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RESUMO 5 – A EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DO DIREITO PENAL Livro: Direito Penal Esquematizado – Cleber Masson Positivismo jurídico: Origem: Alemanha. > Estudos de Binding. > Década de 70 do século XIX. Deve-se a essa doutrina o conceito clássico de delito, afastado de qualquer contribuição filosófica, psicológica ou sociológica. Conferiu tratamento exageradamente formal ao comportamento definido como delituoso. A conduta era meramente objetiva, vinculada ao resultado pela relação de causalidade. Crítica: O Direito positivo acaba por se transformar num formalismo normativista, se ocupando exclusivamente da norma, afastando o jurista do social e do valorativo. Para seus partidários, essa posição respeitava excessivamente o princípio da legalidade e a segurança jurídica. Neokantismo penal: Origem: Alemanha. > Stammler e Radbruch. > Fim do século XIX. O neokantismo substituiu o método puramente jurídico-formal do positivismo, acolhendo como objetivo fundamental a compreensão dos fenômenos e categorias jurídicas, muito além de sua simples definição formal ou explicação causal. Preocupa-se com os “fins” e não com as “causas”. Assim, essa teoria permitiu graduar o injusto de acordo com a gravidade da lesão. A conduta passou a ter um significado social e deixou de ser considerada somente um movimento corporal. Permitiu, ainda, a introdução de elementos normativos e subjetivos nos tipos penais (antes objetivos), elementos valorativos na causalidade (antes física), considerações materiais na ilicitude (antes basicamente formal) e normativa na culpabilidade (antes entendida como relação de causalidade psicológica). 3.) Garantismo penal: Origem: Obra Direito e razão de Luigi Ferrajoli. Trata-se de um modelo universal destinado a contribuir com a crise que assola os sistemas penais, desde a criação da lei penal até depois da execução penal. Ferrajoli assenta seu sistema garantista (também chamado de cognitivo ou de legalidade estrita) em dez axiomas fundamentais: Nulla poena sine crimine: Retributividade ou consequencialidade da pena em relação ao delito; Nullum crimen sine lege: princípio da reserva legal; Nulla Lex (poenalis) sine necessitate: princípio da necessidade ou da economia do direito penal; Nulla necessitas sine injuria: princípio da lesividade ou da ofensividade do resultado; Nulla injuria sine actione: princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; Nulla actio sine culpa: princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; Nulla culpa sine judicio: princípio da jurisdicionalidade; Nullum judicio sine accusatione: princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação; Nulla accusatio sine probatione: princípio do ônus da prova ou da verificação; Nulla probatio sine defensione: princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade. Esses princípios compõem modelo-limite, tendencialmente e jamais perfeitamente capazes de atender todos os direitos e garantias do ser humano. 4.) Funcionalismo penal (ou pós-finalismo): Movimento doutrinário iniciado na Alemanha em 1970. Seu objeto é a discussão de qual a verdadeira função do Direito Penal. Em síntese, esse modelo sustenta que a dogmática penal deve ser direcionada à finalidade precípua do Direito Penal, ou seja, à política criminal. Essa finalidade seria a reafirmação da autoridade do Direito, que não encontra limites externos, mas somente internos (Günther Jakobs) ou então a proteção de bens jurídicos indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, respeitando os limites impostos pelo ordenamento jurídico (Claus Roxin). Para esse sistema, mais importante do que seguir à risca a letra da lei é almejar sua real vontade de empregá-la de forma máxima. Há uma mitigação do texto legal. Ao conceber o Direito como regulador da sociedade, delimita o âmbito das expectativas normativas de conduta, vinculando-se à teoria da imputação objetiva. Características fundamentais: Proteção do bem jurídico: o limite do Direito Penal é a proteção do bem jurídico; Desapego da técnica jurídica/formalismo excessivo; Prevalência do jurista sobre o legislador: a lei é mero ponto de partida, mas que não engessa o jurista. Ex: Princípio da insignificância é exemplo claro. Espécies: Existem centenas, milhares de funcionalismos, mas os mais importantes são: a.) Claus Roxin: Escola de Munique. “Política Criminal e Sistema de Direito Penal”. Para essa corrente, o funcionalismo é: Moderado: porque o Direito Penal tem limites impostos pelo próprio Direito Penal, pelos demais ramos do Direito e pela sociedade. Dualista: O Direito Penal é conjunto de regras e valores que vive