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DIREITO FINDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA NO TRABALHO

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Prévia do material em texto

JOSÉ JOÃO ABRANTES
DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA NO
TRABALHO
em especial, a reserva da intimidade da vida privada (algumas
questões)
Lição de agregação
DIREITOS FUNDAMENTAIS
DA PESSOA HUMANA NO TRABALHO
em especial, a reserva da intimidade da vida privada
(algumas questões)
AUTOR
JOSÉ JOÃO ABRANTES
EDITOR
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
Rua Fernandes Tomás n.°s 76, 78, 80
3000-167 Coimbra tel.: 239 851 904 · fax: 239 851 901
www.almedina.net · editora@almedina.net
DESIGN DE CAPA
FBA.
Abril, 2014
Apesar do cuidado e rigor colocados na elaboração da presente obra, devem os diplomas legais dela constantes ser sempre objecto de
confirmação com as publicações oficiais. toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer processo, sem prévia autorização
escrita do editor, é ilícita e passível de procedimento judicial contra o infractor.
BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL - CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
ABRANTES. José João, 1955-
Direitos fundamentais da pessoa humana no trabalho. – (speed)
ISBN 978-972-40-5621-0
CDU 349
ÍNDICE
1. Constitucionalização do Direito do Trabalho
2. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre privados – em especial, no contrato de
trabalho
3. A reserva da intimidade da vida privada
3.1. Conceito
3.2. O direito à reserva da intimidade da vida privada no âmbito das relações laborais – breve
análise jurisprudencial
3.3. Limites – em especial, os arts. 17.° e 19.° do Código do Trabalho
3.4. Estudo de caso: o caso do acórdão da Relação de Lisboa de 29-05-2007, depois confirmado
pelo acórdão do STJ de 24-09-2008
Anexo I – Algumas referências legislativas sobre privacidade e protecção de dados pessoais
A – Declaração Universal dos Direitos do Homem
B – Legislação do Conselho da Europa
Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Convenção para a protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados de
carácter pessoal (de 28 de Janeiro de 1981)
Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina (Convenção para a protecção dos
direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina)
(de 4 de Abril de 1997)
C – Direito da UE
Carta dos Direitos Fundamentais da UE
Directiva 95/46/CE, de 24-10-1995
D – Direito português
Constituição
Código Civil
Código do Trabalho
Código Penal
Lei n.° 67/98, de 26 de Outubro (Lei da protecção de dados pessoais)
Anexo II – Algumas referências jurisprudenciais
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2006
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2008
Acórdão do Tribunal Constitucional de 25 de Setembro de 2002
Anexo III – Algumas referências bibliográficas
NOTA PRÉVIA
O presente trabalho é, quase sem alterações, o texto que serviu de base à lição apresentada, em
conformidade com a alínea c) do art. 5.° do Decreto-Lei n.° 293/2007, de 19 de Junho, no âmbito das
provas de agregação em Direito Privado concluídas, com aprovação por unanimidade, em 4 e 5 de
Junho de 2012 na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, perante um júri presidido
pelo Reitor, Professor Doutor António Rendas, e constituído pelos Professores Doutores Carlos
Ferreira de Almeida (arguente do curriculum vitae), Joaquín García Murcia, Jorge Coutinho de
Abreu, Pedro Romano Martinez (arguente desta lição), Maria do Rosário Palma Ramalho (arguente
do relatório), Rui Pinto Duarte e António Monteiro Fernandes.
Alter do Chão, Julho de 2013.
DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA NO TRABALHO
– EM ESPECIAL, A RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA (ALGUMAS QUESTÕES)
(Lição de agregação)*
1. Constitucionalização do Direito do Trabalho
1.1. O tema dos direitos fundamentais da pessoa humana no trabalho remete-nos para a evolução,
operada nos últimos dois séculos, no sentido do que pode ser designado por uma “reconstrução
constitucional” do contrato de trabalho, com aqueles direitos e este contrato, partindo de mundos
separados, com o liberalismo, a deixarem de ser estranhos entre si, com o constitucionalismo social
e o Estado Social de Direito.
O liberalismo partia de uma separação radical entre o Estado e a sociedade civil, entre o direito
público e o direito privado. De facto, via a Constituição apenas reduzida à garantia da liberdade
individual perante o Estado, encarado como o único poder capaz de ameaçar a liberdade individual1,
aparecendo o direito privado, por sua vez, e precisamente porque era o reino das relações entre
iguais, amplamente dominado pelo princípio da autonomia da vontade e da liberdade contratual. A
intervenção do legislador a nível do direito privado era proscrita, dado que só as partes, livres e
actuando em pé de igualdade, podiam auto-regulamentar os seus interesses de uma forma justa.
É só com o século XX que tal visão começa a ser corrigida, como consequência, por um lado, do
reconhecimento da normatividade da Constituição, devida em grande parte a Hans Kelsen, e, por
outro, da ampliação do conteúdo dos textos constitucionais, que passam então a condicionar, não
apenas o sistema político, mas também a chamada sociedade civil. A constitucionalização do
Direito do Trabalho é, precisamente, uma das primeiras manifestações da intervenção constitucional
no âmbito privado. A partir da Constituição mexicana de Querétaro, de 1917, e da Constituição
republicana alemã de Weimar, de 1919, a maioria dos textos constitucionais procede a um
enquadramento próprio das relações laborais, caracterizado designadamente pela admissão de um
certo número de direitos colectivos dos trabalhadores (liberdade sindical, negociação colectiva e
greve), bem como de direitos a prestações do Estado, que traduzem um compromisso por parte deste
de estabelecer mecanismos de protecção social.
1.2. Com efeito, o optimismo de que a concepção liberal procede foi desmentido pelos factos,
mostrando-se aquela completamente inadequada à realidade social.
A igualdade liberal é uma igualdade meramente formal, que se limita exclusivamente ao gozo dos
direitos e não se estende às situações concretas.
Desde os últimos anos do séc. XIX, mas sobretudo na sequência da I Guerra Mundial e das várias
revoluções sociais suas contemporâneas, assiste-se a uma crise da consciência liberal: pressente-se
que a igualdade de direitos se torna artificial face ao poder económico e social de alguns, que o
impõem aos outros, tantas vezes até a coberto dessa mesma igualdade jurídica.
Com a industrialização e o progresso técnico aparecem a concentração económica – em vez da
liberdade concorrencial apregoada pelo liberalismo – e, com ela, novas estruturas sociais, com os
homens a diluírem-se na sociedade e com esta, por seu lado, a fragmentar-se em grupos, tantas vezes
com interesses contraditórios entre si, passando a marcar presença incontornável os conflitos sociais
e a contestação ideológica das teorias liberais2, etc.
O Estado deixa de poder ser visto apenas como potencial inimigo da liberdade individual, antes é
um instrumento privilegiado e indispensável para a defesa das liberdades reais dos homens
concretos.
Aparece o Estado Social de Direito, com a passagem do constitucionalismo liberal, preocupado
apenas com a garantia da autonomia pessoal do indivíduo face ao poder do Estado, para o
constitucionalismo social, caracterizado pelo intervencionismo estadual com fins de solidariedade e
justiça social. Já não é o Estado neutro da tradição liberal, antes um Estado que se reconhece “o
direito e o dever de intervir nas relações económicas entre os cidadãos” e para o qual esse dever
existe, ainda que tal intervenção sacrifique a liberdade individual e as suas projecções na liberdade
contratual e na propriedade privada.
Reconhecendo que de pouco servem os direitos se não houver os meios eficazes de os exercer e
que mais importante que a outorga de certosdireitos formais e o reconhecimento de uma liberdade
puramente jurídica é a promoção de benefícios sociais e económicos que, garantindo aos indivíduos
os meios indispensáveis ao desenvolvimento pleno da sua existência, assegure uma liberdade
efectiva, esse Estado deixa de se limitar ao mero respeito das liberdades clássicas, antes o
acompanhando da definição e execução de políticas que convertam a liberdade abstracta numa
liberdade autêntica, numa liberdade das pessoas concretas.
1.3. O anterior entendimento dos princípios da autonomia da vontade e liberdade contratual,
expressões do liberalismo económico, a que praticamente não eram postas restrições, também se
modifica. Desmentidos pelos factos os pressupostos em que assentava a concepção liberal, a qual
proscrevia qualquer intervenção estadual a nível das relações privadas, uma vez que só o que era
contratual era justo, vai assistir-se à total reformulação do direito dos contratos, com a imposição de
limitações previstas em normas imperativas. Entre os valores que se identificam com a ordem
pública garantida através dessas normas imperativas, encontra-se a protecção do contraente débil,
propósito que surge como corolário da desigualdade de facto que caracteriza as relações jurídicas,
uma vez que, contrariamente ao apregoado pelo liberalismo, o contrato nem sempre se forma e se
executa sob o signo da igualdade e da liberdade e, sem uma situação de real igualdade dos
contraentes, toda a autodeterminação do sujeito de direito é excluída a priori.
