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FILOSOFIA PARA ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS CONTÁBEIS. APOSTILA COMPLETA DO CURSO. PROFESSOR: ANTONIO SATURNINO BRAGA 2013/2. 2 SUMÁRIO PRIMEIRA PARTE: IMAGENS DA NATUREZA E DA RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO. - Tópico 1. Apresentação Geral. Página 03. Primeira Seção da Primeira Parte: Esquema histórico das Imagens de Natureza. - Tópico 2: O surgimento da imagem lógico-científica da natureza. Página 08. - Tópico 3: Ciência antiga: a imagem de mundo e de ciência típica do período antigo e medieval. Página 12. - Tópico 4: Ciência moderna. Imagem de mundo e de ciência inaugurada na revolução científica do século XVII. Página 16. Segunda Seção da Primeira Parte: As Imagens da relação entre sujeito (do conhecimento) e objeto (do conhecimento). - Tópico 5. Esquema geral da segunda seção da primeira parte. Página 21. - Tópico 6: Empirismo e Racionalismo no século XVII. Página 23. - Tópico 7: Empirismo e Idealismo no século XVIII. Página 29. - Tópico 8: Empirismo Lógico e Racionalismo Crítico de Popper. Página 36. - Tópico 9: Reflexões sobre os limites e as condições de aplicação do método hipotético-dedutivo (Popper). Página 42. - Tópico 10: Positivismo e Construtivismo de Thomas Kuhn. Página 48. - Tópico 11: Positivismo e Construtivismo nas esferas da Teoria da Sociedade e da Teoria das Organizações. Pg. 53. SEGUNDA PARTE: IMAGENS DA SOCIEDADE E IMAGENS DAS ORGANIZAÇÕES. - Tópico 12: Apresentação Geral da Segunda Parte. Página 59. - Tópico 13: Mecanicismo. Página 61. - Tópico 14: Materialismo Histórico (Marxismo Ortodoxo). Página 65. - Tópico 15: Funcionalismo. Página 72. - Tópico 16: Abordagem Interpretativa (Hermenêutica). Página 78. - Tópico 17: Alguns conceitos da sociologia de Max Weber, um dos principais expoentes da abordagem interpretativa. Página 84. - Tópico 18: A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Habermas. Página 91. - Tópico 19: Algumas relações entre as imagens da sociedade e as imagens da organização expostas por Gareth Morgan. Pag. 101. 3 Tópico 1. APRESENTAÇÃO GERAL. Nosso curso é um curso de filosofia; filosofia das organizações e da administração ou gestão das organizações. Por ser um curso de filosofia, adotará um método de investigação e análise tipicamente filosófico: em vez de lidar diretamente com os objetos da nossa ação e do nosso conhecimento, nós vamos focalizar nosso modo de ver e compreender os objetos, e nosso modo de ver e compreender nossa relação com os objetos. Nós vamos instaurar uma espécie de mediação reflexiva entre nós e os objetos com que lidamos em nossa vida cotidiana e em nossas atividades acadêmicas e/ou profissionais. Trata-se de uma atitude reflexiva: em lugar de nos colocarmos numa relação direta e imediata com os objetos, como é típico da vida cotidiana, nós vamos nos voltar para essa relação, focalizá-la, analisar o modo como ela pode ser compreendida. Em outras palavras, nosso curso vai analisar “imagens” (modos de ver e compreender), imagens dos objetos e da nossa relação com os objetos. Que objetos são esses? Nosso interesse último é no objeto “organizações” e na nossa relação com essa espécie de objeto – onde o “nós” são as pessoas interessadas no conhecimento (ou teoria) das organizações e na gestão das organizações. Mas as imagens de organização e da nossa relação com as organizações vão constituir o último tópico de nosso curso. Antes de abordar esse tópico, vamos discutir outros tipos de imagens. Na primeira parte do nosso curso, vamos focalizar imagens de natureza e da nossa relação com o objeto “natureza” (fenômenos e processos naturais, como movimentos dos astros, queda dos corpos, crescimento de árvores, etc. – claro que não vamos tratar desses fenômenos e processos como cientistas, mas como filósofos do conhecimento científico). Na segunda parte, antes das imagens das organizações, vamos focalizar imagens do ser humano, dos grupos humanos e das sociedades, e imagens da relação dos cientistas sociais com essa espécie de objeto. A primeira parte vai por sua vez se subdividir em duas seções. A primeira consiste em um esquema bastante simplificado da história das imagens de natureza. A segunda seção é uma história das imagens da relação entre o sujeito que produz 4 conhecimento (científico) da natureza e, por outro lado, o objeto (fenômenos e processos naturais) conhecido ou a ser conhecido neste conhecimento. Nessa segunda seção da primeira parte, nós vamos trabalhar com dois grandes tipos de imagem. De acordo com um desses tipos, as ideias e modos de pensar do sujeito do conhecimento desempenham o papel prioritário na relação com o objeto conhecido ou a ser conhecido. De acordo com o outro tipo, a primazia cabe a dados e características independentes das ideias e modos de pensar do sujeito do conhecimento. Ao tipo mencionado em primeiro lugar pertencem as seguintes imagens da relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento: racionalismo, idealismo e construtivismo. E ao tipo mencionado em segundo lugar pertencem as seguintes imagens: empirismo, empirismo lógico e positivismo. Nessa seção, nós (o professor e seus filósofos preferidos) vamos tentar defender a imagem construtivista da relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Mas essa defesa não tomará a forma de uma afirmação de que as outras imagens estão erradas. Nosso argumento será que a imagem construtivista é mais perspicaz e menos ingênua, ou seja, equivale a uma visão mais ampla, rica e nuançada da questão. Na segunda parte do curso, como dito acima, vamos focalizar imagens do ser humano, dos grupos humanos e das sociedades, e imagens da relação dos cientistas sociais com essa espécie de objeto. Enquanto na primeira parte o interesse fundamental recai sobre as imagens da relação entre o sujeito e o objeto, nessa segunda parte o interesse fundamental recai sobre as imagens do objeto, que nesse caso são os seres humanos, os grupos humanos e as sociedades (e não mais os fenômenos e processos estritamente naturais). De modo semelhante ao da segunda seção da primeira parte, na segunda parte do curso nós também vamos trabalhar com dois grandes tipos de imagem – nesse caso imagens do objeto estudado pelos cientistas sociais, as sociedades em geral (grupos humanos em geral). De acordo com o primeiro tipo de imagem, os elementos essenciais deste objeto consistem em características, condições, estruturas e processos independentes das ideias e modos de pensar, tomados como fenômenos pertencentes a um plano secundário ou derivado, o das consciências dos seres 5 humanos. Ideias e modos de pensar ficam subordinados a elementos que lhes são independentes. De acordo com o segundo tipo, em contrapartida, os elementos essenciais do objeto “social” consistem nas ideias e modos de pensar que existem e se reproduzem na consciência e/ou na linguagem (atividades de fala) dos seres humanos. Ao primeiro tipo pertencem as seguintes imagens do objeto estudado pelos cientistas sociais: mecanicismo, funcionalismo e materialismo histórico (ou marxismo ortodoxo). Chamaremos essas imagens de imagens “positivistas” da sociedade, em virtude da relação que se pode perceber entre essas imagens de sociedade e a imagem positivista da relação sujeito-objeto, analisada na Primeira Parte. Ao segundo tipo de imagens da sociedade pertencem as seguintes imagens: imagem Interpretativa (ou Hermenêutica) e Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, que pode ser considerada uma espécie de “hermenêutica crítica”. Chamaremos essas duas imagens de imagens “construtivistas” da sociedade, em virtude da relação que se pode perceber entre essas duas imagens do objeto “sociedade” e a imagem construtivista da relação sujeito-objeto, analisada na Primeira Parte. Nesta segunda parte do curso, defenderemos a superioridade das imagens construtivistas ou “interpretativas”– tanto a imagem Interpretativa em sentido estrito quanto a “hermenêutica crítica” representada pela Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Argumentaremos que a consciência e os atos de fala são irredutíveis a elementos puramente “objetivos” (totalmente independentes dos sujeitos dotados de consciência e linguagem), e que as imagens construtivistas estão mais atentas a esse fato. Por fim, no último tópico do curso tentaremos estabelecer relações entre as imagens estudadas na segunda parte e certas “imagens da organização” que podem ser percebidas na história da teoria das organizações. Nosso “orientador” nesta terceira parte será Gareth Morgan, cujo livro “Imagens da Organização” (Editora Atlas) nos inspirou a usar o termo “imagens” para designar modos de ver e compreender. Antecipando o que será visto de forma mais detalhada nesse último tópico, abordaremos aqui três grandes imagens, procurando relacioná-las a algumas das imagens vistas na segunda parte do curso. Em primeiro lugar, a imagem mecanicista das organizações, na qual a organização é vista como uma máquina, e que pode ser 6 aproximada da imagem mecanicista da sociedade em geral. De acordo com esta imagem, a essência da organização são indivíduos isolados entre si, movidos por necessidades estritamente materiais ou financeiras, e que assumem as tarefas e responsabilidades particulares (individuais) próprias de cargos definidos num organograma tecnicamente desenhado. Grandes expoentes dessa imagem são Fayol e Taylor. Em segundo lugar, a imagem funcionalista das organizações, na qual a organização é vista como um organismo, que pode ser aproximada da imagem funcionalista dos grupos sociais em geral. De acordo com esta imagem, a essência da organização reside em redes de relações humanas ou sociais, constituídas por laços de reconhecimento, afinidade, amizade ou interesse, de caráter mais informal do