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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br A Ciência e a pesquisa em Relações Internacionais* Prof. Onofre dos Santos Filho** 1. Introdução O objetivo deste texto é discorrer, de maneira sucinta, sobre o processo de conhecimento e sua produção no âmbito da Ciência e das Relações Internacionais. Os métodos, técnicas e recursos utilizados pelos cientistas variam enormemente de acordo com a sua área de conhecimento e os problemas que pretendem investigar. Mas apesar dessas diferenças as várias ciências compartilham um campo intersubjetivo de amplitude variada no que respeita à lógica do conhecimento, dos procedimentos de inferência, demonstração, prova e apresentação de resultados. O presente texto se mantém nesse nível e procura dar uma visão geral do processo científico tendo em vista a lógica de procedimento e de investigação que orienta o trabalho dos cientistas em suas respectivas áreas de atuação. O texto é direcionado aos alunos de Relações Internacionais que pretendem iniciar-se na pesquisa científica ou que estejam desenvolvendo Trabalhos de Conclusão de Curso. Seu intuito, então, é o de orientar este aluno acerca da seleção de uma determinada temática de investigação e de como proceder na demarcação desta temática sob a perspectiva das Relações Internacionais. Neste sentido, o texto é estruturado em duas partes que tratam respectivamente da Ciência e das Relações Internacionais como campo de conhecimento. Na primeira parte, são discutidos o caráter do conhecimento científico e os parâmetros gerais que o norteiam, bem como os procedimentos básicos utilizados para a investigação de um determinado objeto ou modalidade de fenômenos. Temos o cuidado de apresentar a ciência como uma atividade social como qualquer outra, mas, ao mesmo tempo, atentamos para sua singularidade, sua relação com o ideal regulativo de verdade na sua busca de entender e explicar a realidade. Na segunda parte, as atenções se voltam para as Ciências Sociais, sua relação com as demais ciências e a sua especificidade como campo explicativo dos fenômenos sociais. As Relações Internacionais são analisadas como um campo de *Concebido, originariamente, para ser utilizado na disciplina Teoria de Relações Internacionais II. Foram efetuadas reformulações destinadas a adaptar o texto para o Trabalho de Conclusão de Curso. **Sociólogo, Mestre em Sociologia pela FAFICH/UFMG, professor do Departamento de Relações Internacionais da Puc Minas. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 2 conhecimento adstrito às Ciências Sociais e como tal, seus procedimentos de análise de investigação são interpretados em função desta sua inserção. 2. O conhecimento e a lógica de procedimento científico O espaço acadêmico deve ser fundamentalmente um ambiente de produção e transmissão de conhecimento. Apoiado no ensino, na pesquisa e na extensão a universidade busca manter, socializar e divulgar um acervo de conhecimento acumulado durante centenas de anos e que, bem ou mal, permitiu ao ser humano mudar profundamente sua relação com a natureza circundante e tornou-o capaz de interferir na realidade na qual encontra-se inserido. Apesar de criticável, o trabalho de produção e transmissão de conhecimento criou, ao longo da história moderna, uma série de parâmetros que norteiam a ação dos membros da comunidade científica e que com algumas alterações básicas, são adotados em todas as áreas do conhecimento. Uma das primeiras providências ao iniciar alguém na pesquisa científica é desmitificar a sua concepção de ciência. A atividade de pesquisa é uma atividade comum como qualquer outra existente na sociedade. Ela possui regras, deveres, privilégios... ou seja, é um papel social a ser desempenhado como qualquer outro. O que acontece é que este papel é mitificado de tal forma que o pesquisador é apresentado como um deus onipotente que metido em um guarda-pó impecavelmente branco, mergulhado entre ampulhetas, números, pranchetas, fórmulas e computadores, com o rosto grave de um gênio incompreendido, imagem aumentada ainda mais, pelos óculos, de lentes fundo de garrafa trabalha, incansavelmente, pelo bem da humanidade. Esta imagem - divulgada pelos meios de comunicação de massa e estimulada pelos próprios cientistas - confere-lhes o ar de divindade, de pessoas isoladas do mundo, sacerdotes abnegados do conhecimento e da verdade. Isto lhes reforça o poder de barganha social, permite-lhes privilégios e poder político em relação a determinados interesses que permeiam a sociedade. Mas não transforma a sua atividade em superior ou inferior às demais lhes conferindo, uma relevância incomum ou não-criticável.1 1 A forma mais eficiente de desmitificar esta aura de superioridade que envolve a atividade científica é demonstrar que a ciência não detém o monopólio da verdade. Existem diferentes tipos de conhecimento (a religião, a magia, o mito, o senso comum) e a ciência é apenas mais uma dessas modalidades. Cada uma dessas formas de conhecimento possui cânones específicos que controlam internamente o seu exercício. O que valida a religião, por PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 3 A Ciência é uma modalidade de conhecimento que criou procedimentos particulares, não extensíveis a outras áreas de saber. Assim, elegeu uma série de critérios que são válidos apenas para ela e é, parcial ou completamente, ignorado pelas demais modalidades de conhecimento existentes. Um dos principais elementos diferenciadores da ciência é que enquanto as outras formas de conhecimento procuram alcançar a verdade definitiva acerca do mundo e das coisas, ela não possui este propósito. Ao indagar a realidade o cientista busca, por meio de um problema construído a partir do acervo de informações já existente, demonstrar que a hipótese2 elaborada não é falsa. Isto porque, indutivamente, o conhecimento, dentre outras razões, não pode contemplar toda a realidade em todos os lugares e em todas as épocas. Por mais que saibamos que o sol nasceu ontem, anteontem, todos os dias da semana passada e nos últimos milhares de anos, nada nos autoriza afirmar que continuará nascendo nos próximos milhares de anos. Para fazer tal assertiva teríamos que dominar todas as informações futuras sobre o evento; algo que, evidentemente, escapa à capacidade humana. Ora se não podemos dominar todas as informações a partir das quais o evento ocorre como a ciência funciona? O que o cientista faz de fato é, a partir do conhecimento já existente, construir problemas e hipóteses prováveis sobre uma determinada situação. A partir disto ele recorta a realidade, a analisa, a interpreta e testa as suas hipóteses. Se esta for confirmada, tudo bem; caso contrário, se for negada, terá de ser descartada como falsa. Na verdade isto tem que ser analisado com uma certa prudência. O fato de uma hipótese ser refutada não significa que nãoadvenha conhecimento do trabalho realizado. Significa apenas que a hipótese explicativa está incorreta e que a resposta ao problema é outra e não aquela que se tinha em mente. O que é descartado é a hipótese; o conhecimento advindo da pesquisa permanece válido. Mas é necessário alertar também para a questão da confirmação. Na verdade, quando a realidade responde sim a uma hipótese, quer dizer talvez; quando diz não ela diz exatamente não. O sim é um talvez justamente pelo fato de não se poder exemplo, é a revelação divina, os seus dogmas e a tradição. O conhecimento religioso só pode ser entendido a partir destas condições e avaliado pelos parâmetros que a comunidade elegeu como legítimos. 2 Hipótese é uma resposta que pretende ser uma alternativa para a solução do problema proposto. Pode originar de valores do pesquisador, de crenças acerca da situação em evidência, etc. O requisito básico é o fato de a resposta ter que ser formulada de acordo com os cânones científicos; não tem que ser, necessariamente, verdadeira ou falsa. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 4 dominar toda a complexidade de ocorrência de um fenômeno. O que sabemos é que se forem mantidas as condições sob as quais se realiza a pesquisa, esta poderá ter este ou aquele resultado. Como a realidade é dinâmica e o fenômeno ocorre de forma muito diferente do que acontece em um experimento no qual controlamos, em maior ou menor grau, suas condições de existência, é impossível predizer o seu comportamento de forma exaustiva. Portanto ao confirmar uma hipótese o que fazemos geralmente é afirmar que dadas determinadas condições e variáveis o fenômeno ocorrerá desta forma. Como não dominamos todas as informações presentes sobre o desenrolar dos acontecimentos, e menos ainda as futuras, o que fazemos é dar um salto no escuro, se tudo der certo estaremos correto, caso contrário... É por isto que o sim é um talvez; as coisas podem mudar. Algo que pode clarificar melhor esta questão é o célebre exemplo dos cisnes. Suponhamos que ao investigar como são os cisnes acumulemos as seguintes informações: Um cisne branco. Dez cisnes brancos. Trezentos e oitenta cisnes brancos. Um milhão de cisnes brancos. Cem milhões de cisnes brancos. Logo - Todos os cisnes são brancos. Vocês devem estar pensando: isto é certo, lógico! Mas há um problema nisto tudo: nós não vimos todos os cisnes, como podemos afirmar que todos são brancos? E se encontrarmos um cisne que possua as mesmas características dos demais, mas seja negro? Responderiam-me: é simples, encontramos um cisne negro. Mas a coisa não é tão simples para a ciência. O fato de encontrar um cisne negro significa que a hipótese de que todos os cisnes são brancos incorreria no risco de ser refutada. Pela seqüência do raciocínio, um cisne que não seja branco seria um dado que contraria as evidências acumuladas e que impede a generalização a partir delas. A grande questão é que não basta acumular evidências sobre evidências para enunciar a verdade sobre as coisas; um pequeno dado que contrarie o cerne da argumentação conduz à possibilidade de refutação da hipótese. É por isto que o não é definitivo e o sim é sempre talvez. Todos os cisnes são brancos até o dia em que encontremos um que seja negro; aí todo conhecimento terá que ser abandonado ou reformulado em algumas partes. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 5 Portanto, a finalidade da atividade científica não é alcançar a verdade última das coisas, pois a própria estrutura da pesquisa a impede de fazê-lo. O cerne da atividade científica é formular problemas e hipóteses e corroborá-las empiricamente. O pesquisador realiza esta atividade com intuito de aproximar-se o máximo possível da verdade sabendo, contudo, de antemão, que jamais poderá apreender totalmente o real. O que ele faz é contentar-se com o talvez que a realidade, construída por meio de seus modelos teóricos, o brinda de vez em quando. O que sustenta a sua atividade é o ideal regulativo de verdade: a ciência tem como condição essencial a busca da verdade, mas com a certeza absoluta que jamais poderá alcançá-la. Isto transforma a pesquisa científica em algo humano, demasiadamente humano. Qualquer pessoa que se disponha a ser um pesquisador deve ter a nítida consciência de que o único destino de seus trabalhos é a superação. Este poderá envidar esforços e despender quase toda sua vida em trabalhos que fatalmente serão criticados, debatidos e superados pelos seus sucessores. Não existem verdades definitivas em ciência; as assertivas são sempre provisórias, não-falsas, até serem superadas por experimentos cruciais ou por teorias contrastantes.3 Mas o fato de não se poder alcançar verdades absolutas e eternas não transforma a ciência em uma atividade altamente desorganizada em que tudo é válido. A ciência possui uma série de critérios aceitos, intersubjetivamente, pela comunidade científica, a partir dos quais os pesquisadores devem exercer suas atividades. Isto significa que o cientista necessita romper com as várias modalidades de conhecimento que existem ao seu dispor e no exercício da pesquisa, respeitar os cânones comuns aos seus pares. É claro que é difícil para o cientista separar as suas crenças religiosas, por exemplo, da sua interpretação da origem do universo. No fundo, questões externas à ciência permeiam as suas atividades e, bem ou mal, estas preocupações estão presentes nos trabalhos científicos. Mas o problema não é ter esta ou aquela crença, mas não ter claro para si e para seus pares como estas influenciam as análises. Então é necessário que o cientista explicite o máximo possível quais são suas crenças e valores culturais para que seus colegas e a sociedade possam interpretar e criticar de forma mais eficiente as pesquisas que estão sendo empreendidas. Portanto, é preciso que alguém que se inicie na pesquisa 3Nossa argumentação está se baseando em Popper, Feyrabend e outros epistemólogos que possuem uma visão da atividade científica baseada nestes parâmetros ou próxima a essas idéias. Existem outras interpretações que não estão sendo exploradas aqui. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 6 tenha claro para si e para aqueles que irão partilhar do seu trabalho quais são os seus valores, suas crenças, o sistema cultural no qual está inserido e de como tudo isto pode vir a influir na temática escolhida para estudo. Fig. I – O circuito de produção de conhecimento Imaginário: o “eu” Cultura Geral Síntese Problemática Explicação Simbolismo Heurística Compreensão Realidade objetiva Dados Real? Real? Real? Real? Real? Real? Real? Real? Real? Real? DESHAIES, Bruno. Metodologia da Investigaçãoem Ciências Humanas. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. Este posicionamento inicial deve ser feito devido ao fato de que, ao contrário do que convencionalmente se apregoa, a ciência não é neutra. É sempre um indivíduo singular dotado de imaginário específico resultante de uma cultura geral partilhada que se interroga sobre o mundo e busca respostas para as suas indagações. É um Keppler, por exemplo, mergulhado nas crenças vigentes em sua época acerca do movimento das esferas cósmicas, que se debruça sobre os corpos celestes para entender o seu deslocamento pelo espaço. Acreditando estar em busca da melodia universal que move os astros ele chega às órbitas elípticas dos planetas e dá um grande salto epistemológico em direção à concepção heliocêntrica do sistema solar. Sem a incorporação, em seu imaginário destas crenças, suas perguntas nunca poderiam ter sido efetuadas da forma que foram feitas e, provavelmente, mais tarde, os caminhos trilhados por Galileu e Newton teriam sido mais difíceis. Mas um problema, formulado no nível de nossas preocupações, só adquire status de cientificidade quando concebidos do ponto de vista dos parâmetros científicos. A Ciência desenvolveu todo um aparato simbólico composto de teorias, conceitos, modelos, procedimentos lógicos e uma linguagem específica – como a matemática e a álgebra, por exemplo – sob os quais nossas preocupações pessoais, quando demarcadas cientificamente, devem ser formuladas e expressas. O objeto de estudo tem que demarcado a partir do campo de conhecimento a que pertence e PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 7 problematizado a partir dos modelos explicativos que o campo oferece. Esta problemática, expressa na forma de hipóteses e / ou conjecturas, funciona como um princípio heurístico – idéia ou situação postulada como plausível que funciona como diretriz para o entendimento de uma determinada situação – que orienta o pesquisador na busca da solução para as questões que deseja compreender e / ou explicar. Neste processo, por exemplo, Keppler foi obrigado a formular suas preocupações em termos matemáticos, efetuar cálculos para calcular a trajetória dos corpos celestes, fazer observações do movimento etc. Os modelos teóricos que utilizamos funcionam, nas palavras de Popper, como holofotes que iluminam a realidade, dirigem nosso olhar sobre o mundo de forma a delimitá-lo e permitir que selecionemos os dados necessários para a realização de observações e / ou experimentos. O real, a coisa em si, como diria um filósofo da ciência, é-nos inacessível. Nossa percepção do mundo é sempre mediada pela linguagem que constrói, por meio de símbolos, uma representação plausível do real sem, contudo, nunca esgotá-lo de fato. As teorias, sistemas simbólicos construídos particularmente pela ciência possuem o mesmo caráter de mediação do que os demais sistemas simbólicos. Elas constroem modelos explicativos e interpretativos da realidade possível do real, procuram reproduzi-lo da maneira mais fidedigna possível, mas não perdem, por isto, o caráter de representação de mundo. Assim, Kepler debruça-se sobre os astros guiando-se pelo modelo de representação ptolomaico onde o mundo é plano, a terra é o centro do universo e os corpos celestes giram ao seu redor em órbitas circulares. É este mundo que a teoria geocêntrica lhe oferece e são as provas deste mundo que ele anda em busca. Esta é a realidade construída que o modelo aristotélico e a geografia de Ptolomeu lhe oferecem. Kepler está vendo as órbitas concêntricas, mas enfrenta um problema. Seus cálculos matemáticos aliados àqueles efetuados por Tycho Brahe, caso prevalecesse o modelo de círculos concêntricos, estariam errados. Não havia como conciliar, os cálculos e as deduções, com estas órbitas, a não ser que o deslocamento se desse de outra maneira e não daquela prevista na configuração geocêntrica. Kepler, então, em