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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS 
Departamento de Relações Internacionais 
Núcleo de Teoria e Método em Relações Internacionais 
 
Av. Dom José Gaspar, 500, Prédio 47 - Bairro Coração Eucarístico - 30.535-901 
Belo Horizonte - MG - Caixa Postal 1.686 - Telefax: (31) 319-4257 
Endereço eletrônico: reinter@pucminas.br – www.ri.pucminas.br 
 
A Ciência e a pesquisa em Relações Internacionais* 
 
Prof. Onofre dos Santos Filho** 
 
1. Introdução 
 O objetivo deste texto é discorrer, de maneira sucinta, sobre o processo de 
conhecimento e sua produção no âmbito da Ciência e das Relações Internacionais. Os 
métodos, técnicas e recursos utilizados pelos cientistas variam enormemente de 
acordo com a sua área de conhecimento e os problemas que pretendem investigar. 
Mas apesar dessas diferenças as várias ciências compartilham um campo 
intersubjetivo de amplitude variada no que respeita à lógica do conhecimento, dos 
procedimentos de inferência, demonstração, prova e apresentação de resultados. O 
presente texto se mantém nesse nível e procura dar uma visão geral do processo 
científico tendo em vista a lógica de procedimento e de investigação que orienta o 
trabalho dos cientistas em suas respectivas áreas de atuação. 
 O texto é direcionado aos alunos de Relações Internacionais que pretendem 
iniciar-se na pesquisa científica ou que estejam desenvolvendo Trabalhos de 
Conclusão de Curso. Seu intuito, então, é o de orientar este aluno acerca da seleção 
de uma determinada temática de investigação e de como proceder na demarcação 
desta temática sob a perspectiva das Relações Internacionais. Neste sentido, o texto 
é estruturado em duas partes que tratam respectivamente da Ciência e das Relações 
Internacionais como campo de conhecimento. 
 Na primeira parte, são discutidos o caráter do conhecimento científico e os 
parâmetros gerais que o norteiam, bem como os procedimentos básicos utilizados 
para a investigação de um determinado objeto ou modalidade de fenômenos. Temos 
o cuidado de apresentar a ciência como uma atividade social como qualquer outra, 
mas, ao mesmo tempo, atentamos para sua singularidade, sua relação com o ideal 
regulativo de verdade na sua busca de entender e explicar a realidade. 
 Na segunda parte, as atenções se voltam para as Ciências Sociais, sua relação 
com as demais ciências e a sua especificidade como campo explicativo dos 
fenômenos sociais. As Relações Internacionais são analisadas como um campo de 
 
*Concebido, originariamente, para ser utilizado na disciplina Teoria de Relações Internacionais II. Foram efetuadas 
reformulações destinadas a adaptar o texto para o Trabalho de Conclusão de Curso. 
 
**Sociólogo, Mestre em Sociologia pela FAFICH/UFMG, professor do Departamento de Relações Internacionais da Puc 
Minas. 
 
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2 
conhecimento adstrito às Ciências Sociais e como tal, seus procedimentos de análise 
de investigação são interpretados em função desta sua inserção. 
 
2. O conhecimento e a lógica de procedimento científico 
 O espaço acadêmico deve ser fundamentalmente um ambiente de produção e 
transmissão de conhecimento. Apoiado no ensino, na pesquisa e na extensão a 
universidade busca manter, socializar e divulgar um acervo de conhecimento 
acumulado durante centenas de anos e que, bem ou mal, permitiu ao ser humano 
mudar profundamente sua relação com a natureza circundante e tornou-o capaz de 
interferir na realidade na qual encontra-se inserido. Apesar de criticável, o trabalho 
de produção e transmissão de conhecimento criou, ao longo da história moderna, 
uma série de parâmetros que norteiam a ação dos membros da comunidade científica 
e que com algumas alterações básicas, são adotados em todas as áreas do 
conhecimento. 
 Uma das primeiras providências ao iniciar alguém na pesquisa científica é 
desmitificar a sua concepção de ciência. A atividade de pesquisa é uma atividade 
comum como qualquer outra existente na sociedade. Ela possui regras, deveres, 
privilégios... ou seja, é um papel social a ser desempenhado como qualquer outro. O 
que acontece é que este papel é mitificado de tal forma que o pesquisador é 
apresentado como um deus onipotente que metido em um guarda-pó 
impecavelmente branco, mergulhado entre ampulhetas, números, pranchetas, 
fórmulas e computadores, com o rosto grave de um gênio incompreendido, imagem 
aumentada ainda mais, pelos óculos, de lentes fundo de garrafa trabalha, 
incansavelmente, pelo bem da humanidade. Esta imagem - divulgada pelos meios de 
comunicação de massa e estimulada pelos próprios cientistas - confere-lhes o ar de 
divindade, de pessoas isoladas do mundo, sacerdotes abnegados do conhecimento e 
da verdade. Isto lhes reforça o poder de barganha social, permite-lhes privilégios e 
poder político em relação a determinados interesses que permeiam a sociedade. Mas 
não transforma a sua atividade em superior ou inferior às demais lhes conferindo, 
uma relevância incomum ou não-criticável.1 
 
1 A forma mais eficiente de desmitificar esta aura de superioridade que envolve a atividade científica é demonstrar 
que a ciência não detém o monopólio da verdade. Existem diferentes tipos de conhecimento (a religião, a magia, o 
mito, o senso comum) e a ciência é apenas mais uma dessas modalidades. Cada uma dessas formas de 
conhecimento possui cânones específicos que controlam internamente o seu exercício. O que valida a religião, por 
 
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3 
 A Ciência é uma modalidade de conhecimento que criou procedimentos 
particulares, não extensíveis a outras áreas de saber. Assim, elegeu uma série de 
critérios que são válidos apenas para ela e é, parcial ou completamente, ignorado 
pelas demais modalidades de conhecimento existentes. Um dos principais elementos 
diferenciadores da ciência é que enquanto as outras formas de conhecimento 
procuram alcançar a verdade definitiva acerca do mundo e das coisas, ela não possui 
este propósito. Ao indagar a realidade o cientista busca, por meio de um problema 
construído a partir do acervo de informações já existente, demonstrar que a 
hipótese2 elaborada não é falsa. Isto porque, indutivamente, o conhecimento, 
dentre outras razões, não pode contemplar toda a realidade em todos os lugares e 
em todas as épocas. Por mais que saibamos que o sol nasceu ontem, anteontem, 
todos os dias da semana passada e nos últimos milhares de anos, nada nos autoriza 
afirmar que continuará nascendo nos próximos milhares de anos. Para fazer tal 
assertiva teríamos que dominar todas as informações futuras sobre o evento; algo 
que, evidentemente, escapa à capacidade humana. 
 Ora se não podemos dominar todas as informações a partir das quais o evento 
ocorre como a ciência funciona? O que o cientista faz de fato é, a partir do 
conhecimento já existente, construir problemas e hipóteses prováveis sobre uma 
determinada situação. A partir disto ele recorta a realidade, a analisa, a interpreta e 
testa as suas hipóteses. Se esta for confirmada, tudo bem; caso contrário, se for 
negada, terá de ser descartada como falsa. Na verdade isto tem que ser analisado 
com uma certa prudência. O fato de uma hipótese ser refutada não significa que nãoadvenha conhecimento do trabalho realizado. Significa apenas que a hipótese 
explicativa está incorreta e que a resposta ao problema é outra e não aquela que se 
tinha em mente. O que é descartado é a hipótese; o conhecimento advindo da 
pesquisa permanece válido. 
 Mas é necessário alertar também para a questão da confirmação. Na verdade, 
quando a realidade responde sim a uma hipótese, quer dizer talvez; quando diz não 
ela diz exatamente não. O sim é um talvez justamente pelo fato de não se poder 
 
