorrência dos EUA descortinará uma nova realidade á economia inglesa, culminando com a depressão ocorrida entre 1873 e 1896. De acordo com Mazzucchelli (2009: 38), esta “grande depressão representa um 25 ponto de inflexão na trajetória do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista. Marca, também, o momento em que a ‘oficina do mundo’ se torna progressivamente obsoleta, com a indústria inglesa perdendo uma liderançaaté então inquestionável. No final da Grande Depressão, a economia e a política mundiais haviam sofrido transformações radicais: a euforia efêmera da Belle Époque apenas disfarçou a exacerbação das rivalidades que iriam desaguar na carnificina de 1914 -1918.” É interessante observar que neste momento, mesmo com claros sinais de desaquecimento a produção de comodite, como o ferro, a economia mundial, longe de estagnar, “continuou a aumentar acentuadamente... Foi exatamente nestas décadas que a economia industrial americana e alemã avançou a passos agigantados (...). Muitos dos países ultramarinos recentemente integrados à economia mundial conheceram um surto de desenvolvimento mais intenso que nunca. (...). O investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos nos anos 1880, quando a extensão da rede ferroviária argentina foi quintuplicada. Será que um período com um aumento tão espetacular da produção podia ser descrito como uma Grande Depressão?” Mazzucchelli (2009: 38). Diferentemente do desemprego que será a marca principal da deflação dos anos 30, a deflação dos preços e o aumento da produção. Neste cenário alguns setores econômicos foram mais afetados do que outros. Como mostra Mazzucchelli (2009: 38), “Entre 1873 e meados dos anos 1890, a produção mundial, longe de estagnar, continuou a aumentar acentuadamente. Entre 1870 e 1890, a produção de ferro dos cinco principais países produtores mais do que duplicou (de 11 para 23 milhões de toneladas); a produção de aço, que agora passa a ser o indicador adequado do conjunto da industrialização, multiplicou-se por vinte (de 500 mil para 11 milhões de toneladas). O crescimento do comércio internacional continuou a ser impressionante (...). Foi exatamente nestas décadas que as economias industrializadas, como a americana e alemã, avançaram a passos agigantados (...). Muito dos países ultramarinos recentemente integrados à economia mundial conheceram um surto de desenvolvimento mais intenso que nunca (...). O investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos nos anos 1880, quando a extensão da rede 26 ferroviária argentina foi quintuplicada. Será que um período com um aumento tão espetacular da produção podia ser descrito como uma ‘Grande Depressão”?” Assim, como ensina Mazzucchelli (2009: 38), esta “Grande depressão, foi na verdade, “a Grande Deflação: ‘em um século globalmente deflacionário, nenhum período foi mais drasticamente deflacionário que 1873-96, quando o nível de preços britânicos caiu em 40%’. Neste período, a agricultura foi particularmente penalizada: o preço dos produtos agrícolas despencou. “Em 1894 o preço do trigo era cerca de dois terços inferiores ao registrado em 1867...”. Mazzucchelli (2009: 38). Se em uma economia concorrencial a resultante da recessão é mais sentida na deflação dos preços e na queda do lucro, em uma economia oligopolizada o resultado mais importante é o desemprego e a administração dos preços e com a oligopolização dos mercados. Portanto, a queda da demanda em uma economia oligopolizada, terá como resultado a retração da produção vis a vis uma sustentação dos preços, aumentando fortemente o desemprego. Desta forma, o manejo e planejamento da administração da capacidade ociosa substituem a queda de preços pela redução da produção, sustentado os preços, situação inversa em uma economia concorrencial. Entretanto, o custo deste procedimento é o desemprego, e a grande deflação de preços é substituída pelo forte desemprego. 1.3) A Primeira Guerra Mundial e a crise do Padrão Ouro Esterlino. 