Ao reconhecer isto, o Estado vai passar, reticentemente a princípio e com mais frequência depois,
a intervir em protecção da parte que no contrato se encontra em situação de inferioridade, para
contrabalançar a desigualdade dos contraentes, tendo sido precisamente a propósito das relações
laborais que se verificou com maior nitidez a existência de relações desiguais, quer no plano factual,
quer jurídico, tanto no momento da celebração quanto no da execução do contrato.
O facto de o trabalhador aparecer como a parte mais fraca e a possibilidade real de o empregador
abusar dos poderes que o próprio quadro conflitual lhe confere justificaram desde cedo a intervenção
do legislador no domínio dessas relações e esteve na génese do direito do trabalho enquanto
segmento do ordenamento jurídico de fortíssima feição proteccionista.
Foi, na verdade, sob a égide da ideia de protecção do contraente débil que o juslaboralismo
ganhou foros de cidadania em relação ao direito civil: assegurar um certo grau de protecção é um
aspecto primordial de toda a sua evolução e que o conforma enquanto ramo autónomo da ordem
jurídica.
Na mesma linha lógica, a eficácia dos direitos fundamentais tem hoje um carácter «natural» no
contrato de trabalho, na medida em que é o seu próprio objecto que contém implicitamente uma
ameaça para a liberdade do trabalhador. Essa eficácia conduziu, primeiro, à consagração dos
direitos fundamentais especificamente laborais, maxime dos direitos colectivos dos trabalhadores,
e, posteriormente, ao reconhecimento dos direitos fundamentais não especificamente laborais,
direitos da pessoa e do cidadão, que o trabalhador mantém na empresa.
2. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre privados – em especial, no contrato de
trabalho
2.1. Em Portugal, a eficácia horizontal e a sua projecção laboral chegaram com a Constituição de
1976, onde se deu a aceitação dessa eficácia horizontal, consagrada expressamente pelo art. 18.°/1
da CRP, como uma eficácia “directa”3.
Hoje, assiste-se ao reconhecimento generalizado da eficácia dos direitos fundamentais nas
relações jurídicas privadas, com recurso às regras dos conflitos de direitos, nomeadamente com
aplicação do princípio da proporcionalidade, entenda-se essa aplicação imposta directamente pelos
próprios preceitos constitucionais ou pelas cláusulas gerais de direito privado (v.g., a boa fé).
O contrato de trabalho, porque implica o envolvimento integral do trabalhador, aumentando a
probabilidade de ameaças aos seus direitos fundamentais enquanto pessoa humana, representou,
desde sempre, por toda a parte, nos ordenamentos democráticos, o âmbito natural para o
desenvolvimento de uma tal eficácia dos preceitos e valores constitucionais, tornando-se necessário
responder à questão de saber se – e até que ponto – os interesses na base do poder do empregador
exigem e justificam, no caso concreto, a limitação da liberdade do trabalhador4.
2.2. Não se esqueça, aliás, que a própria legislação laboral ordinária compreende dispositivos
cujo fundamento só é explicável por uma ideia de tutela de um espaço de liberdade do trabalhador,
v.g. os vários meios de delimitação espacial e temporal da subordinação jurídica, as expressões do
direito ao repouso ou o regime peculiar de faltas e licenças, sendo também o que ocorre, por
exemplo, com a desobediência legítima da alínea e), in fine, do art. 128.° do CT, uma forma
particular de direito de resistência, e com a liberdade de desvinculação ad nutum reconhecida pela
lei ao trabalhador. O mesmo se diga em relação à “laboralização” de alguns institutos civis, bem
demonstrativa dos vectores próprios do direito do trabalho, por contraposição às ideias civilistas da
igualdade e da autonomia da vontade: veja-se, a título meramente exemplificativo, o caso da
excepção de não cumprimento do contrato, que apresenta uma feição muito particular no âmbito
laboral relativamente aos contratos bilaterais em geral.
Todavia, mesmo esses afloramentos de uma atitude de salvaguarda da liberdade civil do
prestador de trabalho tendem, muitas vezes, a ser em grande medida contrabalançados por certas
concepções fiduciárias do vínculo laboral e por teses comunitário-pessoais da empresa, que, sob a
premissa de um interesse superior e comum a ambas as partes da relação, admitem especiais
limitações a essa liberdade, traduzidas, entre outros aspectos, na elaboração dogmática de um dever
de lealdade tão amplo que, por vezes, vai mesmo para além dos limites temporais e espaciais da
prestação laboral.
A importância actual dos direitos fundamentais no âmbito da relação laboral representa, ao
contrário, a mais marcante manifestação de uma nova concepção, caracterizada pela depuração
desses elementos comunitário-pessoais e em que a qualidade de vida e de trabalho e a realização
pessoal do trabalhador são elementos determinantes.
2.3. A generalidade das ordens jurídicas europeias reconhece a plena eficácia dos direitos
fundamentais da pessoa humana no âmbito da relação de trabalho, apenas lhe sendo assinalados
como limites “interesses legítimos”, do empregador ou de terceiros, naquilo que aponta para um
critério de concordância prática entre a liberdade civil do trabalhador e a autonomia contratual,
através de um princípio de proporcionalidade, na sua tripla dimensão de necessidade (de
salvaguardar a correcta execução do contrato), de adequação (entre o objectivo a alcançar com a
limitação e o nível desta) e de proibição do excesso (devendo a restrição ser a menor possível, em
função da finalidade a ser alcançada com a sua imposição)5.
A questão é de conflito de direitos, de equilíbrio, entre a salvaguarda dos direitos dos
trabalhadores e a correcta execução dos seus compromissos contratuais, equilíbrio a ser alcançado
seja pelo recurso à lei, seja por via da interpretação, com recurso, por exemplo, às cláusulas gerais
de direito privado, v.g., a boa fé6.
Estão em causa os limites da subordinação jurídica.
Os direitos do trabalhador constituem limites ao exercício dos poderes patronais e o seu
exercício só pode ser restringido se e na medida em que colidir com interesses relevantes do
empregador, ligados ao bom funcionamento da empresa e ao correcto desenvolvimento das
prestações contratuais.
As restrições a esses direitos devem “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”(por exemplo, a honra ou reserva de
intimidade do empregador e dos outros trabalhadores, o direito à saúde e à integridade física e
moral, a liberdade de empresa e a propriedade privada, etc.), devendo, além disso, apenas ir até
onde não afectem “a extensão e o alcance do conteúdo essencial” dos direitos em questão (cfr. n.°s
2 e 3 do art. 18.° da CRP).
Entendemos que, em princípio, o trabalhador é livre para tudo aquilo que não diga respeito à
execução do seu contrato. Há aqui uma presunção de liberdade, a qual significa que qualquer
limitação imposta à liberdade civil do trabalhador deverá revestir natureza absolutamente
excepcional7, não podendo justificar-se senão em obediência aos critérios de proporcionalidade e
de respeito pelo conteúdo essencial mínimo do direito atingido.
2.4. O Código do Trabalho, nos seus artigos 14.° e seguintes, reconhece expressamente no âmbito
da empresa alguns direitos fundamentais da pessoa humana, entre os quais a reserva da intimidade da
vida privada8.
Os trabalhadores têm, com efeito, o direito de esperar um certo grau de respeito pela sua vida
privada no seu lugar de trabalho, pois é aí que desenvolvem uma parte importante das suas relações
com outras pessoas. Tal direito deve, porém, ser equilibrado com outros direitos e interesses
legítimos do empregador, nomeadamente o seu direito de gerir eficazmente a sua empresa e
sobretudo o seu direito de se proteger da responsabilidade ou do prejuízo que as acções dos
trabalhadores podem suscitar. São esses motivos legítimos que podem justificar limitações ao direito
à vida privada dos trabalhadores.
3. A reserva da intimidade da vida privada.
3.1. O art. 16.° do CT refere o direito à reserva da intimidade da vida privada, que se analisa na
proibição tanto do acesso de estranhos a informações sobre a vida privada como da divulgação de
informações que alguém tenha sobre ela; é o que diz o n.° 2 do artigo, cujo elenco não é exaustivo,
abrangendo a proibição quaisquer factos não relevantes para efeitos de valoração da atitude
profissional do trabalhador, até mesmo, por ex., os seus gostos pessoais e hábitos de vida, situação
familiar, estado de saúde, etc.9
Também aqui, por imposição quer do n.° 2 do art. 18.° da CRP quer do art. 335.° do C. Civil, a
reserva da intimidade da vida privada deve ser a regra, não a excepção, apenas se justificando a sua
limitação quando interesses superiores (v.g., “outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos”) o exijam.
De acordo com o princípio, fundado nesse direito, da separação entre vida privada e relação de
trabalho, o trabalhador pode, em regra, dispor da sua vida extraprofissional, sendo vedado ao
empregador investigar e/ou fazer relevar factos dessa sua esfera, a não ser que haja uma ligação
directa com as suas funções. Nomeadamente, factos que integram a esfera privada do trabalhador
(até mesmo, por exemplo, no caso de uma condenação penal) não podem constituir justa causa para o
seu despedimento, a não ser que, em concreto, tenham “reflexos prejudiciais no serviço”, isto é,
possam perturbar a empresa e o correcto desenvolvimento das prestações contratuais, por motivos
directamente ligados às funções por ele exercidas ou à natureza da própria empresa (por ex., empresa
de tendência).