harmonicamente com outros ramos do Direito. De Política Criminal: A função do Direito Penal é ser mais um instrumento, mais um soldado para ajudar na ordem social. O Direito Penal é um escravo da sociedade. O funcionalismo de Roxin é chamado de racional-teleológico. > Racional (razão) e teleológico (finalidade). Direito Penal é movido por uma razão e tem uma finalidade. A formação do sistema jurídico-penal não pode vincular-se a realidades ontológicas prévias, devendo guiar-se única e exclusivamente pelas finalidades do Direito Penal. A construção dogmática está a serviço da resolução dos problemas que apresentam a realidade da vida social – tarefa que parecia já olvidada em favor da mera elucubração teórica. Gunter Jakobs: Escola de Bonn. À Jakobs se atribui a responsabilidade de ter adaptado o Direito Penal à teoria dos sistemas sociais de Luhmann, com a sua teoria da imputação normativa. Para essa corrente, o funcionalismo é: Radical: O Direito Penal só deve respeitar limites impostos pelo próprio Direito Penal. Monista: É autônomo aos outros ramos do Direito. Sistêmico: Direito Penal é um conjunto próprio de regras e valores que independe dos demais. Inspiração do Jakobs: Teoria dos Sistemas Sociais de Luhmann.> O Direito Penal para essa teoria é um sistema. Autônomo; Autorreferente: Todas as definições e referências do Direito Penal estão contidas no próprio Direito Penal. Autopoiético: Direito Penal se renova e se aperfeiçoa por si só com o tempo; se autorrenova. Para Jakobs, a função do Direito Penal é a proteção da norma jurídica. O Direito Penal tem a função de punir. Gera o Direito Penal do medo, a hipertrofia do Direito Penal. A sociedade é que deve se ajoelhar ao Direito Penal e não o contrário. Para ele, quando o sujeito descumpre sua função na sociedade, ele deve ser eficazmente punido, inclusive porque a autoridade da lei penal somente é obtida com a sua rígida e constante aplicação. Em suma, a função do Direito Penal é aplicar o comando contido na norma penal, pois somente sua reiterada incidência lhe confere o merecido respeito. Jakobs desenvolveu a teoria do direito penal do inimigo. 5.) Novas propostas doutrinárias: Direito Penal e enfrentamento da criminalidade moderna. A globalização, a massificação dos problemas e a configuração de uma sociedade de risco, implicaram em alterações no Direito Penal. Criou-se um “direito penal do risco”. Como enfrentar as complicações da “sociedade de massas”? Com intervenção máxima, incriminando o maior número possível de condutas? Ou limitando-se aos casos extremos, de afronta a bens jurídicos individuais, relegando para outros ramos do Direito a proteção e interesses diversos? O Direito Penal é tido por muitos como o garante da segurança por excelência. Porém, deve-se evitar a funcionalização e a desformalização do Direito Penal. Essa desmedida funcionalização acarretaria na opção constante ao recurso às leis penais em branco, conceitos indeterminados e a cláusulas gerais, flexibilizando, ou até mesmo eliminando, conceitos sólidos acerca da tentativa, do dolo e da culpa, permitindo, em alguns casos, a responsabilidade objetiva, além das definições de autoria e participação. A análise da legislação moderna indica que o Direito Penal tem preferido um meio-termo, buscando a adaptação aos novos tempos sem, entretanto, relegar a outros ramos doDireito a missão de combate à criminalidade a garantia da paz pública. Para solucionar esse impasse, algumas teorias foram criadas. Vamos a elas: 5.1) Direito intervencionista ou de intervenção: Criador: Winfried Hassemer. Essa proposta consiste na manutenção, no âmbito penal, somente das condutas lesivas aos bens jurídicos individuais e também daquelas que resultam perigo concreto. As demais, de índole difusa ou coletiva, e causadoras de perigo abstrato, por serem apenadas de maneira mais branda, seriam reguladas por um sistema jurídico diverso, com garantias materiais e processuais mais flexíveis, possibilitando um tratamento mais célere e amplo dessas questões, sob pena de tornar o Direito Penal inócuo e simbólico. Seria tarefa da Administração Pública aplicar o direito de intervenção, que se situaria fora do âmbito do Direito Penal, mas “nas vizinhanças do direito administrativo sancionador”. Assim, não se destina a ampliar a intervenção punitiva do Estado, mas a diminuí-la. Crítica: O direito de intervenção seria uma inversão temerária dos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade, vez que relegaria à seara mais suave justamente as infrações que colocam em maior risco a estrutura da sociedade. 