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0 Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA Mestrado INCLUSÃO DE ALUNOS AUTISTAS NO ENSINO REGULAR: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES REGENTES Autora: Mara Rubia Rodrigues Martins Orientadora: Sandra Francesca Conte de Almeida Co-orientadora: Tânia Maria de Freitas Rossi BRASÍLIA 2007 MARA RUBIA RODRIGUES MARTINS INCLUSÃO DE ALUNOS AUTISTAS NO ENSINO REGULAR: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES REGENTES Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Gradução Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Psicologia Orientadora: Doutora Sandra Francesca Conte de Almeida Co-orientadora: Doutora Tânia Maria de Freitas Rossi Brasília 2007 M386i Martins, Mara Rubia Rodrigues. Inclusão de alunos autistas no ensino regular : concepções e práticas pedagógicas de professores regentes / Mara Rubia Rodrigues Martins. – 2007. 159 f. ; 30 cm. Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2007. Orientação: Sandra Francesca Conte de Almeida. Co-orientação: Tânia Maria de Freitas Rossi. 1. Psicanálise – Educação. 2. Autismo. 3. Prática de ensino. 4. Professores – Formação. 5. Educação inclusiva. I. Almeida, Sandra Francesca Conte de, orient. II. Rossi, Tânia Maria de Freitas, co-orient. III. Título. CDU 159.9:37 Dissertação de autoria de Mara Rubia Rodrigues Martins, intitulada Inclusão de alunos autistas no ensino regular: concepções e práticas pedagógicas de professores regentes, requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia, defendida e aprovada, em 10 de dezembro de 2007, pela banca examinadora constituída por: ________________________________________________________ Profª Dra. Sandra Francesca Conte de Almeida- UCB (Orientadora) ________________________________________________________ Profª Dra. Tânia Maria de Freitas Rossi- UCB (Co-orientadora) ________________________________________________________ Profª Dra. Cynthia Pereira de Medeiros- UFRN (Membro Externo) ________________________________________________________ Profª Dra. Erenice Natália Soares Carvalho- UCB (Membro Interno) ________________________________________________________ Profª Dra. Kátia Cristina T. Rodrigues Brasil- UCB (Suplente) Brasília 2007 DEDICATÓRIA A Deus, pelo dom da vida. Aos meus pais, Rubens e Maria, que não mediram esforços para que eu pudesse ir em busca do conhecimento. Ao meu esposo Álvaro, pelo amor, companheirismo, apoio e compreensão. Aos meus filhos, Maria Theresa e Gabriel, pelo incentivo para que eu continuasse a busca pelo conhecimento e pela compreensão nos momentos de ausência. Aos colegas, companheiros de jornada e aos alunos que passaram em meu caminho e marcaram minha vida. AGRADECIMENTOS À professora Sandra Francesca, pelas observações, contribuições, paciência e dedicação com que orientou todo o Mestrado e em especial esta dissertação. À professora Tânia Rossi, pela oportunidade da realização deste Mestrado e tranqüilidade com que encaminhou suas observações. À professora Cynthia, pela gentileza e atenção dedicadas a este trabalho de pesquisa e pela disponibilidade em participar da Banca. À professora Erenice, pelo carinho, alegria e contribuições para a realização desta dissertação. Aos professores do Mestrado em Psicologia e aos funcionários da UCB, pelo profissionalismo, disponibilidade e colaboração. À CAPES pela bolsa de estudos, de um ano, a mim concedida. A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização deste sonho, o meu MUITO OBRIGADA! RESUMO Esta pesquisa analisou e discutiu as concepções de professores regentes de classes inclusivas com alunos autistas e a influência destas concepções em suas práticas pedagógicas. Apreendeu as concepções dos professores sobre o processo de inclusão escolar, causas e características do autismo, benefícios, facilidades e dificuldades encontradas pelos alunos autistas no processo de inclusão escolar. Investigou a opinião dos professores acerca de sua formação nos aspectos que se relacionam à inclusão escolar e, especificamente, a inclusão de alunos autistas. Identificou os recursos e adaptações que os professores utilizam em sua prática pedagógica na escolarização de alunos autistas em classes inclusivas. O delineamento metodológico foi de natureza qualitativa e a pesquisa de tipo etnográfico. Foram realizadas vinte e três entrevistas semi-estruturadas com professores de 1ª à 6ª Séries do Ensino Fundamental, de escolas públicas da Diretoria Regional de Ensino do Plano Piloto/Cruzeiro, Distrito Federal. O referencial teórico adotado foi a psicanálise, considerando a singularidade e as vicissitudes da constituição do sujeito no autismo. Utilizou-se a análise de conteúdo das respostas das entrevistas realizadas, organizando-as em treze categorias temáticas. Os resultados indicaram que apesar dos professores terem uma adequada formação acadêmica, suas concepções e práticas sobre a inclusão escolar de autistas são limitadas e restritivas, enfocando, principalmente, os aspectos ligados à socialização e à democratização do ensino. Sua compreensão acerca do autismo permite que se perpetue a idéia de que os autistas vivem em um mundo à parte, isolados da realidade. O conceito de autismo girou em torno da reprodução do discurso médico hegemônico, que enfatiza as características nosográficas do espectro e se fundamenta em causas orgânicas deterministas e conclusivas. Os dados relativos aos fatores que facilitam e dificultam a inclusão de autistas no ensino regular aparecem, em sua maioria, fazendo um contraponto entre si e dizem respeito, sobretudo, às características comportamentais e cognitivas dos alunos. As queixas sobre a formação específica foram reiteradamente repetidas. A maioria dos entrevistados utiliza algum tipo de adaptação pedagógica curricular. Os resultados da pesquisa apontaram para a congruência e semelhança de concepções e práticas pedagógicas entre os dois grupos de professores investigados. A educação terapêutica, prática interdisciplinar que visa à reestruturação psíquica do sujeito autista, foi apresentada como proposta de atendimento educacional aos alunos autistas inclusos no ensino regular, bem como a criação de um espaço de interlocução e de escuta dos professores, de modo que estes possam re-significar suas angústias e rever suas certezas, desconstruir saberes e aprender a conviver com a impossibilidade radical de uma educação ideal, apostando no saber e no desejo de que, pelo ato educativo, um sujeito-aluno possa advir. Palavras-chave: Inclusão escolar; autismo; psicanálise; educação terapêutica. ABSTRACT This research had discussed and analysed the inclusive classroom teacher’s constructs about pupils with autism and the influence of their constructs on their pedagogic practices. It apprehended teacher’s constructs on the educational inclusion process, autism causes and characteristics, advantages, prosand cons found by pupils with autism in the inclusion process. It investigated teacher’s opinion about their qualification regarding inclusion and, in particular, the inclusion of pupils with autism. It identified resources and adaptations made by teachers into their practice on teaching pupils with autism in inclusive classrooms. The methodology design was qualitative and, the research ethnographic. Twenty three semi-structured interviews were done with teachers form the 1st to the 6th levels of the elementary school of State schools of the Regional Management of Plano Pilto/Cruzeiro of the Federal District. The theoretical approach used was psychoanalytic depicting the singularity and vicissitudes of the constitution of the autistic subject. Analyses of the interviews were organized in thirteen thematic categories. Results indicated that, although teachers have an adequate academic qualification, their constructs and practices on the inclusion of pupils with autism in schools are limited and restricted, focusing, in particular aspects of the socialization and democratization of education. Their perceptions on autism permit that the idea of autistics living in a separate world isolated from reality continues. The autism concept was based on the hegemonic medical discourse that emphasizes the nosography characteristics of the spectrum and is based on determinist and conclusive organic causes. Information on aspects that facilitate or make difficult the inclusion of autistics in mainstream education make, in its majority, a counterbalance and, are over all about the behavioural and cognitive characteristics of