Para haver infracção disciplinar, é sempre necessário haver violação de deveres contratuais e,
por isso, factos da vida privada do trabalhador dificilmente poderão constituir infracção disciplinar.
Essa vida extraprofissional apenas pode, por conseguinte, ter um relevo meramente indirecto na
consistência do vínculo laboral, na medida em que se reflicta negativamente, isto é, de forma
prejudicial, na relação de trabalho, sendo que, em todo o caso, não é aquela, mas apenas este reflexo,
que pode ser objecto de sanções aplicadas pelo empregador.
3.2. Se procedermos a uma análise de algumas decisões jurisprudenciais sobre justa causa de
despedimento, verse-á precisamente isto10.
Assim, por exemplo, refira-se a decisão relativa a um perito de uma companhia de seguros
condenado por tráfico de droga, em que se considerou haver justa causa de despedimento11. Também
já se entendeu que uma hospedeira de uma companhia aérea não estava apta para o trabalho por se ter
detectado que consumia cannabis12. Por outro lado, foi entendido que “ofensas corporais praticadas
por uma trabalhadora sobre outra, em lugar bastante afastado do local de trabalho, fora do tempo de
serviço e sem qualquer reflexo na empresa em que ambas trabalhavam” – “não constituem justa causa
de despedimento”13. Passando para um outro exemplo, referente a infracções graves cometidas por
um empregado bancário, tendo essas infracções sido detectadas através de uma inspecção feita às
contas bancárias do trabalhador pela entidade patronal, considerou-se não haver justa causa de
despedimento, por se estar perante prova ilicitamente obtida14. São também conhecidos casos de
violação de deveres laborais por pilotos de avião fora do horário de trabalho15 ou de saídas
nocturnas dos futebolistas profissionais, tão comentadas no dia a dia dos media. Refira-se, por fim, o
caso da trabalhadora que trocou mensagens de e-mail com uma colega de trabalho, mensagens com
conteúdo ofensivo para o seu superior hierárquico, que acedeu a elas durante o período de férias da
primeira; o tribunal, não obstante considerar o acto da trabalhadora censurável, entendeu não haver
justa causa para despedimento16.
3.3. Os artigos seguintes têm também a ver com a vida privada, neles se definindo, por ex., os
termos em que se pode “exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações
relativas à sua vida privada”, “à sua saúde ou estado de gravidez” (art. 17.°), tratar dados
biométricos do trabalhador (art. 18.°) exigir-lhe “a realização ou apresentação de testes ou exames
médicos” (art. 19.°), utilizar “meios de vigilância à distância no local de trabalho” (arts. 20.° e 21.°)
ou “estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do
correio electrónico” (art. 22.°).
A regra será sempre a de que o direito à intimidade só pode ser limitado se interesses relevantes
o justificarem, não podendo pôr-se em causa os princípios constitucionais da necessidade,
adequação e proibição do excesso. O empregador só deverá, pois, aceder a dados sobre a vida
privada que sejam estritamente necessários e relevantes para avaliar a aptidão para a execução do
contrato17.
Nesta lição, face aos limites temporais, apenas focaremos algumas questões, maxime as
colocadas pelos limites estabelecidos nos artigos 17.° e 19.° do Código do Trabalho18.
3.3.1. Nos termos do n.° 1 do art. 17.° do CT, os princípios que devem nortear a recolha de dados
para efeitos de contratação de pessoal são a necessidade e a proporcionalidade, só podendo o
empregador solicitar informações sobre a vida privada do trabalhador que sejam “estritamente
necessárias e relevantes” para avaliar da aptidão para a execução do contrato19; a alínea b) do
artigo, reportando-se às informações sobre o estado de saúde ou de gravidez, estatui que essas
informações só podem ser solicitadas quando “particulares exigências inerentes à natureza da
actividade profissional” o justifiquem, o que, de algum modo, em nosso entender, não deixa de ser
uma formulação bastante genérica das excepções à não vinculação do trabalhador a fornecer
informações sobre o estado de saúde ou de gravidez; não poderá a indagação sobre o estado de
saúde (e mesmo sobre a gravidez), a coberto de um fundamento de algum modo impreciso
(“particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional”), contribuir para uma
devassa da vida privada, constitucionalmente censurável?20 De qualquer modo, resulta do n.° 2 do
preceito que a solicitação “por escrito” e “a respectiva fundamentação” devem ser subscritas por
médico e ao empregador só pode ser revelada a aptidão ou inaptidãopara o cargo.
O que é decisivo é que as limitações à intimidade dos trabalhadores não sejam desnecessárias ou
excessivas, sob pena de contrariedade aos artigos 26.° e 18.°, n.° 2, da CRP.
3.3.2. O problema de saber que informações podem ser exigidas de um candidato a emprego leva-
nos para um outro, que é o de saber quais as consequências para o caso de o trabalhador não
responder ou, inclusivamente, responder mentindo.
Tem o trabalhador direito à mentira? Suponha-se a situação em que uma candidata a emprego,
não existindo dever de informar o empregador e sem nada lhe ser perguntado, diz ao empregador, na
entrevista para a sua admissão, que não tenciona ter filhos. Poderá mais tarde o empregador invocar
erro-vício na sua contratação? Julgamos que não.
Cremos que, mais apropriado do que falar de um direito à mentira, será considerar estarmos
perante um “direito a manter reservada a sua intimidade” ou um “direito a não revelar o estado de
saúde”, parte do direito fundamental à reserva da vida privada.
3.3.3. Outra questão importante é a de saber em que medida, até que ponto, pode, ou não, o
empregador recorrer a certos meios de prova, nomeadamente, para efeitos disciplinares. Pense-se,
por exemplo, no caso do facebook: pode, ou não, essa rede social (ou uma qualquer outra) ser
utilizada pelo empregador como meio de prova de uma infracção disciplinar?
Ainda recentemente, o Boletim da Ordem dos Advogados de Março deste ano dava conta que, no
primeiro caso do género, na Holanda, um tribunal deu razão a uma empresa que despediu um
funcionário, empregado de armazém, por este ter expressado no facebook comentários tidos por
ofensivos da entidade patronal. A alegação de que esses comentários eram privados não convenceu o
tribunal, que entendeu, pelo contrário, que “o facto de todos os comentários e mensagens publicados
no mural da rede social poderem ser republicados facilmente faz com que a informação seja visível
para outras pessoas e, assim, deva ser considerada semipública”.
O acesso às redes sociais e, de uma forma geral, a atenção dos empregadores ao que aí é
partilhado por trabalhadores ou candidatos a emprego é cada vez mais uma realidade, também em
Portugal, sendo conhecidos casos de despedimento e de rejeição de candidaturas a emprego por
causa de conteúdos nelas publicitados. A questão já levou inclusivamente à emissão de leis sobre a
matéria, o que ocorreu, por exemplo, na Alemanha e no Maryland, que, em Abril, se tornou o
primeiro estado norte-americano a aprovar uma lei que proíbe os empregadores de pedirem aos
trabalhadores e aos candidatos a emprego o nome de utilizador e a password dessas redes21.
3.3.4. Refira-se ainda o problema das chamadas organizações “de tendência”, isto é,
ideologicamente orientadas, do ponto de vista religioso, político, sindical ou outro, em relação às
quais alguma doutrina considera que, em virtude do seu peculiar carácter, alguns direitos
fundamentais – v.g., a reserva da vida privada – devem ser limitados (ou até mesmo excluídos). Com
efeito, há nelas determinadas tarefas (tarefas de tendência, por contraposição às tarefas neutras),
em que o cumprimento da prestação laboral se identifica com a realização dos fins ideais em que a
organização se inspira, com a posição do trabalhador e o conteúdo ideológico da sua actividade a
imporem-lhe algumas limitações acrescidas na sua vida privada e nas suas liberdades ideológicas e
de expressão.
Por exemplo, numa universidade católica, a conduta extra-profissional dos seus professores é
irrelevante? Se não, até onde é que pode ir a limitação aos seus direitos? Basta que respeitem a fé
católica ou, pelo contrário, devem participar activamente nos actos de culto? Outro caso, semelhante,
aliás: quid juris, se, num colégio religioso, um professor da disciplina de Educação Cristã
abandonar a religião em questão? Ou, como já aconteceu na Alemanha, se a direcção de uma escola
infantil pertencente a uma comunidade religiosa evangélica despedir uma educadora por ter
baptizado o filho na Igreja Católica? Ou, ainda, caso também retirado da vida real, se um jornal, que
expressamente assume uma linha editorial em consonância com um determinado partido político,
despedir um jornalista que deixou de ser militante desse partido?
A aceitação desse conceito de organizações de tendência, que aparece como lógica no contexto de
uma sociedade pluralista, não poderá, segundo cremos, conduzir ao extremo de deixar sem qualquer
protecção os direitos dos seus trabalhadores, devendo, no fundo, valer os mesmos critérios antes
mencionados – ou seja, a ideia de que as restrições aos direitos de personalidade do trabalhador
respeitem os princípios de harmonização de direitos fundamentais, não podendo, sob pena de
contrariar o art. 18.°, n.° 2, da CRP, revelar-se desnecessárias, inadequadas ou excessivas.
