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A Dramatização na situação analítca - Suad Haddad de Andrade

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1 
 
 
A DRAMATIZAÇÃO NA SITUAÇÃO 
ANALÍTICA 
Suad Haddad de Andrade 
 
O título do trabalho leva diretamente para a questão da representação teatral. O teatro é 
realmente nosso referencial, mas o teatro a que quero me referir neste texto é o vivido na relação 
analítica. Todos conhecemos situações em que os pacientes nos trazem suas angustias de uma 
maneira muito dramatizada, com um exagero expressivo evidente mas nem sempre consciente. 
O teatro teve sua origem nos ritos e mitos dos povos primitivos. Sempre despertou muito 
interesse desde os mais arcaicos agrupamentos humanos porque suas diferentes formulações e 
formas de expressão giram em torno dos conflitos do ser humano, de suas angustias e seus aspectos 
misteriosos e fascinantes. Foram necessários muitos séculos para que a peça de Sófocles, também 
baseada em um mito, fosse reconhecida como a trama que expõe com precisão a construção da mente 
humana, mas sua importância e permanência decorrem exatamente disto que ela expressa. Como diz 
Meyer (2003 ) ela persiste através dos tempos porque ” Põe em jogo uma matéria que morde, por 
assim dizer, no âmago do homem”. O caráter básico do Complexo de Édipo traz a interdição do 
incesto, que é ”a lei natural e mínima para que uma cultura se diferencie da natureza”; inclui os 
processos que “transformam o ser natural em um ser cultural, e, num nível mais amplo, criam a 
civilização”.( Almeida- 2004 ). Édipo-Rei fala da integração inadiável do sujeito na categoria humana, 
onde os dramas internos, a diferenciação mundo interno-mundo externo e a necessidade de se 
adaptar à realidade são fundamentais. 
Dramatizar é uma forma de sonhar e de trabalhar com as situações endo-psíquicas e é por isto 
que a relação do teatro com a Psicanálise é natural. Os grandes autores teatrais como os grandes 
artistas são aqueles que têm um “contato privilegiado com as profundezas do psiquismo”. (Cruz-2003) 
 Também a criança se expressa naturalmente através de dramatizações. Suas montagens e 
suas brincadeiras são construções expressivas e absolutamente necessárias porque é o recurso que 
têm para elaborar e resolver seus conflitos, na medida em que não desenvolveram plenamente a 
capacidade de expressão verbal. E elas o fazem natural e seriamente, na terapia e fora dela. Os 
personagens do brincar da criança, como os personagens dos sonhos, são partes da personalidade, 
“personificações” de aspectos internos. No sonho transformamos ideias em imagens e construímos 
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com elas uma situação. A criatividade dramática no trabalho do sonho como no brincar da criança é 
produtiva e abre novas perspectivas. São funções estabilizadoras e contribuem para a preservação da 
atividade mental. 
Spillius (1990) no texto “Psicanálise e cerimônia” diz: “Tanto um sonho como uma cerimônia 
servem a uma função dupla e contraditória: eles liberam e comunicam pensamentos e emoções 
perigosas. Mas ao mesmo tempo os disfarçam e os transformam de tal forma que o elemento de 
perigo é contido e, em alguma medida, trabalhado. Uma cerimônia eficaz protege a sociedade contra 
formas destrutivas de conflito; um sonho eficaz protege aquele que dorme da ansiedade.” 
Quando falamos de dramas nas sessões de certa maneira estamos falando de representação, 
de simbolizações e das dificuldades ligadas a estes processos. Botella (1997) fala do irrepresentável, 
vivências que não puderam ser representadas mentalmente e por isto não podem ser esquecidas. 
Levy (2006) falando do trauma, mostra como uma situação se torna traumática quando não pode ser 
simbolizada. Uma vivência que não pôde ser contida e elaborada internamente pode se tornar 
traumática. O misterioso, o estranho dentro da mente precisa sempre ser decifrado e contido. O 
outro é sempre estranho e assustador e o analista é estranho e assustador como realidade externa e 
interna. Daí termos que pensar a dramatização na sessão como uma maneira de se expor, e também 
uma maneira de se esconder. Mas é principalmente uma oportunidade de experimentar. 