1.3.1) Antecedentes: a Marcha da Insensatez. A Primeira Guerra mundial, segundo Mazzucchelli (2009:51), “... é um marco divisor na história contemporânea. As consequências dos terríveis acontecimentos de 1914-18, por quaisquer ângulos que se analisem, assinalam uma mudança radical em relação aos tempos da Pax Britânica. A já clássica periodização de Hobsbawm localiza na 27 primeira guerra o final do ‘longo século XIX (1780-1914) e o início do breve século XX (1914-91)”. Além das grandes perdas humanas e materiais houve ainda profundas mudanças na geografia política, na hegemonia do poder, “não apenas a... inglesa, a ordem liberal burguesa e o mundo vitoriano sucumbiram nos campos de batalha. A própria possibilidade de uma ordem internacional mais harmônica e equilibrada foi vitimada pela guerra. O fim das hostilidades, como dramaticamente se percebeu, não foi suficiente para pôr fim aos conflitos: apenas vinte anos viriam separar o Tratado de Versailles da ocupação da Polônia pelas tropas nazistas. A triste verdade é que a Primeira Guerra apenas preparou a Segunda.” (Mazzucchelli; 2009:51) 28 29 30 Desta forma, a Primeira Guerra alterou o desenho político e territorial da Europa, criando também não só novas disputas políticas e econômicas, mas, acima destes problemas, um embate de gigantes entre a Inglaterra e os EUA. Esta disputa iria, em grande parte, se traduzir na concorrência entre o dólar e a libra. 31 Como os EUA se transformaram, no final da guerra, em credores mundiais, passaram também a comandar o processo da volta ao ouro. Isto ocorreu através do direcionamento de dólares, teoricamente conversíveis em ouro, para a reconstrução de uma nova volta ao ouro. A estratégia americana era, principalmente através de empréstimos denominados em dólares, criarem uma grande liquides de sua moeda, para concorrer diretamente com a libra. Esta estratégia para competir diretamente com a libra esterlina. O instrumento de implementação de tal estratégia foi o chamado o chamado Plano Dawes. Esta estratégia funcionou no curto prazo, criando um forte constrangimento nas pretensões Britânicas de conseguirem restabelecer uma posição pelo menos de igualdade com os EUA no cenário internacional. Com o fracasso britânico de conseguir adesões ao Acordo de Genova (1922), que empurra uma Inglaterra isolada para a depressão, abrindo as portas definitivamente para a hegemonia de um novo país, os EUA. Assim, como veremos a seguir, a reintrodução do padrão ouro, na instabilidade do entre guerras, ocorreu através de um relaxamento dos controles cambial e monetário, e, como mostra Eichengreen (apud Mazzucchelli; 2009:67), destacando “... três mudanças essenciais na economia internacional após a Primeira Guerra Mundial: a) o deslocamento do centro de gravidade da economia mundial da Inglaterra para os EUA; b) a tensão crescente entre os objetivos econômicos internos e a defesa das taxas de câmbio; c) o caráter desestabilizador a partir de então assumido pelos fluxos de capital”. 1.3.2) O cenário do pós-guerra. O cenário pós 1ª Guerra Mundial teve um forte impacto negativo para a Inglaterra em função dos seguintes aspectos: - Redefinição da estrutura econômica mundial (este assunto será desenvolvido posteriormente); 32 - Perda de competitividade da economia inglesa, principalmente em relação aos EUA e a Alemanha nos novos e dinâmicos setores industriais; - A guerra, como consequência da política imperialista, impôs uma nova divisão de poder entre as economias capitalistas, colocando em cena um novo gigante que era os EUA; - A suspensão da convertibilidade em ouro de quase todas as moedas durante a guerra exigia ao seu termino um grande sacrifício para a volta a um padrão ouro nos moldes do antigo padrão ouro esterlino (Acordo de Genova); - O surgimento de uma novaCity financeira, Nova York, colocava uma forte concorrente em cena, em um momento que a City de Londres encontrava- se enfraquecida; - Se Londres, para manter o padrão ouro esterlino, estava disposto a pagar um alto preço, o mesmo não ocorria com os demais países europeus que preocupavam mais com a reconstrução de suas economias do que com a implementação de políticas recessivas para preparar a volta ao padrão ouro. A tentativa ocorreu através do Acordo de Genova 1.3.3) - O paradoxo inglês: do fascínio do ouro à política de arruinar o vizinho (de quem?) - As consequências do apego ao ouro, a crise da libra esterlina e o abandono do Cheap Money, a rivalidade americana e os abalos na hegemonia inglesa. A perda da hegemonia inglesa os mecanismos principais que desencadearam este processo devem ser buscados na perda de