3.3.5. O n.° 1 do art. 19.° estabelece algumas situações em que pode ser solicitada a realização ou
apresentação de testes e exames médicos a candidatos a emprego ou a trabalhadores: quando
“tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros” ou “quando
particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem”. De acordo com o n.° 2, é absolutamente
vedado ao empregador exigir a realização ou apresentação de testes ou exames de gravidez. Resulta
do n.° 3 que os testes e exames médicos só podem ser feitos por ordem e sob a direcção de um
médico e o resultado dos mesmos deverá ser inacessível à entidade empregadora.
Faça-se, a propósito, uma breve referência aos testes genéticos, cuja realização, embora pareça
legitimada pelo n.° 1 do art. 19.°22, se apresenta dificilmente compatível com o art. 12.° da
Convenção europeia sobre os direitos do homem e a biomedicina, que proíbe a realização de “testes
preditivos de doenças genéticas ou que permitam quer a identificação do indivíduo como portador de
um gene responsável por uma doença quer a detecção de uma predisposição ou de uma
susceptibilidade genética a uma doença, salvo para fins médicos ou de investigação científica e sem
prejuízo de um aconselhamento genético apropriado”.
Nesses testes, tanto poderá estar em causa a despistagem genética para, numa lógica de
rentabilidade económica e ponderação do risco, delimitar as características genéticas do candidato a
emprego e detectar a existência de marcadores hereditários ou predisposições patológicas para
contrair certas doenças ou vir a padecer de certa incapacidade, como tratar-se de exames de
controlo, tendentes a avaliar, numa perspectiva de protecção da saúde, o impacto do ambiente
profissional no património genético do trabalhador.
Face ao disposto no referido preceito, bem como nos artigos 13.° e 26.° (maxime, n.° 3) da CRP,
entendemos dever ter-se por proibida a realização destes testes na fase de contratação, como forma
de defender o trabalhador contra a discriminação e a ânsia empresarial em contratar trabalhadores
não «propensos a contraírem certas doenças», com prevalência dos interesses estritamente
económicos em detrimento da sua real aptidão para o desempenho do cargo. Esses testes, podendo
colocar candidatos a emprego numa situação de exclusão, com base em circunstâncias ambientais que
podem potenciar, não se sabe quando, determinadas patologias, são susceptíveis de contribuir para
subverter a igualdade de oportunidades e gerar, assim, uma discriminação, violadora também do art.
58.°/1 da CRP. Em termos de balanceamento de direitos (iniciativa económica privada versus
protecção da intimidade da vida privada), o princípio da proporcionalidade determina nesta fase a
prevalência da intimidade da vida privada do candidato, solução que não compromete a iniciativa
privada, ao passo que a solução contrária contribuiria para «aniquilar» o direito à intimidade dos
candidatos, sem que haja razões jurídicas e interesses relevantes da entidade empregadora que
justifiquem tamanho sacrifício.
Mas,mesmo em relação à realização de testes no decurso da relação laboral, ela só se admite
para situações excepcionais, devidamente fundamentadas, e deve ser tomada pelos serviços de
medicina do trabalho, após aconselhamento e na base de voluntariado do trabalhador, com
salvaguarda de que o resultado dos exames não deverá ser comunicado, em nenhum caso, à entidade
empregadora. O que importa é avaliar se o recurso a esses exames é necessário ou imprescindível.
Esse recurso só muito remotamente pode ser admitido à luz da legislação sobre saúde no trabalho, na
medida em que dificilmente estes exames se podem considerar “exames de saúde”, como tal
abrangidos nas atribuições e competências da medicina do trabalho. Para que tal aconteça, deve
comprovar-se que o recurso aos testes é a única via para assegurar o direito à saúde e a sua
realização é determinada, essencialmente, por razões de protecção do trabalhador e em função de
riscos advenientes do “ambiente de trabalho”.
3.3.6. Os tribunais têm igualmente entendido, por exemplo, que interesses dignos de protecção
social, v.g., a segurança rodoviária ou a prevenção de acidentes laborais, podem justificar a
realização de testes de alcoolemia ou para detecção de drogas.
Assim, no domínio rodoviário, o Tribunal Constitucional considerou que “a submissão do
condutor ao teste de detecção de álcool não viola o dever de respeito pela dignidade da pessoa do
condutor, nem o seu direito ao bom nome e à reputação, nem o direito que ele tem à reserva da
intimidade da vida privada”.
Também o STJ, não só considerou legítima uma ordem do empregador para que o trabalhador se
sujeitasse a um teste de alcoolemia, como acrescentou que a imposição da obrigatoriedade desse
teste, através de regulamento interno, se encontra abrangida pelo poder directivo (e regulamentar) do
empregador, violando o dever de obediência o trabalhador que se recuse a fazê-lo23.
O direito à privacidade não é absoluto: pode ser limitado, por exemplo, se estiver em causa a
protecção da saúde pública ou a segurança do próprio ou de terceiros. Aliás, existem actividades
(caso dos maquinistas, condutores de autocarro e de navio, pilotos de avião, controladores de tráfego
aéreo, trabalhadores de central nuclear, etc.) que justificam medidas mais severas na selecção de
trabalhadores e em que, por isso, estes exames se podem justificar24.
3.4. Vamos terminar esta lição de agregação com um estudo de caso, relativo à situação que foi
objecto de julgamento num acórdão da Relação de Lisboa de 29-05-2007, o qual viria mais tarde a
ser confirmado por um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 24-09-200825.
Tratava-se de um trabalhador que, na sequência de exames realizados pela medicina do trabalho,
foi considerado inapto para a profissão de cozinheiro, tendo então a entidade patronal (um hotel)
considerado o contrato caducado. Chamadas a pronunciar-se, as sucessivas instâncias judiciais
consideraram que o facto de um cozinheiro ser portador de HIV positivo é motivo para fazer cessar o
contrato de trabalho por caducidade.
A nossa análise abordará 3 pontos: o primeiro é o de saber se o HIV gera, ou não, inaptidão para
a profissão de cozinheiro; o segundo incide sobre se houve ou não violação dos deveres de lealdade
e informação por parte do trabalhador ao não comunicar ao empregador que era portador daquele
vírus; o terceiro sobre se o médico podia ou não comunicar ao empregador a doença de que padecia
o trabalhador.
a) Os acórdãos em causa consideraram que o facto de o trabalhador ser portador de HIV positivo
o tornava inapto para o exercício das funções de cozinheiro, dado ter de manipular alimentos e
utilizar objectos cortantes, podendo o vírus26 ser transmitido no caso de haver, por exemplo, derrame
de sangue sobre alimentos servidos em cru e consumidos por quem tenha uma ferida na boca.
Porém, para além de não ter sido feita qualquer prova de que, na cozinha daquele hotel, fossem
frequentes situações dessas, as decisões assentaram em bases cientificamente incorrectas, pois faz
parte do conhecimento científico existente27 que a transmissão daquele vírus só se efectua através de
relações sexuais não protegidas, por via endovenosa e por via materno-fetal – e não por manipulação
de alimentos.
Não havia, pois, em nosso entender, base para sustentar que o contrato caducara, face à ausência
de uma prova mínima de um risco efectivo, concreto e objectivo de transmissão do vírus por parte de
um cozinheiro no exercício das suas funções e por causa delas28.
b) Por estas mesmas razões, temos também por seguro que o trabalhador não violou quaisquer
deveres de lealdade e informação ao não comunicar à entidade patronal que era portador desse vírus.
c) Por sua vez, o médico não podia comunicar à entidade patronal a doença de que padecia o
trabalhador. Não havia in casu nenhuma causa justificativa para a quebra do segredo médico (nem
consentimento do titular, nem lei a permitir a divulgação de informação clínica). Em caso algum, é
admissível divulgar a terceiros a doença de que o trabalhador padece, mesmo que essa doença fosse
relevante para a aferição da sua aptidão para o trabalho.
No caso concreto, o médico do trabalho tomou conhecimento do problema durante a consulta e
seguidamente terá revelado o facto à Direcção do Hotel. A divulgação desta informação clínica é
ilícita29. Está-se, pois, perante uma violação do direito à intimidade da vida privada (art. 26.° da
CRP) e a prática pelo referido médico de um ilícito criminal, civil e disciplinar (nos termos dos
artigos 192.° e 195.° do Código Penal, 70.°, 80.°, 483.° e 496.° do Código Civil, e 67.° e 68.° do
Código Deontológico dos médicos)30.
A cessação do contrato de trabalho foi ilícita.
-
* O anterior regime jurídico das provas de agregação (Decreto-lei n.° 301/72, de 14-08) referia-se a uma “lição de síntese”. O facto
de tal não acontecer agora não nos impede de considerar que a lei mantém a orientação do que julgamos ser a exigência de uma reflexão
de síntese sobre uma determinada temática, que condense algumas das preocupações centrais da carreira académica do autor. Foi tendo
isso em conta que escolhi este tema. As relações entre o direito laboral e a Constituição foram sempre tema recorrente dos meus
trabalhos. Por outro lado, volto a uma temática, que é parte integrante de uma outra, mais vasta, a das relações entre liberdade individual
e poderes privados, de que tratei pela primeira vez há mais de 30 anos, na disciplina de direito constitucional da parte escolar do
mestrado, e, de seguida, na sequência de uma estadia em Estrasburgo, como bolseiro do Conselho da Europa.