Com o paciente adulto temos sempre a expectativa de que ele vai se comunicar conosco 
verbalmente e muitas vezes isto ainda não é possível. A teatralização é montada para suprir as 
dificuldades de expressão verbal, que uma vez alcançada torna o contato mais direto, mas nem por 
isto mais fácil. 
Erwing Goffman, sociólogo americano que se interessou pelas interações de face a face no 
cotidiano, buscou recursos conceituais em metáforas teatrais como palco, público, personagens. O 
que ele quer examinar é a estrutura da experiência individual da vida social. Ele fez, durante anos, 
estudos em hospitais psiquiátricos de onde ele partiu para sua análise da dramaturgia cotidiana. 
Usando o modelo teatral tenta dissecar a lógica das representações de papéis que estruturam as 
interações desde as mais simples.(Corcuff -2001) Para ele, estar integrado na ordem social implica em 
assumir papéis e se portar na vida como se representasse um papel no teatro. Em “O mundo social 
como cerimônia” ele nos mostra como os valores sociais são ilustrados nas representações teatrais 
que reafirmam, de alguma maneira, os valores morais da comunidade. Daí ele ver o mundo social 
como uma cerimônia, onde as pessoas procuram provar, com suas condutas, que estão de acordo com 
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as normas. Assim como o ator, estamos sempre, de alguma forma, reafirmando os valores morais da 
comunidade (Lallement- 2004). 
Joyce MacDougall (1996) escolhe o teatro como metáfora da vida psíquica ou da realidade 
psíquica. Fala que as sessões são o teatro que os analisandos desejam partilhar com seu analista e 
onde o analista vai representar vários papéis. Ela se lembra de Ana O. que intitulava de “teatro 
particular” seus encontros com Breuer. Desde as histéricas de Freud sabemos que partes do corpo 
podem se tornar o suporte de uma significação simbólica inconsciente. As “peças de teatro internas”, 
inscritas durante a primeira infância têm um efeito duradouro sobre a sexualidade do adulto e são 
muito significativas nas manifestações neuróticas e psicóticas. Neste texto ela trata das somatizações e 
nos mostra como o corpo, para o psicossomático, é usado para libertá-lo da dor psíquica. Portanto, as 
doenças psicossomáticas, mesmo as que ameaçam a vida biológica “podem representar, 
paradoxalmente, uma luta para a sobrevivência psíquica.” Na análise, vamos ajudar o paciente a 
libertar o corpo desta tarefa desde que possamos nos aproximar dos dramas ocultos que se 
desenvolvem nos teatros do “eu”. Também o analista vai estar atento ao seu próprio teatro interior e 
terá que interpretar a si próprio antes de interpretar o seu paciente, nos diz ela. 
No teatro o corpo é usado como canal de expressão na medida em que o ator conecta os 
processos interiores com as manifestações exteriores. Bonfitto (2011) no seu texto claro e elucidativo, 
cita Stanislavski quando diz que as ações físicas são psico-físicas e agem como iscas de processos 
interiores e como catalizadores e elementos transformadores de um sistema: “o ponto principal das 
ações físicas não está nelas mesmas, enquanto tais, mas no que elas evocam. Se o herói se mata isto 
não é o importante mas as razões interiores que o levaram ao suicídio. Existe uma ligação inexorável 
entre a ação da cena e a coisa que a precipitou.” E ainda, há um “labor expressivo do intérprete como 
arte de composição criativa”. O ator é um compositor que planeja, combina, constrói e executa sua 
partitura de ação. Houve, portanto, um deslocamento do pensar sobre o ator do polo da 
representação para o da expressão. Na representação, que dominou o teatro no século XIX, os atores 
seguiam certos códigos,poses e gestos, que correspondiam a determinados sentimentos e situações, e 
isto era o bastante. Já no teatro moderno há a passagem da representação para a expressão, onde são 
explorados os sentimentos, as vivências internas do ator. As possibilidades expressivas do ator, ações 
físicas, gestos, movimento, ritmo, têm a ver com a conexão mundo interno, mundo externo. O bom 
ator, para ser criativo, precisa também ser compositor; ele não segue regras de representação tão 
somente mas tenta integrar processos interiores, numa conexão importante entre representação e 
expressão. Esta conexão interno- externo do teatro moderno tem muito a ver com nosso vértice, com 
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o olhar psicanalítico, principalmente nestas situações a que estou me referindo, de intensa 
dramatização na sessão. O ator-paciente não apenas representa mas principalmente expressa 
sentimentos. 