5.2) As velocidades do Direito Penal: Criador: Jesús-María Silva Sánchez. O Direito Penal contém dois grandes blocos distintos de ilícitos: o primeiro, das infrações penais às quais são cominadas penas de prisão (direito penal nuclear), e o segundo, daquelas que se vinculam aos gêneros diversos de sanções penais (direito penal periférico). Aqui, todos os ilícitos guardam natureza penal e devem ser julgados pelo Poder Judiciário, ao contrário da doutrina de Winfried Hassemer. 1ª VELOCIDADE 2ª VELOCIDADE > Também chamado de Direito Penal nuclear; > É um Direito Penal lento e extremamente garantista; > É a liberdade do ser humano que está em jogo; > Enseja prisão, porém pouquíssimos crimes levam, inevitavelmente, à prisão. > Também chamado de Direito Penal periférico; > É um Direito Penal rápido; > Ocorre uma flexibilização de direitos e garantias; > Ex.: Lei 9.099/95. > É o Direito Penal das penas alternativas; não há prisão. > A CF admitiu expressamente a criação de juizados especiais. Assim, exige-se um procedimento amplo e garantista para os crimes nos quais possa resultar a imposição da pena privativa de liberdade. Por outro turno, quando a sanção penal se limitar às restrições de direitos ou à multa, a ação penal pode ser mais ágil, eis que a disputa entre o acusado e o Estado não envolve tão relevante bem jurídico: a liberdade do ser humano. 5.3) Direito Penal do inimigo (3ª velocidade): Criador: Günther Jakobs. Em 1980, Jakobs escreve a teoria, mas ela não vinga. Jakobs volta a escrevê-la na década de 90 e mais uma vez ela não é aceita. Somente a partir de 11 de setembro de 2001 a teoria passou a ter maior aceitação. Seu pensamento coloca em discussão real a efetividade do Direito Penal existente, pugnando pela flexibilização ou mesmo supressão de diversas garantias materiais e processuais até então reputadas em uníssono como absolutas e intocáveis. Para essa teoria, existem criminosos que o Direito Penal comum não consegue enfrentar. 5.3.1) Conceito de inimigo: Quem é o inimigo? É a antítese do cidadão. Aquele que deve ser enfrentado e vencido a qualquer custo. Todas as pessoas nascem com status de cidadão. Como se opera a transição de cidadão a inimigo? Basta praticar um crime grave? Não. E se o agente reincidir nesse crime grave? Ele deixa de ser cidadão? Não também. E se o agente se transforma em um criminoso habitual? Ainda é um cidadão, não inimigo. E se decide entrar para uma organização criminosa (estruturas ilícitas de poder com regras próprias, comando próprio, alheios ao Estado) (art. 1º, Lei 12.850/13)? > Agora sim esse cidadão passa a ser inimigo. Para Jesús-María Silva Sánchez, a transição do “cidadão” ao “inimigo” seria produzida mediante a reincidência, a habitualidade, delinqüência profissional e, finalmente, a integração em organizações delitivas estruturadas. Inimigo é aquele que afronta a estrutura do Estado, pretendendo desestabilizar a ordem nele reinante ou, quiçá, destruí-lo. É aquele que leva um modo de vida contrário às normas jurídicas. Demonstra não ser um cidadão. Indivíduo que, em seu comportamento ou ocupação profissional ou por meio de vinculação a uma organização criminosa, abandonou o direito, razão pela qual não merece usufruir das garantias inerentes às pessoas de bem. O inimigo desrespeita o contrato social (Rosseau), guerreando com o Estado e deixa de ser um de seus membros. Inimigo por excelência > Terroristas, autores de crimes contra a dignidade sexual, integrantes de organizações criminosas. > Não obedecem à autoridade do Estado; querem destruir o Estado; se sobrepor a ele. Para a teoria do Direito Penal do inimigo todo criminoso é inimigo? R: Claro que não. Para o cidadão tornar-se inimigo precisa passar por todas as etapas (praticar crime > reincidir> tornar-se criminoso habitual > participar de organização criminosa/terrorista)? R: Claro que não. Ex: Massacre do Realengo. > Agente nunca havia feito nada de errado e, após o massacre, tornou-se inimigo. > Cleber Masson. Vê-se claramente que Jakobs abraça o chamado Direito Penal do autor. 5.3.2) Efeitos da aplicação do Direito Penal do inimigo: Direito Penal do cidadão Direito Penal do inimigo > Aplicável ao cidadão; > A maioria das pessoas se enquadra nesse grupo, inclusive criminosos; > É um Direito Penal garantista > Respeita garantias legais e constitucionais do ser humano; > É um Direito Penal retrospectivo > É aquele que se fundamenta na culpabilidade. Aquele que olha para o passado > O agente é punido pelo que ele fez ou deixou de fazer; pelo que já aconteceu. > É um Direito Penal do fato > Se ocupa do fato típico praticado por alguém; se ocupa do fatídico ilícito praticado. > Aplicável ao inimigo; > Somente uma minoria de pessoas se encaixa nesse grupo; > É um Direito Penal autoritário > Suprime direitos e