É um tema intimamente ligado à questão do poder, numa sociedade fracturada em interesses antagónicos e em que ao Estado compete,
não apenas respeitar a liberdade de cada um, mas também garantir a sua efectivação, cada vez mais ameaçada por obstáculos
económicos e sociais que limitando de facto a liberdade e igualdade dos cidadãos e impedem o pleno desenvolvimento da pessoa
humana. O Estado democrático não pode, de facto, ignorar os fortes poderes económicos e sociais existentes na sociedade civil, que,
representando uma ameaça permanente para essa liberdade, tornam imperiosa a sua intervenção. A defesa dos mais fracos, dos que não
têm voz, é uma das funções principais desse Estado.
Tratar este tema é, para mim, também uma forma de ser coerente com a luta pelo Direito e pela Justiça, que não pode ser consequente
sem uma opção preferencial pelos mais desfavorecidos.
Dedico esta lição à Memória dos meus Pais – que me ensinaram, pela palavra e pelo exemplo, a generosidade e o sentido de justiça, a
coragem e a dignidade –, bem como à minha Mulher, em quem revejo a partilha de tais valores, e às nossas netinhas, Catarina e Leonor.
1 Tal como claramente resulta daquela que é a Magna Carta do liberalismo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da
AssembleiaNacional francesa, de 26 de Agosto de 1789 (art. 16), a Constituição aparece então como instrumento de protecção dos
direitos individuais naturais, anteriores e superiores à sociedade política e ao Estado, que não os conferem, não os criam, antes se
limitam a reconhecê-los, a declará-los. Existindo em todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares (art. 1), esses direitos
não são funcionalizáveis e só têm por limites os iguais direitos de todos os outros homens (art. 4). São, por isso, direitos de defesa contra
o Estado, a única força capaz de ameaçar a liberdade individual.
Note-se que esta concepção jusnaturalista é também uma concepção democrática, dado que (voltamos de novo ao art. 16) o
respeito pela liberdade individual (direitos do homem) supõe uma certa estrutura do poder político, baseada na separação de poderes
(direitos do cidadão).
2 Que aparece, por exemplo, na visão marxista da luta de classes como motor da história, que levará à eliminação das injustiças do
capitalismo, ou com a doutrina social da Igreja, afirmando em várias encíclicas o “princípio da prioridade do trabalho em relação ao
capital” – é, aliás, a Quadragesimo Anno que reclama para a sua antecessora Rerum Novarum, de 1891, ter apontado “as linhas que
vieram a inspirar a legislação social dos Estados contemporâneos, que eficazmente contribuíram para o aparecimento e a evolução de um
novo e nobilíssimo ramo do direito, o direito do trabalho”.
3 Também em Espanha a temática só chega com a Constituição de 1978. Note-se que é possível detectar alguma transposição do
debate ocorrido na Alemanha para outros países, com a divisão da doutrina entre os partidários da unmittelbare Drittwirkung e os da
mittelbare Drittwirkung – sendo que, por exemplo, em Espanha, face à Constituição de 1978, até há quem chame a atenção (fazem-no,
por exemplo, García Torres e Jiménez Blanco e também Rodríguez-Piñero) para o facto de se confundir a questão material da
Drittwirkung com a questão processual relativa à legitimidade passiva no âmbito do recurso de amparo [o que já se passara, com o caso
“Lüth”, na Alemanha]. Em Portugal, tal só não se terá passado, primeiro, porque, ao contrário de Espanha, não existe recurso de amparo
(ou seja, não há um equivalente à Verfassungsbeschwerde alemã), segundo, porque a própria Constituição de 1976 expressamente
definiu a eficácia dos direitos fundamentais como “directa”, no art. 18.°/1.
4 Foi no âmbito de uma controvérsia acerca do dever de igualdade de tratamento entre homem e mulher no trabalho que Hans Carl
Nipperdey (RdA 1950, p. 121 ss.) lançou as bases da sua teoria, sustentando a eficácia directa do art. 3 (e de outros preceitos) da Lei
Fundamental nas relações privadas. Também na Itália, na França e na Espanha foi o ordenamento laboral o âmbito privilegiado para o
nascimento das principais controvérsias sobre a matéria.
5 O princípio da proporcionalidade, tendo tido origem no direito público, enquanto instrumento de controlo do poder derivado da
intervenção pública com reflexo na esfera dos privados, expandiu-se para o direito privado, maxime para as situações contratuais de
poder-sujeição, em que uma das partes está em posição de poder exercer sobre a outra uma espécie de (quase)-poderes de autoridade –
ou seja, para os casos em que, atentas as circunstâncias, o desequilíbrio entre as partes põe em crise o exercício de uma efectiva
liberdade contratual, ficando esta facticamente derrogada. Trata-se de situações em que a estrutura do direito privado se aproxima do
direito público, sendo o princípio então convocado com o objectivo de estabelecer limites à prevalência de uma parte sobre a outra e
transformar assim essas situações de poder em situações de equilíbrio ou, pelo menos, de desequilíbrio tolerável.
O exemplo mais significativo de actuação do princípio no domínio privado encontra-se no direito do trabalho, por ser um domínio em que
é particularmente intenso o conflito entre interesses de sinal contrário.
É à luz dele, por exemplo, que se devem impor limites a formas de controlo do trabalhador contrárias à sua dignidade e à intimidade da
vida privada (sobre o ponto, cfr. André Figueiredo, “O princípio da proporcionalidade e a sua expansão para o Direito Privado”, in
Estudos Comemorativos dos 10 anos da FDUNL, Volume II, 2008, p. 23 ss.).
6 A boa fé tem, com efeito, uma função integradora do contrato, expressa, por ex., na criação de deveres, como o dever de segredo
relativamente à “organização, métodos de produção ou negócios” da entidade patronal, e, de uma forma geral, todos os deveres
elencados no art. 128.° do CT, ou então, ainda, com a imposição de limites à liberdade de expressão (como a proibição da calúnia ou
difamação).
7 Nesta questão de saber até que ponto a actuação dos particulares pode comprimir direitos fundamentais, entendemos que, nas
situações de poder-sujeição, como a do contrato de trabalho, o fundamento e os limites da Drittwirkung se encontram na analogia com o
poder do Estado. O poder patronal está, pois, em regra, sujeito à relevância dos direitos fundamentais, só assim não acontecendo quando
tal represente o prejuízo desrazoável e injustificado da área de autonomia que lhe é constitucional e legalmente reconhecida. Esta
nossa concepção significa um repúdio das teses que sufragam a sujeição da liberdade do trabalhador a um, pretensamente superior,
“interesse da empresa”, que justificaria, por exemplo, que o titular desta pudesse fazer tudo aquilo que lhe não fosse especificamente
proibido (por via legal, convencional ou contratual). A regra é, precisamente, a oposta: o empregador só poderá limitar a liberdade do
trabalhador quando tal lhe seja especificamente permitido (legal, convencional ou contratualmente) e/ou se houver subjacentes à
sua actuação interesses que, no caso concreto, se mostrem merecedores de uma tutela superior à daquela liberdade. Pode dizer-
se que, grosso modo, as entidades patronais estão, nesta matéria, sujeitas a um princípio de competência, e não de liberdade, o que é
um corolário, no fundo, da ideia de que a Drittwirkung encontra aqui o seu fundamento e limites na analogia com as relações com os
poderes públicos.
8 Diga-se que, nos preceitos em causa, a consagração de certos direitos vem normalmente acompanhada de excepções que, nalguns
casos, dada a imprecisão e subjectividade dos seus contornos [por ex., a reserva quanto ao fornecimento de informações sobre estado de
saúde é limitada por “particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional” (art. 17.°, n.° 1, alínea b), a proibição contra
discriminações não se aplica quando o factor discriminatório se apresentar como “justificável e determinante” para o exercício da
actividade em causa (art. 25.°, n.° 2), etc.], poderão comprometer a possibilidade de delimitar com rigor, numa violação dos princípios
consignados no art. 18.°, n.° 2, da CRP, a “medida” de limitação dos direitos dos trabalhadores. Talvez isto seja, no fundo, inevitável,
quando estamos, como é o caso, perante o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados. Mas, já no que respeita, por exemplo,
à utilização das novas tecnologias, julgamos que o CT fica longe do que seria desejável e possível, dando um contributo muito tímido,
manifestamente insuficiente, pois poderia – e deveria – ter fixado princípios orientadores sobre a forma e os meios, o âmbito e o alcance
dos poderes de controlo electrónico do empregador sobre o trabalhador, por exemplo, sobre o controlo da utilização do telefone, do e-mail
ou da navegação na Internet para fins privados; há, pelo contrário, uma inexistência de parâmetros legais quanto a essa utilização das
novas tecnologias.