E assim como no teatro, temos que buscar o que justifica as ações. No teatro o ator vai buscar 
dentro de si, nas suas memórias, as experiências análogas ou mesmo iguais às do personagem. O 
resgate de emoções, no nosso caso, vai estar sempre presente quando há dramatizações, mas se no 
teatro o ator tem que se apropriar do texto, no nosso trabalho o paciente busca se apropriar de seu 
mundo infantil e conta conosco como espectadores, mas não só. Com certeza eles buscam nossa 
ajuda para modificar, para viver de forma diferente emoções, sentimentos e fantasias. Um exemplo: O 
paciente briga na sua firma porque acredita que o querem submeter, obriga-lo a um trabalho que ele 
não quer fazer; cria então uma armação para enfrentar a situação–monta uma situação muito 
dramática no serviço e também aqui na sessão onde comparece falando desesperado de seu medo de 
perder o controle e de desistir de tudo. Ele está agindo de forma diferente da que ocorreu quando, 
muito criança, o deixaram para traz, quando a família “esqueceu” dele. Mas também está resgatando 
a criança desesperada que ainda habita dentro dele. É através da dramatização que ele tenta expressar 
algo autentico de si mesmo. Mas ele atua como um personagem e não como o adulto que é hoje. Ele 
não consegue, nesta situação, se apossar do adulto pensante, reflexivo e responsável que também ele 
é. Conta com a análise para conseguir isto. 
Em “Transformações”, Bion (1983) fala da hipérbole: “O aparecimento de hipérbole em 
qualquer forma deve ser encarado como significativo de uma transformação na qual rivalidade, inveja 
e evacuação estão presentes”. Diz ele “O exagero é útil no esclarecimento de um problema – busca-se 
“ganhar a atenção necessária para ter um problema esclarecido. O continente desintoxica a emoção 
ou pode não ser capaz de tolerar a emoção ou a emoção contida pode não tolerar a negligência – isto 
é, a emoção que não pode tolerar negligência aumenta em intensidade, é exagerada para assegurar 
atenção e o continente reage por mais, e ainda mais , evacuação violenta.” Há uma equação constante 
na hipérbole, diz ele, de uma força crescente de emoção com força crescente de evacuação. E se 
estamos lidando com dramatizações na sessão estamos lidando com evacuações, com identificações 
projetivas. 
Certamente o paciente que dramatiza tem interesse pela análise. Ele não despreza o 
trabalho analítico, pelo contrário, sabe que é aqui que pode comparecer e fazer comparecerem seus 
dramas internos. Mas não podemos esquecer que os aspectos ambivalentes estão sempre presentes. 
O dramatizar, um recurso criativo, também pode comparecer impregnado de distorções, 
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principalmente de uma distorção da relação analítica. Na situação analítica não estamos presentes 
como uma pessoa comum; quando estamos trabalhando temos uma postura e um objetivo muito 
especiais que nem sempre o paciente se dá conta. A negação da função analítica é uma defesa que 
tanto pode inibir como exacerbar a forma de expressão a que estamos nos referindo. Se ele tenta nos 
enganar está mostrando que é assim que ele vive, se enganando! Como na literatura e no teatro em 
que o personagem é um duplo do escritor, o personagem da sessão é um duplo do paciente. Na 
literatura cada personagem é uma faceta do autor - também aqui sua performance é um aspecto seu 
importante que precisamos ajuda-lo a conectar com um todo muito fragmentado. Com certeza seus 
exageros representam muito de seu desespero por se organizar internamente, por se conhecer, por 
encontrar seu lugar. Além de ser uma exposição de suas angustias, ele está mostrando também como 
vivencia seus relacionamentos. 