competitividade econômica e nas políticas utilizadas pela Inglaterra para restaurar e manter, sob seu controle, a administração do padrão monetário mundial sob a disciplina do ouro. A 1ª Guerra Mundial gerou um momento crítico, infeliz para a população e as finanças europeias. Houve uma expansão monetária muito acima das reservas de ouro que 33 foram que foram drasticamente redistribuídas. Na realidade, a oferta de ouro não podia, no final da 1ª Guerra, proporcionar reservas de ouro suficiente para mantê-lo. Como argumentam Rolf e Burtle (1975: 33), “os anos decorrentes entre as duas guerras constituíram um laboratório no qual houve períodos de taxas de câmbio fixas e outros de taxas flutuantes, até mesmo dentro do mesmo país: a França teve taxas flutuantes ate 1926 e taxas fixas até 1936; a Grã-Bretanha teve taxas flutuantes de 1919 a 1925 e taxas fixas de 1925 a 1931, voltando a flutuar a moeda até o inicio da Segunda Guerra Mundial. (1975: 33). Desta forma, uma opinião muito comum nos anos entre as duas guerras que este período foi “caracterizado por desvalorizações competitivas de moedas não é, simplesmente, verdadeira. O mito de que uma nação desvalorizava para obter um superávit, que era compensado por represálias imediatas dos outros países, que também desvalorizavam suas moedas, não parece confirmado pelos fatos. Esse mito foi virtualmente como um evangelho para os planejadores de Bretton Woods. (Rolf e Burtle; 1975: 33). Na realidade, “o mito ainda existe e está subjacente à grande e continua aversão de certos setores às taxas de câmbio flexíveis. Essa aversão é racionalizada, geralmente, por meio de vagas alusões à história do período entre as duas guerras mundiais”. (Rolf e Burtle; 1975: 33). O uso das políticas de desvalorizações competitivas muitas vezes decorreu da ausência de políticas econômicas mais persistentes, principalmente no plano fiscal e monetário. Assim, ao tentarem uma saída pretensamente mais fácil e indolor através das desvalorizações cambiais, acabavam gerando efeitos colaterais negativos e importantes para o futuro. Por outro lado, para que a política de empobrecer o vizinho tivesse um resultado positivo importante, o contexto histórico mostra que, pelo menos, dois efeitos econômicos seriam necessários: 34 1) A desvalorização da moeda do país que utiliza este procedimento terá, necessariamente, terá de promover uma desvalorização maior do que a outros países que porventura utilizassem deste mesmo procedimento; 2) Mesmo com desvalorizações cambiais importantes não estaria assegurado, automaticamente um superávit comercial positivo e importante, pois dependeria da elasticidade preço das commodities negociadas como prescreve a visão das elasticidades. Desconsiderar este parâmetro uma política de desvalorização cambial pode apresentar um resultado negativo decorrente da utilização deste procedimento, com um efeito inverso, empobrecendo não o vizinho, mas o próprio país. Entretanto, “devemos reconhecer explicitamente que as desvalorizações competitivas não eram por certo, os únicos dispositivos da política de ‘arruinar meu vizinho’. Este dispositivo incluía as mais diversas restrições ao comércio, como, por exemplo, quotas, tarifas, controle cambial entre outras. Os dispositivos chegavam mesmo a incluir políticas econômicas destinadas a reduzir salários, absoluta ou relativamente, para que fosse obtida uma vantagem competitiva- políticas essas aplicadas com sucesso pela Grã-Bretanha, em 1925, para elevar o valor da libra, de maneira que ela se tornar-se a moeda reserva do padrão câmbio-ouro na época”. (Rolf e Burtle; 1975: 35). 1.3.4) - A Inglaterra e a volta ao ouro. Assim, como mostra Mazzucchelli (2009: 101), “o fascínio do ouro marcou de modo decisivo a economia mundial no entre guerras. Antes mesmo do final do conflito, o retorno ao padrão-ouro era entendido como a condição essencial da volta à normalidade. Se a guerra havia desorganizado as economias e convulsionado as sociedades, a liderança quer na Inglaterra quer no mundo, eram unânimes em afirmar que apenas a disciplina das regras douradas poderia restaurar a estabilidade. As inflações e as hiperinflações eram testemunhos evidentes de que, fora das normas rígidas do padrão-ouro, a reconstrução e o progresso seriam abortados”. 