Outro aspecto que merece referência respeita ao facto de os preceitos do CT, nomeadamente, o art. 16.°, colocarem em posições
simétricas o trabalhador e o empregador, escamoteando assim, de algum modo, que o problema é sobretudo de protecção da
personalidade dotrabalhador, pois é este que pode ver os seus direitos ameaçados por força da execução do contrato. Isso é que é
“natural” no contrato de trabalho – sem com isto estarmos a esquecer determinadas situações em que, pela sua especial natureza, pode
estar em causa também a violação de direitos fundamentais do empregador, por exemplo, a sua privacidade no caso do contrato de
serviço doméstico [cfr. a sentença do TC espanhol n.° 115/ /2000 (caso “Preysler”), onde se considerou que a empregada doméstica
havia violado a privacidade da Sr.ª Isabel Preysler].
9 A chamada teoria das 3 esferas (“Sphärentheorie”), de origem alemã, distingue entre: a esfera íntima (corresponde ao núcleo
duro do direito e abrange a vida familiar, saúde, comportamentos sexuais e convicções políticas e religiosas, cuja protecção é, em
princípio, absoluta); a esfera privada (cuja protecção é relativa, podendo ceder em caso de conflito com direitos e interesses superiores);
e a esfera pública ou social (relativa às situações que são objecto de conhecimento público e que, por isso, podem ser livremente
divulgadas, colocando-se já no quadro do direito à imagem e à palavra, e não no do direito à intimidade da vida privada).
Para além dos artigos 16.° e seguintes do CT, o enquadramento normativo da matéria relativa à privacidade e à protecção de dados
pessoais é bastante extenso. Assim, por exemplo: o art. 12.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem; quanto a legislação do
Conselho da Europa, há a destacar o art. 8.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Convenção sobre tratamento
automatizado de dados pessoais, de 1981, onde, pela primeira vez, aparecem consagrados os princípios da protecção de dados pessoais,
v.g., lealdade, licitude, finalidade, proporcionalidade e exactidão, que depois também vão aparecer noutros documentos posteriores, por
exemplo, na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, na Directiva n.° 95/46/CE, de 24-10-1995 (sobre tratamento de dados pessoais e
protecção da privacidade), e na nossa Lei da protecção de dados pessoais (Lei n.° 67/98, de 26-10, que transpôs a Directiva n.°
95/46/CE); a nível do direito da EU, faça-se ainda referência às Directivas n.° 97/66/CE, de 15-12-1997, e n.° 2002/58/CE, de 12-07-
2002 (sobre tratamento de dados pessoais e protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas), transposta para o direito
português pela Lei n.° 41/2004, de 18-08.
Especificamente no direito português, cfr. a Constituição, sobretudo o art. 26.°, mas também, por exemplo, o art. 35.°, sobre utilização da
informática, o Código Civil, artigos 80.° e 81.°, sobre intimidade da vida privada e limitação voluntária dos direitos de personalidade, e o
Código Penal, art. 192.° (devassa da vida privada) e art. 193.° (devassa da vida privada por meio de informática). Interesse tem
igualmente a Lei n.° 5/ /2008, de 12-02, que criou uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal, as
Resoluções da AR n.°s 47/2001 e 48/2001, que aprovaram medidas de protecção da dignidade pessoal e da identidade genética do ser
humano e de defesa e salvaguarda da informação genética pessoal, bem como a Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina
(Convenção de Oviedo), de 1997.
10 Para uma visão geral da jurisprudência portuguesa sobre o tema, cfr., da nossa autoria, Contrato de trabalho e direitos
fundamentais, Coimbra, 2005, p. 190 ss., maxime, nota (408), bem como as obras de Teresa Coelho Moreira referenciadas no Anexo
III.
11 Acórdão Rel. Porto 16.12.85, Col. Jur. 1985-V, p. 212 ss. (confirmado por acórdão STJ 31.10.86, BMJ n.° 360, p. 468 ss.). A
solução adoptada pelo tribunal neste caso concreto aparece criticada por Menezes Cordeiro, “O respeito pela esfera privada do
trabalhador”, I Congresso Nacional de Direito do Trabalho. Memórias, Coimbra, 1998, p. 37, considerando não se ter provado
reflexos reais (apenas potenciais) da conduta do trabalhador.
12 V. a sentença do TC espanhol n.° 196/2004, relativa a uma trabalhadora da Iberia.
13 Acórdão STJ 14-11-86, BMJ n.° 361, p. 403.
14 Acórdão Rel. Lisboa 5.07.89, Col. Jur. 1989-IV, p. 176 ss. (confirmado por acórdão STJ 29.05.91, BMJ n.° 407, p. 308 ss.). A
propósito deste caso, sustenta Menezes Cordeiro, loc. cit., que a conta bancária está protegida pelo segredo profissional e por isso o
despedimento com base em elementos recolhidos por tal via (devassa da conta bancária do trabalhador) é desprovido de justa causa.
Diga-se que é algo frequente a situação em que um banco é, para além de empregador, igualmente credor do seu trabalhador, por lhe ter
concedido um empréstimo. Se este não proceder ao pagamento desse empréstimo, estará a violar um dever laboral? Não haverá, antes,
e tão só, responsabilidade civil?
15 Acórdão Rel. Lisboa 17.06.93, Col. Jur. 1993-III, p. 187 ss. (confirmado por acórdão STJ 11.05.94, BMJ n.° 437, p. 335 ss.).
16 Acórdão Rel. Porto 26-06-2006 (proc. 0610399; relatora Fernanda Soares). Num caso semelhante, também considerou não haver
justa causa o acórdão STJ 5-07-2007 (proc. 07S043; relator Mário Pereira) {o qual pode ser visto no anexo II deste trabalho}.
17 Por exemplo, quem se candidata a motorista pode ser inquirido sobre se costuma ou não infringir as regras de trânsito; pode ser
importante saber se uma mulher está grávida, se tiver que trabalhar com raios X; pode justificar-se o pedido, pelo empregador, de
exames médicos que comprovem não ter um trabalhador nenhuma doença respiratória que o impeça de trabalhar com determinadas
substâncias tóxicas ou de desenvolver a actividade em determinados ambientes, como, por exemplo, uma mina (como meio de protecção
do próprio trabalhador ou candidato a emprego).
18 Deixamos de parte, por exemplo, um tema importante e actual, o relativo ao poder de controlo do empregador face às novas
tecnologias de informação e comunicação, v.g., as muitas questões levantadas pelos meios de vigilância à distância no local de trabalho,
pelo controlo das comunicações electrónicas (v.g., Internet e e-mail), etc.
Limitar-nos-emos a fazer aqui uma referência muito sintética, primeiro à videovigilância, depois ao correio electrónico. Como já se disse
atrás, no que respeita à utilização das novas tecnologias, julgamos que o CT poderia – e deveria – ter fixado princípios orientadores sobre
a forma e os meios, o âmbito e o alcance dos poderes de controlo electrónico do empregador, por exemplo, sobre o controlo da utilização
do telefone, do e-mail ou da navegação na Internet para fins privados. Pelo contrário, inexistem parâmetros legais quanto a essa
utilização.
A videovigilância deverá traduzir-se numa vigilância genérica, destinada a detectar situações ou acontecimentos incidentais, e não
numa vigilância directamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de acção dos trabalhadores, que transformaria estes
indefinidamente em suspeitos de prática de ilícitos, com clara violação dos seus direitos de personalidade. A protecção dos bens não é um
argumento sem mais. Deve ter-se em conta aspectos como o valor dos bens, o facto de serem facilmente acessíveis a terceiros e de se
tratar de infracções graves. Por outro lado, a videovigilância oculta viola o artigo 20.°, n.°s 1 e 3, do CT e o dever de lealdade e boa fé
nas relações laborais. Quanto à admissibilidade da videovigilância como meio de prova, entendemos ser legítima a utilização, no
exercício do poder disciplinar, de dados conhecidos acidentalmente, através do controlo destinado a satisfazer as necessidades previstas
na lei, por ex., por razões de segurança ou de gestão empresarial: ou seja, a videovigilância pode servir para provar infracções
disciplinares, se estiver justificada por uma finalidade legítima (e se forem respeitados os demais critérios de proporcionalidade, tais como
o de o conhecimento acidental for o único meio de prova e a conduta em questão comprometer bens de relevância constitucional).
Se passarmos ao correioelectrónico, também aí, mais uma vez, o princípio é o de que a actividade do trabalhador na empresa não implica
a perda do direito à intimidade, devendo o empregador escolher as formas de controlo que tenham menor impacto sobre os direitos
fundamentais dos trabalhadores. Devem ser privilegiadas metodologias genéricas de controlo, evitando a consulta individualizada de
dados pessoais. O empregador não deve fazer um controlo permanente e sistemático do e-mail dos trabalhadores: tal controlo deve ser
pontual e direccionado para as áreas e actividades que apresentem um maior “risco” para a empresa. O controlo dos e-mails – a realizar
de forma aleatória – deve ter em vista essencialmente garantir a segurança do sistema e a sua performance. Para assegurar estes
objectivos, o empregador pode adoptar os procedimentos necessários para – sempre com conhecimento dos trabalhadores – fazer a
“filtragem” de certos ficheiros que, pela natureza da actividade do trabalhador, podem indiciar não se tratar de e-mails de serviço (v.g.,
ficheiros de imagens, exe ou mp3).