A dramatização pode também expressar uma experimentação, que só ocorre se houver 
ambiente confiável. E o analista pode estar sendo sentido exatamente como o objeto acolhedor, 
propiciador de novas experiências. O paciente, certamente, está explorando sua criatividade e 
querendo desenvolvê-la. Podemos dizer que é um esforço para exprimir melhor o que ainda está 
caótico no seu mundo interno. Mesmo havendo aspectos evacuativos, é a forma possível, no 
momento, de expressão. 
É muito difícil o encontro com o caos interno; mais difícil ainda é expressa-lo na medida em 
que se o caos existe é porque faltam discriminação, significação e nomeação. É isto que o paciente 
vem buscar! A esperança, que sempre existe, é fundamental (Figueiredo - 2008) e pode vir 
acompanhada de aspectos agressivos ou elementos psicóticos na medida em que a auto-suficiência e 
a onipotência estão sempre presentes. E estão presentes nesta conotação: “só eu sei como me fazer 
entender e sem minha ajuda dramática o analista nunca vai poder saber de mim.” A onipotência do 
paciente e a incompetência do analista estão implícitos. Esta desqualificação do analista mostra que a 
dramatização ou a necessidade de encenar existe por causa da ambivalência: o analista ainda não está 
definido dentro dele, o que aponta para uma dificuldade do paciente em identificar e preservar o bom 
objeto dentro de si. 
Na busca de ligação com o analista através do drama há um deslocamento da angustia na 
medida em que o paciente está mais atento à representação e ao efeito que vai causar no analista. 
Seus verdadeiros sentimentos ficam escondidos, principalmente dele mesmo! O drama é 
aparentemente bem organizado, com causas bem definidas e buscas bem propostas. Aparentemente! 
Na verdade é um mecanismo defensivo que, bem instrumentado pelo analista, pode ser bastante 
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produtivo. E nunca podemos por em dúvida o excesso de tensão, a grande insegurança e o temor de 
desintegração mental do paciente dramático. 
Na dramatização qual é a identificação que está sendo priorizada? Este é o caminho que 
temos para seguir na nossa pesquisa sobre o paciente, sobre como ele construiu sua subjetividade. O 
drama é a expressão de algo muito primário que precisa comparecer e ser lidado. As encenações na 
sessão visam acabar com as encenações internas, repetitivas, doentias. É sempre a procura 
desesperado de algo novo. E se o paciente exagera, dramatiza, é porque precisa reproduzir algo que já 
foi vivido e não foi compreendido ou não foi elaborado. Diferente do teatro é o paciente que cria o 
texto e o interpreta. Ele é o criador e o interprete que quer expor ao analista sua “tragédia”. Com estes 
pacientes o contato com o analista é muito difícil e não pode ser direto porque expressa o contato com 
seus objetos internos, com seu mundo interno, e o paciente não se acredita capaz de conter a si 
mesmo. Quer experimentar para saber da continência do analista. Usa sua mente, seus recursos, para 
criar a si mesmo, para dar forma a um modelo de pessoa, ou de mundo interno, que ele deseja que 
seja acolhido e compreendido. A sessão é um campo de observação e de experimentação de si mesmo 
edo analista. 
Qual a doença de meu paciente que chega gritando, agitado, nervoso: “Não agüento mais!” 
Sua doença inclui a descrença de que o terapeuta possa levá-lo a sério, ou possa ouvi-lo com interesse 
se ele não fizer todo este barulho. E o que o paciente é, nós podemos perceber bem: perseguido, 
ameaçado, limitado, e, principalmente, incapaz de confiar, de observar, de apreender qualquer coisa 
diferente daquela que ele tem em mente. Ele não tem disponibilidade para esperar, para pesquisar, 
para ter curiosidade, para aprender. Ele chega dramatizando – logo, ele não está só ligado ao que 
sente, não está ligado totalmente a ele mesmo. Ele está atento e preocupado com o analista: como 
mobilizá-lo, como ser importante para o analista naquele momento, como fazer o analista presente 
com ele. Aquilo que realmente o incomoda, aquilo que o angustia, está habilmente encoberto pelo 
personagem que ele trás. E o personagem encobre alguém desconfiado, incrédulo, ameaçado de não 
ser bem acolhido. Então – o paciente expressa seu desamparo fazendo um longo contorno onde a 
identificação projetiva está presente. 