exemplo, é a revelação divina, os seus dogmas e a tradição. O conhecimento religioso só pode ser entendido a 
partir destas condições e avaliado pelos parâmetros que a comunidade elegeu como legítimos. 
 
2 Hipótese é uma resposta que pretende ser uma alternativa para a solução do problema proposto. Pode originar de 
valores do pesquisador, de crenças acerca da situação em evidência, etc. O requisito básico é o fato de a resposta 
ter que ser formulada de acordo com os cânones científicos; não tem que ser, necessariamente, verdadeira ou 
falsa. 
 
 
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dominar toda a complexidade de ocorrência de um fenômeno. O que sabemos é que 
se forem mantidas as condições sob as quais se realiza a pesquisa, esta poderá ter 
este ou aquele resultado. Como a realidade é dinâmica e o fenômeno ocorre de 
forma muito diferente do que acontece em um experimento no qual controlamos, em 
maior ou menor grau, suas condições de existência, é impossível predizer o seu 
comportamento de forma exaustiva. Portanto ao confirmar uma hipótese o que 
fazemos geralmente é afirmar que dadas determinadas condições e variáveis o 
fenômeno ocorrerá desta forma. Como não dominamos todas as informações 
presentes sobre o desenrolar dos acontecimentos, e menos ainda as futuras, o que 
fazemos é dar um salto no escuro, se tudo der certo estaremos correto, caso 
contrário... É por isto que o sim é um talvez; as coisas podem mudar. 
 Algo que pode clarificar melhor esta questão é o célebre exemplo dos cisnes. 
Suponhamos que ao investigar como são os cisnes acumulemos as seguintes 
informações: 
Um cisne branco. 
Dez cisnes brancos. 
Trezentos e oitenta cisnes brancos. 
Um milhão de cisnes brancos. 
Cem milhões de cisnes brancos. 
Logo - Todos os cisnes são brancos. 
 Vocês devem estar pensando: isto é certo, lógico! Mas há um problema nisto 
tudo: nós não vimos todos os cisnes, como podemos afirmar que todos são brancos? E 
se encontrarmos um cisne que possua as mesmas características dos demais, mas seja 
negro? Responderiam-me: é simples, encontramos um cisne negro. Mas a coisa não é 
tão simples para a ciência. O fato de encontrar um cisne negro significa que a 
hipótese de que todos os cisnes são brancos incorreria no risco de ser refutada. Pela 
seqüência do raciocínio, um cisne que não seja branco seria um dado que contraria 
as evidências acumuladas e que impede a generalização a partir delas. A grande 
questão é que não basta acumular evidências sobre evidências para enunciar a 
verdade sobre as coisas; um pequeno dado que contrarie o cerne da argumentação 
conduz à possibilidade de refutação da hipótese. É por isto que o não é definitivo e o 
sim é sempre talvez. Todos os cisnes são brancos até o dia em que encontremos um 
que seja negro; aí todo conhecimento terá que ser abandonado ou reformulado em 
algumas partes. 
 
 
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 Portanto, a finalidade da atividade científica não é alcançar a verdade última 
das coisas, pois a própria estrutura da pesquisa a impede de fazê-lo. O cerne da 
atividade científica é formular problemas e hipóteses e corroborá-las empiricamente. 
O pesquisador realiza esta atividade com intuito de aproximar-se o máximo possível 
da verdade sabendo, contudo, de antemão, que jamais poderá apreender totalmente 
o real. O que ele faz é contentar-se com o talvez que a realidade, construída por 
meio de seus modelos teóricos, o brinda de vez em quando. O que sustenta a sua 
atividade é o ideal regulativo de verdade: a ciência tem como condição essencial a 
busca da verdade, mas com a certeza absoluta que jamais poderá alcançá-la. Isto 
transforma a pesquisa científica em algo humano, demasiadamente humano. 
Qualquer pessoa que se disponha a ser um pesquisador deve ter a nítida consciência 
de que o único destino de seus trabalhos é a superação. Este poderá envidar esforços 
e despender quase toda sua vida em trabalhos que fatalmente serão criticados, 
debatidos e superados pelos seus sucessores. Não existem verdades definitivas em 
ciência; as assertivas são sempre provisórias, não-falsas, até serem superadas por 
experimentos cruciais ou por teorias contrastantes.3 
Mas o fato de não se poder alcançar verdades absolutas e eternas não 
transforma a ciência em uma atividade altamente desorganizada em que tudo é 
válido. A ciência possui uma série de critérios aceitos, intersubjetivamente, pela 
comunidade científica, a partir dos quais os pesquisadores devem exercer suas 
atividades. Isto significa que o cientista necessita romper com as várias modalidades 
de conhecimento que existem ao seu dispor e no exercício da pesquisa, respeitar os 
cânones comuns aos seus pares. É claro que é difícil para o cientista separar as suas 
crenças religiosas, por exemplo, da sua interpretação da origem do universo. No 
fundo, questões externas à ciência permeiam as suas atividades e, bem ou mal, estas 
preocupações estão presentes nos trabalhos científicos. Mas o problema não é ter 
esta ou aquela crença, mas não ter claro para si e para seus pares como estas 
influenciam as análises. Então é necessário que o cientista explicite o máximo 
possível quais são suas crenças e valores culturais para que seus colegas e a 
sociedade possam interpretar e criticar de forma mais eficiente as pesquisas que 
estão sendo empreendidas. Portanto, é preciso que alguém que se inicie na pesquisa 
 
3Nossa argumentação está se baseando em Popper, Feyrabend e outros epistemólogos que possuem uma visão da 
atividade científica baseada nestes parâmetros ou próxima a essas idéias. Existem outras interpretações que não 
estão sendo exploradas aqui. 
 
 
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tenha claro para si e para aqueles que irão partilhar do seu trabalho quais são os seus 
valores, suas crenças, o sistema cultural no qual está inserido e de como tudo isto 
pode vir a influir na temática escolhida para estudo. 
 