um movimento de ir e vir, constante, entre o modelo ptolomaico, suas deduções e suas observações chega a uma conclusão diferente: as órbitas dos corpos celestes formariam elipses e não círculos. A compreensão e/ou explicação final do processo implica na reformulação do modelo das órbitas dos círculos concêntricos, da visão PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 8 geral do conhecimento aceito até então e, acima de tudo, em alterações no imaginário de Kepler acerca de suas crenças e valores. O círculo do conhecimento, então se fecha, mudando a percepção do mundo à sua volta e mudando, também, as idéias de Kepler acerca deste mundo à sua volta. E a música celestial das esferas? É claro que Kepler não a ouviu e nem a encontrou. Mas, talvez, sem este seu móvel inicial sua pesquisa não haveria se iniciado. Nossas idéias, não importam muito, de onde elas vêm. Podem vir de qualquer lugar e estão sempre marcadas pelo nosso tempo, nossas crenças, nossa cultura geral. Mas o que importa é que elas nos inspiram, elas nos fazem apaixonar por algo e adquirir a vontade necessária para empreendermos algo. Como afirma David Hume, filósofo iluminista escocês, o problema entre razão e paixão não bem como Descartes o formula no Discurso do Método. Não existe incompatibilidade a priori entre razão e emoção com a segunda operando como obstáculo ao livre exercício da primeira. Para Hume nossa vontade e nosso interesse nascem das nossas paixões e razão é o guia que traduz estas paixões em ação no mundo. A paixão de Kepler pela música celestial das esferas o conduz à descoberta das obras elípticas que, sem elas, provavelmente, Galileu não poderia ter completado sua obra de construção de uma nova percepção da realidade: o sistema heliocêntrico. Assim, como qualquer outra modalidade de conhecimento, a ciência está articulada, do ponto de vista do móvel que leva o cientista a esta ou aquela investigação, a valores, crenças, a interesses de grupos sociais específicos e como qualquer interesse particular dentro de uma cultura geral de uma sociedade. Não são poucas as vezes que uma pesquisa científica pode ser desencadeada porque existem grupos interessados nos seus resultados como militares, industriais, fabricantes de computadores etc. Outras vezes as pesquisas são desenvolvidas devido a interesses internos dos próprios cientistas como forma de justificar sua importância social e de garantir recursos financeiros para as suas atividades. Até mesmo quando a pesquisa é resultado de um insight do pesquisador ou de questões internas afetas a própria ciência o móvel do trabalho está relacionado a valores que o pesquisador cultiva e que às vezes quer ver confirmado ou refutado. Todos estes fatores não são problemáticos para a pesquisa: são necessários. Problemático é não elucidá-los de forma clara impedindo-se, assim, que as críticas sejam feitas de forma também clara mais tarde. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 9 3. As Relações Internacionais e o procedimento científico Relações de cooperação ou de conflito entre agrupamentos humanos não é nenhuma novidadena história. Seja por motivos relacionados à conquista ou ao comércio governos ou grupos sociais sempre procuraram estabelecer vínculos e, de certa maneira, regular o intercâmbio entre eles seja através de acordos, pactos ou certos ajustamentos impostos por vencedores como ocorreu, por exemplo, durante o tempo que vigorou a pax romana do Império. Bem ou mal, historiadores, pensadores, juristas, militares, filósofos, doutrinadores etc. debruçaram-se sobre os problemas decorrentes da interação entre coletividades diferentes e a possibilidade de uma existência pacífica entre elas. Do espanto grego diante daqueles que não falavam a sua língua –origem da idéia de bárbaro -, dos relatos de Tucídides acerca das guerras do Peloponeso ao Direito das Gentes de Groccio esta preocupação esteve sempre presente. A formação de um corpo de embaixadores, de representantes de outros governos nas cortes de reis e imperadores dá uma idéia de como existiam, além de uma reflexão sobre o intercâmbio intergrupal, medidas efetivas destinadas, de certa maneira, a regulamentar a interação entre coletividades soberanas. O que é novo nesta história toda é a emergência e a formação, no início do século XX, de uma disciplina científica destinada à análise e a explicação das relações internacionais. Apesar da preocupação ser antiga foi apenas nas primeiras décadas deste século, na efervescência e nos abalos, provocado pela Primeira Grande Guerra, que as relações internacionais ascenderam à condição de uma disciplina destinada a entender os processos de intercâmbio entre Estados e a propiciar elementos explicativos que permitissem interpretar de uma maneira menos especulativa o próprio sistema internacional. Na constituição de um corpo analítico específico as Relações Internacionais efetuaram dois movimentos que, a primeira vista, divergentes acabaram por convergir nos últimos anos. Primeiramente, houve um esforço para delimitar as relações internacionais como um sub-campo da Ciência Política, comportamento que isolou o processo de conhecimento de sua interface com outras disciplinas das Ciências Sociais e o fechou em torno das interações entre os Estados do ponto de vista da política externa. Recentemente, reconheceu-se o caráter multidisciplinar das Relações Internacionais e a importância de sua intersecção com outras disciplinas como a Sociologia, a Economia, a História, a Geografia, o Direito, a Antropologia e a PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 10 Ciência Política. As Relações Internacionais seriam uma área de conhecimento pertencente às Ciências Sociais e, como tal, sujeita ao aparato conceptual epistemológico e metodológico singular destas Ciências. Desta forma, para a discussão a ser empreendida neste texto, adotar-se-á o postulado de que as Relações Internacionais são um campo de conhecimento das Ciências Sociais e o debate acerca de seu estatuto científico deriva e pertence ao debate comum, a este respeito, existente nas Ciências Sociais. Mas qual é o significado de afirmar que as Relações Internacionais tem um caráter multidisciplinar e de que elas pertencem ao campo comum de conhecimento denominado Ciências Sociais? O perigo deste postulado é que se corre o risco de transformar as Relações Internacionais em uma colcha de retalhos ou uma terra de ninguém. Muitas vezes, multidisciplinaridade se torna sinônimo de fragmentação, de um objeto recortado em mil facetas e uma explicação neste sentido, nada mais seria do que um ajuntamento destes fragmentos em um corpo genérico e pouco consistente. Na maioria das vezes, várias análises multidisciplinares que correm soltas por aí – já que virou moda dizer que se está fazendo pesquisas multidisciplinares – se parecem, mais com Frankstein – um corpo construído de membros retirados de corpos diferentes – do que com uma explicação acerca de um fenômeno qualquer estruturada de forma coerente, sistemática, pertinente e consistente. Para evitar situações desta natureza comecemos, antes de tudo, com uma definição de Relações Internacionais. Podemos concebê-las: − como simples relações interestaduais onde os Estados buscam primitivamente a satisfação dos seus egoísmos pessoais calcados nos seus particulares interesses nacionais, estabelecendo então relações de força, levando-nos a concluir não uma comunidade mas uma diversidade internacional (o conceito clássico); − ou observá-las do ponto de vista da interdependência; um sistema integrado de cooperação entre os Estados, cujas forças transnacionais estabelecem interações econômicas, sociais, técnicas e culturais, muitas vezes sem qualquer controle do Estado (o conceito sociológico); − ou ainda, ter uma visão marxista das Relações Internacionais, como a gradual maturação do sistema capitalista (o conceito marxista).4 4ANDRADE, Maria Inês C. de: A interdisciplinariedade como característica das Relações Internacionais. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1992, p. 21. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 11 Essas definições refletem, ainda, a questão anteriormente levantada, de uma percepção mais estreita ou mais ampla do que seja Relações Internacionais. Nesta linha de raciocínio podemos tratar, de forma diferente, o problema da definição. Para que possamos raciocinar de uma maneira mais clara o caminho mais eficaz é pensar, antes de tudo, o que entendemos como sendo o internacional. Na maioria das vezes concebemos o internacional como sendo aquilo que acontece em outro país. Assim, tudo aquilo que ocorre além das fronteiras nacionais é tido como internacional. A imprensa, por exemplo, procede desta maneira. O caderno de internacional dos jornais, nada mais é do que um conjunto de notícias sobre acontecimentos que não são aqueles que ocorrem no próprio país, sede da publicação. Persiste neste tipo de abordagem um critério de cunho geográfico, no qual as fronteiras estatais ocupam papel primordial na definição do que é externo ou interno. Uma tal definição não se enquadraria nos propósitos de uma conceptualização científica, pois ficaria totalmente dependente dos critérios de demarcação territorial das fronteiras estatais. Criaria, também, uma situação extremamente peculiar: se acaso o pesquisador residisse nos Estados Unidos e fosse estudar sua cultura, o trabalho teria o caráter de um estudo antropológico ou de sociologia da cultura. Mas, se este mesmo pesquisador residisse, por exemplo, no Brasil e fosse efetuar o mesmo estudo, ele seria classificado como Relações Internacionais, simplesmente pelo fato do investigador está inserido no contexto nacional brasileiro e não estadunidense. Um critério demarcatório desta natureza teria pouca ou nenhuma consistência epistemológica e científica. Tentemos outro caminho. Um bom exercício é imaginar que a palavra internacional se define em oposição à idéia de nacional. Nacional, aqui pensado, como parte de uma nação, não de um estado, como uma coletividade que partilha símbolos, valores, normas, regras, língua, costumes... partilha um repertório simbólico que a identifica em oposição a outras coletividades portadores de outros referenciais simbólicos. Estas coletividades podem abrigar-se à sombra de um Estado – como aconteceu com a maioria das sociedadesocidentais – ou pode compartilhar estes símbolos independente de uma localização espacial específica – à maneira do que ocorre com os curdos ou como aconteceu com os judeus em seus dois mil anos de diáspora. Referências compartilhadas proporcionam aos membros do grupo estabelecer parâmetros que os permite identificar quem está fora ou faz parte de um PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 12 determinado conjunto de relações. Assim, ser judeu durante a diáspora, não significava habitar a antiga região da Judéia e da Samaria estruturada em um estado centralizado, mas partilhar determinados símbolos que, não importando a localização física, transformava aqueles que comungavam os mesmos valores em grupo específico: os judeus. Aqueles que não partilhassem desses mesmos símbolos eram considerados exteriores, não-judeus. Em outras palavras, o repertório simbólico permite a quem faz parte de uma dada coletividade classificar indivíduos e grupos como iguais ou estrangeiros.5 A noção de estrangeiro torna-se, assim, um elemento classificatório que permite estipular quais membros de uma coletividade fazem ou não parte dela. Muitas vezes a idéia de estrangeiro significa aquele que é bárbaro como, por exemplo, eram classificados os povos pelos gregos e pelos romanos ou pelos ocidentais na época das Navegações quando se viram às voltas com povos que partilhavam sistemas culturais totalmente opostos aos seus. Outras vezes, estrangeiro é aquele que nos é próximo, mas apenas por possuir um nome, uma religião ou um sistema de parentesco que não é o nosso, é tido como diferente e estranho. Os bascos, por exemplo, estão próximos aos espanhóis, mas reivindicam, em nome de uma língua e de uma cultura específica, a exclusividade da diferença frente ao estado nacional espanhol. Mas com a consolidação do Estado Nacional e da idéia de soberania popular durante a Revolução Francesa, a idéia de estrangeiro tornou-se, praticamente, sinônimo de não-cidadão. Naquelas coletividades onde a idéia de Nação desenvolveu-se conjuntamente com a idéia de Estado, ser cidadão tornou-se sinônimo de pertencer ao mesmo Estado-Nação. Já naquelas coletividades onde não ocorreu, historicamente, a conjunção desses dois fatores, a idéia de cidadão foi vinculada ao Estado, o que não impediu que diferentes grupos se 5 O estrangeiro não é o inimigo. Para Caim, o inimigo é Abel, seu irmão. E, inversamente, o estrangeiro é muitas vezes tratado como amigo. Ulisses, em seu périplo, é algumas vezes muito bem recebido (...) Por outro lado, o estrangeiro, amigo ou inimigo, é um homem diferente e, conseqüentemente, com comportamento estranho, até imprevisível (...) O estrangeiro representa a diferença, mas não toda diferença e nem sempre as mesmas diferenças. Estas têm origem freqüentemente na raça (porém na Índia os arianos, os amarelos, os dravidianos, etc. vivem lado a lado e não são realmente estranhos uns aos outros). Muitas vezes ainda ela se apega à língua (porém, há a Suíça e muitos outros países, como a França, que inclui os bretões, os germanófonos e os bascos e que, em compensação, não inclui nem o País Valão, nem a Suíça romana e nem o Vale do Aosta). A diferença provém muitas vezes da religião (que superou o idioma, quando em 1830 a Bélgica se separou dos Países Baixos). (...) Finalmente, a longa seqüência de “acasos da história” – sucessões, guerras, movimentos de população e de trocas, que fixaram fronteiras – criou também a diferença. E quanto mais o tempo passa, mais formam, de uma parte e da outra, aquilo que o geógrafo Jean Gottmann chama... de iconografias – sistemas de imagens, de valores que se distanciam uns dos outros e criam a diferença. (DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo Império perecerá: teoria das Relações Internacionais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial, 2000, pp. 49-50). PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 13 julgassem estrangeiros em relação a outros, mesmo coabitando o mesmo território estatal – como aconteceu, recentemente, na ex-Iugoslávia em relação a sérvios, kosovares, croatas e bósnios. A associação entre cidadania e a idéia de estrangeiro favorece um outro entendimento para a idéia de internacional. O cruzamento entre as concepções de estrangeiro, fundadas em uma acepção jurídica – ponto de vista institucional - e outra psicológica – atributos sócio-culturais da identidade -, permitem que pensemos o internacional em duas direções. (Quadro I) A primeira, decorrente de atributos do Estado-Nação e assentada na concepção tradicional de soberania; a segunda, assentada na idéia de coletividades definidas a partir do compartilhamento de elementos simbólicos comuns que fornecem substrato a uma identidade sócio- cultural. As duas dimensões não são excludentes e a sua convergência ou divergência irá depender da trajetória histórica da constituição do Estado-Nação no qual estas coletividades se situam. Quadro I: Tipologia do Estrangeiro Estrangeiro em função de uma situação jurídica: Estrangeiro em função de uma situação psicológica: a) cidadãos de um outro Estado (caso geral); a) grupos de cidadãos possuidores de uma característica marcante e que se sentem vítimas de uma segregação. As leis americanas de imigração de 1921 e 1924 tiveram por objetivo impedir a chegada maciça de populações consideradas como alógenas ou não assimiláveis: latinos, eslavos, católicos e judeus; b) grupos de imigrantes não naturalizados (na Antiguidade, metecos de Atenas); c) populações submissas. O simples fato de elas não gozarem de todos os direitos torna-as um grupo à parte. Para formar a Argélia francesa, foram necessários primeiramente cidadãos integrais, inclusive para o nível médio de vida; b) grupos de cidadãos que gostariam de ser ligados a uma soberania, da qual eles se sentem mais próximos: por exemplo, os alsaciano-lorenos protestantes entre 1871 e 1918; o irredentismo dos italianos submetidos à Áustria-Hungria; d) populações protegidas ou sob mandato: todo protetorado implica a manutenção de uma soberania teórica do país protegido. Normalmente, seus negócios devem ser regulamentados pelo ministério das Relações Exteriores do país protetor: por exemplo, a Tunísia, o Marrocos, a Síria e o Líbano, para a França de antes de 1945. Porém, Tonquim, Anam, Camboja e Laos dependiam, de forma anormal, do Ministério das Colônias. c) grupos de cidadãos que reivindicam a soberania sobre uma parte do território: é o caso já observado, da secessão, do nacionalismo colonial; d) grupos de imigrantes que, após haverem conseguido a nacionalidade, são perseguidos, rejeitados e excluídos (certos chineses na Indonésia, chineses no Vietnã, alguns indianos e tâmils no Sri Lanka). Fonte: adaptado de Duroselle, 2000, pp. 54, 55. O internacional seria, consideradas essas duas classificações, aquilo que emerge na interseção entre o definido por uma coletividade ou Estado-Nação como interno e externo, entre a ordem doméstica e a ordem externa. Em uma concepção ampla, poderíamos definir relações internacionais como o conjunto dos acontecimentos no qual um dos partidos – individual ou coletivo – é