35 Neste contexto, a força e o peso da Inglaterra criaram um cenário no qual, mesmo que a adesão e o alinhamento dos demais países não fosse a mesma, a volta ao padrão ouro era uma questão incontroversa, pelo menos no discurso. Segundo Mazzucchelli (2009: 101), “na Inglaterra –‘à volta mais aguardada’-, a questão não era apenas a da volta ao ouro, mas a da volta à paridade anterior à guerra (£$1,00 = U$4,86). Esse era um objetivo praticamente consensual. As dúvidas recaiam não sobre o objetivo em si, mas sobre os passos a serem dados e o momento mais apropriado para alcançá-lo. Entre o final da guerra e abril de 1925 a lógica das ações se concentrou em torno desse desiderato. Restabelecida a paridade, a ilusão durou apenas um pouco mais de seis anos. A trajetória da economia britânica foi sofrível e o país teve de conviver com uma das mais altas taxas de desemprego da Europa”. Antecipando à Grande Depressão dos anos 30, a Inglaterra foi vitimada pelo novo contexto mundial entre os países industrializados, e mesmo o tardio abandono do padrão ouro não conseguiu, mesmo com uma recuperação em 1932, se livrar do desemprego. Como mostra Mazzucchelli (2009: 102) “A voragem da Grande Depressão vitimou a todos e a Inglaterra, por força das circunstâncias, foi a primeira nação industrializada a abandonar o ouro em fins de 1932. O desemprego, contudo permaneceu elevado e as exportações, outrora tão importantes, alcançaram em 1938 um valor apenas 65% equivalente ao de 1922”. O custo da ortodoxia monetária e fiscal e os apegos punitivos aos desvios do Padrão Ouro para a Inglaterra foi à precipitação de sua caminhada rumo à Grande Depressão e ao desastre da Guerra. As consequências das políticas adotadas no contexto acima mencionado: 1) Para manter o padrão ouro esterlino, o governo inglês teve de adotar uma política econômica de natureza fortemente recessiva, caracterizada por taxas de juros elevadas, sustentação da paridade da libra/ouro e uma política comercial liberal. Esta política terá um impacto fortemente negativo em sua indústria, reforçando ainda mais a perda de competitividade inglesa que já vinha ocorrendo desde o final do século XIX; 36 2) Cada vez mais os EUA buscavam se firmar como uma potencia mundial, inclusive criando um centro financeiro em Nova York. Para que Nova York torna- se um centro financeiro com projeção internacionalforam tomadas medidas institucionais importantes como a criação do Sistema Federal de Reservas, através do Federal Act de 1913; a aprovação do Agreement Corporation, de 1916; e o Edge Act, de 1919. Tais medidas tinham como objetivo estimular a transformação de Nova York em um centro financeiro, exportador de capitais, capaz de concorrer diretamente com a city londrina; 3) Por sua posição credora em relação aos aliados, os EUA conseguiram criar uma área de influência do dólar na Europa, alimentada pelos empréstimos americanos para a reconstrução europeia. Assim, o grande ponto de mutação do capitalismo moderno ocorre entre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais, gerando o fim da “Pax Britânica” e o surgimento de um novo gigante: os Estados Unidos. Conforme observa Galbraith (in Mazzucchelli; 24: 2009); “Estou convencido, como muitos outros, de que o grande ponto de mutação da história econômica moderna, aquele que mais do que qualquer outro introduziu a era da moderna da economia, foi a Grande Guerra de 1914-18, depois reduzida à expressão mais modesta, e, no todo, menos exata e expressiva, de Primeira Guerra Mundial. (...) Na verdade, estaria correto chamar a Primeira Guerra Mundial de Grande Guerra; a Segunda Guerra foi sua última batalha”. O mesmo autor justifica o termo ordem liberal na medida em que a estrutura econômica montada a partir do império Britânico apoiava-se nos seguintes pilares: Existia um ordenamento internacional da economia e da política internacional comandada pela Inglaterra; Era uma ordem liberal, pois tinha como parâmetro central a livre movimentação de mercadorias, capitais e recursos humanos e mantinha uma relativa dissociação entre a ação do Estado e a acumulação de capital; 37 Trata-se de uma ordem burguesa porque diz respeito à generalização das relações econômicas, sociais e políticas do capitalismo em todo o mundo. Desta forma, a Inglaterra se afirmará sobre importantes pilares: o domínio