Fig. I – O circuito de produção de conhecimento 
Imaginário: o “eu” 
 Cultura Geral Síntese 
 
 
 Problemática 
 Explicação 
Simbolismo 
 Heurística 
 Compreensão 
 
Realidade objetiva 
Dados 
 
Real? Real? Real? Real? Real? Real? Real? Real? Real? Real? 
DESHAIES, Bruno. Metodologia da Investigaçãoem Ciências Humanas. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 
 Este posicionamento inicial deve ser feito devido ao fato de que, ao contrário 
do que convencionalmente se apregoa, a ciência não é neutra. É sempre um 
indivíduo singular dotado de imaginário específico resultante de uma cultura geral 
partilhada que se interroga sobre o mundo e busca respostas para as suas indagações. 
É um Keppler, por exemplo, mergulhado nas crenças vigentes em sua época acerca do 
movimento das esferas cósmicas, que se debruça sobre os corpos celestes para 
entender o seu deslocamento pelo espaço. Acreditando estar em busca da melodia 
universal que move os astros ele chega às órbitas elípticas dos planetas e dá um 
grande salto epistemológico em direção à concepção heliocêntrica do sistema solar. 
Sem a incorporação, em seu imaginário destas crenças, suas perguntas nunca 
poderiam ter sido efetuadas da forma que foram feitas e, provavelmente, mais 
tarde, os caminhos trilhados por Galileu e Newton teriam sido mais difíceis. 
 Mas um problema, formulado no nível de nossas preocupações, só adquire 
status de cientificidade quando concebidos do ponto de vista dos parâmetros 
científicos. A Ciência desenvolveu todo um aparato simbólico composto de teorias, 
conceitos, modelos, procedimentos lógicos e uma linguagem específica – como a 
matemática e a álgebra, por exemplo – sob os quais nossas preocupações pessoais, 
quando demarcadas cientificamente, devem ser formuladas e expressas. O objeto de 
estudo tem que demarcado a partir do campo de conhecimento a que pertence e 
 
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problematizado a partir dos modelos explicativos que o campo oferece. Esta 
problemática, expressa na forma de hipóteses e / ou conjecturas, funciona como um 
princípio heurístico – idéia ou situação postulada como plausível que funciona como 
diretriz para o entendimento de uma determinada situação – que orienta o 
pesquisador na busca da solução para as questões que deseja compreender e / ou 
explicar. Neste processo, por exemplo, Keppler foi obrigado a formular suas 
preocupações em termos matemáticos, efetuar cálculos para calcular a trajetória dos 
corpos celestes, fazer observações do movimento etc. 
 Os modelos teóricos que utilizamos funcionam, nas palavras de Popper, como 
holofotes que iluminam a realidade, dirigem nosso olhar sobre o mundo de forma a 
delimitá-lo e permitir que selecionemos os dados necessários para a realização de 
observações e / ou experimentos. O real, a coisa em si, como diria um filósofo da 
ciência, é-nos inacessível. Nossa percepção do mundo é sempre mediada pela 
linguagem que constrói, por meio de símbolos, uma representação plausível do real 
sem, contudo, nunca esgotá-lo de fato. As teorias, sistemas simbólicos construídos 
particularmente pela ciência possuem o mesmo caráter de mediação do que os 
demais sistemas simbólicos. Elas constroem modelos explicativos e interpretativos da 
realidade possível do real, procuram reproduzi-lo da maneira mais fidedigna possível, 
mas não perdem, por isto, o caráter de representação de mundo. Assim, Kepler 
debruça-se sobre os astros guiando-se pelo modelo de representação ptolomaico 
onde o mundo é plano, a terra é o centro do universo e os corpos celestes giram ao 
seu redor em órbitas circulares. É este mundo que a teoria geocêntrica lhe oferece e 
são as provas deste mundo que ele anda em busca. Esta é a realidade construída que 
o modelo aristotélico e a geografia de Ptolomeu lhe oferecem. 
 Kepler está vendo as órbitas concêntricas, mas enfrenta um problema. Seus 
cálculos matemáticos aliados àqueles efetuados por Tycho Brahe, caso prevalecesse o 
modelo de círculos concêntricos, estariam errados. Não havia como conciliar, os 
cálculos e as deduções, com estas órbitas, a não ser que o deslocamento se desse de 
outra maneira e não daquela prevista na configuração geocêntrica. Kepler, então, em 
um movimento de ir e vir, constante, entre o modelo ptolomaico, suas deduções e 
suas observações chega a uma conclusão diferente: as órbitas dos corpos celestes 
formariam elipses e não círculos. A compreensão e/ou explicação final do processo 
implica na reformulação do modelo das órbitas dos círculos concêntricos, da visão 
 
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geral do conhecimento aceito até então e, acima de tudo, em alterações no 
imaginário de Kepler acerca de suas crenças e valores. O círculo do conhecimento, 
então se fecha, mudando a percepção do mundo à sua volta e mudando, também, as 
idéias de Kepler acerca deste mundo à sua volta. 
 E a música celestial das esferas? É claro que Kepler não a ouviu e nem a 
encontrou. Mas, talvez, sem este seu móvel inicial sua pesquisa não haveria se 
iniciado. Nossas idéias, não importam muito, de onde elas vêm. Podem vir de 
qualquer lugar e estão sempre marcadas pelo nosso tempo, nossas crenças, nossa 
cultura geral. Mas o que importa é que elas nos inspiram, elas nos fazem apaixonar 
por algo e adquirir a vontade necessária para empreendermos algo. Como afirma 
David Hume, filósofo iluminista escocês, o problema entre razão e paixão não bem 
como Descartes o formula no Discurso do Método. Não existe incompatibilidade a 
priori entre razão e emoção com a segunda operando como obstáculo ao livre 
exercício da primeira. Para Hume nossa vontade e nosso interesse nascem das nossas 
paixões e razão é o guia que traduz estas paixões em ação no mundo. A paixão de 
Kepler pela música celestial das esferas o conduz à descoberta das obras elípticas 
que, sem elas, provavelmente, Galileu não poderia ter completado sua obra de 
construção de uma nova percepção da realidade: o sistema heliocêntrico. Assim, 
como qualquer outra modalidade de conhecimento, a ciência está articulada, do 
ponto de vista do móvel que leva o cientista a esta ou aquela investigação, a valores, 
crenças, a interesses de grupos sociais específicos e como qualquer interesse 
particular dentro de uma cultura geral de uma sociedade. 
Não são poucas as vezes que uma pesquisa científica pode ser desencadeada 
porque existem grupos interessados nos seus resultados como militares, industriais, 
fabricantes de computadores etc. Outras vezes as pesquisas são desenvolvidas devido 
a interesses internos dos próprios cientistas como forma de justificar sua importância 
social e de garantir recursos financeiros para as suas atividades. Até mesmo quando a 
pesquisa é resultado de um insight do pesquisador ou de questões internas afetas a 
própria ciência o móvel do trabalho está relacionado a valores que o pesquisador 
cultiva e que às vezes quer ver confirmado ou refutado. Todos estes fatores não são 
problemáticos para a pesquisa: são necessários. Problemático é não elucidá-los de 
forma clara impedindo-se, assim, que as críticas sejam feitas de forma também clara 
mais tarde. 
 