pupils. Complaints about specific qualification were persistently recurrent. The majority of the interviewees make use of some kind of curriculum adaptation. Findings point to a correlation and similarity of constructs and pedagogic practices between both investigated teachers groups. Therapeutic education, inter-disciplinary practice which objectivises the autistic subject’s psychic rehabilitation were presented as an educational approach for the pupils with autism included in the mainstream education, as well as the creation of an interlocution space for teachers to be listened in order to them to re-signify their worries and review their certainties, deconstruct knowledge and, learn to live with the radical impossibility of an ideal education, trusting in the knowledge and in the desire that through education, a subject-student may emerge. Key-words: Educational inclusion; Autism; Psychoanalyses; Therapeutic education. LISTA DE TABELAS Quadro 1: Definições das treze categorias temáticas 88 Tabela 1: Sexo dos entrevistados 93 Tabela 2: Idade dos entrevistados 94 Tabela 3: Grau de instrução dos entrevistados 95 Tabela 4: Tempo de magistério na SEEDF 95 Tabela 5: Tempo de magistério em classes inclusivas 96 Tabela 6: Tempo de regência em classes inclusivas com autistas 97 Tabela 7: Concepções sobre inclusão escolar 98 Tabela 8: Concepções sobre o autismo 103 Tabela 9: Principais causas de autismo 106 Tabela 10: Concepções acerca da inclusão de autistas no ensino regular 108 Tabela 11: Concepções dos entrevistados acerca do sentimento dos alunos autistas inclusos em classe comum 113 Tabela 12: Concepções sobre as dificuldades encontradas por alunos autistas em classes inclusivas 115 Tabela 13: Sentimento dos professores face à inclusão escolar de autistas 117 Tabela 14: Fatores que facilitam a inclusão escolar de autistas 121 Tabela 15: Fatores que dificultam a inclusão escolar de autistas 124 Tabela 16: Orientações e apoios institucionais necessários para melhor atender aos alunos autistas inclusos no ensino regular 127 Tabela 17: Opiniões profissionais para o trabalho com autistas em classes comuns 130 Tabela 18: Adaptações das práticas pedagógicas em virtude da presença de alunos autistas em classes regulares 133 Tabela 19: Impacto pessoal e profissional causado pela inclusão do aluno autista 136 LISTA DE SIGLAS AIP- Autismo Infantil Precoce ASA- American Society for Autism CEB/CNE- Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação CID 10- Décima Classificação Internacional de Doenças CORDE- Coordenadoria Nacional Para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CPPL- Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem DF- Distrito Federal DGD – Distúrbio Global do Desenvolvimento DSM IV- Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação PEC- Professores de Escolas- Classe PEP- Professores de Escolas-Parque QI- Quociente de Inteligência SEEDF- Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal SEESP- Secretaria de Educação Especial do Programa de Apoio à Pesquisa em Educação Especial TGD- Transtorno Global do Desenvolvimento TID- Transtorno Invasivo do Desenvolvimento UCB- Universidade Católica de Brasília USP- Universidade de São Paulo SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 9 CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DE PESQUISA E ÀS QUESTÕES INVESTIGADAS 14 CAPÍTULO II – O DELINEAMENTO METODOLÓGICO DA PESQUISA 20 2.1 Objetivo Geral 26 2.2 Objetivos Específicos 26 2.3 Participantes 27 2.4 Local 27 2.5 Da Construção de Dados 27 2.6 Da Análise de Dados 28 CAPÍTULO III – A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 30 3.1 Histórico 30 3.2 A Inclusão Escolar e a Legislação 42 3.3 O Ensino Especial no Distrito Federal48 CAPÍTULO IV – O AUTISMO: HISTÓRIA E CONCEPÇÕES TEÓRICAS 54 4.1 Breve Histórico e Revisão das Principais Teorias Acerca do Autismo 54 4.2 Concepções Psicanalíticas Acerca do Autismo 62 4.3 O Autismo e a Educação Terapêutica 75 CAPÍTULO V – DA ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 86 5.1 A Construção dos dados 90 5.2 A Descrição do Procedimento da Análise dos Dados 91 5.3 A Caracterização da Geral dos Entrevistados 93 5.4 As Concepções e as Práticas de Professores em Educação Inclusiva 97 5.4.1 Concepções Sobre Inclusão Escolar 97 5.5 Concepções Sobre Autismo 102 5.6 Principais Causas do Autismo 106 5.7 Inclusão de Autistas no Ensino Regular 107 5.8 Concepções dos Professores Sobre o Sentimento dos Alunos Autistas Incluídos em Classes Comuns 113 5.9 Concepções Sobre as Dificuldades Encontradas por Autistas em Classes Inclusivas 114 5.10 Sentimento dos Professores Face à Inclusão Escolar de Autistas 116 5.11 Fatores que Facilitam e Dificultam a Inclusão de Autistas no Ensino Regular 120 5.12 Orientações e Apoios Institucionais Necessários Para Melhor Atender aos Alunos Autistas Inclusos no Ensino Regular 126 5.13 Opiniões Sobre as Condições Profissionais Para o Trabalho com Autistas em Classes Comuns 129 5.14 Adaptações das Práticas Pedagógicas em Virtude da Presença de Alunos Autistas em Classes Regulares 132 5.15 Impacto Pessoal e Profissional Causado Pela Inclusão do Aluno Autista 135 CONSIDERAÇÕES FINAIS 138 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 146 ANEXOS 156 9 APRESENTAÇÃO As indagações acerca da possibilidade de inclusão escolar de pessoas acometidas pelo espectro do autismo habitam o imaginário dos envolvidos no processo educativo e lançam um debate sobre as condições que vão além da garantia dada por lei (da acessibilidade), à escolaridade em salas comuns. Assim, é necessário que a escola, enquanto instituição educativa esteja se preparando para incluí-las, não apenas lhes permitindo o acesso, a fim de aumentar as estatísticas de autistas incluídos, mas também reconhecendo as suas diferenças, limitações e necessidades, procurando se adequar a elas para melhor atendê-las. O trabalho realizado desde 1986 na Secretaria de Educação do Distrito Federal e nos últimos sete anos como professora de crianças autistas, em classes inclusivas do ensino regular, provocou na pesquisadora deste estudo inquietude e questionamentos acerca da inclusão de crianças autistas em classes comuns. Como conseqüência, impulsionou a busca por um melhor entendimento sobre a realidade da inclusão escolar nas escolas públicas do Distrito Federal, bem como pelo conhecimento científico e acadêmico produzido sobre este tema. Deste modo, investigamos, com este estudo, as concepções dos professores acerca da inclusão escolar de alunos autistas no ensino 10 regular, de modo que os resultados obtidos puderam contribuir de maneira significativa para uma compreensão sobre como os professores concebem a inclusão e como acolhem os alunos autistas em suas classes, juntamente com os outros alunos. Este estudo integra um dos subprojetos do Projeto de Pesquisa intitulado: Perturbações do espectro de autismo – perfil do alunado e intervenção na rede pública do Distrito Federal, aprovado pela SEESP – PROESP, Ministério da Educação, em dezembro de 2005 e desenvolvido na Universidade Católica de Brasília (UCB) pelo Grupo de Pesquisa em Saúde Mental e Aprendizagem Humana. O projeto visa à construção do conhecimento acadêmico, buscando uma melhor compreensão das perturbações do espectro de autismo, bem como investigar as condições e as características do atendimento educacional inclusivo dado a essa clientela no sistema público de ensino, na capital do país. Este projeto de pesquisa, segundo Rossi e Carvalho (2006) visa “contribuir com a promoção da educação inclusiva, tornando-se parceiro da escola, uma escola cujos profissionais podem ser incitados a pensar e discutir seus próprios valores, repensar categorias, criar alternativas e (re) conhecer esse outro que é portador de autismo” (p.28). A fundamentação teórica que embasa este estudo sobre a inclusão escolar de autistas é a psicanalítica, enfatizando o conceito de educação terapêutica, cunhado por Kupfer (2001). O presente estudo corrobora o pensamento de Almeida (2001a) acerca das relações entre psicanálise e educação, que postula: 11 “Não se trata, obviamente, de aplicar a psicanálise ao campo social, mas de utilizar um saber oriundo da teoria e da experiência psicanalíticas para construir algumas observações e hipóteses em torno de algumas questões fundamentais do campo educativo, visando produzir novos conhecimentos sobre este campo, especialmente sobre as posições subjetivas do aluno e do professor frente ao objeto de conhecimento e sua mediação” (p.1). Para Jerusalinsky (2004), o fato de as crianças autistas estarem na escola já é terapêutico, pois a escola é um lugar de circulação do conhecimento e aceito socialmente como um lugar que a criança deve freqüentar. Sob a mesma ótica, Kupfer (2005) ressalta que independente das crianças estarem em classes regulares ou especiais, a escolarização exerce um papel fundamental de transmissora da cultura e organizadora de comportamentos socialmente aceitos. Portanto, a educação terapêutica auxilia neste processo de adequação dos comportamentos. Sendo assim, para orientar este estudo sobre as concepções dos professores regentes acerca da inclusão de alunos autistas em suas classes e suas práticas pedagógicas, esta pesquisa foi organizada em torno de três eixos: o processo de inclusão escolar e a legislação atual; o funcionamento do atendimento educacional aos alunos autistas na rede pública de ensino do Distrito Federal; o autismo, na teoria psicanalítica, com ênfase na educação terapêutica como forma de atendimento e escolarização de crianças autistas. Optamos por iniciar este estudo, em seu primeiro capítulo, situando o problema de pesquisa, isto é, a questão primordial desteestudo, qual seja, as concepções de professores regentes sobre a inclusão escolar de alunos bem como suas práticas pedagógicas. 