 Outro paciente: ele chega com uma maleta, entra lentamente, observa a sala 
minuciosamente e coloca a maleta junto à parede na frente do divã e se dirige para cumprimentar o 
analista. Para no meio do caminho e retorna. Pega a maleta novamente e a carrega indo e vindo em 
várias direções na sala. Finalmente decide colocá-la sobre a poltrona, junto da escrivaninha. Esta é 
uma linguagem onde fica claro, de imediato, que o paciente precisa da atenção do analista para o fato 
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de que ele não sabe exatamente de suas prioridades e espera que o analista o assegure do que deve 
fazer. E também de como deve fazer escolhas e avaliações. Ele diz, dramaticamente: me ajude a saber 
o que faço com minha mente, me diga qual é meu lugar na sua mente e qual é meu lugar na vida! 
Outra situação: “Eu sou mesmo uma pessoa que nasceu marcada: perdi a mãe muito criança , 
tive um pai muito louco e tenho irmãos tão doentes que eu tenho que me desdobrar para cuidar 
deles.” É uma forma dramática de se colocar: órfão, desamparado e sobrecarregado. Mas ele não é só 
esta pessoa – na verdade tenho diante de mim um profissional liberal muito bem sucedido 
profissionalmente, bem casado e com uma família bastante normal que o gratifica muito. Qual a 
função desta colocação tão exagerada, tão dramática? Realmente existe um aspecto seu interno muito 
desorganizado, que o fez buscar análise, mas ele não é, com certeza, esta ”pessoa marcada”, ou tão 
especialmente infeliz, como está hoje aqui. Existe algo importante na relação comigo, analista, que 
precisamos descobrir, e que esperamos nos ajudará a colocar alguns aspectos seus internos em ordem. 
 A montagem do drama na sessão pode ser vista como equivalente ao barulho, ao choro do 
bebê que está angustiado, ameaçado pela fome. Ao captar a angustia do bebê e ao oferecer a sua 
resposta a mãe possibilita a ele uma nova condição interna. Ao introjetar este objeto mãe com 
recursos de conter seu caos interno, ele consegue também se organizar melhor internamente; então 
novos sentidos serão alcançados. Existe uma criatividade do paciente ao dramatizar; ele quer 
transmitir algo, quer aproximação, compartilhamento, participação. Mas não sabe como buscar isto de 
forma direta; este caminho, cauteloso, é o possível para ele. Existem desconfiança e necessidade de 
controle, mas é muito forte a necessidade de reconstruir seu mundo interno. Como nos mostra 
Unamuno (1987) citando Aristóteles, a curiosidade e o empenho em conhecer são da natureza 
humana. O que levou Eva a comer o fruto proibido senão a curiosidade e o desejo de saber? Alias, é aí 
que está a origem da ciência. E, como ele diz: conhecemos e desenvolvemos conhecimento para viver, 
para sobreviver. 
O paciente cria o drama para nos mobilizar, mas de certa maneira, para nos golpear como ele 
vive sendo golpeado em sua mente pelos conflitos, sempre presentes! O paciente acredita que o 
analista vai libertá-lo de suas angustias e que tem condições de ajuda-lo. Está em busca de uma ”nova 
ideia para ser assimilada e para por em movimento toda a estrutura cognitiva.”, como nos mostra 
Melega (2011). Usa a metáfora do drama não só porque desacredita da possibilidade de ser quem é 
livremente, mas também porque já nem sabe quem é. Os diferentes aspectos dentro dele não são 
instrumentados adequadamente, ao contrário, criam um caos interno. Ao mesmo tempo em que quer 
narrar sua história, em que precisa narrar sua história, ou sua versão de sua história, vários aspectos se 
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misturam: o que ele é, o que acredita ser, o que quer ser e quem acredita que o analista quer que ele 
seja. 