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3. As Relações Internacionais e o procedimento científico 
 
 Relações de cooperação ou de conflito entre agrupamentos humanos não é 
nenhuma novidadena história. Seja por motivos relacionados à conquista ou ao 
comércio governos ou grupos sociais sempre procuraram estabelecer vínculos e, de 
certa maneira, regular o intercâmbio entre eles seja através de acordos, pactos ou 
certos ajustamentos impostos por vencedores como ocorreu, por exemplo, durante o 
tempo que vigorou a pax romana do Império. Bem ou mal, historiadores, pensadores, 
juristas, militares, filósofos, doutrinadores etc. debruçaram-se sobre os problemas 
decorrentes da interação entre coletividades diferentes e a possibilidade de uma 
existência pacífica entre elas. Do espanto grego diante daqueles que não falavam a 
sua língua –origem da idéia de bárbaro -, dos relatos de Tucídides acerca das guerras 
do Peloponeso ao Direito das Gentes de Groccio esta preocupação esteve sempre 
presente. A formação de um corpo de embaixadores, de representantes de outros 
governos nas cortes de reis e imperadores dá uma idéia de como existiam, além de 
uma reflexão sobre o intercâmbio intergrupal, medidas efetivas destinadas, de certa 
maneira, a regulamentar a interação entre coletividades soberanas. 
 O que é novo nesta história toda é a emergência e a formação, no início do 
século XX, de uma disciplina científica destinada à análise e a explicação das 
relações internacionais. Apesar da preocupação ser antiga foi apenas nas primeiras 
décadas deste século, na efervescência e nos abalos, provocado pela Primeira Grande 
Guerra, que as relações internacionais ascenderam à condição de uma disciplina 
destinada a entender os processos de intercâmbio entre Estados e a propiciar 
elementos explicativos que permitissem interpretar de uma maneira menos 
especulativa o próprio sistema internacional. 
 Na constituição de um corpo analítico específico as Relações Internacionais 
efetuaram dois movimentos que, a primeira vista, divergentes acabaram por 
convergir nos últimos anos. Primeiramente, houve um esforço para delimitar as 
relações internacionais como um sub-campo da Ciência Política, comportamento que 
isolou o processo de conhecimento de sua interface com outras disciplinas das 
Ciências Sociais e o fechou em torno das interações entre os Estados do ponto de 
vista da política externa. Recentemente, reconheceu-se o caráter multidisciplinar 
das Relações Internacionais e a importância de sua intersecção com outras disciplinas 
como a Sociologia, a Economia, a História, a Geografia, o Direito, a Antropologia e a 
 
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Ciência Política. As Relações Internacionais seriam uma área de conhecimento 
pertencente às Ciências Sociais e, como tal, sujeita ao aparato conceptual 
epistemológico e metodológico singular destas Ciências. Desta forma, para a 
discussão a ser empreendida neste texto, adotar-se-á o postulado de que as Relações 
Internacionais são um campo de conhecimento das Ciências Sociais e o debate acerca 
de seu estatuto científico deriva e pertence ao debate comum, a este respeito, 
existente nas Ciências Sociais. 
 Mas qual é o significado de afirmar que as Relações Internacionais tem um 
caráter multidisciplinar e de que elas pertencem ao campo comum de conhecimento 
denominado Ciências Sociais? O perigo deste postulado é que se corre o risco de 
transformar as Relações Internacionais em uma colcha de retalhos ou uma terra de 
ninguém. Muitas vezes, multidisciplinaridade se torna sinônimo de fragmentação, de 
um objeto recortado em mil facetas e uma explicação neste sentido, nada mais seria 
do que um ajuntamento destes fragmentos em um corpo genérico e pouco 
consistente. Na maioria das vezes, várias análises multidisciplinares que correm 
soltas por aí – já que virou moda dizer que se está fazendo pesquisas 
multidisciplinares – se parecem, mais com Frankstein – um corpo construído de 
membros retirados de corpos diferentes – do que com uma explicação acerca de um 
fenômeno qualquer estruturada de forma coerente, sistemática, pertinente e 
consistente. Para evitar situações desta natureza comecemos, antes de tudo, com 
uma definição de Relações Internacionais. Podemos concebê-las: 
 
− como simples relações interestaduais onde os Estados buscam 
primitivamente a satisfação dos seus egoísmos pessoais calcados nos seus 
particulares interesses nacionais, estabelecendo então relações de força, 
levando-nos a concluir não uma comunidade mas uma diversidade 
internacional (o conceito clássico); 
 
− ou observá-las do ponto de vista da interdependência; um sistema 
integrado de cooperação entre os Estados, cujas forças transnacionais 
estabelecem interações econômicas, sociais, técnicas e culturais, muitas 
vezes sem qualquer controle do Estado (o conceito sociológico); 
 
− ou ainda, ter uma visão marxista das Relações Internacionais, como a 
gradual maturação do sistema capitalista (o conceito marxista).4 
 
4ANDRADE, Maria Inês C. de: A interdisciplinariedade como característica das Relações Internacionais. Belo 
Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1992, p. 21. 
 
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Essas definições refletem, ainda, a questão anteriormente levantada, de uma 
percepção mais estreita ou mais ampla do que seja Relações Internacionais. Nesta 
linha de raciocínio podemos tratar, de forma diferente, o problema da definição. 
Para que possamos raciocinar de uma maneira mais clara o caminho mais eficaz é 
pensar, antes de tudo, o que entendemos como sendo o internacional. 
Na maioria das vezes concebemos o internacional como sendo aquilo que 
acontece em outro país. Assim, tudo aquilo que ocorre além das fronteiras nacionais 
é tido como internacional. A imprensa, por exemplo, procede desta maneira. O 
caderno de internacional dos jornais, nada mais é do que um conjunto de notícias 
sobre acontecimentos que não são aqueles que ocorrem no próprio país, sede da 
publicação. Persiste neste tipo de abordagem um critério de cunho geográfico, no 
qual as fronteiras estatais ocupam papel primordial na definição do que é externo ou 
interno. Uma tal definição não se enquadraria nos propósitos de uma 
conceptualização científica, pois ficaria totalmente dependente dos critérios de 
demarcação territorial das fronteiras estatais. Criaria, também, uma situação 
extremamente peculiar: se acaso o pesquisador residisse nos Estados Unidos e fosse 
estudar sua cultura, o trabalho teria o caráter de um estudo antropológico ou de 
sociologia da cultura. Mas, se este mesmo pesquisador residisse, por exemplo, no 
Brasil e fosse efetuar o mesmo estudo, ele seria classificado como Relações 
Internacionais, simplesmente pelo fato do investigador está inserido no contexto 
nacional brasileiro e não estadunidense. Um critério demarcatório desta natureza 
teria pouca ou nenhuma consistência epistemológica e científica. 
Tentemos outro caminho. Um bom exercício é imaginar que a palavra 
internacional se define em oposição à idéia de nacional. Nacional, aqui pensado, 
como parte de uma nação, não de um estado, como uma coletividade que partilha 
símbolos, valores, normas, regras, língua, costumes... partilha um repertório 
simbólico que a identifica em oposição a outras coletividades portadores de outros 
referenciais simbólicos. Estas coletividades podem abrigar-se à sombra de um Estado 
– como aconteceu com a maioria das sociedadesocidentais – ou pode compartilhar 
estes símbolos independente de uma localização espacial específica – à maneira do 
que ocorre com os curdos ou como aconteceu com os judeus em seus dois mil anos de 
diáspora. Referências compartilhadas proporcionam aos membros do grupo 
estabelecer parâmetros que os permite identificar quem está fora ou faz parte de um 
 