político no plano internacional, a manutenção da ortodoxia econômica (liberalismo econômico) e a defesa intransigente do Estado Liberal, elementos naturais, em sua concepção, para garantir uma retomada de seu crescimento e garantir a sua posição estratégica no capitalismo mundial. Assim, como já mostrado inicialmente, a Inglaterra defende uma visão de que o “capitalismo concorrencial conforma uma estrutura econômica cuja reprodução é regulada por mecanismos puramente econômicos (...). A expansão do capital na era concorrencial podia dispensar apoios externos, que na fase da acumulação primitiva foram oferecidos pelo Estado absolutista. Por essas razões, podemos associar teoricamente essa estrutura concorrencial do capitalismo ao Estado Liberal”. (Mazzucchelli; 23: 2009. Apud B. Oliveira, 2002:17). O grande objetivo da Inglaterra será a reconstrução deste cenário, entre o interregno das duas guerras que, como será visto, irá trazer surpresas e mudanças importantes no cenário econômico e político no continente Europeu. Outro evento de grande importância será o papel desempenhado pelos Estados Unidos nesse processo. Este quadro irá perdurar desde 1830 até a Grande Depressão de 1873-96. Conforme ensina Mazzucchelli (22: 2009), “A ordem liberal burguesa corresponde ao período que se estende desde a consolidação da Revolução Industrial na Inglaterra até a eclosão do primeiro conflito mundial... Trata-se de uma ordem porque diz respeito a uma estruturação – um ordenamento – internacional da economia e da política mundiais comandada pela Inglaterra... Essa ordem é liberal porque tem como características centrais a livre movimentação de mercadorias, capitais e homens e a relativa dissociação entre a ação do Estado e a acumulação de capital. Desde logo, a emergência do protecionismo comercial e a ativa presença do Estado nas industrializações atrasadas e na corrida colonial do último quartel do século XIX permitem a identificação de dois subperíodos distintos: o primeiro, que se prolonga sem 38 maiores contradições, desde a década de 1830 até a Grande Depressão (1873-1896); e o segundo, marcado pela crescente exacerbação das rivalidades nacionais, da Depressão ao conflito mundial... Trata-se por último, de uma ordem de uma ordem burguesa porque diz respeito à generalização das relações econômicas, sociais e políticas do capitalismo por todo o mundo”. 1.3.4) A tentativa de reconstrução do sistema financeiro internacional no pós Primeira Guerra mundial. Os principais problemas encontrados na tentativa de reconstrução do sistema financeiro internacional no pós-guerra: Impossibilidade de consolidar um padrão definido; Instabilidade econômico-financeira dos países Europeus no pós-guerra; Bicefalia entre o dólar e a libra; Necessidade de adotar políticas recessivas para a volta ao padrão ouro. .A estratégia inglesa para a reconstrução do sistema monetário internacional foi a tentativa de uma volta conjunta dos países Europeus ao ouro através do Tratado de Gênova (1922). Para tanto era necessária a adoção de medidas de ajustes (redução) no volume das moedas em circulação (através de políticas monetárias e fiscais) para a volta ao padrão ouro. O dólar, uma concessão política feita pela Inglaterra, e a libra seriam as moedas de reservas internacionais, com garantia de conversibilidade em ouro. Medida aceita pelos países europeus, mas implementada apenas pela Inglaterra em 1925, levando-a a antecipar sua recessão. Os Estados Unidos, por sua vez, aproveita-se para expandir a área de influência do dólar na Europa sem se preocupar com a qualidade de sua moeda, imposta muito mais pelo seu peso econômico do que pela qualidade e tradição de sua política monetária. 