que formal, e cujo conjunto (ou sistema) está submetido a duas necessidades básicas: coerência / integração interna e adaptação ao ambiente externo. Grandes marcos dessa multifacetada imagem são Elton Mayo e os estudos de Hawthorne, Maslow e a hierarquia das necessidades humanas, a Teoria dos Sistemas Abertos e a Teoria da Contingência. Por fim, a imagem interpretativa da organização, na qual a organização é vista como Cultura. De acordo com essa imagem, a essência da organização são os modos de pensar, ou modos de atribuir significado, que seus integrantes aplicam e reproduzem, muitas vezes de forma inconsciente ou irrefletida. Dependendo dos padrões de significação (nome abreviado dos padrões de atribuição de significado) dominantes na cultura organizacional, teremos diferentes tipos de cultura. Podemos ter, por exemplo, uma cultura burocrática, descrita, entre outros, por Max Weber, um dos grandes nomes da abordagem interpretativa da sociedade e das organizações. Outro exemplo seria uma cultura “organicista”, orientada por significados organicistas. Assim, uma mesma organização pode ser analisada de duas maneiras diferentes. O teórico ou gestor que usa um “óculos” mecanicista vai analisar a organização sob o prisma da máquina, identificando qualidades e defeitos típicos da organização-máquina. E o teórico ou gestor que usa um “óculos” interpretativo vai 7 analisar a organização sob o prisma da cultura, identificando qualidades e defeitos típicos da cultura burocrática. De acordo com a abordagem interpretativa ou hermenêutica, tanto a cultura burocrática quanto a cultura organicista (mas a burocrática de forma mais acentuada) caracterizam-se por um baixo grau de reflexividade e consciência: as pessoas aplicam e reproduzem padrões de significação sem perceberem que estão fazendo isso, e sem serem encorajadas a refletir sobre isso. A cultura organizacional não abre espaço para a conscientização e discussão dos padrões de atribuição de significado nela vigentes. Em contraposição a isso, culturas “reflexivas” e “críticas” são culturas que abrem espaço para a conscientização, discussão e crítica dos padrões de significação vigentes em dado momento – nesse sentido elas estão mais abertas à mudança cultural. Iremos relacionar a questão da mudança cultural à “aprendizagem de circuito duplo” analisada por Gareth Morgan no capítulo 4 de seu grande livro. E iremos relacionar este tipo de aprendizagem organizacional (que se distingue da “aprendizagem de circuito único”, um tipo de aprendizagem que nós iremos relacionar à imagem funcionalista ou organicista das organizações) à Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, analisada na segunda parte do curso. 8 Tópico 2: O Surgimento da Imagem Lógico-científica da Natureza. Outros títulos: A Transição do Mito (visão de mundo mítico-religiosa) ao Logos (visão de mundo filosófico-científica). As Origens do pensamento filosófico-científico. O surgimento de uma nova maneira de ver e compreender a natureza como um todo: a imagem lógico-científica da realidade. •Surge na Grécia, por volta do século VI a.C. (600-501 a.C.). Primeiro filósofo: Tales de Mileto (maturidade em 585 a.C.). Dá início à chamada “Escola de Mileto”. • Inaugura-se uma tradição de crítica e revisão dos mestres. •Forma de pensar nitidamente nova (pensamento lógico-científico, ou filosófico- científico), distinta do tipo de pensamento culturalmente dominante até então (pensamento mítico). Características do pensamento mítico (ou da visão de mundo mítico-religiosa). Nesta imagem do mundo, as realidades naturais que encontramos no dia-a-dia estão sempre associadas a entidades sobrenaturais personalizadas (Deuses, agentes sobre- humanos), cujas lutas, uniões e façanhas estão na origem das coisas e acontecimentos do dia-a-dia. Mesmo as realidades naturais que encontramos no dia-a-dia contêm no seu âmago uma potência sobrenatural com a qual os homens precisam se relacionar devidamente, para preservar seu funcionamento regular e ordenado, segundo a ordem divina do mundo. O que caracteriza essas potências sobrenaturais é o fato de que elas podem atuar de forma absolutamente arbitrária, irregular, irracional, a seu bel-prazer; seu poder não está sujeito às expectativas humanas de “lógica”, “razão”, “regularidade”. Assim, esta é uma visão de mundo marcada pela perfeita aceitação do inesperado, do extraordinário, do mistério. Explicações são histórias sobre a origem de algo, com ênfase na origem da ordem da natureza como um todo, que representa uma espécie de “pacificação” das potências sobrenaturais que habitam o âmago da realidade, levando-as a atuarem de forma regular e ordenada, não caprichosa. Estas explicações da ordem do mundo sempre remetem às lutas, uniões e façanhas de entidades sobrenaturais, que ocorrem em uma outra dimensão do tempo, distinta daquela em que os seres humanos cotidianamente vivem (tempo cotidiano). 9 No âmbito do pensamento mítico, há um vínculo essencial entre as narrativas míticas e rituais mágicos e/ou religiosos destinados a: A) Reproduzir simbolicamente a façanha originária de instauração da ordem do mundo (reprodução mágica do tempo da origem); soberano humano reproduz a façanha do soberano divino. B) Estabelecer uma ligação com a divindade responsável por determinada esfera da realidade, de modo a angariar proteção, favores, etc. Narrativa mítica é sagrada (incontestável), porque vem de uma revelação sobrenatural. O narrador (vidente, “poeta-cantor”) goza de autoridade inquestionável, por ser um escolhido dos deuses, por ter o dom de ver acontecimentos sobrenaturais, por ser inspirado por poderes sobrenaturais, ou, muitas vezes, por ter recebido a narrativa numa cadeia de transmissão originada em alguém que tinha esse tipo de inspiração. O poeta-cantor é parte de uma tradição sagrada. As narrativas míticas admitem incoerências e contradições, elas não se prestam às exigências de inteligibilidadee justificação, próprias do pensamento lógico-científico. Características do pensamento filosófico-científico Visão de mundo marcada pela rejeição da ideia de que a ordem natural baseia-se em poderes sobrenaturais que não se conformam à “lógica” (inteligibilidade subjacente à explicação e à argumentação). Recorre apenas a princípios, elementos e causas essencialmente naturais (ainda que mais abstratos do que os objetos e materiais aparentes). Exemplos: água, ar, fogo, terra; matéria indeterminada; átomo; quente e frio, úmido e seco. Tais elementos e causas operam de maneira “lógica” (LOGOS: inteligibilidade do pensamento e fala dos homens, e também da própria realidade), ou seja, de modo coerente e inteligível, livre de contradições e arbitrariedades. Em oposição à arbitrariedade das potências míticas, admite-se agora a lógica e inteligibilidade da natureza. Significados do termo “Logos”. 1) Fala de tipo argumentativo; 2) Características “racionais” deste tipo de fala; 3) Razão humana; racionalidade como capacidade específica dos homens; 4) Racionalidade e Inteligibilidade da própria Realidade (A natureza é intrinsecamente “lógica”). Assim, o termo grego “Logos” refere-se não apenas ao uso da linguagem humana caracterizado pelas exigências de inteligibilidade e racionalidade, mas também à suposição de que a racionalidade da linguagem humana é um reflexo de uma racionalidade objetiva, imanente à realidade natural e cotidiana. Esta é a suposição essencial da nova imagem de mundo que surge neste momento. 10 O Pensamento filosófico-científico admite questionamento, crítica, ajuste, correção; conforma-se às exigências de inteligibilidade e justificação. Inaugura-se uma tradição de rejeição da atitude “dogmática” e de valorização da atitude de crítica e revisão dos mestres. Pensamento filosófico: busca da estrutura essencial da realidade Naturalismo do pensamento filosófico-científico vincula-se à busca da estrutura essencial da realidade (distinção entre essência e aparência). Conhecimento puramente teórico da realidade como um todo (valorização do conhecimento pelo conhecimento). Vincula-se ao desejo de conhecer e ao prazer de conhecer, vivenciados como elementos independentes de quaisquer fins práticos. Atitude crítica acarreta uma proliferação de propostas de explicação da estrutura essencial da realidade: 1) Elementos naturais mais concretos: água, ar, fogo, terra. 2) Elementos naturais mais abstratos: “indeterminado” (matéria indeterminada), átomo (indivisível), “homeomerias” (átomos com distinções qualitativas), número e relações numéricas (proporções). 3) Elementos formais ainda mais abstratos: 3.1) Mudança, movimento de diferenciação e de geração de contrários (Dialética, Heráclito: o permanente é só aparentemente permanente); 3.2) O “Ser” como unidade/identidade/permanência fundamental, sem a qual a mudança não é inteligível (Parmênides: “Ser é, não-ser não é”). O Correlato social e político da transição do Mito ao Logos. Dos regimes do Direito dos “gene” para o regime das cidades-Estado (“Polis”) •Transição do mito ao “Logos” associa-se a uma mudança social correspondente: a transição dos regimes do Direito dos gene (“gene”: grandes linhagens e famílias aristocráticas) ao regime das cidades-Estado (“Polis”). (por volta de 750 a.C.). •1) Regimes do Direito dos gene: Direito arbitrário dos chefes de grandes famílias. • Sociedades caracterizadas pelo domínio da nobreza agrária, a classe dos “bem- nascidos” (linhagens “superiores”, que se consideravam descendentes de heróis extraordinários). Dentre os chefes das grandes linhagens avulta aquele que tem o título de Rei. 11 •Decisão arbitrária do Rei e do Nobre tem caráter sagrado e força de lei (ela é o Direito); ela não se presta às exigências de justificação e convencimento. Não se reconhece uma Lei comum a todos, à qual todos devem igualmente se submeter. •Conflitos são decididos com base na força; e força aparece como manifestação de um poder extraordinário, sobrenatural. O Regime das cidades-Estado (POLIS) •Regimes “políticos”: uma única Lei, que se aplica a todos. Igualdade dos cidadãos em relação à Lei comum a todos. - Fundam-se no pensamento “lógico” (racional-argumentativo). A Lei é inteligível para todos, e as decisões amparadas na Lei estão submetidas às exigências de explicação, discussão, justificação, convencimento. - Fundam-se na fala “lógica” (racional-argumentativa). Regimes dominados por aqueles que sabem argumentar, debater, persuadir. - Decisões de conflitos pessoais precisam ser amparadas em razões ou argumentos – surgimento dos tribunais. - Decisões sobre os rumos da comunidade precisam ser debatidas, explicadas e justificadas – surgimento das assembléias políticas. - O homem como “Animal Político”: gregário, social, e, simultaneamente, capaz de organizar sua existência social com base na razão, ou seja, no uso da linguagem (comunicação) centrado em argumentação, convencimento e justificação. 