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determinado conjunto de relações. Assim, ser judeu durante a diáspora, não 
significava habitar a antiga região da Judéia e da Samaria estruturada em um estado 
centralizado, mas partilhar determinados símbolos que, não importando a localização 
física, transformava aqueles que comungavam os mesmos valores em grupo 
específico: os judeus. Aqueles que não partilhassem desses mesmos símbolos eram 
considerados exteriores, não-judeus. Em outras palavras, o repertório simbólico 
permite a quem faz parte de uma dada coletividade classificar indivíduos e grupos 
como iguais ou estrangeiros.5 
A noção de estrangeiro torna-se, assim, um elemento classificatório que 
permite estipular quais membros de uma coletividade fazem ou não parte dela. 
Muitas vezes a idéia de estrangeiro significa aquele que é bárbaro como, por 
exemplo, eram classificados os povos pelos gregos e pelos romanos ou pelos 
ocidentais na época das Navegações quando se viram às voltas com povos que 
partilhavam sistemas culturais totalmente opostos aos seus. Outras vezes, 
estrangeiro é aquele que nos é próximo, mas apenas por possuir um nome, uma 
religião ou um sistema de parentesco que não é o nosso, é tido como diferente e 
estranho. Os bascos, por exemplo, estão próximos aos espanhóis, mas reivindicam, 
em nome de uma língua e de uma cultura específica, a exclusividade da diferença 
frente ao estado nacional espanhol. Mas com a consolidação do Estado Nacional e da 
idéia de soberania popular durante a Revolução Francesa, a idéia de estrangeiro 
tornou-se, praticamente, sinônimo de não-cidadão. Naquelas coletividades onde a 
idéia de Nação desenvolveu-se conjuntamente com a idéia de Estado, ser cidadão 
tornou-se sinônimo de pertencer ao mesmo Estado-Nação. Já naquelas coletividades 
onde não ocorreu, historicamente, a conjunção desses dois fatores, a idéia de 
cidadão foi vinculada ao Estado, o que não impediu que diferentes grupos se 
 
5 O estrangeiro não é o inimigo. Para Caim, o inimigo é Abel, seu irmão. E, inversamente, o estrangeiro é muitas vezes tratado como amigo. Ulisses, em seu périplo, é algumas vezes muito bem recebido (...) Por outro lado, o estrangeiro, amigo ou inimigo, é um homem diferente e, conseqüentemente, com comportamento estranho, até imprevisível (...) O estrangeiro representa a diferença, mas não toda diferença e nem sempre as mesmas diferenças. Estas têm origem freqüentemente na raça (porém na Índia os arianos, os amarelos, os dravidianos, etc. vivem lado a lado e não são realmente estranhos uns aos outros). Muitas vezes ainda ela se apega à língua (porém, há a Suíça e muitos outros países, como a França, que inclui os bretões, os germanófonos e os bascos e que, em compensação, não inclui nem o País Valão, nem a Suíça romana e nem o Vale do Aosta). A diferença provém muitas vezes da religião (que superou o idioma, quando em 1830 a Bélgica se separou dos Países Baixos). 
(...) Finalmente, a longa seqüência de “acasos da história” – sucessões, guerras, movimentos de população e de trocas, que fixaram fronteiras – criou também a diferença. E quanto mais o tempo passa, mais formam, de uma parte e da outra, aquilo que o geógrafo Jean Gottmann chama... de iconografias – sistemas de imagens, de valores que se distanciam uns dos outros e criam a diferença. (DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo Império 
perecerá: teoria das Relações Internacionais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa 
Oficial, 2000, pp. 49-50). 
 
 
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julgassem estrangeiros em relação a outros, mesmo coabitando o mesmo território 
estatal – como aconteceu, recentemente, na ex-Iugoslávia em relação a sérvios, 
kosovares, croatas e bósnios. 
 A associação entre cidadania e a idéia de estrangeiro favorece um outro 
entendimento para a idéia de internacional. O cruzamento entre as concepções de 
estrangeiro, fundadas em uma acepção jurídica – ponto de vista institucional - e 
outra psicológica – atributos sócio-culturais da identidade -, permitem que pensemos 
o internacional em duas direções. (Quadro I) A primeira, decorrente de atributos do 
Estado-Nação e assentada na concepção tradicional de soberania; a segunda, 
assentada na idéia de coletividades definidas a partir do compartilhamento de 
elementos simbólicos comuns que fornecem substrato a uma identidade sócio-
cultural. As duas dimensões não são excludentes e a sua convergência ou divergência 
irá depender da trajetória histórica da constituição do Estado-Nação no qual estas 
coletividades se situam. 
 