O acesso ao e-mail deverá ser o último recurso a utilizar, na presença do trabalhador visado, e limitar-se à visualização dos endereços
dos destinatários, o assunto, a data e hora do envio (podendo o trabalhador, se for o caso, especificar a existência de alguns e-mails
de natureza privada que não pretende que sejam lidos pela entidade empregadora).
Atente-se que mesmo o facto de o empregador proibir o e-mail para fins privados não lhe dá o direito de abrir, automaticamente,
qualquer e-mail dirigido ao trabalhador.
19 Trata-se de uma regra que é idêntica às constantes, por exemplo, do Code du Travail francês ou do SL italiano. Repare-se, para
só nos reportarmos ao primeiro destes dois diplomas, nos respectivos artigos L 121-6 e L 122-45.
Art. L 121-6: “ as informações solicitadas (...) a quem se candidate a um emprego ou a um trabalhador (...) devem ter uma
conexão directa e necessária com o emprego proposto ou com a avaliação da aptidão profissional”.
Art. L 122-45: “ ninguém pode ser afastado de um processo de selecção, sancionado ou despedido em razão da sua origem,
sexo, modo de vida, situação familiar, pertença a qualquer etnia, nação ou raça, das suas opiniões políticas, actividades
sindicais ou mutualistas, convicções religiosas, ou ... do seu estado de saúde ...”.
20 É sempre este o problema quando estamos, como é o caso, perante o preenchimento valorativo de conceitos indeterminados. De
qualquer modo, repare-se que não é sequer feita menção à necessidade de uma intervenção médica ou ao enquadramento do pedido no
âmbito dos serviços de higiene e saúde no trabalho.
21 Questão interessante é a de saber se o art. 20.° do CT terá aqui cabimento. Com efeito, a proibição de vigilância à distância, que
se tem entendido como referida sobretudo à videovigilância, não poderá valer igualmente para outras tecnologias, como, v.g., o GPS, um
dispositivo de geolocalização instalado no carro, que pode, de facto, controlar (à distância) a actividade do trabalhador (as horas a que
começa a trabalhar, o tempo que demora entre um local e outro, etc.), sendo que, além disso, muitos carros de serviço são cedidos aos
trabalhadores também para uso privado, pelo que o controlo por essa via pode interferir com a sua vida privada? Respondendo
negativamente a tal pergunta, cfr. acórdão STJ 22-05-2007 (proc. 07S054; relator Pinto Hespanhol).
22 De facto, de acordo com esse preceito, o empregador pode submeter o candidato a emprego a testes ou exames médicos “de
qualquer natureza”, “quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem”.
23 Sobre testes de alcoolemia, cfr., por ex., Acórdão STJ 24-06-98, Col. Jur. (STJ) 1998-II, p. 292 ss. (= AD n.° 444, p. 1643 ss.),
Acórdão STJ 27-04-2006 (proc. 05S4320; relator Pinto Hespanhol) e Acórdão Rel. Lisboa 6-10-2010 (proc. 475/07.7TTFUN.L1-4;
relatora Paula Sá Fernandes) {o segundo destes arestos, relativo a um operador de apoio à circulação de comboio, pode ser visto no
anexo II deste trabalho}.
24 Cfr., a propósito, art. 47.°/1 da CRP, que estatui que a liberdade de escolha da profissão se encontra limitada pelas “restrições
legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”.
Por exemplo, em Itália, o legislador elaborou normas específicas para certos casos, socialmente muito relevantes. Assim, a Lei n.°
162/90, de 26 de Junho, exige prova de não toxicodependência a trabalhadores com funções de risco para a segurança de terceiros (por
exemplo, pilotos de avião).
Também em Portugal, temos, por exemplo, o acórdão do TC n.° 368/02, de 25-09-2002 {pode ser visto no anexo II deste trabalho}, que
não considerou que fosse inconstitucional, em certas condições, o pedido de informações relativas ao estado de saúde do trabalhador,
nem a sujeição a exames médicos. Antes considerou que o trabalhador não pode deixar de se sujeitar a exames na medicina do trabalho,
por ex., “para minimizar o risco de acidentes de trabalho de que outros trabalhadores ou o público possam vir a ser vítimas, em função de
deficiente prestação por motivo de doença no exercício de uma actividade perigosa, ou para evitar situações de contágio para os
restantes trabalhadores ou para terceiros, propiciados pelo exercício da actividade profissional do trabalhador”.
Refira-se ainda a posição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, de acordo com a qual o teste do HIV deveria ser
exigido a certos profissionais, nomeadamente aos profissionais de saúde que entrem em contacto directo com órgãos ou líquidos
biológicos humanos.
25 Veja-se o segundo dos arestos no anexo II deste trabalho.
26 Que existe no sangue, bem como na saliva, no suor e nas lágrimas.
27 Constante de documentos emanados das mais prestigiadas organizações, médicas e não só, como a OMS, o Conselho da Europa e
a OIT.
28In casu, havia ainda a questão de saber se, face à incapacidade para o trabalho, existiria ou não o dever, por parte do empregador,
de propor a modificação da actividade contratada.
29 De acordo com o regime da medicina do trabalho, a ficha clínica encontra-se sujeita a segredo profissional, só podendo ser
facultada às autoridades de saúde e aos médicos da ACT.
30 A análise terá sempre de ser casuística. Cfr., por exemplo, André Dias Pereira, “Cirurgião seropositivo – do pânico ao direito”, in
Lex Medicinae, n.° 8 (2007), p. 97 ss., em que é sustentada a não ilicitude da conduta de um médico do trabalho que revelou a uma
directora clínica o facto de um cirurgião ser seropositivo. Não só o médico tinha dúvidas sobre a decisão a tomar quanto à aptidão do
cirurgião, não sendo indiferente o risco a que este último pudesse expor os doentes, como se estava perante uma relação laboral muito
especial, em que, do lado da entidade patronal, surge uma directora clínica, também médica e, como tal, sujeita ao dever de segredo.
A propósito do risco de transmissão do HIV por parte de um trabalhador no exercício das suas funções e por causa delas, diga-se que há
dados que, no caso de um cirurgião em cirurgia aberta, apontam para um risco, que, embora real, é muito diminuto, sendo tal risco,
obviamente, ainda muito menor em cirurgia laparoscópica ou, então, em casos como o de um cozinheiro ou outro profissional.
ANEXO I
Algumas referências legislativas sobre privacidade e protecção de dados pessoais
A – DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM
Artigo 12.°
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou
na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques
toda a pessoa tem direito a protecção da lei.
B – LEGISLAÇÃO DO CONSELHO DA EUROPA
Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Artigo 8.°
(Direito ao respeito pela vida privada e familiar)
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seudomicílio e da
sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta
ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja
necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem – estar económico do
país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a
protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.
Convenção para a protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados
de carácter pessoal
(de 28 de Janeiro de 1981)
Artigo 1.°
Objectivos e finalidade
A presente Convenção destina-se a garantir, no território de cada Parte, a todas as pessoas
singulares, seja qual for a sua nacionalidade ou residência, o respeito pelos seus direitos e
liberdades fundamentais, e especialmente pelo seu direito à vida privada, face ao tratamento
automatizado dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito (“protecção dos dados”).
Artigo 5.° 
Qualidade dos dados
Os dados de carácter pessoal que sejam objecto de um tratamento automatizado devem ser:
a) Obtidos e tratados de forma leal e lícita;
b) Registados para finalidades determinadas e legítimas, não podendo ser utilizados de modo
incompatível com essas finalidades;
c) Adequados, pertinentes e não excessivos em relação às finalidades para as quais foram
registados;
d) Exactos e, se necessário, actualizados;
e) Conservados de forma que permitam a identificação das pessoas a que respeitam por um
período que não exceda o tempo necessário às finalidades determinantes do seu registo.
Artigo 6.°
Categorias especiais de dados
Os dados de carácter pessoal que revelem a origem racial, as opiniões políticas, as convicções
religiosas ou outras, bem como os dados de carácter pessoal relativos à saúde ou à vida sexual, só
poderão ser objecto de tratamento automatizado desde que o direito interno preveja garantias
adequadas. O mesmo vale para os dados de carácter pessoal relativos a condenações penais.
Artigo 7.° 
Segurança dos dados
Para a protecção dos dados de carácter pessoal registados em ficheiros automatizados devem ser
tomadas medidas de segurança apropriadas contra a destruição, acidental ou não autorizada, e a
perda acidental e também contra o acesso, a modificação ou a difusão não autorizados.
Artigo 8.°
Garantias adicionais para o titular dos dados
Qualquer pessoa poderá:
a) Tomar conhecimento da existência de um ficheiro automatizado de dados de carácter pessoal e
das suas principais finalidades, bem como da identidade e da residência habitual ou principal
estabelecimento do responsável pelo ficheiro;
b) Obter, a intervalos razoáveis e sem demoras ou despesas excessivas, a confirmação da
existência ou não no ficheiro automatizado de dados de carácter pessoal que lhe digam respeito, bem
como a comunicação desses dados de forma inteligível;
c) Obter, conforme o caso, a rectificação ou a supressão desses dados, quando tenham sido
tratados com violação das disposições do direito interno que apliquem os princípios básicos
definidos nos artigos 5.° e 6.° da presente Convenção;
d) Dispor de uma via de recurso se não for dado seguimento a um pedido de confirmação ou,
conforme o caso, de comunicação, de rectificação ou de supressão, tal como previsto nas alíneas b) e
c) deste artigo.