12 Tópico 3: Ciência antiga: a imagem de mundo e de ciência típica do período antigo e medieval. Ciência antiga: teleológica, qualitativa e contemplativa (ciência moderna é mecanicista, quantitativa e utilitária). Expoente mais influente da ciência antiga: Aristóteles: século IV a.C. (384-322 a.C.). A) Ciência de caráter teleológico (“telos”: fim, finalidade). Visão (ou Imagem) de mundo baseada na noção de finalidade – concepção teleológica da natureza. Ciência da natureza: identificação de finalidades. Objetivo da ciência é entender o sentido da existência e mudança das coisas, ou seja, entender o “por que” (interpretado em termos de “para que”) as coisas existem e mudam. Tese fundamental: cada coisa da natureza existe para alcançar um determinado lugar (“lugar natural”) ou meta (sua realização perfeita; realização perfeita da função que lhe é própria). Fim, Finalidade: essência de cada coisa. O “verdadeiro ser” de cada coisa consiste na finalidade de sua existência. 3 significados de fim estreitamente relacionados: “Lugar natural” buscado pelo ser, Função (atividade) própria do ser na totalidade da ordem cósmica, e realização plena do potencial próprio do ser. Fim de todas as coisas: ordem, harmonia e beleza do Cosmo como um Todo. Finalidade: causa da mudança direcionada, inteligível. Principal tipo de mudança inteligível: passagem do ser “em potência” ao ser “em ato” (realização do potencial próprio). Potência: possibilidade que se enquadra no direcionamento da essência ou finalidade. Semente é árvore em potência; embrião é homem (ser racional) em potência; adotando um ponto de vista mais específico, o embrião é, por exemplo, escultor (ou médico, ou filósofo, etc.) em potência; pedra é escultura em potência (pode se associar à realização da essência do homem-escultor.) O problema das mudanças aleatórias. Nos objetos do mundo “sublunar” (“região terrestre”), a essência (finalidade, que em Aristóteles equivale à “forma” da coisa) sempre está misturada a um outro elemento, a “matéria”, que representa a mera possibilidade (possibilidade que não se enquadra no direcionamento da essência). A matéria representa uma espécie de dinamismo cego, sem direção ou sentido. Causa das mudanças aleatórias que às vezes perturbam a ordem teleológica da natureza. 13 - Como regra geral, a forma-fim modela e organiza a matéria, enquadrando-a no molde da finalidade, serventia, sentido. Entretanto, às vezes a matéria como dinamismo cego “escapa” ao enquadramento da forma, produzindo eventos aleatórios que perturbam a ordem teleológica da natureza, sem destruí-la, no entanto. B) Ciência de caráter qualitativo. Ciência que se apóia em noções qualitativas, ou seja, noções que se definem pela impressão que causam em nossos sentidos (frio e quente, seco e úmido, leve e pesado, alto e baixo.) Substâncias básicas (fogo, ar, terra,água) são concebidas em termos qualitativos (fogo: quente e seco; ar: quente é úmido; água: fria e úmida, terra: fria e seca). Suas propriedades essenciais também são concebidas em termos qualitativos. Por exemplo, a substância terra é “pesada”: seu lugar natural/destinação são os “lugares baixos”, próximos do centro do planeta em que vivemos. É por isso que os objetos nos quais predomina o componente “terra” caem: a terra neles predominante está buscando seu lugar natural. Universo dividido em regiões qualitativamente distintas: - Região sublunar ou terrestre (“imperfeita”) e região supralunar ou celeste (“perfeita”, porque nela não há mistura com matéria; corpos celestes são constituídos de éter, a “quinta essência”, imaterial. Corpos perfeitos, que realizam movimentos perfeitos: circulares). - Região sublunar: dividida em: lugares altos (lugar natural do fogo), lugares baixos (terra), lugares não inteiramente altos (ar), lugares não inteiramente baixos (água). Cosmo: ordem e harmonia (beleza) do mundo como um todo. Modelo geocêntrico do universo: a Terra está no centro do universo e não se move. C) Ciência de caráter contemplativo. Na visão de mundo da antiguidade, o melhor potencial dos seres humanos é a racionalidade teórica, e o conhecimento científico equivale à realização deste potencial. Assim, o conhecimento científico é visto como fim supremo da existência humana e, portanto, como fim em si mesmo (e não como meio ou instrumento para outros propósitos, como saúde, conforto, prazeres da sensibilidade). A Imagem de Mundo e de conhecimento típica da antiguidade caracteriza-se por uma dissociação bem nítida entre a ciência e, por outro lado, o interesse técnico na intervenção sobre a realidade. 14 - Conhecimento científico não está subordinado à necessidade de resolver problemas da vida cotidiana. Esta necessidade define uma esfera diferente, a esfera da técnica. - Assim, a esfera da ciência é distinta da esfera da técnica (embora esta última também seja um modo de realização do potencial próprio do homem, que é a racionalidade em geral). Conhecimento científico: apreensão, contemplação e fruição da ordem, harmonia e beleza do Cosmo. Apreensão do sentido do mundo como um todo. Conhecimento científico: caminho pelo qual a alma se liberta (ou purifica) de impulsos insaciáveis, que levam à inquietação, ansiedade, frustração e infelicidade. Trata-se dos impulsos aos prazeres da sensibilidade e ao exercício do poder sobre os outros. Prazer do conhecimento é o único tipo de prazer que não vem misturado com certa dose de frustração. Diferentes manifestações da teleologia da natureza - Coisas existem PARA realizar uma ordem harmoniosa e bela (Cosmo). - Homem (ser racional) existe PARA reconhecer e fruir a ordem, harmonia e beleza do cosmo, ou seja, PARA responder adequadamente à ordem, harmonia e beleza como querer-dizer (significado ou sentido) das coisas e do mundo. - Cosmo existe PARA alimentar a vitalidade própria do homem, dirigindo-se às suas capacidades cognitivas em sentido amplo (razão teórica, razão prática, razão técnica). Ordem cósmica existe para realizar o potencial próprio do homem, a racionalidade em geral. - Razão humana: potencial (função) próprio do homem. Manifesta-se em: a) Conhecimento teórico da ordem e harmonia do Cosmo (Ciência, Teoria). b) Conhecimento prático indicativo do “agir bem” em cada situação – onde o “agir bem” é fim em si mesmo, é bom em si mesmo, é elemento constituinte do “viver bem”. (Conhecimento prático, ética). Na esfera da racionalidade prática, a ação humana relaciona-se às paixões da natureza humana e aos interesses e demandas de outros homens. A razão prática é a capacidade de controlar as paixões e discernir ou perceber o “bem agir” em cada situação. Nesse caso, a ação é fim em si mesma. “Viver bem” é “agir bem” em cada situação da vida. c) Conhecimento “técnico” utilizado na produção de artefatos e resultados úteis e/ou belos. (Medicina, arquitetura, navegação, e todas as demais “técnicas” ou “artes”, incluindo as “belas-artes”). 15 Na esfera da racionalidade técnica, a ação relaciona-se aos materiais da natureza (incluindo o corpo humano), e é meio (instrumento) para resultados úteis ou belos. - Aspectos ou Dimensões da felicidade humana: Libertação (purificação) dos impulsos insaciáveis e frustrantes (prazer puramente sensível, poder). Realização do potencial próprio do homem, a racionalidade. Exercício da racionalidade como função ou atividade própria do homem. Atividade do conhecimento em sentido amplo: responder ao potencial de sentido com que a realidade se dirige ao homem, convidando-o à ação “responsiva”. Manifestações da ação “responsiva”: (a) Ciência; (b) “Agir bem” (agir virtuosamente); (c) Ação tecnicamente hábil e eficaz. Sendo que (b) também está envolvido em (a) e (c). 16 Tópico 4: Ciência moderna. Imagem de mundo e de ciência inaugurada na revolução científica do século XVII. Ciência moderna: mecanicista, quantitativa e utilitária (ciência antiga é teleológica, qualitativa e contemplativa). Alguns dados de história da ciência - 336-323 a.C.: Alexandre o Grande difunde a cultura grega por toda a Ásia menor, Mesopotâmia e Egito. Fundação de Alexandria em 331 a.C. Alexandria torna-se grande centro de produção científica, em língua grega (Euclides: 330-277aC; Arquimedes: 287- 212aC, e outras figuras importantes na medicina e astronomia). Conquistada pelos romanos em 30aC, mas a língua da atividade científica permanece sendo primordialmente a grega. Ptolomeu (90-168dC) e Galeno (129-200dC). - 470 d.C. Queda do Império Romano do ocidente. Abafamento da vida urbana e da cultura científica na Europa ocidental. (Império Romano do oriente, com sede em Constantinopla – atual Istambul – só cai em poder dos turcos em 1453 d.C). - 622 dC: início do Islamismo com Maomé –morre em 632. 634-650: grande expansão militar e política. Árabes conquistam Síria, Mesopotâmia, Irã, Egito e norte da África. 