12 O delineamento metodológico foi de natureza qualitativa e apresentado no segundo capítulo. Apresentamos também, neste capítulo, os objetivos, os participantes, o local, os procedimentos e instrumentos de coleta e de análise de dados utilizados neste estudo. No capítulo III discutimos acerca do atual contexto de educação inclusiva, que é produto de um processo histórico em constante transformação, que vai desde a segregação absoluta, na qual não se aceitava o “excepcional” na sociedade, nem na escola, perpassando pelo assistencialismo, até os dias atuais, nos quais a inclusão convive com a integração e com as classes especiais. É tema deste capítulo, as contribuições da legislação como instrumento de inclusão escolar e trataremos também, do ensino especial do Distrito Federal e como se dá a inclusão escolar de autistas na capital do país. No quarto capítulo abordamos a concepção de autismo na teoria psicanalítica, com enfoque na educação terapêutica, tal como foi observada pela pesquisadora deste estudo, em um curso realizado na Pré - Escola Terapêutica Lugar de Vida, em janeiro deste ano, na USP/SP. Esta instituição funciona dentro do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Viu-se que esta instituição promove a educação terapêutica de crianças com transtornos globais de desenvolvimento por meio de diversos ateliês, que são salas de atividades variadas como arte, música, leitura, escrita, cozinha, recreação, dentre outras, onde se procura produzir as inscrições 13 subjetivas primordiais do sujeito, a partir de diversas linguagens, com conteúdos ideativos, instituindo artificialmente a diferença e a alternância e considerando a produção dos alunos como produção na condição de um sujeito. Tudo isso surge como instrumento terapêutico e educativo. Desta forma, acreditamos que uma pesquisa sobre o processo de inclusão escolar de crianças autistas nas escolas públicas do Distrito Federal, na perspectiva psicanalítica, pode contribuir para a construção e divulgação do conhecimento acerca dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem de crianças especiais, como as autistas, bem como refletir e discutir acerca de concepções e o modo de intervenção educacional voltado para a inclusão escolar desses sujeitos em desenvolvimento. Neste sentido, o tema proposto é de suma importância na medida em que contribui para um estudo sobre as concepções dos professores regentes e suas práticas pedagógicas, no contexto dessa nova realidade, que é a inclusão de alunos autistas no ensino regular. 14 CAPITULO I. INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DE PESQUISA E ÀS QUESTÕES INVESTIGADAS A inclusão escolar de alunos autistas tem sido discutida de maneira significativa por meio de artigos científicos, livros, seminários, congressos, palestras e outros, por autores como: Jerusalinsky (1997), Lasnik-Penot (1998), Kupfer (2001), Cavalcanti e Rocha (2002), Bastos (2003), Petri (2003), Almeida (2006), Rossi e Carvalho (2006). Estudos e pesquisas atuais demonstram que a inclusão de autistas na escola regular passa a ser uma questão interdisciplinar que extrapola a pedagogia, a didática, os métodos e currículos a cumprir. Pela diversidade de algumas manifestações e peculiaridades, tais como: pouco contato social, comportamentos bizarros e estereotipados, auto-agressividade, comprometimento na comunicação, prejuízos no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, torna- se difícil o diagnóstico de autismo, assim como atendimentos eficazes nas áreas: médica, psicológica e pedagógica. Revisitando a história da educação especial, com Mazzotta (2001), é possível constatar um período de total exclusão e até de verdadeiros massacres e assassínios daqueles que nasciam com defeitos físicos ou problemas mentais. Estes eram vistos como endemoniados. Entretanto, com a propagação do Cristianismo, essas pessoas deixaram de ser exterminadas para serem vítimas de pecados dos seus antepassados e a sociedade tinha o dever de cuidá-los em locais 15 isolados. Surgem então, de acordo com Mazzotta (2001), os primeiros asilos e manicômios para onde eram levados, a fim de continuarem excluídos em lugares “apropriados” para loucos, incapazes e defeituosos. Foi no século XVI que surgiram as primeiras tentativas de se educar as pessoas com deficiência auditiva e visual. Contudo, apenas no século XX começa-se a pensar na possibilidade da integração escolar, na qual as crianças passam a freqüentar escolas regulares, mas em classes especializadas no atendimento a cada tipo de deficiência, objetivando “normalizar” essas crianças. E, mais recentemente, na década de 80, um movimento denominado “educação inclusiva” começou a ser difundido mundialmente, ganhando força com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, na Tailândia, em 1989, sendo corroborada com a Declaração de Salamanca de 1994 (Brasil, 2004) e com o relatório de Werneck, no México, em 1997, que defendem a inclusão dos portadores de necessidades educacionais especiais em classes comuns, com o intuito de diminuir o impacto de suas deficiências, promover a independência e a autonomia, a integração social e garantir o acesso igualitário à educação. Nos dias atuais, de acordo com os estudos de Silveira (2004) a formação de professores ainda se mostra ineficaz quando o assunto é a atuação junto às crianças com graves comprometimentos. O autor também pontua que os modelos apresentados pelos professores e que 16 fundamentam suas práticas são baseados em acompanhamento rigoroso dos conteúdos programáticos, melhores desempenhos dos alunos, produto final próximo ao que é esperado em cada série e acrescenta que “diante da criança com TGD1, o professor verifica o fracasso de suas teorias pedagógicas” (p.3). Autismo foi o termo utilizado por Bleuler, em 1911, para descrever o pouco contato com a realidade e o isolamento exacerbado observado em adultos esquizofrênicos. Entretanto, o autismo foi considerado como síndrome em 1943, a partir das descrições minuciosas de onze casos clínicos, realizadas pelo psiquiatra austríaco, erradicado nos Estados Unidos, Léo Kanner. Em comum, esses pacientes apresentavam um quadro caracterizado por um isolamento extremo, ausência de contato afetivo, nenhuma ou pouca linguagem, ecolalia, inversão pronominal, intolerância às mudanças, movimentos repetitivos e estereotipias. Kanner (1943) publicou seu artigo seminal: “Distúrbio autístico do contato afetivo”, abrindo, assim, a possibilidade de se pensar que o sofrimento psíquico poderia ocorrer desde a mais tenra idade, o que não era concebível à comunidade médica e científica até então, abrindo também um campo de pesquisa apoiado em patologias para compreensão do funcionamento psíquico. 1 TGD é a sigla que significa transtorno global do desenvolvimento, termo atribuído pelo Manual de Diagnósticos e Estatísticas de Distúrbios Mentais (DSM IV) e o autismo se enquadra dentro deste distúrbio. 