garantias do ser humano. > Já que o inimigo não respeita regras do Estado, o Estado deve neutralizar o inimigo a qualquer custo. > É Direito Penal de guerra; > Direito Penal prospectivo > Olha para o futuro; não importa o que o inimigo fez ou deixou de fazer; mas sim o que ele pode fazer. Segundo Jakobs, o inimigo é imprevisível; > É um Direito Penal do autor > Aquele que vai rotular, estereotipar determinados grupos de pessoas. O agente é julgado por ser ele quem é, pouco importando o que ele fez ou deixou de fazer. Ex: Tribunal de Nuremberg na Alemanha nazista: Exemplo histórico de Direito Penal do autor. Assim, no Direito Penal do autor haveria a supressão de direitos e garantias do ser humano. > O inimigo não tem direito a gozar de direitos processuais, de constituir defensor, ao duplo grau de jurisdição, é admitida sua incomunicabilidade, etc. (Ex: Guantanamo). Ainda, defende a necessidade de antecipação da tutela penal. > Punir os atos preparatórios com a mesma pena do crime consumado. > Não se pode esperar que o inimigo pratique infrações penais para depois cobrar-se repressão pelo Estado. Defende a ampliação dos poderes de polícia > Defende que a polícia deveria ter mais liberdade para agir, deve realizar atos sem autorização do Judiciário, como prisões, interceptações, etc., com posterior análise pelo Judiciário somente. Estado deve valer-se abundantemente da ação controlada para retardar a prisão em flagrante ao momento em que possa ser capturado o maior número de inimigos, bem como da infiltração de agentes policiais nas organizações criminosas. Também propõe penas indeterminadas – medidas de segurança. > O inimigo fica preso até enquanto houver periculosidade. Mitigação do princípio da reserva legal ou estrita legalidade, pois a periculosidade do inimigo impede a previsão de todos os atos que possam ser praticados por ele. As penas devem ser excessivamente majoradas, afim de intimidar o inimigo. Teoria sobre as provas no Brasil: Livre convencimento motivado/persuasão racional ou liberdade da prova. Ainda, Jakobs defende a confissão com tortura chamando-a de “interrogatório severo”. O inimigo arrependido, disposto a auxiliar o Estado no combate a seus antigos companheiros, contudo, deve receber benefícios, desde que os delate, permitindo o desmantelamento de quadrilhas, prisões em massa e recuperação de produtos e proveitos de crime. Críticas: São inúmeras, fundadas principalmente na violação de direitos e garantias constitucionais e legais. O Direito Penal do inimigo já é adotado no Brasil? Informalmente, sim. Ex: Grupos de extermínio da polícia > BOPE. Análise crítica: será que o Direito Penal do inimigo não é um mal necessário? Países vítimas de terrorismo já adotam vários pontos do Direito Penal do inimigo > Alemanha, EUA e Inglaterra. E mesmo assim ninguém duvida da democracia desses países. O Direito Penal do inimigo é chamado de 3ª velocidade porque é extremamente célere, na medida em que suprime direitos e garantias fundamentais. 5.4) Neopunitivismo (4ª velocidade do Direito Penal): Neopunitivismo > Nova forma de punir. É movimento do panpenalismo (Direito Penal absoluto). Criador: Daniel Pastor – na Argentina. Relaciona-se ao Direito Penal Internacional, caracterizado pelo alto índice de incidência política e seletividade, com elevado desrespeito às regras básicas do poder punitivo, a exemplo dos princípios da reserva legal, do juiz natural e da irretroatividade da lei penal. Ex: No conflito entre países, os vencedores são julgadores nos Estados derrotados, como aconteceu nos tribunais internacionais ad hoc para a Ruanda e antiga Iugoslávia. Desrespeita o princípio da reserva legal > Crimes surgem depois do fato. Representa o julgamento dos antigos chefes de Estado em tempos de guerra por crimes de guerra. Ainda mais totalitário e arbitrário que o Direito Penal do inimigo. > Promove o aumento desordenado das forças policiais e a inflação legislativa mediante o aumento das penas, com finalidade altamente retributivas e intimidatórias. 5.5) Direito Penal como proteção de contextos da vida em sociedade: Criador: Günther Stratenwerth. Para esta teoria, deixa-se em segundo plano a proteção dos interesses individuais para salvaguardar imediatamente os bens jurídicos inerentes à toda a coletividade. > Oposto da teoria intervencionista de Winfried Hassemer. > Busca a proteção dos bens jurídicos difusos. > É mais importante salvaguardar o todo social. Resultado: Transição do modelo tradicional de criação de infrações penais (proteção de bens individuais contra lesões efetivas) para os crimes de perigo abstrato, para bens jurídicos transindividuais.
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