711: Invadem a península Ibérica. Bagdá e Córdoba (Espanha) tornam-se importantes centros de atividade filosófico-científica. Córdoba: centro de difusão da ciência aristotélica, já num período de retomada da prática científica na Europa ocidental como um todo. - 1214: Fundação da Universidade de Paris (subordinada à Igreja Católica Romana). - 1224-1274: São Tomás de Aquino realiza uma síntese entre a ciência aristotélica e a visão de mundo do catolicismo, com seus dogmas cientificamente indiscutíveis. Paradigma de pensamento que depois ficou conhecido como “Escolástica”. Principais momentos da revolução científica moderna 1) “Sobre a Revolução dos Orbes Celestes” (1543), de Copérnico. Hipótese do sistema heliocêntrico, em oposição ao sistema geocêntrico formulado por Aristóteles, desenvolvido e modificado por Ptolomeu (90-168 d.C.), e ligado à visão de mundo do cristianismo. Apesar de propor a hipótese do sistema heliocêntrico, Copérnico ainda conserva a idéia de um universo fechado. 2) “Sobre o universo infinito” (1583), de G. Bruno (queimado na fogueira em 1600). (1545-1560: Concílio de Trento; “Contra-Reforma”, em reação à reforma religiosa 17 iniciada por Lutero em 1517. A Inquisição ganha nova força, principalmente na Itália, Espanha e França, agora sob a forma do “Tribunal do Santo Ofício”). 3) “A Nova Astronomia” (1609), de Kepler. Órbitas dos planetas em torno do sol são elípticas, contrariando o princípio escolástico de que corpos celestes realizam movimentos perfeitos, e movimentos perfeitos são movimentos perfeitamente circulares. 4) “A Mensagem Celeste” (1610), de Galileu. Depois de aperfeiçoar o telescópio, Galileu registra e divulga uma série de evidências empíricas em favor do sistema heliocêntrico e do universo infinito (crateras e montanhas na superfície da Lua, contrariando o princípio da imaterialidade e “perfeição” doscorpos celestes; fases de Vênus, que não podiam ser explicadas no sistema de Ptolomeu; satélites em torno de Júpiter, contrariando o “privilégio” da Terra como centro em torno do qual giram todos os corpos celestes; número espantosamente grande de estrelas, incompatíveis com a concepção de um mundo fechado). - A publicação do livro de Galileu desencadeia reação mais violenta contra a “doutrina copernicana” (“suspensão” do livro e da doutrina de Copérnico em 1616 e, num segundo momento, condenação de Galileu em 1633, depois da publicação, em 1632, de “Diálogos sobre os sistemas do mundo”, no qual é retomada a defesa da doutrina copernicana. Galileu morre em 1642). 5) “Princípios matemáticos da filosofia natural” (1687), de Newton. Unifica a astronomia e a mecânica. Universo infinito, regido pelo princípio da inércia e pela força gravitacional. CARACTERÍSTICAS DA CIÊNCIA MODERNA. 1) Imagem mecanicista do mundo. Causa dos movimentos reside em forças puramente mecânicas, destituídas de função, finalidade ou sentido. Conhecer a natureza não é entender “por que” (com que finalidade ou sentido) ocorrem as mudanças, mas saber “como” ocorrem os movimentos, ou seja, conhecer as leis (regularidades) segundo as quais os movimentos são determinados, e podem ser previstos. Todo movimento está submetido à necessidade das leis mecânicas da natureza e é em princípio previsível. Natureza está submetida a leis precisas e invariáveis, cujo funcionamento pode ser conhecido pelos homens. Imagem determinista da realidade, e pretensão de poder conhecer a realidade deterministicamente estruturada. 18 2) Imagem quantitativa da realidade (do espaço e da natureza). Concebe os objetos e movimentos em termos essencialmente quantitativos, a partir de noções de caráter quantitativo, como espaço/distância, tempo, velocidade, aceleração, massa, força. (noções que se definem pela possibilidade de medição e de articulação em fórmulas e modelos matemáticos). Leis da natureza são entendidas como correlações entre variáveis quantitativas, expressas em fórmulas matemáticas –“a natureza é um livro escrito em linguagem matemática” (Galileu, em obra de 1623). Matematização da natureza e da ciência da natureza. Espaço homogêneo e infinito, definido em termos puramente geométricos. 3) Imagem utilitária da ciência. Estreita associação entre ciência e técnica. Interesse básico: ter poder sobre a natureza (tornar-se capaz de prever, controlar, usar ou manipular objetos, recursos e processos da natureza). Se o homem conhece “como” se comportam as forças, materiais e processos, torna-se capaz de aproveitá-los e canalizá-los para realizar suas preferências (“Conhecimento é Poder”). Preocupação com a utilidade do conhecimento para propósitos “mundanos”, como conforto, saúde, riqueza, diversão, etc. Interesse na possibilidade de aplicações práticas do conhecimento. Interesse na maximização (indefinidamente reposicionada no futuro) da satisfação das preferências dos sujeitos. A época moderna caracteriza-se por um movimento de “subjetivização” das noções de bem e felicidade: cabe a cada indivíduo, e não ao filósofo, sábio ou religioso, dizer o que é bom para si próprio. O bem (felicidade) deixa de ser definido em termos de realização do potencial e função próprios do homem, interpretados como potencial e função objetivos (independentes das preferências subjetivas de cada um), e passa a ser definido em termos de realização das preferências subjetivas de cada indivíduo. Observação importante sobre a noção de utilidade. Ciência antiga e ciência moderna exibem duas aplicações distintas da noção de utilidade. Na ciência antiga, esta noção é aplicada no princípio de que tudo que existe tem uma utilidade para a ordem abrangente do Cosmo. (utilidade dos objetos para a ordem cósmica). Na ciência moderna, a noção de utilidade encontra aplicação no princípio de que o conhecimento científico deve ter utilidade para os propósitos do homem, ou seja, para a realização das preferências dos homens (utilidade da ciência para os propósitos e preferências dos homens). 19 Na modernidade, conhecimento científico passa a ser visto como instrumento ou meio, e não como fim em si mesmo, como era na antiguidade. Duas tendências embutidas no movimento de rejeição da ciência aristotélico- escolástica, efetuado na revolução científica moderna. •1) Defesa da matematização da natureza e da ciência da natureza. Esta tendência equivale a uma dimensão do trabalho científico na qual o sujeito é mais ativo, na medida em que o conhecimento matemático é visto como fruto de noções e operações da razão pura do sujeito, como a intuição racional e a dedução (ele não depende de informações passivamente captadas ou recebidas pelos sentidos). Há nesta tendência uma ênfase na atividade cognitiva do sujeito. O princípio do conhecimento tende a ser identificado com a atividade da razão pura do sujeito. O princípio do conhecimento é a atividade de projetar ou lançar uma estrutura lógico- matemática (racional) sobre os dados da realidade. •2) Defesa de observações “puras”, feitas e registradas através dos sentidos (com auxílio de instrumentos), e totalmente depuradas das distorções produzidas pelas suposições teleológicas típicas da ciência aristotélico-escolástica (tais suposições passam agora a ser taxadas de “preconceitos”). - Esta tendência equivale a uma dimensão do trabalho científico na qual o sujeito é mais passivo, na medida em que os sentidos constituem uma capacidade essencialmente receptiva: trata-se de receber os dados fornecidos pela natureza de forma absolutamente neutra, ou seja, sem nenhuma mistura com suposições prévias (que passam a ser vistas como “preconceitos”). Há nesta tendência uma ênfase na passividade do sujeito, e na sua neutralidade diante dos dados e informações da natureza. O princípio do conhecimento tende a ser identificado aos dados “puros” ou “brutos” (não-interpretados por suposições prévias) captados pelos sentidos (dados empíricos, ou seja, oriundos da experiência sensível). “Construtivismo/Racionalismo/Idealismo” e “Empirismo/Positivismo” •Tendência (1) sugere que o objeto do conhecimento é numa certa medida “construído” pela razão do sujeito, mediante projeção na realidade de noções, princípios e estruturas da razão pura, de caráter lógico-matemático. - Tendência (1) está na origem das teorias racionalistas e idealistas (que também podem ser chamadas de construtivistas e antipositivistas). Deste ponto de vista, o objeto do conhecimento (a própria realidade, considerada, porém, sob o aspecto da possibilidade de ser conhecida pelo sujeito) é dependente dos princípios e operações da razão pura do sujeito. - Deste ponto de vista, a realidade se torna objeto do conhecimento à medida que o sujeito projeta ou lança uma estrutura lógico-matemática (racional) sobre os dados ou aparições da realidade. 20 •Tendência (2) sugere que o objeto do conhecimento é absolutamente independente dos princípios, conceitos e esquemas conceituais da razão do sujeito. O conhecimento científico deve simplesmente reproduzir (“copiar”) de modo preciso e fiel este objeto independente. - Tendência (2) está na origem das teorias empiristas e positivistas. Deste ponto de vista, o objeto do conhecimento é independente das atividades da razão pura do sujeito. Cabe à razão do sujeito simplesmente conformar-se aos dados (informações) deste objeto independente, recebidos em observações puras, observações não interpretadas por suposições prévias. 