Quadro I: Tipologia do Estrangeiro 
Estrangeiro em função de uma situação jurídica: Estrangeiro em função de uma situação psicológica: 
a) cidadãos de um outro Estado (caso geral); a) grupos de cidadãos possuidores de uma característica marcante e que se sentem vítimas de uma segregação. As leis americanas de imigração de 1921 e 1924 tiveram por objetivo impedir a chegada maciça de populações consideradas como alógenas ou não assimiláveis: latinos, eslavos, católicos e judeus; 
b) grupos de imigrantes não naturalizados (na Antiguidade, metecos de Atenas); 
c) populações submissas. O simples fato de elas não gozarem de todos os direitos torna-as um grupo à parte. Para formar a Argélia francesa, foram necessários primeiramente cidadãos integrais, inclusive para o nível médio de vida; 
b) grupos de cidadãos que gostariam de ser ligados a uma soberania, da qual eles se sentem mais próximos: por exemplo, os alsaciano-lorenos protestantes entre 1871 e 1918; o irredentismo dos italianos submetidos à Áustria-Hungria; 
d) populações protegidas ou sob mandato: todo protetorado implica a manutenção de uma soberania teórica do país protegido. Normalmente, seus negócios devem ser regulamentados pelo ministério das Relações Exteriores do país protetor: por exemplo, a Tunísia, o Marrocos, a Síria e o Líbano, para a França de antes de 1945. Porém, Tonquim, Anam, Camboja e Laos dependiam, de forma anormal, do Ministério das Colônias. 
c) grupos de cidadãos que reivindicam a soberania sobre uma parte do território: é o caso já observado, da secessão, do nacionalismo colonial; 
d) grupos de imigrantes que, após haverem conseguido a nacionalidade, são perseguidos, rejeitados e excluídos (certos chineses na Indonésia, chineses no Vietnã, alguns indianos e tâmils no Sri Lanka). 
Fonte: adaptado de Duroselle, 2000, pp. 54, 55. 
 O internacional seria, consideradas essas duas classificações, aquilo que 
emerge na interseção entre o definido por uma coletividade ou Estado-Nação como 
interno e externo, entre a ordem doméstica e a ordem externa. Em uma concepção 
ampla, poderíamos definir relações internacionais como o conjunto dos 
acontecimentos no qual um dos partidos – individual ou coletivo – é estrangeiro ao 
outro partido. (Duroselle, 2000, p. 56) Neste sentido as relações internacionais 
adquirem um caráter abrangente que permiteclassificar como tal, desde as 
 
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interações interestatais, até aquelas existentes, por exemplo, entre indivíduos em 
diferentes partes do mundo conectados em um chat. O que está, em jogo, no 
processo são as fronteiras, físicas e / ou culturais, que identificam e delimitam dois 
ou mais atores em termos de estrangeiros ou membros de uma mesma comunidade. 
 Mas onde reside, justamente, a principal qualidade desta definição, reside sua 
fragilidade. Sua amplitude pode levar a sérios problemas do ponto de vista 
operacional. Seu principal problema está em localizar nas coletividades, quando da 
ausência de uma delimitação estatal, a capacidade de operacionalização conceitual. 
Suponhamos o seguinte: que os curdos espalhados pela Turquia e pelo Iraque, não 
reivindiquem o status da diferença, mesmo sendo, de fato, diferentes de turcos e 
iraquianos. Como classificá-los? Necessitamos, do ponto de vista conceitual, de uma 
concepção que nos permita classificar um fenômeno como internacional a partir de 
uma lógica intrínseca à demarcação de campo, não às vicissitudes empíricas. 
 No entanto, se uma definição ampla dificulta a operacionalização conceptual, 
isto não quer dizer que o ponto de partida deva ser outro. A virtude de se pensar o 
internacional por meio da idéia de estrangeiro é que ela fornece elementos para 
concebermos o interno e o externo. Como postulado, o internacional fundamentado 
no estrangeiro funciona como princípio heurístico capaz de fornecer parâmetros para 
aquilo que uma coletividade e / ou o Estado consideram como interno ou externo à 
sua constituição. Quando o nosso olhar analítico se dirige ao fluxo entre estados a 
idéia de estrangeiro nos permite considerar como se define o que é esfera doméstica 
e, conseqüentemente, o que é esfera externa à atuação estatal – neste caso o 
elemento definidor é a fronteira territorial já que é esta que delimita fisicamente a 
atuação do próprio Estado. Se, pelo contrário, nosso olhar se dirige à sociedade civil 
a idéia de estrangeiro nos permite estabelecer critérios a partir dos quais uma 
coletividade se considera em relação à outra coletividade e define, a partir do 
partilhamento de referências simbólicas comuns, esferas internas e externas à 
própria coletividade. Apesar de parecer uma idéia banal este critério nos permite 
fugir à armadilha do fechamento epistemológico em torno do poder do Estado e a 
não confundir o Estado com a sociedade sobre a qual este avoca o status de 
representante. Permite-nos, por exemplo, classificar o conflito entre palestinos e 
judeus como um fenômeno internacional, mesmo este ocorrendo sob uma mesma 
configuração territorial sobre a qual se assenta a instituição, o Estado de Israel. 
 
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 Assim, tendo como postulado o papel da idéia de estrangeiro na definição de 
internacional, podemos conceituar, do ponto de vista de demarcação científica, as 
Relações Internacionais como uma disciplina destinada à explicação de sistemas 
políticos e sociais à luz dos determinantes domésticos e internacionais.6 Por sistemas 
políticos devemos entender os Estados Nacionais e como sistemas sociais 
coletividades organizadas por referenciais sócio-culturais a partir dos quais se 
identificam, excluem ou incluem grupos e indivíduos que compartilham ou não os 
valores simbólicos que expressam. Esta definição nos autoriza, à maneira dos 
Transnacionalistas, identificar três elementos básicos constitutivos das Relações 
Internacionais: a) o interestatal – as interações que se dão entre os Estados-Nações; 
b) o transnacional – interações entre atores não-estatais; o sistêmico – conjunto de 
interações interestatais e transnacionais que ocorrem no interior do ambiente. A este 
conjunto de relações sistêmicas – interações entre unidades políticas autônomas, 
relações entre indivíduos / grupos particulares e entrecruzadas entre estas duas 
modalidades – podemos denominar de sociedade transnacional.7 Assim, relações 
internacionais seriam aquelas proporcionadas por indivíduos e coletividades 
[políticas e sociais] que configuram e afetam a sociedade internacional. Constituem-
se, pois, em um conjunto de relações sociais e de interdependência caracterizadas 
por um baixo nível de integração de seus elementos e pela autonomia dos mesmos.8 
 Independente das particularidades apontadas acima o que as perspectivas 
anunciadas nos dizem é que não podemos encarar as relações internacionais apenas 
do prisma do Estado. Na atualidade elas compreendem um sistema de interação 
complexo onde podemos nos debruçar sobre o contexto internacional tanto para 
entender as ações diplomáticas, a política externa de uma nação, as ações de guerra 
e de paz, como também para entender o planejamento do desenvolvimento nacional, 
a estratégia comercial de uma empresa, as pautas de produção de uma indústria, o 
crescimento do fundamentalismo religioso, atos de terrorismo, os temas ambientais, 
as alterações em uma legislação trabalhista de um país, o mercado produtivo e 
 
6 HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul, 1999, p. 34. 
7 Uma sociedade transnacional pode então ser definida como um sistema de interacção, num domínio particular, entre actores sociais pertencentes a sistemas nacionais diferentes. No interior de cada sistema nacional, as interacções são decididas por elites não-governamentais e continuadas directamente pelas forças sociais, económicas e políticas nas sociedades de que fazem parte. (KAISER, Karl. A Política Transnacional: para uma teoria da política multinacional. In: BRAILLARD, Philippe. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste 
Gulbenkian, 1990, p. 275) 
 