O grande problema, hoje, é a negação de nossa existência, no sentido da negação da 
existência de aspectos nossos que não são vividos e mesmo não são conhecidos. Um pai que abandona 
o filho, nega sua existência como pai. Como mostra Frayze-Pereira (2001) vivemos hoje um vazio na 
medida em que nos relacionamos com tudo aquilo que nega a existência, como a redução da vida 
interior e as grandes dificuldades do viver junto. Quando priorizamos a televisão ou o contato pela 
internet, não vivemos os obstáculos, não enfrentamos as dificuldades, não precisamos tentar conhecer 
nossos recursos. Também não precisamos fantasiar sonhar. E, pior, novos valores não são identificados 
e acrescentados ou integrados. O desejo é evitar mudanças, é impedir o novo! 
Então o sentimento de vazio, tão discutido hoje, expressa, a meu ver, um mundo interno 
cheio de dificuldades, de sentimentos de incompetência, de descrenças, desesperança e de ameaças. 
Ao em vez de irmos à busca do que é importante, ao em vez de discriminar o que é realmente 
significativo, ao em vez de ir desenvolvendo a capacidade de tolerar as frustrações, de buscar conhecer 
mais e mais quem somos e o que queremos, ficamos fechados no nosso narcisismo e no 
individualismo. Esta é uma aparente solução para o sofrimento diante das frustrações e culpas; na 
verdade não nos protege e mesmo nos empobrece como ser humano. É o viver, o desafio de viver, de 
enfrentar as dificuldades que as relações sempre trazem que nos possibilita o desenvolvimento pleno 
de nossos recursos, de nossas potencialidades. 
De certa maneira vivemos hoje papéis em que a realidade dos personagens é mais importante 
do que os fatos, do que a realidade dos acontecimentos do aqui-agora, do que eu sou ou quero para 
mim. 
 Voracidade e inveja têm relação com este quadro da dramatização em análise. A inveja, hoje, 
tem um caráter cultural na nossa sociedade. Quando o bom é destruir o outro, destruir o bom que é 
do outro como um caráter social de competição válida, com a conotação de ser isto uma expressão do 
esforço pessoal, do desejo de sucesso a todo custo, quando estes valores são os mais importantes, 
estamos numa sociedade perversa. A sociedade onde predomina o narcisismo, onde ocorre a 
banalização da violência e onde a verdade não é importante, onde se tem que exercer o papel 
escolhido ou se tem que se ater ao papel que lhe foi atribuído, a dramatização na situação analítica é 
muito fácil de ocorrer ou, mesmo, é esperado que ocorra. 
 Mas, quais os pressupostos básicos para que ela ocorra? 
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O saber do analista causa inveja. Incapaz de contar e aproveitar do analista o paciente se 
atribui o papel de mobilizador dos recursos e da sensibilidade do analista. Ele, o analista, não os tem! 
O paciente precisa fazer muito esforço, fazer um contorno trabalhoso e difícil para tornar o analista um 
bom analista. Logo, se o analista é competente, foi o paciente que o fez competente! Então também 
não precisa sentirgratidão pelo que recebe. E mais importante: eles, ambos, são iguais! Isto expressa o 
quão difícil é a vivência na Posição Depressiva, quando tenho que reconhecer a importância do outro e 
preciso cuidar da relação. 
Como diz Freyze: “O invejoso inveja o impossível - não sentir falta, não ter limites, não 
precisar do outro, se gratificar sozinho, narcisicamente.” Assim como Narciso estava todo absorvido 
por si mesmo, hoje nós também, absorvidos por nós mesmos não conseguimos nos deixar afetar pelo 
outro ao nosso lado e ao mesmo tempo estamos infelizes em busca de relacionamento afetivo, que 
realmente é indispensável, na medida em que necessitamos urgentemente, sempre, sermos afetados 
pelos outros, sejam pessoas, ideias ou fatos. 