17 Mesmo sem qualquer contato ou conhecimento com os estudos de Kanner, no ano seguinte, em 1944, Hans Asperger (Assumpção Júnior, 2005), publicou o seu artigo denominado “Psicopatia autística”. Corroborando com as caracterizações e descrições apresentadas por Kanner, Asperger chama mais uma vez a atenção para a necessidade de se iniciar estudoscientíficos acerca do espectro do autismo. Com o autismo, em especial, deparamo-nos com os impasses que o educador se confronta frente à tarefa de ensinar àquele que não deseja aprender, àquele cuja falta não se instalou e para quem, segundo Kupfer (2006), “o mundo exterior não oferece para ele interesse algum” (p.3). Como ensinar, então, a uma criança autista? Como incluí-la no processo de escolarização? A questão posta é que se o autista não é atravessado pelo desejo de saber, como o professor poderá provocar a instauração da curiosidade neste aluno, por mínima que seja, levando em consideração a curiosidade de conhecer dos outros alunos? Jerusalinsky (1997) aposta que o professor, sendo capaz de supor no autista um sujeito, mesmo sem desejo, possa proporcionar curiosidades por ínfimas que sejam para, a partir delas, construir significados e introduzir esse sujeito na cultura. Bastos (2003) corrobora com esta idéia quando afirma que “buscando desvendar o que essa criança precisa e, ao mesmo tempo, supondo que essa criança precise de algo, ou seja, supondo aí um sujeito, vemos que é nessa posição de aposta feita pelo professor, em relação a essa 18 criança falida em sua constituição simbólica, que está a possibilidade de a criança construir novas formas de curiosidades parciais, de poder aprender algumas coisas, mesmo que esses conhecimentos não sejam generalizados, construindo novas possibilidades de circulação social” (pp. 59 - 60). Notamos que estamos diante de um desafio e esta pesquisa investigou como o professor enfrenta a realidade de acolher e atender aos seus alunos autistas, juntamente com seus colegas, ambos com suas singularidades. Vale ressaltar que Rossi e Carvalho (2006) nos indicam alguns entraves para a inclusão de alunos com espectro de autismo, dentre eles: o desconhecimento por parte dos educadores de alternativas didáticas e de oferta metodológica de atividades pedagógicas para a escolarização dos alunos autistas, carência de eventos para divulgação de estudos e descobertas visando à socialização do conhecimento nesta área e, principalmente, o sentimento de despreparo dos profissionais para lidar com a inclusão de alunos autistas em suas classes, tendo que atender ao mesmo tempo também aos outros alunos. Por isso, a formação do professor foi um ponto analisado e que exigiu reflexão. De que formação se trata, então, quando a questão é a escolarização de crianças autistas respondendo à demanda de inclusão? Em que lugar o professor se coloca e coloca os seus alunos autistas nessa relação de aprendizagem? Bastos (2003), de acordo com sua experiência e corroborada por pesquisas, verificou que os professores de escolas regulares que têm alunos autistas inclusos em suas classes procuram novas técnicas pedagógicas e novas teorias acerca do autismo, bem como orientações 19 práticas de como trabalhar com essas e outras crianças, no dia-a-dia de suas salas de aula. Com a presente pesquisa verificamos que essa demanda, citada por Bastos (2003), ocorre também com os professores do Distrito Federal e que as concepções acerca da inclusão de alunos autistas no ensino regular influenciam as práticas pedagógicas diárias desses professores. Observamos ainda, conforme apontam Rossi e Carvalho (2006), que para haver uma escola inclusiva de fato, que acolha o aluno com espectro de autismo, será necessário conduzir de maneira reflexiva e crítica, no âmbito escolar, o processo de ensino aprendizagem, bem como propor aos educadores a tematização da política de inclusão. 20 CAPÍTULO II. O DELINEAMENTO METODOLÓGICO DA PESQUISA Esta pesquisa que realizamos objetivou investigar as concepções e práticas pedagógicas de professores regentes da rede pública de ensino do Distrito Federal em classes inclusivas com alunos autistas. Este tema é de interesse e faz parte da vivência da pesquisadora, que se indaga criticamente a respeito de como vêm sendo atendidos os alunos autistas inclusos em classes comuns. Segundo Severino (2002), a escolha do tema exige um envolvimento do pesquisador, pois o objetivo da investigação faz parte de sua vida. Deste modo, Severino (2002) continua pontuando que “a descoberta científica é, sem dúvida, provocada pela tensão gerada pelo problema. Daí a necessidade de se estar vivenciando uma situação de problematização” (p. 148). Na pesquisa, foi utilizada a abordagem qualitativa de tipo etnográfico, adotando como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada, realizada diretamente pela pesquisadora com os professores regentes. Para Martins e Bicudo (1994), a principal característica da pesquisa qualitativa é a busca pelo entendimento daquilo que se pretende conhecer. Seu foco é centralizado e não busca a generalização dos dados obtidos almejando mais a compreensão do que a própria explicação dos fenômenos. “A pesquisa qualitativa tem ambiente natural como fonte direta de dados (...) supõe o contato direto do pesquisador com o ambiente e a situação que está 21 sendo investigada (...) e as circunstâncias particulares em que um determinado objeto se insere são essenciais para que se possa entendê-lo” (Lüdke & André, 1999, pp. 11-12). Cabe ressaltar que a etnografia é uma técnica de pesquisa criada e utilizada por antropólogos, para a descrição cultural de um determinado povo. Entretanto, na década de 70, os pesquisadores do campo educacional também começaram a realizar a técnica de pesquisa etnográfica, porém com algumas adaptações, para a descrição do processo educacional dentro de um determinado contexto, como nos esclarece Lüdke e André (1999). No tocante à nossa pesquisa, a dimensão metodológica da mesma, fundamentou-se no estudo de práticas e valores de um determinado grupo, no caso, um grupo de professores. Para André (1995), o estudo de tipo etnográfico se caracteriza por utilizar técnicas que permitem ao pesquisador esclarecer e aprofundar questões levantadas no início da pesquisa. Neste estudo será utilizada uma entrevista semi-estruturada, técnica tradicionalmente associada à etnografia. Outra característica da pesquisa etnográfica, apontada por André (1995), é que o próprio pesquisador é o instrumento de coleta e análise dos dados, num processo de interação pesquisador/ entrevistado. A terceira característica deste tipo de pesquisa, para a autora, é a ênfase maior no processo do que no produto, ou seja, nas etapas da pesquisa, onde o que acontece durante a investigação é mais importante do que os resultados. 22 Outra característica importante da pesquisa etnográfica é “a preocupação com o significado, com a maneira própria com que as pessoas vêem a si mesmas, as suas experiências e o mundo que as cerca” (André, 1995, p.29). O envolvimento com o trabalho de campo é outra característica da pesquisa etnográfica. De acordo com André (1995), o pesquisador precisa se interar e integrar à situação que pretende investigar. André (1995) destaca, ainda, outras duas características na pesquisa etnográfica que são a descrição e a indução. A descrição se dá quando o pesquisador utiliza vários dados descritivos como, por exemplo, as respostas transcritas nas entrevistas, e a indução acontece quando essas informações são reconstruídas e interpretadas pelo pesquisador. Por essas características apresentadas, este estudo é de “tipo etnográfico” e não etnográfico no sentido amplo da antropologia, como tão bem aborda André (1995) “o que se tem feito, pois, é umaadaptação da etnografia à educação, o que me leva a concluir que fazemos estudos do tipo etnográfico e não etnografia em seu sentido estrito” (p.28). Por fim, a pesquisa etnográfica busca a formulação de conceitos, concepções e práticas que, no caso desta pesquisa, referem-se aos professores entrevistados acerca da inclusão escolar de autistas. Na verdade, “o que este tipo de pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade” (André, 1995, p.30). 