21 Tópico 5. Esquema geral da segunda seção da primeira parte. Esquema geral das imagens que serão apresentadas até o final da primeira parte. Imagens da relação entre o sujeito que produz o conhecimento científico (da natureza) e o objeto (fenômenos e processos da natureza) que é conhecido e que pode vir a ser conhecido no conhecimento produzido pelo sujeito. Imagensda relação sujeito-objeto. Duas grandes tradições: empirista-positivista e, do outro lado, racionalista-idealista- construtivista. Para compreender o que está em jogo nessa dicotomia, é preciso levar em conta o seguinte. O sujeito do conhecimento é o ser humano. Quando a realidade a ser conhecida é constituída de ações e relações humanas, como ocorre no caso das ciências humanas e sociais, é altamente discutível afirmar que esta realidade é independente dos seres humanos, como possíveis sujeitos do conhecimento. Entretanto, quando a realidade a ser conhecida é constituída de fenômenos e processos da natureza, é bastante plausível afirmar que esta realidade é totalmente independente dos seres humanos como possíveis sujeitos do conhecimento científico. Tanto a tradição empirista-positivista quanto a tradição racionalista-idealista- construtivista adotam a tese de que a realidade natural é independente do sujeito do conhecimento – elas compartilham essa tese. No debate entre as duas tradições, a realidade natural sempre aparece como realidade independente do sujeito. - Três questões estão em jogo no debate entre as duas tradições. Em primeiro lugar, a questão do acesso à realidade independente: temos ou não um acesso direto ou imediato a esta realidade? Em segundo lugar, a questão dos elementos logicamente prioritários na produção do conhecimento: dados e informações da própria realidade ou princípios e estruturas do sujeito do conhecimento? Em terceiro lugar, a questão de uma possível distinção analítica entre a realidade natural e o objeto do conhecimento humano: deve-se ou não estabelecer essa distinção analiítica? 1ª) Tradição empirista-positivista. A) Temos um acesso direto ou imediato à realidade independente. B) Primazia cabe a “dados” da realidade independente do sujeito, dados passivamente recebidos através dos sentidos. C) Não se estabelece distinção analítica entre o objeto do conhecimento (a própria realidade natural, considerada, entretanto, sob o aspecto da possibilidade de ser “cientificamente” conhecida pelo sujeito do conhecimento, o homem) e a realidade independente do sujeito. O objeto do conhecimento é totalmente identificado à realidade independente. 22 2ª) Tradição racionalista-idealista-construtivista. A) Não temos acesso direto à realidade independente; nosso acesso à realidade sempre é mediado por princípios e estruturas do sujeito do conhecimento. B) Primazia cabe à estrutura mental ou linguístico-cultural do sujeito do conhecimento. C) Estabelece-se uma distinção analítica entre o objeto do conhecimento e a realidade independente. - A realidade independente só se torna objeto do conhecimento (só se torna cognoscível para e pelo sujeito) à medida que o sujeito projeta ou lança uma estrutura mental ou linguístico-cultural sobre os dados (aparições) da realidade. C) Variações na estrutura projetada sobre os dados da realidade independente: C.1) Estrutura lógico-matemática (mental). Racionalismo do século XVII. C.2) Estrutura de regras de organização do espaço-tempo (mental). Idealismo do século XVIII. C.3) Estrutura interpretativa; visão de mundo, paradigma (linguístico-cultural). Construtivismo do século XX/XXI. 23 Tópico 6: Empirismo e racionalismo no século XVII (1601-1700). Empirismo no século XVII: vamos nos concentrar em F. Bacon e J. Locke. Racionalismo no século XVII: vamos nos concentrar em R. Descartes. O contexto histórico do debate •1) Crise das instituições e crenças religiosas, crise da autoridade religiosa. Divisão e conflitos na cristandade europeia, com a Reforma Protestante (início com Lutero em 1517; importância de Calvino – 1509-1564), e guerras entre católicos e protestantes. •2) Crise e esgotamento do conhecimento científico tradicional (aristotélico- escolástico), ou seja, transmitido de forma não-crítica, com base apenas na autoridade dos “sábios”, ligada à autoridade da Igreja Católica. •3) Crenças e autoridades tradicionalmente seguidas eram questionadas e abandonadas. Ambiente de dúvida e incerteza e, ao mesmo tempo, de valorização da capacidade cognitiva da consciência individual (de cada indivíduo). •4) Dúvida quanto ao saber tradicional (ou quanto ao modo habitual de ver a realidade) é tomada como etapa necessária (preparatória) para se chegar à verdade, mediante construção de um novo “edifício do conhecimento”. Dúvida é parte do método do conhecimento. •5) Desejo de evitar o erro, ou seja, não repetir os erros do (pseudo) saber escolástico, entranhado no modo habitual de ver a realidade. - Para evitar o erro, é preciso lançar uma dúvida metódica sobre as bases do conhecimento tradicional (modo habitual de perceber a realidade) e encontrar uma “base segura” para a reconstrução de todo o edifício do conhecimento. A dúvida quanto à visão de mundo típica da ciência aristotélico-escolástica gerou duas concepções distintas da “base segura” da nova ciência: 1ª) Observações puras, dados brutos captados pelos sentidos. Observações depuradas das distorções produzidas pelas suposições teleológicas típicas da ciência aristotélico- escolástica. Liberados da influência das suposições teleológicas, os sentidos constituem um canal confiável de recepção do objeto do conhecimento (objeto a ser conhecido, ou seja, fenômenos e processos da natureza). Ênfase numa atitude de passividade e neutralidade do sujeito do conhecimento. EMPIRISMO. 24 2ª) Radicalização da dúvida metódica leva a uma dúvida quanto à confiabilidade dos sentidos. Não há certeza e evidência nos dados sensíveis; só há certeza e evidência nas intuições intelectuais (intuições da razão pura). A base segura do conhecimento são intuições (intelectuais) claras e evidentes, ou seja, nas quais há certeza e evidência. RACIONALISMO. Esclarecimentos terminológicos importantes para a compreensão deste debate. 1º) Primeira diferença básica: diferença entre intuição e raciocínio. 1.1) Intuição: apreensão ou visão imediata de um determinado dado ou verdade; quando você simplesmente “vê” ou “percebe” algo (um objeto, um acontecimento, a característica de um objeto ou acontecimento, ou então, no caso da intuição intelectual, uma verdade básica, de caráter lógico ou matemático). A intuição fornece os pontos de partida do raciocínio. 1.2) Raciocínio: quando você chega a determinado conhecimento (conclusão) por meio de um processo argumentativo que parte de outros dados ou conhecimentos (premissas). Quando você “conclui” algo. 2º) Segunda diferença básica. Diferença entre dois tipos de intuição. 2.1) Intuição sensível (operação dos sentidos). Quando você capta um dado ou informação por meio dos sentidos. Quando você literalmente vê um acontecimento, um objeto, uma característica de um acontecimento ou objeto. A intuição sensível equivale à observação de objetos, eventos e características particulares ou singulares (observações do “aqui e agora”). 2.2) Intuição intelectual (operação da razão pura). Quando você “vê” uma verdade básica ou fundamental, de caráter lógico ou lógico-matemático, e referida à estrutura básica da experiência no espaço e tempo. Em oposição às observações da experiência sensível, as verdades da intuição intelectual têm alcance ou abrangência geral, ou seja, equivalem a conhecimentos válidos para todos os lugares e momentos. Exemplos: “coisas que são iguais a uma mesma coisa são iguais entre si”; “ponto é aquilo que não tem partes”; “uma reta finita pode ser prolongada à vontade”; o postulado euclidiano das retas paralelas (“Dados em um plano uma reta s e um ponto P fora dela, existe no plano uma única reta que passa pelo ponto P e é paralela à reta dada”); “tudo que acontece tem uma causa”, “o efeito não pode ter mais realidade do que a causa”. No racionalismo do século XVII e início do XVIII, verdades fundamentais apreendidas pela intuição intelectual equivalem a Idéias Inatas. Cabe enfatizar o seguinte.Os exemplos de intuição intelectual variam historicamente, alguns deles deixam de ser aceitos em momentos posteriores. Do ponto de vista histórico, muitas “verdades” atribuídas à intuição intelectual deixaram de ser verdades 25 absolutas, independentes do contexto de pesquisa e aplicação. Mas isso não invalida a idéia mais geral de que determinadas hipóteses logicamente independentes da intuição sensível desempenham um papel decisivo na investigação científica. Veremos isso mais à frente. 3º) Terceira diferença básica. Diferença entre dois tipos de raciocínio. 3.1) Indução: partindo de um determinado conjunto de dados ou informações (premissas), você chega a uma conclusão que NÃO está implicitamente contida nestes dados. Mesmo que as informações ou enunciados de que você partiu sejam verdadeiros, e mesmo que o raciocínio seja criterioso, a conclusão pode ser falsa (exemplos: generalização com boa base indutiva, analogia criteriosa). Um raciocínio indutivo criterioso distingue-se de uma dedução formalmente válida. Ao contrário do que ocorre na dedução formalmente válida, a indução, mesmo criteriosa, admite uma “margem de erro”. 