8 ARENAL, Celestino Del. Introducción a las Relaciones Internacionales. 3ª Edición. Madrid: Tecnos, 1994, p. 424 
 
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consumidor, a telemática, etc. O que está ocorrendo é uma transnacionalização dos 
problemas locais e uma nacionalização dos problemas internacionais que obriga, o 
analista em Relações a Internacionais, a entender de um vasto conjunto de variáveis 
que não se restringem mais à atuação dos Estados soberanos. Não queremos afirmar 
que tudo atualmente é internacional, mas que devido à interdependência e a 
formação de uma rede de informações mundiais, a dicotomia próximo / distante, 
perdeu seu sentido original e que as ações dos atores - sejam eles estatais ou não-
estatais - obedece a uma lógica de projeção de interesses internos no plano externo 
e vice-versa. Por esse motivo é que não podemos imaginar como objeto de estudo das 
Relações Internacionais apenas as interações interestatais. 
 Esta característica contemporânea das relações internacionais nos chama a 
atenção para dois fatores: a importância de se dominar algumas noções básicas que 
orientam as interpretações e a necessária interdisciplinaridadeque seu estudo exige. 
Façamos um passeio rápido por eles.9 
 Como já afirmamos na primeira parte deste texto, o procedimento científico 
exige a demarcação de um campo e, como a Ciência não é neutra, este processo 
compreende alguma valoração. Isto porque, a demarcação compreende, 
necessariamente, a descrição de um campo de fenômenos e a prescrição de sua 
estruturação e funcionamento. Esta ação significa, apesar de rigor lógico e 
correlação empírica, o estabelecimento de um juízo e, por conseqüência, de uma 
posição do investigador diante de seu objeto de estudo. Basicamente os valores 
envolvidos em uma análise das relações internacionais implicam pares dicotômicos 
que acabam influenciando na condução das interpretações. Geralmente eles 
compreendem o seguinte: 
 
1. Mutabilidade / Imutabilidade - o sistema internacional é visto como uma entidade 
em constante mutação seja por motivos ligados à própria natureza humana, seja 
pelo fato de estar sempre em conflito. A guerra, por exemplo, seria um fator a ter 
sempre em vista já que sua ocorrência pode maturar-se lentamente ou 
desencadear-se de um momento para o outro. Dependendo da crença ou não neste 
fator um analista ou um estrategista tenderia a adotar posturas mais ou menos 
pragmáticas em sua ação no contexto internacional; 
 
2. Otimismo / Pessimismo - articulado no interior dos pares, mutabilidade-otimismo, 
imutabilidade-pessimismo, o ponto central deste par de valores está relacionado 
 
9Para um aprofundamento maior vide: FONSECA Jr., Gélson. Aspectos da teoria de relações internacionais: notas 
didáticas. In: Política Externa. São Paulo: Paz e Terra; Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais e Política 
Comparada da USP, Dez. de 1994, v. 3, n. 3 e ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Editora da 
Universidade de Brasília, 1979. 
 
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às possibilidades de mudança que podem ocorrer no sistema e as direções que 
estas podem tomar. Se se parte, por exemplo, da constatação que o sistema é 
sempre resultado de uma relação de força, provavelmente, concluir-se-á que ele é 
imutável e que as possibilidades de mudança são mínimas, impossíveis ou 
irrelevantes. Caso se partir do oposto, as conclusões, também, serão opostas; 
 
3. Competitividade / Comunidade - Este par de valores prende-se a uma questão 
fundamental: os atores no plano internacional realizam seus interesses às expensas 
dos outros ou articulando-os em um processo cooperativo? Caso se opte pela 
competitividade é impossível pensar em um sistema equânime e igualitário; caso 
se opte pela comunidade pode-se pensar que as relações internacionais tenderiam 
a uma situação de justiça em que as desigualdades poderiam ser paulatinamente 
reduzidas; 
 
4. Elitismo / Democracia - Esta dicotomia está relacionada à questão do 
equacionamento do poder dos Estados-Nações no plano da sociedade-mundo. Na 
perspectiva elitista a organização do sistema internacional está a cargo de uma 
elite de países que devido à sua posição de potências reivindicariam o status de 
estruturadoras das relações entre as Nações. Já a perspectiva da democracia 
pressupõe que as decisões no plano internacional devem ser objeto de todas as 
comunidades soberanas independente de seu poderio político-estratégico ou 
econômico. De uma certa maneira advogam que a prevalecer o elitismo seriam os 
interesses nacionais das potências que ordenariam o sistema e não as próprias 
demandas dos países membros que o compõe; 
 
5. Ordem / Desordem - Esta dicotomia coloca em campos radicalmente opostos os 
pressupostos realista e idealista / racionalista. Se fizermos a seguinte operação: 
somarmos diferentemente cada um dos elementos constitutivos dos pares 
(imutabilidade - pessimismo - competitividade - elitismo x mutabilidade - otimismo 
- comunidade - democracia) há de se perceber que eles nos conduzem a 
conclusões e a formas de inserção, diferentes no plano internacional. O primeiro 
grupo de pares leva-nos a ordem realista e o mecanismo central para a sua 
manutenção, são os encontros de poder e uma política alicerçada no uso efetivo 
ou potencial da força. A garantia da paz e do equilíbrio é a quantidade de poder 
que cada Estado detém individualmente. Existiria uma certa anarquia no sistema e 
que apenas a política de poder poderia equacionar de forma eficaz. Já o segundo 
grupo de pares leva-nos a uma ordem de cunho racionalista onde as regras de uma 
convivência harmoniosa seriam respeitadas frente ao alto custo que exigiria a sua 
infração. Como elementos reforçadores de seus argumentos aponta para a 
formação de comunidades de países, o ressurgimento da ética na interação entre 
os Estados ou movimentos como o dos direitos humanos, ecológicos etc. Esta 
tendência conduziria a um ordenamento do sistema pautado em valores diferentes 
daqueles preconizados pelo equilíbrio de forças e do poder.10 
 Essas questões são fundamentais na interpretação dos fenômenos 
internacionais. Trata-se de indagações centrais que permeiam todas as análises sobre 
o sistema internacional e orientam a visão de mundo do analista acerca dos 
problemas que ocorrem e das alternativas de intervenção ou de ação no plano das 
relações externas. Através destes valores diferentes tipos de questões emergem ou 
 
10Estas considerações estão baseadas em FONSECA Jr., Gélson, op. cit., pp. 78-88. 
 