23 A técnica de entrevista semi-estruturada, na pesquisa de tipo etnográfica, no campo da educação, permite maior compreensão das atividades e relações que se dão cotidianamente nas classes inclusivas com alunos autistas e, por meio das análises das respostas, será possível desvelar os significados que permeiam o dia-a-dia da prática pedagógica, considerando a dinâmica de sala de aula, as condições de trabalho, situações pessoais de alunos e professores e sua inter-relação com o ambiente escolar inclusivo. As entrevistas semi-estruturadas, também chamadas de entrevistas por pautas, são estruturadas em um esquema básico que pode ser modificado ou adaptado de acordo com a necessidade. “As pautas devem ser ordenadas e guardar certa relação entre si” (Gil, 1999, p.120), porém deixam margens para eventuais complementações, outras perguntas que o entrevistador julgar necessárias ou solicitação de maiores esclarecimentos ao entrevistado. Para Lüdke e André (1999) “a entrevista representa um dos instrumentos básicos para coleta de dados e uma das principais técnicas de trabalho de quase todos os tipos de pesquisa utilizados nas ciências sociais” (p.33). Quanto ao conteúdo, a entrevista apresenta quatro objetivos, de acordo com Lakatos e Marconi (1993): O primeiro objetivo é de determinação das opiniões sobre os fatos, conhecer o que as pessoas pensam sobre o assunto. Segundo: determinação de sentimentos, compreensão da conduta do entrevistado por 24 meio de seus anseios e sentimentos. A descoberta de plano de ação é o terceiro objetivo da entrevista, ou seja, descobrir a conduta do entrevistado em determinadas situações. E o quarto, os motivos conscientes para opiniões ou condutas, visa descobrir quais fatores podem influenciar as opiniões ou condutas dos entrevistados. Ainda de acordo com Lakatos e Marconi (1993), as principais vantagens da entrevista são: oferecer uma boa amostragem, além de uma maior flexibilidade, permitindo ao entrevistador esclarecer as perguntas, formulá-las de maneiras diferente; garantir que a pergunta foi entendida pelo entrevistado; permitir o registro de condutas, expressões, reações, gestos; oportunizar a obtenção de dados inéditos e outros que confirmem ou neguem outras pesquisas já realizadas sobre o tema e possibilidade de solicitar maiores informações ao entrevistado. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com professores regentes de classes inclusivas que têm alunos autistas para obtenção das seguintes informações: • Formação profissional dos professores; • Tempo de regência em classes inclusivas e também em classes inclusivas com alunos autistas na Secretaria de Educação do Distrito Federal; • Formação específica relativa à escolarização de alunos autistas; • Concepções desses professores com relação à inclusão de alunos autistas no ensino regular; 25 • Práticas pedagógicas adotadas na escolarização de alunos autistas inclusos; • Recursos humanos e materiais disponibilizados pela Secretaria de Educação; • Possíveis dificuldades e desafios para o professor regente no processo de inclusão escolar de autistas. Antes, porém, a entrevistadora explicou a finalidade e justificou a necessidade da entrevista para a construção de uma pesquisa empírica, que busca um retrato, o mais fiel possível, das concepções dos entrevistados acerca da inclusão de alunos autistas no ensino regular e, ainda, realçou a importância da colaboração de cada entrevistado, assegurando-lhes o sigilo de suas respostas. As entrevistas foram realizadas em locais, datas e horários previamente marcados conforme a disponibilidade dos entrevistados. As entrevistas foram gravadas e, para a análise dos dados, após cada encontro, foi realizada a transcrição das respostas a fim de serem trabalhadas por meio de análise de conteúdo, segundo Bardin(1988). 26 2.1 Objetivo geral: Investigar as concepções e práticas pedagógicas de professores regentes a respeito da inclusão de alunos autistas em classes regulares, na rede pública de ensino do Distrito Federal. 2.2 Objetivos específicos: 2.2.1 Apreender as concepções dos professores sobre: a. o processo de inclusão escolar; b. causas e características do autismo; c. benefícios, facilidades e dificuldades encontradas pelos alunos autistas no processo de inclusão escolar. 2.2.2 Investigar a opinião dos professores acerca de sua formação nos aspectos que se relacionam à inclusão escolar e, especificamente, a inclusão de alunos autistas. 2.2.3 Identificar que recursos e adaptações curriculares os professores utilizam em sua prática pedagógica na escolarização de alunos autistas em classes inclusivas. 27 2.3 Participantes Os sujeitos desta pesquisa foram vinte e três professores regentes de classes inclusivas com alunos autistas da rede pública de ensino do Distrito Federal, da 1ª a 6ª séries do Ensino Fundamental. Os professores foram convidados pela pesquisadora a participar voluntariamente da pesquisa e em seguida preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 2.4 Local A pesquisa foi realizada em três Escolas - Classe da rede pública de ensino da Regional de Ensino do Plano Piloto que possuem alunos autistas inclusos em classes de ensino regular e mais três Escolas - Parque nas quais esses alunos recebem atendimento semanal em atividades de Educação Musical, Educação Física e Artes Plásticas e Cênicas. 2.5 Da construção dos dados A coleta dos dados foi realizada por meio de levantamento de informações obtidas nas entrevistas semi-estruturadas, principal técnica de coleta de dados desta pesquisa, visando apreender as concepções e 28 práticas desses professores a respeito da inclusão de alunos autistas no ensino regular. Na coleta de dados qualitativos, explica André (1995), o que importa é a representatividade dos mesmos. O que é relevante é o significado das informações. 2.6 Da análise dos dados: Foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, estruturada por meio da organização de categorias de análise. Esta técnica é definida por Bardin (1988) como sendo: “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) destas mensagens” (p.42). A análise de conteúdo consiste em classificar os elementos das respostas em categorias temáticas, criando, então, assim, operações analíticas para se discutir as mensagens, pois além de refletir sobre o conteúdo, procura relacioná-lo com o contexto, conhecendo o que está obscuro nas entrelinhas do discurso. Neste sentido, “a análise temática procura ouvir o autor, aprender, sem interferir nele, o conteúdo de sua mensagem. Praticamente, trata-se de fazer ao texto uma série de perguntas cujas29 respostas fornecem o conteúdo da mensagem” (Severino, 2002, pp. 53- 54), ou seja, pretende-se categorizar as informações obtidas por meio das respostas dadas pelos professores às entrevistas semi-estruturadas em unidades com uma idéia principal. Por meio da combinação e freqüência das respostas, foi possível fazer inferências, deduções lógicas para se retornar às causas e chegar às conseqüências, pretendendo ir além das aparências. A análise de conteúdo envolve uma função heurística, pois permite se descobrir, por meio da exploração subjetiva do “não dito”, o que se pretende investigar. A análise de conteúdo, com característica qualitativa, é realizada segundo Bardin (1988) “com a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é tomado em consideração” (p.21). Nesta mesma linha de raciocínio, a análise de conteúdo “é uma técnica que visa aos produtos da ação humana, estando voltada para o estudo das idéias e não das palavras em si” (Marconi & Lakatos, 1990, p.115). Por meio desta análise apreendemos as concepções e práticas pedagógicas utilizadas pelos professores de alunos autistas inclusos no ensino regular da rede pública de ensino do Distrito Federal. 30 CAPÍTULO III. A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 3.1 Histórico A inclusão escolar, no contexto atual do sistema de ensino, é resultado de um processo histórico. O marco inicial se deu no século XVI, quando profissionais da saúde e da educação passaram a acreditar na possibilidade de se educar os que até então eram considerados ineducáveis. De um modo geral, a inclusão escolar tem seguido um padrão semelhante no contexto mundial e é marcada por quatro fases, segundo Sassaki (2003) e que serão descritas a seguir: A primeira é a fase de exclusão e de negligência, anterior ao século XVI, quando não havia nenhum tipo de atendimento oferecido às pessoas “especiais” que eram maltratadas, flageladas e até assassinadas por serem consideradas impuras e endemoniadas. Um exemplo é citado por Pessotti (1994): “os demônios eram expulsos com açoites ou a fogueira. Agora que o perigo está no próprio deficiente e é ele que se deve expulsar” (p.187), para que a sociedade não tomasse conhecimento e não se responsabilizasse. A fase seguinte é considerada a de separação, que se deu entre os séculos XVIII e XIX, na qual a rejeição passa a ser substituída, gradativamente, pela proteção. Principalmente a Igreja cria asilos e manicômios onde os excepcionais, como eram chamados, recebiam atendimento especializado sem cunho educativo e até certo ponto 31 alienante. Continuavam, assim, excluídos da sociedade, mas em lugares “apropriados”. Uma pedagogia excludente