A inveja do analista dificulta poder usufruir o que o analista lhe oferece, daí ele precisar 
construir uma situação em que cabe a ele, paciente, todos os recursos e toda criatividade. O paciente 
curioso e que instrumenta bem sua curiosidade vem para a sessão atento, querendo ouvir, saber. Ele 
até se surpreende muitas vezes: Como você viu isto? Como você sabe? O dramático aboliu isto de 
certa maneira, ele vem para ser o mais importante, pera deixar o analista curioso, para chamar a 
atenção do analista. Segundo Freyze esta abolição ou diminuição da curiosidade é exatamente uma 
fuga de se descobrir invejoso. E isto faz sentido no nosso caso, na medida em que o paciente está no 
palco, no lugar central, para onde todos têm que voltar a atenção! 
A inveja traz a inibição da curiosidade – não querer saber do outro, dos recursos do outro, do 
que o outro pode lhe oferecer é uma defesa contra a inveja. Para Klein (1991) a inveja da criatividade 
é fundamental. O paciente inveja a capacidade criativa do analista que, com sua pesquisa na sessão, 
quer abrir caminhos, enveredar com o paciente no seu mundo desconhecido. 
Betty Joseph (1991 ) distingue o masoquismo autodestrutivo maligno dos pacientes de difícil 
acesso, da dramatização. Esta distinção é importante: nos casos graves descritos por ela o prazer está 
em criar situações de desesperança. Na dramatização, ao contrário, há uma expectativa de 
descobertas salvadoras, através da captura da curiosidade do analista e do exercício criativo de ambos. 
Os refúgios psíquicos descritos por Steiner (1997 ) em que o paciente fica estagnado, isolado e 
retraído parecem ser muito diferentes dos quadros de dramatização que representam sempre uma 
maneira de chamar a atenção. Mas penso que até ai pode se criar um refúgio. É quando o paciente se 
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entusiasma e passa então a querer melhorar sua performance dramática: “Eu não disse para a senhora 
que não adianta eu me esforçar, me empenhar, aceitar tudo! Foi pior! Aí que ele passou a abusar mais 
de mim”. Este refúgio no drama, no exagero, na expressão sempre tensa dificulta os relacionamentos, 
principalmente consigo próprio. O drama permanente o protege do confronto com as realidades 
interna e externa. 
Outros exemplos: 
O paciente está cansado mas tranquilo ao chegar em casa depois de um dia de trabalho difícil 
e muito produtivo. Enquanto aguarda a esposa para o jantar começa a se inquietar e não resiste: sai 
para caminhar, como sempre faz. Na verdade para passar pelo local de trabalho da esposa e espionar 
se ela está realmente dando aula ou se conversa ou sai com algum homem. Chega à sessão muito 
agitado, desesperado mesmo: ”Por que eu faço isto? Eu já tinha me decidido a não fazer de novo!”. É 
toda uma dramatização, ali na sessão, já nossa velha conhecida. E tem uma função: não ter que 
relacionar o seu bem estar com a análise, que não terá por alguns dias, e não ter que assumir seus 
recursos. Se ele assume a responsabilidade por si mesmo, por seus próprios recursos de tolerar a 
espera, de conter as dúvidas e os desconhecimentos, ele deixará a mim, e a esposa, tranquilos. Isto o 
deixa enlouquecido porque ambos temos que cuidar dele todo o tempo. Se ele se assume, nós vamos 
descansar e ele vai sofrer. Acredita nisto, que “vai sofrer”, que vai ficar desamparado. Não acredita 
que vai crescer se desenvolver, e que isto não só é bom como inevitável. O crescimento é da natureza 
humana e se impõe a todos nós. Ele vem hoje, última sessão antes das férias, para penetrar minha 
cabeça, se instalar dentro de mim para que eu não fique tranquila e não o esqueça. Está implícita aí a 
inveja de meus recursos em ajuda-lo a crescer e a inveja de minha capacidade de usufruir o que tenho 
hoje, de minhas férias. É ele que deixa, assim, de usufruir de si mesmo, de suas conquistas na análise e 
na vida. 
