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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.025.104 - RS (2008/0010959-2) RECORRENTE : ADÃO GABRIEL DA CRUZ ADVOGADO : WILSON CARLOS DA CUNHA E OUTRO(S) RECORRIDO : COMÉRCIAL DE COMBUSTÍVEIS ALIANÇA LTDA ADVOGADO : LUIS FERNANDO BOGDANOV RAMOS RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de Recurso Especial interposto por ADÃO GABRIEL DA CRUZ com fundamento no art. 105, III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Ação: de compensação por danos morais movida por ADÃO GABRIEL DA CRUZ, em face de COMERCIAL DE COMBUSTÍVEIS ALIANÇA LTDA., a fim de obter a condenação da recorrida ao pagamento de reparação por violar correspondência destinada ao recorrente e endereçada à sede da recorrida, sua ex-empregadora, consistente no extrato da conta de seu fundo de garantia por tempo de serviço - FGTS. Alega ainda que a correspondência violada foi utilizada pela recorrida para sustentar sua defesa nos autos da reclamação trabalhista que ajuizou, o que lhe conferiu publicidade indevida e ofendeu o direito à privacidade do recorrente. Contestação (fls. 168-180): a recorrida nega a violação que lhe foi imputada, já que a abertura da correspondência foi provavelmente efetuada por um de seus diversos funcionários. Questiona, ainda, o caráter sigiloso das informações contidas na missiva, já que continha informação de domínio público, fornecida ao empregador pela Caixa Econômica Federal. Sentença (fls. 191-192): julgou improcedente a ação, por considerar inexistente qualquer prova do prejuízo sofrido pelo autor com a divulgação do extrato de seu FGTS. Apelação (fls. 195 - 198): foi interposta pelo autor requerendo a reforma da sentença de improcedência, uma vez que os danos morais decorrentes da violação da Documento: 9668920 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 6 Superior Tribunal de Justiça correspondência a ele endereçada seriam presumidos (in re ipsa). Acórdão (fls. 211 - 214): o TJ/RS negou provimento à apelação, sob o argumento de que “a simples abertura da correspondência e sua juntada aos autos da ação trabalhista não tem o condão de, por si só, demonstrar o dano moral alegado.” Embargos de Declaração (fls. 218 - 219): foram opostos pelo autor a fim de obter o prequestionamento dos arts. 927 do CC/02 e 5°, incisos X e XII, da CF/88. Foram rejeitados (fls. 222-223). Recurso especial: interposto pelo autor (fls. 228 - 238), alega ofensa ao arts. 927 do CC/02 e dissenso pretoriano. Recurso Extraordinário: interposto pelo autor (fls. 239 - 246). Exame de admissibilidade: a Presidência do TJ/RS negou seguimento ao recurso especial (fls. 248 - 250), motivando a interposição de Agravo de Instrumento (Ag 944.716), ao qual dei provimento para melhor exame da matéria (fls. 258 - 259). É o relatório. Documento: 9668920 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 2 de 6 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.025.104 - RS (2008/0010959-2) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : ADÃO GABRIEL DA CRUZ ADVOGADO : WILSON CARLOS DA CUNHA E OUTRO(S) RECORRIDO : COMÉRCIAL DE COMBUSTÍVEIS ALIANÇA LTDA ADVOGADO : LUIS FERNANDO BOGDANOV RAMOS VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): I - Delimitação da controvérsia Cinge-se a lide a estabelecer se é devida indenização por se violar correspondência destinada ao recorrente, consubstanciada pelo extrato da conta de seu fundo de garantia por tempo de serviço – FGTS. O documento violado foi enviado à sede da recorrida, ex-empregadora do recorrente, após o término do contrato de trabalho. Posteriormente, a recorrida promoveu a juntada do extrato indevidamente aberto aos autos de reclamação trabalhista na qual contendem as mesmas partes. II - Admissibilidade do recurso A questão trazida a lume não exige reexame de provas, mas apenas a aferição das conclusões jurídicas que são extraídas dos fatos soberanamente reconhecidos pelo TJ/RS, conforme se verá. Mesmo sem ter feito menção expressa ao art. 927 do CC/02, o Tribunal de origem analisou a questão da responsabilidade civil da recorrida, razão pela qual se encontra implicitamente prequestionado esse dispositivo legal. Ainda, não há dissídio notório entre os casos confrontados, pois em nenhum dos arestos paradigmas encontram-se as peculiaridades fáticas do caso ora em exame (violação de correspondência efetuada por ex-empregador após a rescisão do contrato de trabalho). Documento: 9668920 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 6 Superior Tribunal de Justiça III - A solução da controvérsia – violação do art. 927 do CC/02 O acórdão recorrido reconheceu expressamente o caráter reprovável da conduta da recorrida ao afirmar que “no caso dos autos, a abertura de correspondência endereçada ao autor configura, de fato, ato ilícito.” Considerou, porém, inexistentes quaisquer prejuízos de ordem moral que pudessem ser creditados à violação da correspondência endereçada ao recorrente. É inquestionável, portanto, que ocorreu a violação da correspondência do recorrente e que esse comportamento configura um ato ilícito. Falta averiguar, contudo, se a referida violação é capaz de gerar dever ressarcitório. O dever de indenizar o prejuízo sofrido por outrem sobrevém de ato ilícito que resulte na violação do ordenamento jurídico e, por conseguinte, ofenda direito alheio. A manifesta violação de correspondência – de qualquer teor – fere a garantia constitucional do sigilo