3.2) Dedução: partindo de determinadas informações ou enunciados (premissas), você chega a uma conclusão que implicitamente já está contida nestas informações. Se os enunciados de que você partiu são verdadeiros, e se o raciocínio (dedutivo) é formalmente válido, a conclusão necessariamente é verdadeira (exemplos: “sempre que um metal é aquecido, ele se dilata; o corpo x não se dilatou ao ser aquecido; conclusão: o corpo x não é metal”). Se a dedução é formalmente válida, a verdade das premissas (supondo que elas são verdadeiras) transfere-se para a conclusão. O empirismo no século XVII. •Principais defensores do empirismo no século XVII: Francis Bacon (“O Novo Órganon”, publicado em 1620) e John Locke (“Ensaio sobre o Entendimento Humano”, publicado em 1690). •1) “Base Segura” para a construção do conhecimento: experiência sensível (empeiria= experiência sensível); dados e informações captados de forma absolutamente neutra pelos sentidos (mediante eliminação de todos os “pré-conceitos” envolvidos no modo habitual de ver a realidade); dados absolutamente fidedignos. Ênfase na intuição sensível, em comparação com a intuição intelectual. Defesa dos sentidos como canais confiáveis de recepção do objeto do conhecimento, identificado aos dados da realidade externa e independente. Mente humana como folha em branco (“Tábula rasa”), paulatinamente preenchida pelos dados particulares captados pelos sentidos. Não há idéias inatas. •2) “Método seguro” para a construção do conhecimento: Indução (como generalização, raciocínio que vai das observações particulares à regra ou lei de caráter geral): partindo-se de observações (experiências) de casos particulares da ocorrência 26 de determinados fenômenos [casos em que os fenômenos (p.ex., calor e dilatação de metais) se apresentam, não se apresentam e variam], formulam-se definições, conceitos e leis de caráter geral, válidos para todos os casos dos fenômenos investigados. Leis da natureza são concebidas como correlações regulares e universais de fenômenos da natureza. E a Indução é concebida como método de descoberta das leis da natureza. Ênfase no raciocínio indutivo, em comparação com o raciocínio dedutivo. Para realizar a indução: eliminação das “antecipações da natureza” (idéias pré- concebidas sobre a estrutura e funcionamento da natureza); limpar a mente das falsas noções que a invadiram; “tornar-se uma criança diante da natureza”. Passividade e neutralidade do sujeito. O Racionalismo no século XVII. •Principal defensor do racionalismo no século XVII: René Descartes (“Discurso do Método”, 1637; “Meditações Metafísicas”, 1641). •1) “Base segura” para a construção do conhecimento: intuição intelectual fundamental: “Eu penso, e enquanto penso existo como substância pensante”. Submetendo as idéias presentes em minha mente a um rigoroso questionamento crítico (dúvida metódica), descubro que há princípios e noções que minha razão apreende como claros e evidentes, intelectualmente certos, necessariamente verdadeiros. Trata-se de princípios e idéias inatas, independentes da experiência sensível. (Se fossem oriundos dos sentidos, não se apresentariam como claros, certos, seguros). Para Descartes, as idéias ligadas aos sentidos são incertas, confusas e obscuras. Não sei, por exemplo, se as qualidades “frio”, “amargo”, “vermelho”, tipicamente ligadas aos sentidos, - não sei se essas qualidades estão na substância que se estende no espaço externo (“substância extensa”), ou, apenas, na minha mente (“substância pensante”). Dentre os princípios e idéias inatas, destacam-se os princípios e idéias lógico- matemáticos, utilizados na construção do conhecimento matemático. •2) “Método seguro” para a construção do conhecimento: dúvida metódica (avaliar todos os candidatos a conhecimento com uma “lupa crítica” rigorosa), intuição intelectual e raciocínio dedutivo (extração de conseqüências logicamente necessárias de idéias e princípios apreendidos por intuição intelectual, ou seja, apreendidos como claros, evidentes, certos). Em Descartes, o próprio resultado do raciocínio dedutivo 27 aparece como uma espécie de intuição intelectual, na medida em que se apresenta com as características da clareza, evidência e certeza. Ideal de um conhecimento certo e seguro elaborado “dentro” da mente (com base apenas nos recursos intelectuais da própria mente). •3) Prova da existência de Deus garante a correspondência do conhecimento elaborado “dentro” da mente aos objetos realmente existentes “fora” da mente. Deus como garantidor da verdade (correspondência a objetos realmente existentes fora da mente) de ideias clara e distintamente intuídas “dentro” da mente (intuição intelectual). Em Descartes, a prova da existência de Deus é uma prova puramente lógico- conceitual, que recorre apenas ao conceito ou idéia de Deus, e ao princípio de causalidade aplicado a essa idéia. Para Descartes, examinando com atenção a ideia de Deus presente em minha mente, percebo clara e distintamente que as propriedades que se me apresentam nessa ideia (poder ilimitado ou infinito) não podem ter sido geradas ou “causadas” por minha própria mente (pois tenho consciência clara e distinta de que sou um ser limitado, com poderes limitados), mas só podem ser a marca ou presença em mim de um ser infinito realmente existente (independentemente de mim). E um ser infinito (ao qual não falta nenhuma qualidade positiva) é um ser bondoso e veraz, que não permitiria que eu estivesse enganado quando, depois de examinar com todo cuidado possível certa idéia em minha mente, me sentisse irresistivelmente impelido a julgá-la verdadeira. Objeto do conhecimento: construído ou independente? •1) Empirismo: realidade externamente dada e objeto do conhecimento são termos absolutamente idênticos. Trata-se de um pólo absolutamente independente do sujeito e das capacidades cognitivas do sujeito. Conhecimento se produz na medida em que a realidade (o objeto) “flui” PARA a mente do sujeito, por meio dos sentidos. - Para o empirismo, o objeto do conhecimento (aquilo que é conhecido nas atividades cognitivas do sujeito) é totalmente independente do sujeito, e o sujeito deve simplesmente “receber” esse objeto, da forma mais passiva e neutra possível. - Para o empirismo, além disso, o conhecimento do objeto pelo sujeito consiste numa cópia precisa e fiel do objeto independente – uma cópia possibilitada pelo fato de os sentidos do sujeito constituírem um acesso direto e confiável a este objeto totalmente independente. 28 •2) Racionalismo: Tendo em vista os propósitos do nosso curso, podemos aproximar o racionalismo cartesiano de teorias idealistas e construtivistas posteriores, de modo a destacar a prioridade do sujeito (dasideias do sujeito, da atividade cognitiva desenvolvida pela razão do sujeito) na relação sujeito-objeto. Ao fazermos isso, estamos desconsiderando aspectos importantes da filosofia de Descartes. Isso só se justifica em função dos propósitos bem específicos de nosso curso. Dito isso, podemos apresentar da seguinte maneira a prioridade do sujeito no racionalismo cartesiano. Para o racionalismo, a realidade só se torna objeto do conhecimento na medida em que o sujeito (mente, consciência), garantido pela prova da existência de Deus, projeta ou põe (“lança”) “fora” dele uma estrutura lógico-conceitual elaborada inicialmente “dentro” da mente (estrutura puramente racional; fundamentalmente, estrutura de relações lógico-matemáticas, aplicadas ao espaço e aos corpos no espaço). Nesse sentido, o objeto do conhecimento não é a realidade independente que é externamente dada ao sujeito (através dos sentidos), mas a realidade que é “construída” pela projeção de uma estrutura puramente racional (inata). (Realidade que é construída à medida que o sujeito projeta fora dele uma estrutura lógico- matemática elaborada dentro de sua mente). Nesse sentido, em vez de ser independente, o objeto do conhecimento é construído pela atividade cognitiva desenvolvida pela razão (pura) do sujeito. O objeto que pode ser conhecido e é realmente conhecido é uma entidade construída pelo sujeito, por meio da projeção de uma estrutural lógico-conceitual elaborada dentro da mente (cuja correspondência com a realidade é garantida pela existência e perfeição de Deus). 29 Tópico 7: Empirismo e Idealismo no século XVIII (1701-1800). Empirismo no século XVIII: D. Hume. Idealismo no século XVIII: I. Kant O contexto histórico do debate •Século XVIII: Liberalismo e Iluminismo. O Liberalismo como doutrina: a) Liberdade do ser humano como princípio e valor (fim) da ordem social. Princípio (e Fim) do Estado não é mais a ordem divina ou tradicional do mundo. Surgem nesse momento duas interpretações distintas da liberdade humana, que dão origem a duas posições distintas dentro do multifacetado campo do liberalismo. A primeira posição interpreta a liberdade em termos mais individualistas: liberdade é o poder de escolha do indivíduo, e o direito de escolha do indivíduo. Enfatiza-aqui a livre escolha. Enfatiza-se também a esfera privada do indivíduo, como esfera em que se exerce sua livre escolha. Um dos principais expoentes dessa interpretação é o empirista John Locke (1632- 1704). A segunda posição interpreta a liberdade associando-a à razão como capacidade de conhecer a Verdade nas questões práticas, a qual pode ser identificada ao Bem e à Justiça: liberdade é a capacidade que o ser humano tem de conhecer e seguir o Bem (o bem conhecido pela razão tende a ser identificado ao que é bom para todos) e a Justiça. Nesta interpretação, a liberdade está estreitamente associada ao direito e ao dever de participar do processo de busca do Bem Comum e da Justiça. Há aqui maior valorização da esfera pública, como esfera em que se desenvolve este processo de busca do Bem Comum, conduzido pela Vontade Geral dos cidadãos, ou seja, a Vontade que, por ser estritamente racional, é idêntica em todos os indivíduos. Desse ponto de vista, a liberdade é a capacidade de seguir a Vontade Geral. Um dos principais expoentes dessa interpretação é o idealista Kant (1724-1804), que foi muito influenciado por Rousseau (1712-1778). Para Kant, o verdadeiro sentido da liberdade humana reside no direito e dever de usar, cultivar e seguir a própria Razão, entendida como capacidade de descobrir e perseguir a Justiça, a Correção, o Bem Comum. B) Defesa dos Direitos Humanos, como condições e garantias do exercício da liberdade. Tais Direitos são apresentados como direitos naturais do homem, ou seja, sua validade não depende das leis contingentemente vigentes nos diferentes Estados. 