39 A operacionalização da estratégia norte-americana ocorrerá através dos empréstimos para a estabilização monetária e reconstrução européia, aumentando a área de influência do dólar no plano internacional. Consequências desta bicefalia no padrão monetário mundial: Indefinição no padrão monetário internacional, criando um sistema transitório de câmbio-ouro baseado na libra e no dólar, posta em prática de forma mais acidental do que planejada; Incapacidade da libra em conseguir uma revalorização e, consequentemente, manter-se como uma moeda mundial. O alto custo financeiro/econômico, a fragilidade política do Acordo de Genova, as hiperinflações, o alto custo financeiro e político para a sustentação da libra, iniciarão uma transição na qual o centro hegemônico do sistema financeiro internacional se desloca para os EUA. Resultado deste deslocamento: Internacionalização da fragilidade do sistema financeiro norte-americano; Falta de garantia quanto ao recebimento dos empréstimos, gerando grande quantidade de papéis sem lastro no mercado financeiro mundial, que em grande parte se deslocaria para New York. Para a Inglaterra o custo da ortodoxia fiscal e seus apegos punitivos ao desvio do padrão ouro irão precipitar sua caminhada rumo a uma grande depressão e ao desastre da guerra. A tentativa inglesa de reabilitar o padrão ouro e, consequentemente, manter a importância histórica da libra, será tentada pelo já mencionado Acordo de Genova. Entretanto esta visão parte de uma premissa frágil, uma vez que “a libra esterlina, que havia se constituído em um ponto focal para a harmonização das políticas monetárias, já não desfrutava de uma posição privilegiada na economia mundial. Pertencia ao passado à predominância industrial e comercial da Grã-Bretanha,que havia sido obrigada a vender muito de seus ativos no exterior durante a Primeira Guerra Mundial. O Grau de 40 complementaridade entre os investimentos no exterior e as exportações de bens de capital britânicos já não era tão grande quanto antes de 1913. Países como a Alemanha, que haviam sido credores internacionais, estavam reduzidos a um status devedor e passaram a depender da importação de capital dos Estados Unidos para a manutenção do equilíbrio externo.” (Eichengreen, 2000: 29; 75). A Conferência de Genova, em 1922, tentou criar uma nova ordem monetária internacional denominada padrão ouro-câmbio. O seu funcionamento baseava-se na existência de flexibilidades dos padrões entre os países. Assim, os EUA mantiveram o padrão ouro clássico, garantindo a livre conversibilidade de dólares em ouro. A Inglaterra e outros países voltaram a um pseudo padrão ouro na medida em que eram impostas restrições para a conversibilidade de suas moedas em ouro. A Inglaterra também aceitava a conversibilidade de dólares em ouro, aumentando a circulação de moedas e pressionando a inflação. É interessante observar que o ideal era que a libra se mantivesse em US$3,50, valor de referencia da Libra Esterlina no final da guerra. Entretanto, o seu valor foi restabelecido (GO BACK TO 4,86) final da guerra no cambio do pré-guerra, definindo seu valor em US$4,86, o mesmo do pré-guerra. Esta situação apreciou sua moeda frente às demais, estimulando um quadro recessivo na Inglaterra do pós-guerra. Assim, conforme Rothbard (2010), o comportamento da Inglaterra “inflacionou e, por conseguinte, sofreu um déficit em seu balanço de pagamentos, o mecanismo do padrão ouro não funcionou de modo a restringir rapidamente esta inflação britânica. Por quê? O que ocorreu foi que, ao invés dos outros países redimirem suas libras em ouro, eles mantiveram as libras e inflacionaram suas moedas em cima dessas em cima dessas libras (eles alavancaram suas moedas sobre as reservas de libras). E foi assim que a Grã- Bretanha e a Europa puderam inflacionar sem restrições, e os déficits britânicos puderam se acumular sem serem tolhidos pela disciplina de mercado imposta pelo padrão ouro. Quanto aos EUA, a Grã-Bretanha conseguiu induzi-los a inflar seus dólares de maneira que ela, a Grã-Bretanha, não perdesse muitas reservas de dólares ou de ouro para os EUA.... O ponto central do padrão ouro-câmbio é que ele não é sustentável; uma hora as contas terão de ser pagas, e isso se dará como uma desastrosa reação ao prolongado período de expansão inflacionária. À medida que as libras foram se acumulando na França, nos EUA e 41 em todos os outros países, a mínima perda de confiança nessa rudimentar e crescentemente instável estrutura inflacionária inevitavelmente levaria ao colapso. E foi exatamente o que aconteceu em 1931. Os bancos inflacionados da Europa quebraram; e quando a França tentou redimir suas reservas de libras esterlinas em ouro, a Grã-Bretanha foi obrigada a abandonar o padrão ouro completamente. Os outros países da Europa prontamente seguiram a Grã-Bretanha”. A busca da recuperação da economia inglesa a partir dos anos 30 apoiou-se