da correspondência e da tutela à intimidade (art. 5°, X e XII, da CF/88). O direito à intimidade, como todos os demais direitos fundamentais, não possui caráter absoluto. Pode sofrer as limitações necessárias para a proteção de interesses legítimos, ou seja, sempre que o exercício do direito à intimidade colida com o exercício de outro direito fundamental, do qual outra pessoa seja titular. Entre esses interesses não se encontra, entretanto, a utilização do documento violado para a instrução de defesa em reclamação trabalhista. O princípio da proporcionalidade dos direitos fundamentais tem sua origem na doutrina germânica. A Constituição alemã igualmente contempla a inviolabilidade da correspondência, destacando em seu art. 10 que “só podem ser ordenadas limitações com base numa lei.” Embora essas restrições não tenham sido expressamente previstas pela Carta Magna brasileira, o STF tem prestigiado o entendimento de que “não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a Documento: 9668920 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 6 Superior Tribunal de Justiça adoção, por parte dos órgãos estatais , de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.” (STF - MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 12/05/2000 – grifo nosso). A conduta da recorrida representou ingerência na vida privada do recorrente. A informação consignada em todos os modelos de extratos do FGTS encontra-se amparada pelo dever de sigilo previsto no art. 1º da Lei Complementar 105/01. A Caixa Econômica Federal, portanto, somente pode fornecer as informações neles constantes a terceiros por meio de decisão judicial ou autorização especial, conferida por cada titular de conta do FGTS. O fundamento utilizado pelo acórdão recorrido para afastar o dever de indenizar, no sentido de que o documento violado era “apenas mero extrato de conta do fundo de garantia - FGTS, referindo apenas os últimos lançamentos e o saldo para fins rescisórios”, não elide a responsabilidade da recorrida. É patente que o acesso ao inteiro teor da correspondência foi feito sem a participação ou expressa anuência do recorrente, o que, por si só, caracteriza a violação da correspondência e a quebra da legalidade. A responsabilização por dano moral, na hipótese dos autos, opera-se por força do simples fato da violação (in re ipsa), independentemente de prova da lesão. A alegação da recorrida, segundo a qual “o conteúdo do documento supostamente violado não é um segredo íntimo” (fls. 170), não altera essa conclusão. Ainda que a recorrida tenha permissão de acesso a informações constantes do documento violado (nos termos da Circular do diretor da Caixa Econômica Federal - CEF nº 436 de 02/06/2008), essa circunstância não retira a ilicitude do meio através do qual tomou conhecimento do teor da missiva endereçada ao recorrente, uma vez que para isso foi imprescindível a lesão ao princípio da inviolabilidade do sigilo da correspondência. Ainda que o conteúdo da correspondência dirigida ao recorrente fosse de conhecimento da recorrida, esse fato jamais autorizaria a quebra do sigilo postal do recorrente. Dessa maneira, a conduta ilícita da recorrida está demonstrada, resultante da violação da ordem jurídica com ofensa ao direito do recorrente, de modo que se encontra amparado o dever reparatório. Documento: 9668920 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 5 de 6 Superior Tribunal de Justiça IV. Do valor compensatório Aplicando-se o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, convém fixar o valor da compensação por danos morais, em atendimento aos princípios da economia e da celeridade processual. Nesse sentido: REsp 620695/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 13/09/2004 e REsp 165727/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 21/09/1998. Assim, no cumprimento do dever de uniformizar a interpretação da lei e jurisprudência federais, cumpre ao STJ sopesar a proporcionalidade e a razoabilidade dos valores fixados, para garantir que a reparação não se constitua motivo de enriquecimento indevido, mas, ao mesmo tempo, seja elemento de desestímulo à repetição do ato ilícito. Na hipótese dos autos há uma peculiaridade que deve ser considerada: a de que a recorrida teria permissão para acessar o saldo da conta vinculada do FGTS do recorrente, sem que para isso fosse necessária a violação da carta a ele endereçada pela Caixa Econômica Federal. Essa particularidade, conquanto reduza o montante do dano, não é capaz de excluir o dever da recorrida de indenizar pela ofensa ao direito à intimidade do recorrente – principalmente se considerarmos o fato de que o documento violado, quando devidamente lacrado, em nada difere de qualquer outra correspondência bancária de cunho pessoal. Desse modo, diante da extensão do dano, das condições pessoais do ofendido, da capacidade econômica do ofensor e da função social da condenação, fixo a compensação por danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial para condenar a recorrida a pagar ao recorrente a quantia R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais, valor esse que será acrescido de juros legais desde o evento danoso e correção monetária a partir desta data. Arcará a recorrida, ainda, com as custas processuais e os honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Documento: 9668920 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 6 de 6
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