Artigo 9.°
Excepções e restrições
1. Não é admitida qualquer excepção às disposições dos artigos 5.°, 6.° e 8.° da presente
Convenção, salvo dentro dos limites estabelecidos neste artigo.
2. É possível derrogar as disposições dos artigos 5.°, 6.° e 8.° da presente Convenção quando tal
derrogação, prevista pela lei da Parte, constitua medida necessária numa sociedade democrática:
a) Para protecção da segurança do Estado, da segurança pública, dos interesses monetários do
Estado ou para repressão das infracções penais;
b) Para protecção do titular dos dados e dos direitos e liberdades de outrem.
3. Podem ser previstas por lei restrições ao exercício dos direitos referidos nas alíneas b), c) e d)
do artigo 8.° relativamente aos ficheiros automatizados de dados de carácter pessoal utilizados para
fins de estatística ou de pesquisa científica quando manifestamente não haja risco de atentado à vida
privada dos seus titulares.
Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina
(Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às
aplicações da biologia e da medicina)
(de 4 de Abril de 1997)
Artigo 1.°
Objecto e finalidade
As Partes na presente Convenção protegem o ser humano na sua dignidade e na sua identidade e
garantem a toda a pessoa, sem discriminação, o respeito pela sua integridade e pelos seus outros
direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina.
Artigo 11.°
Não discriminação 
É proibida toda a forma de discriminação contra uma pessoa em virtude do seu património
genético.
Artigo 12.°
Testes genéticos predictivos
Não se poderá proceder a testes predictivos de doenças genéticas ou que permitam quer a
identificação do indivíduo como portador de um gene responsável por uma doença quer a detecção
de uma predisposição ou de uma susceptibilidade genética a uma doença, salvo para fins médicos ou
de investigação médica e sem prejuízo de um aconselhamento genético apropriado.
C – DIREITO DA UE
Carta dos Direitos Fundamentais da UE
Artigo 8.°
Protecção de dados pessoais
1. Todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter pessoal que lhes digam
respeito.
2. Esses dados devem ser objecto de um tratamento leal, para fins específicos e com o
consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei. Todas as
pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respectiva
rectificação.
3. O cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de uma autoridade
independente.
Directiva 95/46/CE, de 24-10-1995
Artigo 1.° 
Objecto da directiva
1. Os Estados-membros assegurarão, em conformidade com a presente directiva, a protecção das
liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida
privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais.
2. Os Estados-membros não podem restringir ou proibir a livre circulação de dados pessoais
entre Estados-membros por razões relativas à protecção assegurada por força do n.° 1.
Artigo 3.°
Âmbito de aplicação
1. A presente directiva aplica-se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente
automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos
num ficheiro ou a ele destinados.
2. A presente directiva não se aplica ao tratamento de dados pessoais:
– efectuado no exercício de actividades não sujeitas à aplicação do direito comunitário, tais
como as previstas nos títulos V e VI do Tratado da União Europeia, e, em qualquer caso, ao
tratamento de dados que tenha como objecto a segurança pública, a defesa, a segurança do Estado
(incluindo o bem-estar económico do Estado quando esse tratamento disser respeito a questões
de segurança do Estado), e as actividades do Estado no domínio do direito penal,
– efectuado por uma pessoa singular no exercício de actividades exclusivamente pessoais ou
domésticas.
Artigo 6.°
1. Os Estados-membros devem estabelecer que os dados pessoais serão:
a) Objecto de um tratamento leal e lícito;
b) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão
posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. O tratamento posterior para
fins históricos, estatísticos ou científicos não é considerado incompatível desde que os Estados-
membros estabeleçam garantias adequadas;
c) Adequados, pertinentes e não excessivos relativamenteàs finalidades para que são recolhidos
e para que são tratados posteriormente;
d) Exactos e, se necessário, actualizados; devem ser tomadas todas as medidas razoáveis para
assegurar que os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram
recolhidos ou para que são tratados posteriormente, sejam apagados ou rectificados;
e) Conservados de forma a permitir a identificação das pessoas em causa apenas durante o
período necessário para a prossecução das finalidades para que foram recolhidos ou para que são
tratados posteriormente. Os Estados-membros estabelecerão garantias apropriadas para os dados
pessoais conservados durante períodos mais longos do que o referido, para fins históricos,
estatísticos ou científicos.
2. Incumbe ao responsável pelo tratamento assegurar a observância do disposto no n.° 1.
Artigo 7.°
Os Estados-membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efectuado
se:
a) A pessoa em causa tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento; ou
b) O tratamento for necessário para a execução de um contrato no qual a pessoa em causa é parte
ou de diligências prévias à formação do contrato decididas a pedido da pessoa em causa; ou
c) O tratamento for necessário para cumprir uma obrigação legal à qual o responsável pelo
tratamento esteja sujeito; ou
d) O tratamento for necessário para a protecção de interesses vitais da pessoa em causa; ou
e) O tratamento for necessário para a execução de uma missão de interesse público ou o exercício
da autoridade pública de que é investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os
dados sejam comunicados; ou
f) O tratamento for necessário para prosseguir interesses legítimos do responsável pelo tratamento
ou do terceiro ou terceiros a quem os dados sejam comunicados, desde que não prevaleçam os
interesses ou os direitos e liberdades fundamentais da pessoa em causa, protegidos ao abrigo do n.° 1
do artigo 1.°
Artigo 8.°
1. Os Estados-membros proibirão o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou
étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, bem como o
tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual.
2. O n.° 1 não se aplica quando:
a) A pessoa em causa tiver dado o seu consentimento explícito para esse tratamento, salvo se a
legislação do Estado-membro estabelecer que a proibição referida no n.° 1 não pode ser retirada
pelo consentimento da pessoa em causa; ou
b) O tratamento for necessário para o cumprimento das obrigações e dos direitos do responsável
pelo tratamento no domínio da legislação do trabalho, desde que o mesmo seja autorizado por
legislação nacional que estabeleça garantias adequadas; ou
c) O tratamento for necessário para proteger interesses vitais da pessoa em causa ou de uma outra
pessoa se a pessoa em causa estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento; ou
d) O tratamento for efectuado, no âmbito das suas actividades legítimas e com as garantias
adequadas, por uma fundação, uma associação ou qualquer outro organismo sem fins lucrativos de
carácter político, filosófico, religioso ou sindical, na condição de o tratamento dizer unicamente
respeito aos membros desse organismo ou às pessoas que com ele mantenham contactos periódicos
ligados às suas finalidades, e de os dados não serem comunicados a terceiros sem o consentimento
das pessoas em causa; ou
e) O tratamento disser respeito a dados manifestamente tornados públicos pela pessoa em causa
ou for necessário à declaração, ao exercício ou à defesa de um direito num processo judicial.
3. (…)
Artigo 25.°
1. Os Estados-membros estabelecerão que a transferência para um país terceiro de dados
pessoais objecto de tratamento, ou que se destinem a ser objecto de tratamento após a sua
transferência, só pode realizar-se se, sob reserva da observância das disposições nacionais
adoptadas nos termos das outras disposições da presente directiva, o país terceiro em questão
assegurar um nível de protecção adequado.
2. (…)
Artigo 28.°
1. Cada Estado-membro estabelecerá que uma ou mais autoridades públicas serão responsáveis
pela fiscalização da aplicação no seu território das disposições adoptadas pelos Estados-membros
nos termos da presente directiva.
Essas autoridades exercerão com total independência as funções que lhes forem atribuídas.
2. (…)
D – DIREITO PORTUGUÊS
Constituição
Artigo 26.°
(Outros direitos pessoais)
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à
reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de
discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à
dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
3. A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na
criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.
4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e
termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.
Artigo 35.°
(Utilização da informática)
1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito,
podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se
destinam, nos termos da lei.
2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento
automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designadamente através
de entidade administrativa independente.
3. A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções
filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica,
salvo mediante consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não
discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis.
4. É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na
lei.
5. É proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos.
6. A todos é garantido livre acesso às redes informáticas de uso público, definindo a lei o regime
aplicável aos fluxos de dados transfronteiras e as formas adequadas de protecção de dados pessoais
e de outros cuja salvaguarda se justifique por razões de interesse nacional.
7. Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos
números anteriores, nos termos da lei.
Código Civil
Artigo 80.°
(Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada)
1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.
2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
Artigo 81.°
(Limitação voluntária dos direitos de personalidade)
1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária
aos princípios da ordem pública.
2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de
indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte.
Código do Trabalho
Artigo 16.°
Reserva da intimidade da vida privada
1 – O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte,
cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.
2 – O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação
de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida
familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e

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