 Temos aí uma criança chorando, fazendo muito barulho para ser lembrada, para não ser 
esquecida. Ele expõe suas angustias e ao mesmo tempo as esconde, na medida em não consegue 
identificar dentro de si mesmo o que é significativo, o que é seu e o que é do outro. Está projetando 
em mim sua violência e expondo sua inveja. O curioso é que ele sabe disto, mas ao mesmo tempo não 
pode saber, ou não acredita que aguenta saber. Ao se colocar como vítima da analista que o 
abandona, ele repete o drama edípico da infância. 
Outra paciente chega muito agitada gritando que não sabe o que fazer consigo mesma, que 
tem medo de enlouquecer, de não dar conta de suas tarefas, de perder o controlo etc. Descreve a 
situação: a filha está doente, a empregada com problemas, a sogra vai fazer uma cirurgia e o marido 
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está viajando. São situações difíceis, questões importantes que ela não está negando ou 
desconsiderando. O importante é que ela sabe de tudo isto e que tem que buscar ajuda, ajuda que 
existe e apenas precisa ser acionada. Não temos aí nenhuma tragédia, apenas situações difíceis a 
serem enfrentadas. E, o mais importante, ela sabe que dá conta! Por que o drama então? 
Se não cria o drama não será valorizada no seu empenho e nas suas capacidades. Logo, tanto 
os familiares, como o marido e eu somos incapazes de avaliação, de valorização, de reconhecimento. A 
questão que sempre fica é: se ela sabe de seus recursos porque precisa comparecer como quem não 
os tem? Ela ataca seus recursos ou ela apenas quer que eu a reassegure? Deixa para mim a tarefa de 
discriminação e comparece como alguém incapaz de saber quem é. Como o ator no teatro, ali está 
presente ela mesma e uma outra. 
Fim 
 
 
* * * * * * * * * 
 
12 
 
 
RESUMO 
O autor se detém nas situações em que os pacientes apresentam um exagero expressivo, que ele 
chama de dramatização na sessão. A dificuldade de comunicação verbal do paciente o leva a usar de 
vários recursos para expor suas angustias. São pacientes que se interessam pelo trabalho na sessão e 
lidam com suas dificuldades através destes movimentos, criativos às vezes, que visam chamar a 
atenção e despertar a curiosidade do analista. Enquanto dramatiza o paciente esconde aspectos seus 
e ao fazê-lo expressa muito de si mesmo. Como na literatura e no teatro em que o personagem é um 
duplo do escritor ou do ator, o personagem, na sessão, é um duplo do paciente. O recurso às 
identificações projetivas, como sempre, decorre de temor do contato com seu mundo interno. 
Palavras chave: dramatização; representação; expressão; identificação projetiva. 
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Resumen 
El autor se detiene en las situaciones en que los pacientes presentan un exagero expresivo que el llama 
de dramatización en la sesión. La dicicultad de comunicación verbal del paciente lo lleva a usar de 
varios recursos para exponer sus angustias. Son pacientes que se interesan por el trabajo en la sesión y 
lidan con sus dificultades a través de estos movimentos, creativos a veces, que visan llamar la atención 
y despertar la curiosidad delanalista. Mientras dramatiza el paciente oculta aspectos suyos y al 
hacerlo expresa mucho de si mismo. Como en la literatura y en el teatro en que el personaje es un 
doble del escritor o del actor, el personaje, en la sesión, es un doble del paciente. El recurso a las 
identificaciones proyectivas, como siempre, transcurre del temor del contacto con su mundo interno. 
Palabras-clave: dramatización; representación; expresión; identificación proyectiva. 
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Abstract 
The author examines situations in which the patient presents exaggerated expressiveness referred to 
here as dramatization in the session. The patient’s verbal communication difficulties lead to the use of 
a number of resources to disclose his anguishes, and obstacles are dealt with by the use of such 
movements, creative at times, aimed at drawing the analyst’s attention and curiosity. As the patient 
dramatizes, he conceals aspects of his and, while doing this, expresses much of himself. As in literature 
and the theater, where the character is a counterpart of the writer or actor, in the session the 
character is a counterpart of the patient. The resort to projective identification, as always, stems from 
the dread of the encounter with one’s inner world. 
Keywords: dramatization, acting, expression, projective identification 
 
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