marca a construção histórica brasileira e mundial (Sassaki, 2003). Apesar de suas raízes segregacionistas, de acordo com Mazzotta (2001), o período imperial criou escolas e hospitais para atender a clientela menos favorecida e discriminada, de maneira geral, como os deficientes, por exemplo. A primeira instituição educativa para pessoas deficientes no Brasil funcionava junto à Santa Casa de Misericórdia, em São Paulo, em 1600, ainda no Brasil Colônia, e atendia aos deficientes físicos. Ainda segundo Mazzotta (2001), a coroa portuguesa autorizava seu funcionamento, mas não tinha qualquer outra participação. A partir daí, as escolas especiais começaram a aparecer dando algum tipo de escolarização e treinamento, caso as pessoas pudessem ser produtivas. Entretanto, mais de dois séculos mais tarde, em 1854, foi criada por D. Pedro II a primeira instituição oficial subsidiada pela coroa portuguesa, o Imperial Instituto de Meninos Cegos, que em 1891 passa a ser chamado Instituto Benjamim Constant, como é conhecido até hoje. Alguns anos mais tarde, em 1857, o estado funda o Imperial Instituto de Surdos Mudos, que em 1957 passa a Instituto de Educação de Surdos (Sassaki, 2003). Este autor continua dizendo que o funcionamento dessas instituições provocou a abertura de discussões sobre o atendimento aos deficientes e, em 1883, o imperador convoca o Primeiro Congresso de 32 Instrução Pública, no qual se cogita a formação específica para professores lidarem com as especificidades dessas deficiências. Sassaki (2003) continua relatando que Helena Antipoff foi personagem importantíssima no cenário nacional: em 1930 cria as primeiras classes especiais em Belo Horizonte, onde, em 1931, inaugura a Sociedade Pestalozzi. Criou o termo “excepcional” para se referir a deficientes físicos e mentais, valorizava o papel e a formação do professor, além do uso de metodologias específicas para cada aluno, pois considerava indispensável o diagnóstico, mesmo não sendo totalmente favorável ao uso dos testes de Q.I, por acreditar que não mediam todos os aspectos da inteligência. Ela recomendava, também, a observação minuciosa e os registros sistemáticos associados aos testes. Deste modo, para Sassaki (2003), as primeiras turmas de especialização de professores para atendimento a excepcionais surgiram com a inauguração da Sociedade Pestalozzi, no Rio de Janeiro, em 1948. Em 1954 é inaugurada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, no Rio de Janeiro. Começa, então, uma maior mobilização da sociedade em favor dos excepcionais no Brasil, o que, de alguma forma, provoca as primeiras iniciativas oficiais do governo federal, tais como a Campanha do Surdo Brasileiro, em 1957, e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais, em 1960. 33 Sassaki (2003) apresenta, então, a terceira fase na qual as pessoas com deficiência já eram recebidas nas escolas e é denominada de integração, e teve início no final do século XIX. Os alunos é que deveriam se adaptar à escola e os que não conseguissem poderiam freqüentar as classes especiais, criadas nesta fase, e justificadas pela necessidade científica de atender pedagogicamente um número reduzido de alunos, agrupados de acordo com suas deficiências e atendidos com técnicas e métodos apropriados e com professores especializados. A partir da década de 60, o movimento de “normalização”, que surgiu na Dinamarca, difundiu-se por vários países, inclusive no Brasil, apregoando que a integração das pessoas com deficiência deveria ser oferecida nas escolas a fim de favorecer a normalização. Lima (2005) pontua o significado do termo normalização com o “seu sentido integrador que significa oportunizar direitos e condições de vida tão próximas quanto possíveis às de todos os cidadãos” (p.52). Segundo Garcez (2004) o princípio de normalização teve como “seu mote, normalizar comportamentos para integrar as pessoas na sociedade, possibilitando o ingresso no mercado de trabalho e a conseqüente diminuição dos doentes para o Estado” (p.105). E ainda, “as críticas à normalização/ integração foram surgindo em vários países e percebeu-se que as políticas educacionais baseadas nestes conceitos não estavam correspondendo às expectativas de uma educação que pudesse atender às necessidades de todos” (Emílio, 2004, p.52). 34 Pelo termo normalização era possível entender que se poderia transformar as pessoas deficientes em normais ou fazê-las se ajustar às normas sociais vigentes. A Lei de Diretrizes e Bases n° 4.024/61 (Brasil, 1996) garantia o direito dos excepcionais à educação e, em seu artigo 88, indicava que a educação deveria, dentro do possível, enquadrar-se no sistema geral de ensino, podendo também se realizar por meio de atendimentoespecial, fora da rede pública regular, em caráter assistencial. Porém, a lei não era muito clara, o que ocasionou diversas interpretações que, por sua vez, não vieram a ser corrigidas pela Lei de Diretrizes e Bases de 1971, que preconizava o atendimento especial a quem necessitasse, mas em conformidade com os Conselhos Estaduais de Educação, que faziam suas próprias avaliações de cada caso. Entretanto, Mazzotta (2001) pontua que a escola permanecia inalterada e os alunos é que deveriam se adaptar a ela. Esse movimento ficou conhecido como integração e sua principal conseqüência foi a criação de classes especiais em escolas regulares, para atender aos casos mais difíceis, como o autismo, por exemplo, com o objetivo de preparar os alunos para integrá-los, o que estatisticamente não ocorreu, persistindo assim, a segregação e o assistencialismo com apoio e subsídio do Estado às instituições filantrópicas, que até os dias atuais se encarregam da escolarização dos alunos com maior comprometimento. Ainda sobre a integração, Mazzotta (2001) aponta que um marco histórico foi o Relatório de Warnock, publicado pelo governo inglês, em 35 1978, que traz o termo de “aluno com necessidades educativas especiais”, não mais “portadores”, pois não se “porta necessidades”, se tem necessidades. Ademais, esse relatório traz aspectos práticos de como receber e atender aos alunos com grandes comprometimentos como desordens emocionais, problemas de linguagem, lesões cerebrais, talentos especiais e autistas, dentre outros, levando-se em consideração suas dificuldades e limitações. É importante estar atento para que essas diversidades e comprometimentos não sejam justificativas para que “o diferente represente o inferior ou anormal” ( Bastos,2003, p.16). Afinal, diferença não deve ser confundida com desigualdade, não pode estar associada a ser pior ou ter dificuldades maiores e sim necessitar de oportunidades também diferentes para poder se adaptar. Nessa perspectiva do olhar sobre o diferente, Amaral (1994) acrescenta: “O outro, o diferente, o deficiente, representa muitas e muitas coisas. Representa a consciência da própria imperfeição daquele que vê, espelha suas limitações, suas castrações. Representa, também, o sobrevivente, aquele que passou pela catástrofe e a ela sobreviveu, com isso acenando com a catástrofe em potencial, virtualmente suspensa sobre a vida do outro. Representa, também uma ferida narcísica em cada pai, em cada profissional, em cada comunidade. Representa um conflito não camuflável, não escamoteável- explícito- em cada dinâmica de inter-relações” (p.67). Contudo, podemos perceber um ponto positivo a partir da integração, que foi a diminuição da institucionalização no atendimento às 36 pessoas com necessidades educativas especiais em asilos e manicômios, favorecendo, assim, o ingresso dessas pessoas nas escolas, mesmo que fosse em escolas especiais. Além disso, surgiu, na mesma época, o conceito de mainstreaming, que consistia em uma prática de desinstitucionalização especializada para atender aos alunos com deficiência e colocá-los em classes comuns, não visando ao avanço pedagógico e sim à socialização como aspecto preponderante. Em oposição a esta idéia, as escolas foram se especializando para atender a determinados tipos de deficiência: visual, auditiva, mental, por exemplo. É nesse momento que a idéia de integração se fortalece e se expande. Tal idéia ficou também conhecida como “sistema de cascata”, o qual depende da capacidade do aluno de se adaptar à escola tal como ela se apresenta. Dando continuidade, para Mantoan (1997): “A integração escolar, cuja metáfora é o sistema de cascata, é uma forma condicional de inserção que vai depender do aluno, ou seja, do nível de capacidade de sua adaptação às opções do sistema escolar, a sua integração, seja em sala regular, uma classe