estrangeiro ao outro partido. (Duroselle, 2000, p. 56) Neste sentido as relações internacionais adquirem um caráter abrangente que permiteclassificar como tal, desde as PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 14 interações interestatais, até aquelas existentes, por exemplo, entre indivíduos em diferentes partes do mundo conectados em um chat. O que está, em jogo, no processo são as fronteiras, físicas e / ou culturais, que identificam e delimitam dois ou mais atores em termos de estrangeiros ou membros de uma mesma comunidade. Mas onde reside, justamente, a principal qualidade desta definição, reside sua fragilidade. Sua amplitude pode levar a sérios problemas do ponto de vista operacional. Seu principal problema está em localizar nas coletividades, quando da ausência de uma delimitação estatal, a capacidade de operacionalização conceitual. Suponhamos o seguinte: que os curdos espalhados pela Turquia e pelo Iraque, não reivindiquem o status da diferença, mesmo sendo, de fato, diferentes de turcos e iraquianos. Como classificá-los? Necessitamos, do ponto de vista conceitual, de uma concepção que nos permita classificar um fenômeno como internacional a partir de uma lógica intrínseca à demarcação de campo, não às vicissitudes empíricas. No entanto, se uma definição ampla dificulta a operacionalização conceptual, isto não quer dizer que o ponto de partida deva ser outro. A virtude de se pensar o internacional por meio da idéia de estrangeiro é que ela fornece elementos para concebermos o interno e o externo. Como postulado, o internacional fundamentado no estrangeiro funciona como princípio heurístico capaz de fornecer parâmetros para aquilo que uma coletividade e / ou o Estado consideram como interno ou externo à sua constituição. Quando o nosso olhar analítico se dirige ao fluxo entre estados a idéia de estrangeiro nos permite considerar como se define o que é esfera doméstica e, conseqüentemente, o que é esfera externa à atuação estatal – neste caso o elemento definidor é a fronteira territorial já que é esta que delimita fisicamente a atuação do próprio Estado. Se, pelo contrário, nosso olhar se dirige à sociedade civil a idéia de estrangeiro nos permite estabelecer critérios a partir dos quais uma coletividade se considera em relação à outra coletividade e define, a partir do partilhamento de referências simbólicas comuns, esferas internas e externas à própria coletividade. Apesar de parecer uma idéia banal este critério nos permite fugir à armadilha do fechamento epistemológico em torno do poder do Estado e a não confundir o Estado com a sociedade sobre a qual este avoca o status de representante. Permite-nos, por exemplo, classificar o conflito entre palestinos e judeus como um fenômeno internacional, mesmo este ocorrendo sob uma mesma configuração territorial sobre a qual se assenta a instituição, o Estado de Israel. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 15 Assim, tendo como postulado o papel da idéia de estrangeiro na definição de internacional, podemos conceituar, do ponto de vista de demarcação científica, as Relações Internacionais como uma disciplina destinada à explicação de sistemas políticos e sociais à luz dos determinantes domésticos e internacionais.6 Por sistemas políticos devemos entender os Estados Nacionais e como sistemas sociais coletividades organizadas por referenciais sócio-culturais a partir dos quais se identificam, excluem ou incluem grupos e indivíduos que compartilham ou não os valores simbólicos que expressam. Esta definição nos autoriza, à maneira dos Transnacionalistas, identificar três elementos básicos constitutivos das Relações Internacionais: a) o interestatal – as interações que se dão entre os Estados-Nações; b) o transnacional – interações entre atores não-estatais; o sistêmico – conjunto de interações interestatais e transnacionais que ocorrem no interior do ambiente. A este conjunto de relações sistêmicas – interações entre unidades políticas autônomas, relações entre indivíduos / grupos particulares e entrecruzadas entre estas duas modalidades – podemos denominar de sociedade transnacional.7 Assim, relações internacionais seriam aquelas proporcionadas por indivíduos e coletividades [políticas e sociais] que configuram e afetam a sociedade internacional. Constituem- se, pois, em um conjunto de relações sociais e de interdependência caracterizadas por um baixo nível de integração de seus elementos e pela autonomia dos mesmos.8 Independente das particularidades apontadas acima o que as perspectivas anunciadas nos dizem é que não podemos encarar as relações internacionais apenas do prisma do Estado. Na atualidade elas compreendem um sistema de interação complexo onde podemos nos debruçar sobre o contexto internacional tanto para entender as ações diplomáticas, a política externa de uma nação, as ações de guerra e de paz, como também para entender o planejamento do desenvolvimento nacional, a estratégia comercial de uma empresa, as pautas de produção de uma indústria, o crescimento do fundamentalismo religioso, atos de terrorismo, os temas ambientais, as alterações em uma legislação trabalhista de um país, o mercado produtivo e 6 HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999, p. 34. 7 Uma sociedade transnacional pode então ser definida como um sistema de interacção, num domínio particular, entre actores sociais pertencentes a sistemas nacionais diferentes. No interior de cada sistema nacional, as interacções são decididas por elites não-governamentais e continuadas directamente pelas forças sociais, económicas e políticas nas sociedades de que fazem parte. (KAISER, Karl. A Política Transnacional: para uma teoria da política multinacional. In: BRAILLARD, Philippe. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990, p. 275) 8 ARENAL, Celestino Del. Introducción a las Relaciones Internacionales. 3ª Edición. Madrid: Tecnos, 1994, p. 424 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 16 consumidor, a telemática, etc. O que está ocorrendo é uma transnacionalização dos problemas locais e uma nacionalização dos problemas internacionais que obriga, o analista em Relações a Internacionais, a entender de um vasto conjunto de variáveis que não se restringem mais à atuação dos Estados soberanos. Não queremos afirmar que tudo atualmente é internacional, mas que devido à interdependência e a formação de uma rede de informações mundiais, a dicotomia próximo / distante, perdeu seu sentido original e que as ações dos atores - sejam eles estatais ou não- estatais - obedece a uma lógica de projeção de interesses internos no plano externo e vice-versa. Por esse motivo é que não podemos imaginar como objeto de estudo das Relações Internacionais apenas as interações interestatais. Esta característica contemporânea das relações internacionais nos chama a atenção para dois fatores: a importância de se dominar algumas noções básicas que orientam as interpretações e a necessária interdisciplinaridadeque seu estudo exige. Façamos um passeio rápido por eles.9 Como já afirmamos na primeira parte deste texto, o procedimento científico exige a demarcação de um campo e, como a Ciência não é neutra, este processo compreende alguma valoração. Isto porque, a demarcação compreende, necessariamente, a descrição de um campo de fenômenos e a prescrição de sua estruturação e funcionamento. Esta ação significa, apesar de rigor lógico e correlação empírica, o estabelecimento de um juízo e, por conseqüência, de uma posição do investigador diante de seu objeto de estudo. Basicamente os valores envolvidos em uma análise das relações internacionais implicam pares dicotômicos que acabam influenciando na condução das interpretações. Geralmente eles compreendem o seguinte: 1. Mutabilidade / Imutabilidade - o sistema internacional é visto como uma entidade em constante mutação seja por motivos ligados à própria natureza humana, seja pelo fato de estar sempre em conflito. A guerra, por exemplo, seria um fator a ter sempre em vista já que sua ocorrência pode maturar-se lentamente ou desencadear-se de um momento para o outro. Dependendo da crença ou não neste fator um analista ou um estrategista tenderia a adotar posturas mais ou menos pragmáticas em sua ação no contexto internacional; 2. Otimismo / Pessimismo - articulado no interior dos pares, mutabilidade-otimismo, imutabilidade-pessimismo, o ponto central deste par de valores está relacionado 9Para um aprofundamento maior vide: FONSECA Jr., Gélson. Aspectos da teoria de relações internacionais: notas didáticas. In: Política Externa. São Paulo: Paz e Terra; Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais e Política Comparada da USP, Dez. de 1994, v. 3, n. 3 e ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1979. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 17 às possibilidades de mudança que podem ocorrer no sistema e as direções que estas podem tomar. Se se parte, por exemplo, da constatação que o sistema é sempre resultado de uma relação de força, provavelmente, concluir-se-á que ele é imutável e que as possibilidades de mudança são mínimas, impossíveis ou irrelevantes. Caso se partir do oposto, as conclusões, também, serão opostas; 3. Competitividade / Comunidade - Este par de valores prende-se a uma questão fundamental: os atores no plano internacional realizam seus interesses às expensas dos outros ou articulando-os em um processo cooperativo? Caso se opte pela competitividade é impossível pensar em um sistema equânime e igualitário; caso se opte pela comunidade pode-se pensar que as relações internacionais tenderiam a uma situação de justiça em que as desigualdades poderiam ser paulatinamente reduzidas; 4. Elitismo / Democracia - Esta dicotomia está relacionada à questão do equacionamento do poder dos Estados-Nações no plano da sociedade-mundo. Na perspectiva elitista a organização do sistema internacional está a cargo de uma elite de países que devido à sua posição de potências reivindicariam o status de estruturadoras das relações entre as Nações. Já a perspectiva da democracia pressupõe que as decisões no plano internacional devem ser objeto de todas as comunidades soberanas independente de seu poderio político-estratégico ou econômico. De uma certa maneira advogam que a prevalecer o elitismo seriam os interesses nacionais das potências que ordenariam o sistema e não as próprias demandas dos países membros que o compõe; 5. Ordem / Desordem - Esta dicotomia coloca em campos radicalmente opostos os pressupostos realista e idealista / racionalista. Se fizermos a seguinte operação: somarmos diferentemente cada um dos elementos constitutivos dos pares (imutabilidade - pessimismo - competitividade - elitismo x mutabilidade - otimismo - comunidade - democracia) há de se perceber que eles nos conduzem a conclusões e a formas de inserção, diferentes no plano internacional. O primeiro grupo de pares leva-nos a ordem realista e o mecanismo central para a sua manutenção, são os encontros de poder e uma política alicerçada no uso efetivo ou potencial da força. A garantia da paz e do equilíbrio é a quantidade de poder que cada Estado detém individualmente. Existiria uma certa anarquia no sistema e que apenas a política de poder poderia equacionar de forma eficaz. Já o segundo grupo de pares leva-nos a uma ordem de cunho racionalista onde as regras de uma convivência harmoniosa seriam respeitadas frente ao alto custo que exigiria a sua infração. Como elementos reforçadores de seus argumentos aponta para a formação de comunidades de países, o ressurgimento da ética na interação entre os Estados ou movimentos como o dos direitos humanos, ecológicos etc. Esta tendência conduziria a um ordenamento do sistema pautado em valores diferentes daqueles preconizados pelo equilíbrio de forças e do poder.10 Essas questões são fundamentais na interpretação dos fenômenos internacionais. Trata-se de indagações centrais que permeiam todas as análises sobre o sistema internacional e orientam a visão de mundo do analista acerca dos problemas que ocorrem e das alternativas de intervenção ou de ação no plano das relações externas. Através destes valores diferentes tipos de questões emergem ou 10Estas considerações estão baseadas em FONSECA Jr., Gélson, op. cit., pp. 78-88. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 18 são valorizadas pelo analista ao lançar um olhar na anarquia que envolve o intercâmbio entre atores estatais e não-estatais que competem ou cooperam no sistema. Como podemos perceber pela argumentação desenvolvida, os valores estão presentes na formulação do quadro de análise das Relações Internacionais e desde que sejam, previamente, esclarecidos não constituem um obstáculo ao trabalho investigativo. Uma das grandes vantagens de uma definição calcada na idéia de estrangeiro e de sociedade transnacional, é que ela abre espaço para que percepções orientadas pelo quadro de valores a que nos referimos não sejam desprezadas. Ao contemplar a diversidade de temas e de atores, bem como das interações presentes atualmente no sistema internacional, ela permite um quadro mais fidedigno de sua configuração. O Estado ainda continua sendo um ator importante no cenário, mas não preponderante e detentor de primazia no intercâmbio internacional. Mecanismos como correlação de forças, heterogeneidade e homogeneidade do sistema, transnacionalidade das interações, regulamentação e interesses são elementos ainda importantes para se entender o sistema internacional. Mas o que não podemos fazer é considerá-los apenas do ponto de vista da atuação estatal, mas também dos diversos atores que se movimentam no plano das relações externas. Vivemos em um sistema bem mais complexo do que aquele da bipolaridade quando foi formulada, parte considerável do arsenal analítico das relações internacionais. Não se trata de desconsiderar o que foi feito, mas apenas de complementá-lo ampliando-o para os novos atores que estão emergindo e para o novo desenho que está se constituindo no plano internacional. É justamente pelas relações internacionais apresentarem estas característicase pelo fato do quadro de interações ter se tornado mais vasto - diversificação dos atores e das questões relativas à interação local / global - é que a análise tem como carro chefe a interdisciplinaridade. É impossível se ter uma base epistemológica única a partir da qual se possa explicar os fenômenos no plano internacional. A interpretação exige o concurso de um leque diversificado de disciplinas como a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, o Direito, a Economia, a Geografia, a História, a Demografia, a Diplomacia, a Comunicação, etc. Cada uma dessas disciplinas científicas efetua recortes específicos dos fenômenos e fornecem uma visão fragmentada ou incompleta da realidade internacional. Para que possam ser PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 19 úteis na análise devem convergir para a teoria das Relações Internacionais de forma que essa possa articulá-las em um sistema interpretativo coerente e que consiga dar conta das conexões laterais e horizontais dos fenômenos, da interdependência entre eles e como esses fatores podem adquirir sentido em um plano sistemicamente estruturado. Desta maneira o princípio da interdisciplinaridade é fundamental para uma análise eficaz das relações internacionais. Isto porque não existe um ângulo interpretativo melhor do que uma perspectiva pluridisciplinar que articule, de maneira sistêmica, fenômenos, ações e situações. Para que isto ocorra o analista de Relações Internacionais deve relacionar os elementos trazidos pelas diversas ciências sociais e humanas e, inclusive, pelas ciências exatas, procurando um melhor conhecimento tanto da Psicologia, da Economia e da História como do Direito Internacional, do Direito Constitucional Comparado, da Sociologia e de todas as demais, porque há uma preocupação comum e geral que é a sociedade internacional.11 Munido de um arsenal diversificado e pautado nos parâmetros fornecidos pela especificidade da teoria em Relações Internacionais, o analista procura situar e explicar os fenômenos a partir de dois eixos interpretativos básicos: a ordem interna e a ordem externa e a ação no contexto. No primeiro caso ele procura traçar o quê é o ator específico; qual é a estrutura do meio em que se encontra inserido; quais são os seus elementos constitutivos e como eles se articulam; quais são as relações que estabelecem entre as partes e quais são as diferenças existentes entre os diversos atores que agem no seu interior. Não se esquecendo, nesse caso, de estabelecer conexões de sentido, conflito de interesses e formas de cooperação e / ou de conflito que porventura possam advir do intercâmbio entre as partes do sistema e o âmbito doméstico. São elementos importantes para a compreensão dos processos internacionais e das ações que se desenvolvem a partir deles. No plano da ação internacional, segundo eixo da abordagem, o analista procura questionar a ação internacional, seu sistema normativo, tanto do ponto de vista formal, informal e sociológico, a variedade e os tipos de ação política que os atores desenvolvem, as táticas e estratégias utilizadas, bem como as ideologias, valores e representações simbólicas que orientam e justificam as próprias atitudes dos protagonistas no cenário internacional. Da correlação entre as duas ordens é que se torna possível a 11ANDRADE, Maria Inês C. de, op. cit., p. 34. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 20 formação de expectativas por parte dos atores no processo de projeção de ações na instância externa e vice-versa. Independente da esfera de atuação do analista em Relações Internacionais ele tem que possuir um domínio sólido dos aspectos multidisciplinares que envolvem a compreensão do sistema e das ações no seu contexto. Isto porque a inserção de um ator não-estatal, como os agentes econômicos, por exemplo, dependerá, em última análise, do entorno nacional em que opera, da capacidade de competição do país, em termos de estabilidade macroeconômica, política cambial, infra-estrutura de comunicações, de transportes, de educação, sistema financeiro e nível de qualificação de mão- de-obra. Não basta que a empresa seja competitiva, é preciso que o país também o seja. Requerem-se ações governamentais para a criação da moldura adequada para o desenvolvimento da empresa nacional e, conseqüentemente, sua projeção externa.12 É essa articulação entre os níveis da ação e a qualidade da inserção é que exige a interdisciplinaridade de forma a ampliar o horizonte de ação. A articulação e a interdependência dos fenômenos a serem estudados leva a uma interpretação sob múltiplos enfoques para que o contexto da ação seja, melhor compreendido. Isto significa dizer que além dos processos isolados em que o analista atua a explicação em Relações Internacionais se preocupa com as condições ambientais e o conjunto de relações que dão substância ao que ocorre na interação entre os atores. Nesta perspectiva ela irá extrapolar o contexto imediato em que o fenômeno acontece procurando situá-lo na cadeia de relações em que a interação ocorre. Vista deste ângulo as Relações Internacionais não possuem apenas um caráter instrumental, mas, fundamentalmente, de pesquisa e de reflexão. Mas como proceder concretamente em tudo isso? Que teoria escolher? Primeiramente, deve se considerar os valores que orientam a percepção. Escolha de uma teoria não é como a escolha da melhor enxada para carpir uma lavoura. Exige uma adequação entre valores, objeto de estudo e alcance explicativo do referencial teórico. Em princípio, qualquer teoria de Relações Internacionais explica todo e qualquer fenômeno que faz parte de seu campo de investigação. O que diferencia as teorias são as dimensões específicas que orientam o caráter de sua interpretação. O problema, por exemplo, não é o fato do Normativismo não explicar o conflito e o 12BATISTA, Paulo Nogueira. O Mercosul e os interesses do Brasil, In: Estudos Avançados. São Paulo: USP, 1994, v.8, n. 21, p. 79. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 21 Realismo sim. A questão é que o Normativismo privilegia a dimensão cooperação fundada no partilhamento de normas e, devido a este fator, o conflito poderá adquirir, no arcabouço analítico, um caráter sub-reptício. O contrário poderá ocorrer com o Realismo. Portanto, uma teoria é um modelo interpretativo que deve ser assimilado pelo analista como um esquema de raciocínio e, logo, operar como uma fórmula estruturante de sua percepção frente ao objeto de análise. Logo, sua escolha exige o concurso de valores, de enquadramento do objeto e do alcance explicativo do modelo teórico em fornecer elementos interpretativos consistentes e pertinentes em relação a um determinado fenômeno.13 Se a escolha deste ou daquele referencial teórico depende dos fatores levantados, raciocinar como uma analista de Relações Internacionais exige a obediênciaa certos procedimentos. Tal atitude é necessária para impedir a fragmentação diante da interdisciplinaridade do campo de análise e para evitar que se imagine que esteja interpretando um fenômeno do ponto de vista das Relações Internacionais e esteja, de fato, fazendo exatamente o contrário. Uma primeira atitude ao se debruçar sobre as Relações Internacionais é a de procurar adquirir uma visão de conjunto. Esta visão de conjunto compreende dois movimentos: em um primeiro momento, o de isolar os elementos constitutivos do sistema e, um segundo, de reconstruí-los em uma configuração geral que demonstre as modalidades de interação existente e o tipo de conexão entre os elementos constitutivos e o próprio sistema. Isto significa pensar as Relações Internacionais, em uma perspectiva sistêmica que considere, dentro de nosso modelo analítico, as interações entre atores interestatais, entre atores transnacionais, entre atores interestatais / atores transnacionais e vice-versa e o conjunto destas modalidades no interior do próprio sistema internacional. O Quadro II nos fornece uma taxonomia das relações internacionais organizadas em dois grandes grupos. Os itens I e II referem-se aos elementos constitutivos do sistema e às formas de interação entre eles; os itens III a V ao 13 De um modo geral pode dizer-se que a teoria é uma expressão, que se pretende coerente e sistemática, do nosso conhecimento acerca do que designamos por realidade. A teoria existe para dizer o que sabemos ou julgamos saber sobre esta realidade, para reunir e sistematizar os diversos elementos do nosso conhecimento. Como este é último é um processo caracterizado por uma dinâmica de certa forma circular, a teoria não é apenas a conclusão deste processo, mas serve igualmente de quadro para o seu contínuo desenvolvimento. A função da teoria consiste na explicação da realidade, isto é, em mostrar porque é que o objecto de que ela se ocupa e tal como é e não de outra maneira; dar um sentido aos diversos elementos constituintes deste objecto, estabelecendo um certo número de relações entre esses elementos, nomeadamente, relações de causalidade. A PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 22 ambiente do sistema, as suas interações e a configuração resultante da correlação entre os elementos e o próprio sistema. A qualidade desta taxonomia é que ela estabelece os parâmetros para os elementos a serem considerados na análise sem, contudo, determinar os padrões de interação e de comportamento. Isto significa, que o tipo de relação que irá se firmar entre os elementos constitutivos do sistema e no interior do ambiente do sistema é produto do referencial analítico adotado. Ou seja: é o modelo teórico escolhido que fará emergir a configuração do sistema e a sua interpretação. Quadro II: Os eixos de uma taxonomia sistêmica das relações internacionais Estado-nação Indivíduos Entidades subnacionais Físicos I Elementos Entidades transnacionais Atributos destes elementos Estruturais Organizações internacionais (em casos limitados) Culturais Etc. Tipo de relações Natureza das relações Cooperação Económica As interacções II Relações e Oposição Política implicam a Interacções Dependência Cultural existência de Etc. Ecológica comunicações entre Etc. os elementos Hierarquia dos actores (ou elementos) III Estrutura do Homogeneidade do sistema Sistema Coesão do sistema (organização) Regras do jogo admitidas pelos actores Etc. Elementos constitutivos do ambiente IV Ambiente do Sistema Características ou atributos desses elementos Estrutura do ambiente Tipo de relações Natureza das relações V Relações e Cooperação Económica interacções do Oposição Política Sistema e do Dependência Cultural seu ambiente Etc. Ecológica Etc. BRAILLARD, Philippe. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990, p. 506. Toda teoria de Relações Internacionais, independente de seus matizes analíticos ou ideológicos, apresenta um modelo do sistema, de seus elementos constitutivos e das interações entre estes elementos. Uma pergunta, inicial, seria: como o modelo teórico que se está utilizando concebe os elementos do sistema esta função de explicação pode ser ligada uma função de previsão,consistindo esta em prever a evolução futura da realidade que é o objecto da teoria. (Braillard, 1990, pp. 11, 12) PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 23 (itens I e II) e o seu ambiente (itens de III a V)? Na maioria dos casos, existem três formas gerais dos modelos analíticos efetuarem esta configuração: a) Critério tradicional - as interações são reduzidas à dimensão política e nesta o uso efetivo ou potencial da força possuem um papel fundamental. O ambiente do sistema é conflitivo e a legitimidade / estabilidade da ordem é resultado do reconhecimento da legalidade da força na estruturação desta ordem. Nesta linha de raciocínio, o Estado emerge como ator fundamental no sistema e os demais atores agem nos limites estabelecidos pelo fluxo das interações interestatais; b) Critério estatocêntrico - relacionado ao anterior, este critério reconhece a anarquia do sistema, mas de forma ainda mais aguda. Os Estados são soberanos em suas ações – o que acirra o conflito entre eles e, por conseqüência, a anarquia -, e nenhuma autoridade existe