em uma política de desvalorização cambial da libra (Cheap Money), e no protecionismo comercial, que irão “formar o pano de fundo da economia britânica a partir de 1931-32. Foi esta a resposta nacional a uma crise de dimensões internacionais. O fato de a Inglaterra ter desvalorizado sua moeda e ter praticado uma política sistemática de dinheiro barato, antes das demais nações industrialmente desenvolvidas, trouxe-lhe beneficio imediatos. Em 1932, enquanto o PIB e a produção industrial ainda despencavam nos EUA e na Alemanha, não sofreram os efeitos devastadores da depressão, a intensidade do colapso na Inglaterra foi menos dramática da que se assistiu nesses dois países...” Mazzucchelli (120; 121: 2009). “Antes da 1ª Guerra Mundial, o sistema monetário internacional havia se ajustado ao sistema de comércio internacional como uma mão a uma luva. A Grã Bretanha tinha sido a principal fonte tanto de capital financeiro como físico para as regiões do mundo de colonização recente; ela se constituíra no principal mercado para as exportações de ‘commodities’ que geravam as divisas estrangeiras necessárias para arcar com o pagamento do serviço dos empréstimos contraídos no exterior. No período entre as guerras, os Estados Unidos passaram à frente da Grã-Bretanha, assumindo a liderança nas esferas comercial e financeira. Mas as relações financeiras e comerciais dos EUA com o resto do mundo ainda não se ajustavam de uma forma que se produzisse um sistema internacional harmonicamente funcional. (Eichengreen 2000: 130). Entretanto, o cenário anterior foi substituído. Como mostra Mazzucchelli (120; 121: 2009), “o roteiro a ser seguido já estava claramente delineado desde o final de 1919: promover a deflação, de modo a estreitar o hiato existente entre a evolução dos preços britânicos e norte- americanos, e reconduzir o país às normas do padrão ouro na paridade anterior à guerra. Em 42 1920, apesar dos cortes dos gastos públicos e da elevação da taxa de juros, as tensões inflacionárias ainda se manifestaram. Era necessário continuar a agir com firmeza”. Uma importante questão é levantada por Hobsbawm sobre o processo de reconstrução decorrente da 1ª guerra mundial: “A Primeira Guerra Mundial não resolveu nada. Se é verdade que a humanidade perdeu com a guerra, quem a venceu? 43 As Contas Correntes e os Mecanismos de Ajuste 1 - Antecedentes Os modelos de análise das Contas Correntes devem ser apresentados a partir de um ordenamento histórico, buscando um enfoque mais adequado das diversas abordagens levando em conta, além de sua estrutura teórica a sua contextualização história. Mecanismo de fluxo-espécie-preço de Hume - Adam Smith: critica os mercantilistas por desconsiderarem “a fonte básica dos ganhos com o comércio: o aumento do consumo em ambos os países, possível pelo aproveitamento de suas vantagens absolutas ou, de um modo mais geral, comparativas com base no comércio equilibrado”. (Williamson, 1989) - Hume: em 1752 mostrou “que um superávit permanente nos pagamentos não era viável e que, portanto, não tinha sentido algum como objetivo de política, enquanto que um déficit seria solucionado por si mesmo, de modo que não era preciso preocupar-se com a possibilidade um país perder toda a sua oferta monetária e ter que, por isso, deixar de produzir. A alegação básica era que o padrão ouro tinha um mecanismo de ajuste automático, o chamado mecanismo de fluxo-espécie-preço”. (Williamson, 1989) - A idéia básica do raciocínio de Hume era: déficit de pagamentos saídas de ouro queda da oferta monetária queda dos preços maior poder de concorrência mais exportações, menos importações redução do déficit de pagamentos. - As condições necessárias para a ocorrência do mecanismo: 1. Um déficit, mesmo pequeno, somente pode levar a uma perda de reservas se o país tiver operando com uma taxa de câmbio fixa. Em uma situação de câmbio flexível, se a autoridade monetária não estiver disposta a ceder reservas para absorver um 44 excesso de oferta de moedas, a consequência será uma desvalorização da moeda (defesa do câmbio ou das reservas); 2. A perda de reservas somente provocará uma queda na oferta monetária se o país adotar uma política de não-esterilização, não compensando a queda das reservas com um aumento
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