especial ou mesmo instituições especializadas” (p.8). Neste sentido, fica claro que é o aluno que precisa se adaptar ao modelo de ensino. O sistema de cascata descreve que pelo processo de integração, por meio de uma corrente principal, os alunos podem subir ou descer na cascata, ir para as classes regulares ou para as classes 37 especiais, conforme suas limitações e possibilidades, flexibilizando, assim, a circulação dos alunos com necessidades educativas especiais no sistema de ensino. Nesta fase de integração, as classes especiais dentro das escolas comuns se proliferaram. Desta forma, os alunos não só com necessidades educativas especiais, mas qualquer um que porventura apresentasse um pouco mais de dificuldade de aprendizagem, eram encaminhados a essas classes especiais, de forma a priorizar um ensino individualizado, com currículo repetitivo, dificultando a socialização na diversidade. Em âmbito mundial, surgiu no início dos anos 80, o conceito de inclusão social, que diz respeito ao “processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade” (Sassaki, 2003, p.41). Perante o exposto, podemos dizer que estamos entrando na quarta fase, a da inclusão, que se iniciou no final do século XX, na qual é a escola que precisa se adaptar às diferenças dos alunos e atender a todos os alunos com necessidades educacionais especiais. Entretanto, ainda não saímos completamente da terceira fase, pois as classes especiais existem até hoje na rede pública de ensino, inclusive na do Distrito Federal, nas escolas comuns. 38 No que tange ao aluno, desde o início de sua escolarização ele é incluído, de preferência no sistema educacional regular, pois a escola é o lugar natural e aceito socialmente para a circulação de crianças. A inclusão significa um novo paradigma em relação à integração, que visa a adaptação do aluno à escola e a sua aproximação aos padrões de normalidade determinados socialmente. Agora, com a inclusão, é o sistema educacional que se modifica e se prepara para receber todos os alunos com o objetivo de desenvolver ao máximo as suas potencialidades (Sassaki, 2003). Ainda, para Sassaki (2003), integração e inclusão, em conformidade com a terminologia de inclusão social, têm dois significados distintos: a integração como adaptação da pessoa com necessidades educativas especiais para conviver na sociedade e a inclusão como a modificação e adaptação da sociedade para receber essas pessoas, a fim de exercerem de fato sua cidadania. É na escola que a criança, autorizada por seus pais, continua seu caminho educativo, segundo Petri (2003). No caso de crianças autistas nas quais não há inscrição do Outro, o professor, por meio da segunda educação, tenta minimamente constituir esse sujeito despojando-se do seu saber e suportando o não saber, tendo como centro de seu interesse esse aluno que é único e que lhe dará pistas do caminho a ser seguido. Páez (2001) levanta a questão com relação à continuidade das classes especiais convivendo com as de ensino regular e sugere que 39 algumas crianças, por exemplo, as autistas, em algum momento, principalmente no início de sua escolarização, necessitam de um atendimento individualizado e específico, principalmente para poder conviver, objetivando, em um segundo momento, serem incluídas nas classes comuns. Essa autora sugere, também, a possibilidade dinâmica de trânsito dessas crianças num sistema educacional que ofereça diversas modalidades para se adaptar e atender a todos ostipos de alunos. Ainda para Páez (2001), a escola inclusiva é toda aquela que se prepara para receber qualquer aluno. Os alunos com problemas graves de desenvolvimento podem se beneficiar estando em classes comuns, mas, ainda assim, podem necessitar de educação especial, que não se reduz à escolarização, vai além, orientando, transmitindo conhecimento e cultura, acompanhando o desenvolvimento e deixando marcas na constituição subjetiva. A proposta de atender aos alunos com necessidades educativas especiais junto aos demais, priorizando o atendimento em classes comuns, ainda conforme Páez (2001), deve eliminar o modelo homogeneizador que espera um produto similar de todos os alunos. A diferença e a diversidade devem ser valorizadas onde, até então, eram desvalorizadas e excluídas, para que não tenhamos uma inclusão aparente ou uma exclusão camuflada. Para o Ministério da Educação (Brasil, 2005), um dos princípios da escola inclusiva é o de que todos os alunos devem aprender juntos 40 em classes comuns, sempre que possível, independente de suas dificuldades. Todavia, a expressão “sempre que possível”, abre margem para uma discussão no sentido de que nem sempre é possível esse tipo de inclusão e é essa a opinião de Jerusalinsky (1997) e Kupfer (2005), que compartilham do pressuposto de que a inclusão escolar não é para todos. Para esses autores, depende da análise de cada caso separadamente. A idealização social de fazer com que as diferenças sejam minimizadas, e até mesmo padronizadas, em graus de normalidade aceitáveis no contexto educativo, corrobora as críticas feitas com base na teoria psicanalítica, como enfatiza Almeida (2006), ao dizer que “o tema inclusão escolar é abordado, desde uma perspectiva psicanalítica, em suas relações com as metas do empreendimento educacional de tratar, lidar com as diferenças de modo a torná-las assimiláveis às normas - padrão do desenvolvimento infantil. Interessa interrogar se a ‘onda’ da inclusão escolar aponta para o ideal da educação ou para a idealização/recalque das diferenças no contexto social e educativo” (p.1). Para a psicanálise, a educação inclusiva é uma questão ética que vai além do ideário social em defesa das diferenças, que comparece nos slogans: “ser diferente é normal”, ou ainda: “autismo é um jeito de ser”, por exemplo, e que revelam a impregnação de ideais sociais e educativos que se alastram como verídicos no imaginário coletivo. Neste sentido, Almeida (2006, p.2) revela que “toda mudança no ideário pedagógico implica, necessariamente, que novas práticas sejam concebidas, visando a uma atualização e reestruturação das condições em que se realizam os processos de desenvolvimento, de ensino e de aprendizagem, no caso da perspectiva inclusiva na escola”. 41 Incluir não é tarefa fácil, ainda mais em se tratando de alunos com distúrbios graves de desenvolvimento, porque “trabalhar com uma criança psicótica requer análise e uma avaliação cuidadosa das possibilidades reais que a criança tem de acompanhar o processo de escolarização que desenvolve na escola” (Bastos, 2003, p.33). Afinal, a qualquer momento, uma crise poderá ser desencadeada antes mesmo que o professor possa entender o que se passou e, muitas vezes, a escola indica a exclusão deste aluno. A autora encerra dizendo que a escola precisa pensar em outra saída. Tentativas européias de manter psicóticos e autistas em classes comuns foram desastrosas, como relata Bastos (2003). O que ocorreu na verdade foi a criação de novas classes especiais para abrigar essas crianças, pois o convívio com as outras foi muito difícil. Defendendo a idéia de que a inclusão é para a maioria e não para todos, Kupfer (2005), esclarece que “só o estudo de cada caso poderá dizer para quem servirá a escola. Certamente, será para a grande maioria das crianças, especiais ou não, mas repetindo, não para todas” (p.24). Partidário da mesma idéia, Jerusalinsky (2004) também acredita ser muito difícil educar um sujeito para quem a curiosidade não se instalou e a linguagem é muitas vezes fragmentada e delirante, entretanto, não significa dizer que é impossível incluir uma criança autista no ensino regular, vai depender de cada caso, como já foi dito anteriormente neste capítulo. 