nas relações internacionais capaz de se colocar acima das unidades políticas. O Estado possui autonomia decisória na preservação e defesa de seu auto-interesse e, neste sentido, seu comportamento na esfera externa, independe de suas atitudes na esfera doméstica. Os demais atores do sistema, neste caso, estão sujeitos ao poder soberano dos Estados e só possuem capacidade de ação, se não contrariarem os interesses do Estados. c) Critério de internacionalidade – nesta modalidade admite-se que o sistema internacional é composto por uma multiplicidade de atores, entre os quais se destaca o Estado por deter o monopólio da força – prerrogativa não detida por nenhum dos outros atores. Os instrumentos analíticos dirigem-se para a consideração do conjunto das relações dos Estados entre si, de como os Estados influenciam uns aos outros, bem como para o conjunto das relações entre os atores não-estatais e de como estes atores se influenciam mutuamente. Consideram, também, de forma cruzada, os fluxos interestatais e transnacionais e o a possibilidade que os segundos possuem de constranger os primeiros. Na internacionalidade não existe uma agenda hierarquizada a partir dos fluxos interestatais (critério tradicional) ou do interesse soberano dos Estados (critério estatocêntrico). Existem diferentes temas na agenda e a hierarquização se dá no interior destes temas decorrentes da formação de issues areas difundidas no interior do sistema internacional. Nossa definição de campo demarcatório de relações internacionais obedece ao critério de internacionalidade, mas não descarta o parâmetro tradicional e o estatocêntrico. Tudo irá depender do modeloteórico escolhido e de como este concebe: o sistema, seus elementos constitutivos e a interação entre eles. Cada um destes critérios possui alcance e limites explicativos e a escolha de um referencial teórico, como já afirmamos, vai depender do posicionamento do investigador e da adequação entre o problema, o que se quer explicar, como se quer explicar e os instrumentos analíticos que a teoria põe à disposição. Não se tem como fornecer, como a maioria das situações em investigação, uma receita de bolo que resolva estas questões de forma definitiva e exaustiva. Um projeto de investigação e de PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 24 delimitação de objeto exige, do pesquisador, capacidade de efetuar juízos, fazer escolhas e tomar a decisão que, frente ao arsenal de informações existentes, mais aprouver ao seu trabalho. O critério de internacionalidade se adequa mais à configuração contemporânea do sistema internacional. Ele possibilita uma visão mais acurada da pluridimensionalidade das relações internacionais e da sua diversidade na atualidade. Mas voltemos ao nosso procedimento analítico. Estabelecida a modalidade de relações no interior do sistema é o momento de passar do quadro mais geral para o particular: como o objeto de investigação se insere neste processo? Ou seja: qual elemento constitutivo do sistema está se analisando, em qual fluxo do sistema ele se insere, com quais outros elementos se interage e como ele se situa no ambiente do sistema. Aqui, mais uma vez, é o modelo teórico que irá responder a estas indagações. O modelo teórico acompanhado de informações sobre o objeto específico é que permite estabelecer a dinâmica da ação do ator no fluxo das relações internacionais e autoriza o delineamento de seu padrão de comportamento, das influências diretas e indiretas às quais este modelo se submete e de como o ator específico se conecta com os outros atores no interior do sistema. É bom lembrar que sempre se deve ter em mente que se está lidando com um conjunto de fluxos interestatais e transnacionais e os cruzamentos entre eles. Para que tal ocorra é preciso inserir o objeto específico no âmbito mais geral dos fluxos internacionais. A Fig. I é um esforço para representar, graficamente, os fluxos internacionais. Cada um dos pequenos círculos representa uma sociedade nacional e os círculos maiores e coloridos que os recortam representam os fluxos existentes no sistema internacional. Cada uma das cores representa uma issue area do sistema à qual a totalidade, ou partes da sociedade nacional, pode estar conectada. Isto significa que uma issue area pode conectar atores estatais em um fluxo interestatal ou, então, grupos ou movimentos da sociedade civil em um fluxo transnacional sem, contudo, estar presente em outros segmentos de uma mesma sociedade. Os atores conectados em um determinado fluxo articulam-se em rede que fornece parâmetros para o comportamento no sistema, ao mesmo tempo, que exclui aqueles que não partilham do universo em que estão inseridos. Compartilhando interesses, valores, símbolos, finalidades os atores podem orientar suas expectativas no interior de uma determinada issue area, projetar-se no sistema e efetivar suas ações em um sistema PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 25 de referência estável. Mas, ao mesmo tempo, um ator ou um conjunto de atores pode ser atravessado por fluxos que operam em direções contrárias o que dificultará, ainda mais, o processo decisório ou sua inserção no próprio sistema internacional. Fig. I – As conexões no Sistema Internacional A grande questão é a seguinte: em qual fluxo o objeto e / ou problema de pesquisa está relacionado? Isto significa reconstruir o fluxo no ambiente do sistema, verificar quais atores estão a ele conectados, quais relações se estabelecem entre eles, qual o padrão de comportamento dos atores, quais elementos favorecem a cooperação e quais deles podem provocar conflitos etc. Mapeado o fluxo no sistema o passo seguinte é caracterizar o objeto de estudo como parte do fluxo. Quais são as expectativas do ator, como a sua inserção no fluxo pode ou não favorecer estas expectativas, quais outros fluxos o ator está sujeito e pode provocar desvios ou reforçar suas expectativas, o que o ator compartilha ou não compartilha com os outros elementos da rede ao projetar suas ações naquela issue area específica... Trata-se, de maneira geral de utilizar a taxonomia sistêmica (Quadro II) para construir e mapear as relações internacionais em dois momentos: a) em primeiro lugar, para reconhecer seus elementos constitutivos e a relação entre eles e o ambiente resultante do conjunto de interações; em segundo lugar, para identificar o objeto de estudo, conectá-lo ao ambiente do sistema internacional por meio de sua inserção nos fluxos existentes no sistema e a quê este se articula. As relações, a PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Relações Internacionais Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 26 serem estabelecidas, entre os agentes, a configuração do sistema, o padrão de comportamento do ator, seu modelo interativo, as relações de dependência, cooperação etc. que poderão emergir são, fundamentalmente, produto do modelo teórico utilizado. Raciocinar, pois, como analista de Relações Internacionais, é ter uma percepção que se dirige à intersecção entre as ordens doméstica e externa, naquilo que dois ou mais atores estabelecem, a partir daquilo que é compartilhado ou excluído pelo ator permitindo, assim, a formação de expectativas e a tomada de decisão para a projeção de sua ação além de uma fronteira, delimitada de forma sócio-cultural ou territorial. Mas o problema não é saber ou não saber os procedimentos de uma análise científica das Relações Internacionais. A questão é a incorporação destes procedimentos como esquema interpretativo. O analista tem que transformar o modelo taxonômico e o teórico em uma estrutura operatória de sua maneira de pensar as relações internacionais. Isto significa utilizá-los como padrão cognitivo e perceptivo a partir do qual os elementos, as interações e a configuração do sistema possam ser concebidos, pensados e demonstrados. A dificuldade é que não existem regras, receitas que, adotadas, possibilitem este procedimento. O iniciante tem que se esforçar para adotar os procedimentos, ficar vigilante para a sua utilização pertinente e exercitar-se logicamente de forma a sempre buscar a correlação entre o modelo teórico que está utilizando, o que se está demonstrando e a situação em evidência. Deve, também, atentar para as conseqüências de suas deduções, as relações que seu discurso estabelece entre o modelo analítico, a demonstração e a empiria. De certa forma, trata-se de exercitar aquilo que Bachelard denominou de vigilância epistemológica: efetuar a ruptura com as próprias convicções; proceder, a construção do objeto de investigação, a partir dos parâmetros da disciplina científica a qual se pertence; e efetivar a verificação final da pertinência empírica ou
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