30 Trata-se dos direitos clássicos do liberalismo: direito à liberdade pessoal e ao devido processo legal (proteção em relação a atos arbitrários ou abusivos por parte dos agentes do Estado ou do governo); direito à liberdade de pensamento e opinião; direito à liberdade de religião e culto (implicando separação entre Estado e Igreja); direito à liberdade de expressão; direito a algum tipo de participação na discussão das questões e decisões políticas. O respeito a tais direitos configura o chamado “Estado de direito”, fundado ainda na igualdade dos cidadãos perante o Estado e a Lei (contra os tradicionais privilégios da nobreza e clero, típicos da ordem absolutista). Estes direitos também podem ser interpretados de duas maneiras, em correspondência com as duas posições acima expostas. Na primeira interpretação, eles são vistos como condições e garantias do exercício da livre escolha na esfera privada do indivíduo. Na segunda interpretação, eles são vistos como condições e garantias do exercício da razão humana, como capacidade de conhecer e seguir o Bem Comum e a Justiça. Para garantir o pleno exercício da Razão, é preciso garantir a liberdade de pensamento, de culto e de expressão. O Liberalismo como movimento político: Movimento de supressão das monarquias absolutas e dos privilégios tradicionais da nobreza e clero, e de instauração dos Estados constitucionais, baseados em declarações dos direitos e liberdades dos cidadãos. Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688, no finalzinho do século XVII); Independência dos EUA, contra a política “absolutista” da monarquia inglesa nas colônias norte-americanas (1776), Revolução Francesa (1789). c) Iluminismo: movimento de idéias bastante próximo ao liberalismo. Crença na capacidade da razão humana de progressivamente desvendar, conhecer e dominar a natureza, tendo em vista a realização da felicidade humana. Rejeição de autoridades externas à razão individual, como a Igreja (anti-clericalismo). Confiança no progresso contínuo do conhecimento científico, como instrumento de promoção da felicidade terrena. Ideal de libertar a humanidade dos grilhões que lhe são impostos pela ignorância e superstição. Difundir as “Luzes”, contra as trevas e obscurantismo (que tendem a ser associados aos dogmas da religião, e especialmente à Igreja católica). - Na França, publicação da primeira “Enciclopédia” (início em 1751): sintetizar em uma obra todo o saber da época, tornando-o disponível a todos os homens-cidadãos. 31 O Empirismo no século XVIII Principal defensor do empirismo no século XVIII: David Hume (“Tratado sobre a natureza humana”, 1739, e “Investigação sobre o Entendimento Humano”, 1748). Questão colocada por Hume: sentidos não captam as características da necessidade e universalidade, que são características fundamentais do conceito de causalidade e das Leis da natureza que a ciência pretende apresentar. Hume problematiza o conceito de indução, tal como compreendido pelos empiristas do séc. XVII. Não há base objetiva para “pularmos” de observações particulares para enunciados necessários e universais (tal “pulo” não se baseia em intuição sensível, pois os sentidos não vêem ou captam a necessidade e universalidade; nem em raciocínio lógico, pois necessidade e universalidade não são conseqüências logicamente necessárias das observações particulares). Para Hume, o que nós literalmente vemos ou observamos são simples regularidades, de alcance limitado ou parcial: até hoje a natureza tem apresentado esta regularidade. Em um sentido estrito e rigoroso, nós não sabemos se esta regularidade equivale a uma “Lei” (necessária e universal) da natureza (“sempre vai ocorrer assim”). Hume estabelece uma diferença entre conhecimento puramente lógico ou lógico- matemático, caracterizado pela necessidade lógica das relações entre idéias, e, por outro lado, conhecimento da natureza, entendida como realidade externa, independente das ideias na mente humana. Para Hume, conhecendo o significado previamenteatribuído às noções matemáticas, nós podemos reconhecer certas relações logicamente necessárias entre elas. Mas este tipo de conhecimento é distinto do conhecimento da realidade externa em sentido estrito. Em outras palavras, Hume estabelece uma diferença entre a necessidade lógica das relações entre idéias matemáticas e, por outro lado, a necessidade empírica das relações entre eventos da natureza, que nosso conhecimento da natureza pretende exprimir. E pergunta se essa pretensão é justificada. Podemos de fato “saber” que as relações entre eventos da natureza são rigorosamente necessárias? Podemos de fato conhecer relações causais rigorosamente necessárias entre dados ou eventos da natureza? Estas perguntas são feitas contra o pano de fundo da concepção da ciência como um saber certo e infalível, imune a erros. Desse ponto de vista, se os eventos da natureza são encadeados segundo relações necessárias e deterministas (como era pressuposto), nosso conhecimento da natureza, se é um conhecimento verdadeiro, ou seja, um conhecimento que reflete a própria natureza, deve ser igualmente necessário, no sentido de certo e seguro, isento de “margens de erro”. Desse ponto de vista, ou nesse contexto histórico, a indução era compreendida como um método de descoberta das leis necessárias de encadeamento dos eventos naturais, 32 e não como um método de formulação de correlações estatísticas, admitidamente sujeitas a “margens de erro”. Resposta de Hume aos problemas que ele mesmo coloca: Indução se baseia num fundamento “subjetivo”: hábito/costume da nossa mente de associar necessidade e universalidade às regularidades que observamos. Necessidade e universalidade refletem um hábito da nossa mente. Hume analisa a indução da seguinte maneira. Através da indução, nós transformamos as regularidades observadas, que têm alcance limitado ou parcial, em leis universais e necessárias. Não há nenhuma base objetiva para operarmos essa transformação, mas uma base “subjetiva”: a “natureza” de nossa mente, no sentido dos hábitos de nossa mente, padrões habituais segundo os quais ela opera. Em um sentido rigoroso e estrito, nós não sabemos (com certeza) se as regularidades observadas equivalem a leis universais e necessárias da própria natureza; nós sequer sabemos com certeza se a natureza segue leis necessárias e universais. Entretanto, nossa “natureza” (a natureza de nossa mente, que se exprime em seu modo habitual de comportar-se) nos compele a pensar e julgar assim, e a nos comportar de acordo com esse juízo. Nossos hábitos mentais nos compelem a transformar as regularidades que observamos em leis necessárias da própria natureza. O que nós literalmente vemos ou observamos são simples regularidades, de alcance limitado ou parcial: até hoje a natureza tem apresentado esta regularidade. Em um sentido estrito e rigoroso, nós não sabemos se esta regularidade equivale a uma “Lei” (necessária e universal) da natureza (“sempre vai ocorrer assim”), mas estamos habituados a pensar e esperar que se trata efetivamente de uma Lei. Hume mantém a tese de que a indução representa o método correto para a descoberta ou obtenção das (presumidas, esperadas) leis da natureza, entendidas como leis necessárias do encadeamento dos eventos naturais. Embora baseada num “hábito” da mente, a indução é o melhor método para tentarmos conhecer a realidade objetiva. Por outro lado, a obra humeana sugere uma visão falibilista do conhecimento científico: não podemos ter certeza de que as Leis que atribuímos à natureza (e que formulamos com base na indução) são absolutamente necessárias; não podemos ter certeza de que o conhecimento científico de que dispomos é infalível, isento de “margens de erro”. 33 O Idealismo no século XVIII Em função dos propósitos do nosso curso, vamos considera-lo como um desenvolvimento do racionalismo do século XVII. Principal expoente: Immanuel Kant (Crítica da Razão Pura, 1781). Aceita os problemas apontados por Hume, mas não aceita sua solução. Seguindo Hume, Kant afirma que necessidade e universalidade não são características captadas pelos sentidos. Contra Hume, afirma que elas não se enraízam num mero “hábito” (característica meramente subjetiva) da mente humana, mas numa atividade legisladora (de impor leis) que é simultaneamente construtora da objetividade da realidade. Necessidade e universalidade são expostas como características da estrutura lógico-conceitual que o sujeito impõe a todos os dados que lhe aparecem, e essa atividade de “imposição” constrói a objetividade que a realidade tem para nós. Para Kant, em outras palavras, a mente “constrói” a objetividade que a realidade tem para nós. Ela não produz ou cria os conteúdos da realidade, mas impõe uma estrutura formal a tais conteúdos, encaixando-os nesta estrutura. Esta estrutura formal consiste em regras de organização do espaço-tempo. Para Kant, há regras inatas (sediadas na razão pura) de organização das sensações e de construção da forma geral da realidade objetiva. Trata-se de regras de organização do espaço-tempo, e de organização da nossa experiência no espaço-tempo, que incluem a regra da causalidade, com a necessidade que lhe é típica. Em Kant, o elemento “inato” não equivale mais a conhecimento de objetos, mas a conhecimento da forma geral da realidade objetiva, que vale para todos os conteúdos que sejam ou venham a ser dados na sensibilidade. Por outro lado, o conhecimento da forma geral da realidade objetiva só se transforma em conhecimento de objetos propriamente ditos à medida que é complementado ou preenchido por conteúdos dados na sensibilidade. Os objetos da realidade objetiva consistem em conteúdos (dados na sensibilidade) estruturados e organizados segundo a forma geral imposta pela razão pura. Em outras palavras, os objetos consistem num elemento formal preenchido por conteúdos dados na sensibilidade. Assim, os enunciados que descrevem a forma geral da realidade objetiva apresentam as seguintes características. Por um lado, são enunciados logicamente independentes da experiência sensível (enunciados a priori, ou seja, logicamente anteriores à experiência sensível). Por outro lado, são enunciados que pretendem ser informativos sobre os próprios objetos da nossa experiência, enunciados cuja validade não se restringe à coerência lógica interna a determinado sistema linguístico convencionalmente adotado. 