42 3.2. A INCLUSÃO ESCOLAR E A LEGISLAÇÃO Com a evolução histórica, marcada por relevantes movimentos sociais em busca de um atendimento digno às pessoas com necessidades educativas especiais, surgem conquistas em forma de acordos internacionais que passaram a orientar a legislação mundial, inclusive a brasileira, como veremos. Por este motivo, acreditamos ser necessário apresentar, neste trabalho, a legislação pertinente ao direito à educação para todas as pessoas. “Os direitos humanos são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem” (Bobbio, 1992, p.5). Em resposta às demandas de igualdade da sociedade, a Constituição Federal, de 1988, vem garantir alguns direitos aos “portadores de deficiência”, como a habilitação, reabilitação e a promoção da integração à vida comunitária dos portadores de deficiência, bem como atendimento educacional especializado de preferência em rede regular de ensino. Ressalta-se a substituição do termo “deficiente” pela expressão “portadores de necessidades especiais”, contudo, manteve-se ainda, a visão genérica que dá margem a várias interpretações. Em 1989, em Jomtien, na Tailândia, é aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, o que influenciou o movimento nacional de educação especial. Em outubro deste mesmo ano foi 43 decretada, no Brasil, a Lei Federal n° 7.853, que dispõe sobre a oferta obrigatória e gratuita da educação especial em estabelecimentos públicos de ensino, define a proibição de recusa, suspensão ou cancelamento de matrícula como crime e cria a Coordenadoria Nacional Para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), que passa a ser o órgão responsável, em nível nacional, pelas políticas públicas relacionadas aos deficientes. Já em 1990, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecido pela Lei n° 8.069, de julho do mesmo ano, que, entre outras determinações, garante atendimento especializado às crianças e adolescentes portadores de algum tipo de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Em 1993 foi instituído o Plano Decenal de Educação para Todos, baseado na Declaração de Jomtien, que buscou a integração e atendimento especializado em escolas regulares de portadores de deficiência. Além disso, neste mesmo ano, é editada a Política Nacional de Educação Especial. No ano seguinte, a Declaração de Salamanca, aprovada pela Conferência Mundial da UNESCO, resumiu o parecer de noventa e dois países, incluindo o Brasil, em torno do acolhimento da diversidade humana, no qual a escola inclusiva deve assegurar as modificações necessárias como o currículo, estratégias de ensino, organizações físicas e ambientais que garantam a permanência, com qualidade do processo efetivo de aprendizagem. Apregoa a escola inclusiva como capacitação 44 de escolas comuns para atender a todos os alunos. A nova visão é de que todos os segmentos ligados à escola são responsáveis pela educação para todos: corpo docente, especialistas, funcionários em geral, gestores, pais e poder público. Para Garcez (2004): “O redimensionamento do papel da escola como instituição legitimada socialmente e responsávelpela educação para todos, cujos agentes teriam como funções a convocação de novos sujeitos do mundo e a transmissão desse cabedal acumulado pela humanidade por meio de determinado campo conceitual, está colocado no cerne desse debate” (p.102). Essa idéia ressalta a nova mudança de paradigma, no qual é a escola que deve se transformar e se preparar para a nova situação que se apresenta: receber e atender a todos os alunos. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996), sob o n° 9.394/96, respalda os procedimentos de adaptações curriculares e modifica o termo “portadores de deficiência” para “educandos com necessidades educacionais especiais”, além de destacar como dever fundamental do Estado a oferta de educação especial. O Capítulo V da referida lei é dedicado à Educação especial em seu Artigo 58, que trata: “Entende-se por educação especial para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com necessidades educacionais especiais. § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial. 45 § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular “(Brasil, 2004, p.119). Assim, a lei abre precedente para atendimento específico, especializado e especial. Esta lei ainda determina adequação curricular e metodológica, terminalidade específica e professores especializados para facilitar a inclusão, como segue: “Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I. currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II. terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III. professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; Parágrafo único: O Poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino (..).”(Brasil, 2004, p.120). O relatório Werneck, no México, em 1997, discute o atendimento de todas as crianças pela escola regular, enfatiza que é a escola que precisa se ajustar, se preparar para receber e atender a qualquer tipo de aluno, inclusive aqueles com deficiências mais graves. O Decreto nº 3.298/99 regulamenta a Lei n° 7.853/89 (Distrito Federal, 2006), que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, buscando assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais dessas pessoas: “Art. 24. Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal direta e indireta responsáveis pela educação, dispensarão tratamento prioritário e adequado aos assuntos objetos deste Decreto, viabilizando, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas: IV. a oferta obrigatória e gratuita, da educação especial em estabelecimentos públicos de ensino; 46 V. o acesso de aluno portador de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, transporte, merenda escolar e bolsa de estudos. § 1º Entende-se por educação especial, para efeitos deste Decreto, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educando com necessidades educacionais especiais, entre eles, o portador de deficiência. § 2º A educação especial caracteriza-se por constituir processo flexível, dinâmico e individualizado, oferecido principalmente nos níveis de ensino considerados obrigatórios. § 4º A educação especial contará com equipe multiprofissional, com a adequada especialização, e adotará orientações pedagógicas individualizadas “(pp.12 - 13). Praticamente este decreto não modifica nem acrescenta muitas mudanças à LDB e ao Parecer nº 17/2001 da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/ CNE), que em seu Artigo 25, ressalta: “Os serviços de educação especial serão ofertados nas instituições de ensino público e privado do sistema de educação geral, de forma transitória ou permanente, mediante programas de apoio para o aluno que está integrado no sistema regular de ensino, ou em escolas especializadas exclusivamente quando a educação das escolas comuns não puder satisfazer as necessidades educativas ou sociais do aluno ou quando necessário ao bem-estar do educando” (Brasil, 2004, p.258). Esse artigo menciona que os serviços de educação especial serão ofertados aos alunos com necessidades educacionais especiais em classes regulares, mediante apoio pedagógico especializado. Por sua vez, a Resolução nº 2/2001, do Conselho Nacional de Educação, estabelece: “Art.6º- Para a identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos e a tomada de decisões quanto ao atendimento necessário, a escola deve realizar com assessoramento técnico, avaliação do aluno no processo de ensino e aprendizagem, contando para tal, com: I. a experiência de seu corpo docente, seus diretores, coordenadores, orientadores e supervisores educacionais. Art. 7º- O atendimento aos alunos com necessidades especiais deve ser realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica. Art. 8º- As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns: 47 I. professores das classes comuns e da educação especial capacitados e especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos; II. distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas várias classes do ano escolar em que forem classificados, de modo que essas classes comuns se beneficiem das diferenças e ampliem positivamente as experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar para a diversidade; III. flexibilização e adaptação curriculares, que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a freqüência obrigatória; IV. serviços de apoio pedagógico especializado, realizado, nas classes comuns, mediante: a) atuação colaborativa de professor especializado em educação especial (...) c) atuação de professores e outros profissionais itinerantes intra e interinstitucionalmente; d) disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação. V. serviços de apoio pedagógico especializado em salas de recursos, nas quais o professor especializado em educação especial realize a complementação ou suplementação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e materiais específicos; VI. condições para reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva, com protagonismo dos professores, articulando experiência e conhecimento com as necessidades/possibilidades surgidas na relação pedagógica, inclusive por meio de colaboração com instituições de ensino superior e de pesquisa; VII. sustentabilidade do processo inclusivo, mediante aprendizagem cooperativa em sala de aula,
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