34 No vocabulário kantiano, trata-se de enunciados “sintéticos”, distintos dos enunciados “analíticos”, que equivalem a meras definições, cuja validade restringe-se à coerência lógica interna a um sistema linguístico convencionalmente adotado. Por exemplo, suponhamos que em determinado sistema linguístico não tenham sido adotadas as categorias conceituais de “divorciado” e “viúvo”, por qualquer razão que seja – digamos que no momento de construção do sistema não tinham aparecido, ou não despertaram atenção, ou não apareciam como suficientemente relevantes, os fenômenos que poderiam demandar a introdução e adoção dessas categorias. Neste sistema, o enunciado “todo não-solteiro é casado” equivale a um enunciado estritamente analítico, ele é analiticamente verdadeiro, ou seja, ele é verdadeiro em virtude das relações lógicas internas ao sistema linguístico adotado. Ele tem uma validade meramente analítica, e por isso mesmo “a priori” (independente da experiência). Embora a validade “sintética” (caráter efetivamente informativo) deste enunciado em relação àquilo que acontece em nossa experiência seja questionável ou duvidosa (pois os divorciados em princípio representam não-solteiros que não são casados), isso não é relevante para sua validade meramente analítica, pois o enunciado, tomado como enunciado analítico, é “a priori”, ou seja, logicamente independente do que acontece na experiência sensível. Para Kant, a validade “a priori” (validade que é independente dos eventos daexperiência sensível) normalmente equivale a uma validade meramente analítica (baseada apenas nas relações lógicas internas a um determinado sistema linguístico). A exceção são os enunciados “sintéticos a priori”, como, por exemplo, “Tudo que acontece é necessariamente determinado por uma causa (antecedente)”. Para Kant, este enunciado é simultaneamente “a priori” (pois exprime uma regra de organização logicamente anterior à experiência sensível, logicamente independente em relação à experiência sensível) e “sintético” (pois tem um caráter efetivamente informativo a respeito dos objetos que se dão na realidade que é objetiva para os homens). No vocabulário kantiano, é um enunciado “sintético a priori”. Ocorre a mesma coisa com os enunciados da matemática em geral e da geometria euclidiana em particular. Este é um ponto que será retomado mais a frente. No idealismo kantiano, estabelece-se uma distinção entre a natureza ou realidade “em si mesma” (“coisa-em-si”) e a realidade “para nós” (que equivale à “realidade objetiva”). A “realidade para nós” é construída por uma atividade de imposição de regras ou leis de organização: imposição sobre as “aparições (“fenômenos”) de regras de estruturação e organização congênitas à mente, ou seja, inatas. Em outras palavras, a realidade objetiva são os fenômenos, estruturados e organizados por regras e princípios inatos. Todo conhecimento científico ou teórico precisa de uma contribuição da intuição sensível. Kant rejeita a intuição intelectual como fonte de conhecimento de objetos. Só há conhecimento teórico quando as regras de organização “a priori” são efetivamente 35 aplicadas a conteúdos singulares dados na sensibilidade (ou que possam se dar na continuação da investigação científica). Só há conhecimento teórico à medida que a estrutura formal é preenchida por conteúdos efetivamente dados na sensibilidade. Por isso, Kant rejeita a possibilidade de conhecimento teórico de Deus, ou da existência de Deus. Ele a rejeita porque nenhum conteúdo dado na sensibilidade preenche efetivamente o mero conceito de Deus. Esta é uma diferença fundamental em relação a Descartes. Assim, a validade objetiva (ou seja, aplicabilidade à natureza existente fora da mente do sujeito) da estrutura lógico-matemática baseia-se, não mais na perfeição, bondade e veracidade de Deus, mas na atividade “legisladora-impositiva” do sujeito (“sujeito transcendental”, ou seja, o próprio homem, enfocado como condição de possibilidade da própria realidade objetiva). Objeto do conhecimento: construído ou independente? •1) Empirismo de Hume: (a) Objeto do conhecimento (identificado à realidade externa e independente) é independente da consciência do sujeito (igual ao empirismo de Bacon e Locke); (b) Conhecimento teórico (científico) é constituído por observações “puras” dessa realidade independente, com uso do método da indução. (igual ao empirismo de Bacon e Locke); (c) Conhecimento científico é falível, pois nosso acesso à realidade independente não é absolutamente seguro e abrangente (diferente do empirismo de Bacon e Locke). •2) Idealismo de Kant: (a) Objeto do conhecimento é a realidade “para nós”, distinta da realidade “em si mesma”. •(b) Objeto do conhecimento (realidade para nós) é construído pela atividade cognitiva do sujeito: atividade na qual o sujeito impõe a tudo que aparece (os fenômenos) uma estrutura lógico-conceitual única e abrangente. Conhecimento teórico é constituído por observações singulares encaixadas numa estrutura conceitual (causal e determinista) única e abrangente. •(c) Conhecimento científico é rigorosamente necessário (mais precisamente, a estrutura formal é infalível, embora possamos eventualmente nos enganar em relação aos conteúdos que preenchem esta estrutura formal. A lei “tudo que acontece tem uma causa” é infalível, embora possamos às vezes nos equivocar quanto aos conteúdos que preenchem a posição de “causa” em determinado ponto da estrutura formal. Mas este é um aspecto que não é enfatizado). 36 Tópico 8: Empirismo Lógico e Racionalismo Crítico de Popper. O debate entre empirismo lógico e racionalismo crítico se desenvolve, basicamente, entre os anos 1920 e 1950. O empirismo lógico é defendido por um conjunto de filósofos reunidos no chamado “Círculo de Viena”. O racionalismo crítico é defendido pelo filósofo austríaco Karl Popper. Os antecedentes históricos do debate. Os antecedentes que definem o contexto do debate. •1) Desenvolvimento e aplicação empírica de geometrias não-euclidianas (a partir de 1830, aproximadamente). •Conseqüência: abandono da tese (adotada pelo racionalismo do século XVII e idealismo do século XVIII) de que a matemática representa um conhecimento rigorosamente necessário (infalível) da estrutura essencial da realidade objetiva. Reconhecimento de que a verdade matemática (necessidade/coerência lógica de um sistema construído a partir de princípios convencionais, ou convencionalmente adotados) distingue-se essencialmente de verdade empírica (aplicabilidade e validade para a natureza, ou para a realidade objetiva; informatividade em relação à realidade objetiva). A consequência, em outras palavras, foi que a tradição racionalista/idealista (a tradição que confere prioridade ao sujeito na relação sujeito-objeto) teve de abandonar a tese kantiana de que os enunciados da geometria euclidiana são enunciados “sintéticos a priori”, ou seja, enunciados logicamente independentes das informações empíricas, mas ao mesmo tempo necessariamente informativos a respeito de todos os setores ou âmbitos da realidade externa. Em função dos propósitos do nosso curso, o Racionalismo Crítico de Karl Popper, ao ser contrastado com o Empirismo Lógico do Círculo de Viena, pode ser considerado uma versão da tradição racionalista/idealista, ou seja, a tradição que confere prioridade à razão do sujeito na relação sujeito-objeto. Entretanto, ao contrário do que ocorre nas versões anteriores, no Racionalismo Crítico de Popper não se defende a tese das verdades inatas e dos enunciados sintéticos a priori. Breve esclarecimento: geometrias não-euclidianas são geometrias que rejeitam o “Quinto Postulado” de Euclides, adotando outros pontos de partida. O Quinto Postulado é o enunciado segundo o qual “Dados em um plano uma reta s e um ponto p fora dela, existe no plano uma única reta r que passa por P e é paralela a s”. Uma das consequências (conclusões) que podem ser dedutivamente extraídas deste postulado é o enunciado de que a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180 graus. Ora, na tradição racionalista/idealista, estes dois enunciados (o 5º postulado e a conclusão sobre os ângulos do triângulo) eram vistos como verdades a priori ou inatas (verdades logicamente anteriores ou independentes em relação à experiência sensível, e por isso mesmo indubitáveis, infalíveis) e, simultaneamente, empiricamente 37 informativas, ou seja, necessariamente informativas a respeito de todos os setores e âmbitos da realidade externa. O desenvolvimento e aplicação empírica das geometrias não-euclidianas acabou dando razão a certas sugestões contidas no empirismo de Hume. Pode-se ler em Hume a sugestão de que o 5º Postulado, em vez de ser uma verdade intuitivamente certa e evidente, é uma mera definição, ou seja, uma definição convencionalmente adotada como ponto de partida de um sistema linguístico (no caso, geométrico, construído na linguagem da geometria). Além disso, pode-se ler em Hume a sugestão de que a conclusão sobre os ângulos do triângulo equivale a um enunciado meramente analítico, ou seja, um enunciado logicamente necessário dentro de um determinado sistema linguístico (a geometria euclidiana), mas não necessariamente informativo a respeito de todos os âmbitos ou setores da realidade externa. A validade empírica varia conforme o âmbito de realidade que se está investigando, e depende, portanto, de
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