 
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são valorizadas pelo analista ao lançar um olhar na anarquia que envolve o 
intercâmbio entre atores estatais e não-estatais que competem ou cooperam no 
sistema. 
 Como podemos perceber pela argumentação desenvolvida, os valores estão 
presentes na formulação do quadro de análise das Relações Internacionais e desde 
que sejam, previamente, esclarecidos não constituem um obstáculo ao trabalho 
investigativo. Uma das grandes vantagens de uma definição calcada na idéia de 
estrangeiro e de sociedade transnacional, é que ela abre espaço para que percepções 
orientadas pelo quadro de valores a que nos referimos não sejam desprezadas. Ao 
contemplar a diversidade de temas e de atores, bem como das interações presentes 
atualmente no sistema internacional, ela permite um quadro mais fidedigno de sua 
configuração. O Estado ainda continua sendo um ator importante no cenário, mas não 
preponderante e detentor de primazia no intercâmbio internacional. Mecanismos 
como correlação de forças, heterogeneidade e homogeneidade do sistema, 
transnacionalidade das interações, regulamentação e interesses são elementos ainda 
importantes para se entender o sistema internacional. Mas o que não podemos fazer 
é considerá-los apenas do ponto de vista da atuação estatal, mas também dos 
diversos atores que se movimentam no plano das relações externas. Vivemos em um 
sistema bem mais complexo do que aquele da bipolaridade quando foi formulada, 
parte considerável do arsenal analítico das relações internacionais. Não se trata de 
desconsiderar o que foi feito, mas apenas de complementá-lo ampliando-o para os 
novos atores que estão emergindo e para o novo desenho que está se constituindo no 
plano internacional. 
 É justamente pelas relações internacionais apresentarem estas característicase pelo fato do quadro de interações ter se tornado mais vasto - diversificação dos 
atores e das questões relativas à interação local / global - é que a análise tem como 
carro chefe a interdisciplinaridade. É impossível se ter uma base epistemológica 
única a partir da qual se possa explicar os fenômenos no plano internacional. A 
interpretação exige o concurso de um leque diversificado de disciplinas como a 
Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, o Direito, a Economia, a Geografia, a 
História, a Demografia, a Diplomacia, a Comunicação, etc. Cada uma dessas 
disciplinas científicas efetua recortes específicos dos fenômenos e fornecem uma 
visão fragmentada ou incompleta da realidade internacional. Para que possam ser 
 
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úteis na análise devem convergir para a teoria das Relações Internacionais de forma 
que essa possa articulá-las em um sistema interpretativo coerente e que consiga dar 
conta das conexões laterais e horizontais dos fenômenos, da interdependência entre 
eles e como esses fatores podem adquirir sentido em um plano sistemicamente 
estruturado. 
 Desta maneira o princípio da interdisciplinaridade é fundamental para uma 
análise eficaz das relações internacionais. Isto porque não existe um ângulo 
interpretativo melhor do que uma perspectiva pluridisciplinar que articule, de 
maneira sistêmica, fenômenos, ações e situações. Para que isto ocorra o analista de 
 
Relações Internacionais deve relacionar os elementos trazidos pelas diversas 
ciências sociais e humanas e, inclusive, pelas ciências exatas, procurando um 
melhor conhecimento tanto da Psicologia, da Economia e da História como do 
Direito Internacional, do Direito Constitucional Comparado, da Sociologia e de 
todas as demais, porque há uma preocupação comum e geral que é a 
sociedade internacional.11 
Munido de um arsenal diversificado e pautado nos parâmetros fornecidos pela 
especificidade da teoria em Relações Internacionais, o analista procura situar e 
explicar os fenômenos a partir de dois eixos interpretativos básicos: a ordem interna 
e a ordem externa e a ação no contexto. No primeiro caso ele procura traçar o quê é 
o ator específico; qual é a estrutura do meio em que se encontra inserido; quais são 
os seus elementos constitutivos e como eles se articulam; quais são as relações que 
estabelecem entre as partes e quais são as diferenças existentes entre os diversos 
atores que agem no seu interior. Não se esquecendo, nesse caso, de estabelecer 
conexões de sentido, conflito de interesses e formas de cooperação e / ou de 
conflito que porventura possam advir do intercâmbio entre as partes do sistema e o 
âmbito doméstico. São elementos importantes para a compreensão dos processos 
internacionais e das ações que se desenvolvem a partir deles. No plano da ação 
internacional, segundo eixo da abordagem, o analista procura questionar a ação 
internacional, seu sistema normativo, tanto do ponto de vista formal, informal e 
sociológico, a variedade e os tipos de ação política que os atores desenvolvem, as 
táticas e estratégias utilizadas, bem como as ideologias, valores e representações 
simbólicas que orientam e justificam as próprias atitudes dos protagonistas no 
cenário internacional. Da correlação entre as duas ordens é que se torna possível a 
 
11ANDRADE, Maria Inês C. de, op. cit., p. 34. 
 
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formação de expectativas por parte dos atores no processo de projeção de ações na 
instância externa e vice-versa. 
 Independente da esfera de atuação do analista em Relações Internacionais ele 
tem que possuir um domínio sólido dos aspectos multidisciplinares que envolvem a 
compreensão do sistema e das ações no seu contexto. Isto porque a inserção de um 
ator não-estatal, como os agentes econômicos, por exemplo, 
 
dependerá, em última análise, do entorno nacional em que opera, da 
capacidade de competição do país, em termos de estabilidade 
macroeconômica, política cambial, infra-estrutura de comunicações, de 
transportes, de educação, sistema financeiro e nível de qualificação de mão-
de-obra. Não basta que a empresa seja competitiva, é preciso que o país 
também o seja. Requerem-se ações governamentais para a criação da moldura 
adequada para o desenvolvimento da empresa nacional e, conseqüentemente, 
sua projeção externa.12 
 É essa articulação entre os níveis da ação e a qualidade da inserção é que 
exige a interdisciplinaridade de forma a ampliar o horizonte de ação. A articulação e 
a interdependência dos fenômenos a serem estudados leva a uma interpretação sob 
múltiplos enfoques para que o contexto da ação seja, melhor compreendido. Isto 
significa dizer que além dos processos isolados em que o analista atua a explicação 
em Relações Internacionais se preocupa com as condições ambientais e o conjunto 
de relações que dão substância ao que ocorre na interação entre os atores. Nesta 
perspectiva ela irá extrapolar o contexto imediato em que o fenômeno acontece 
procurando situá-lo na cadeia de relações em que a interação ocorre. Vista deste 
ângulo as Relações Internacionais não possuem apenas um caráter instrumental, mas, 
fundamentalmente, de pesquisa e de reflexão. 
 Mas como proceder concretamente em tudo isso? Que teoria escolher? 
Primeiramente, deve se considerar os valores que orientam a percepção. Escolha de 
uma teoria não é como a escolha da melhor enxada para carpir uma lavoura. Exige 
uma adequação entre valores, objeto de estudo e alcance explicativo do referencial 
teórico. Em princípio, qualquer teoria de Relações Internacionais explica todo e 
qualquer fenômeno que faz parte de seu campo de investigação. O que diferencia as 
teorias são as dimensões específicas que orientam o caráter de sua interpretação. O 
problema, por exemplo, não é o fato do Normativismo não explicar o conflito e o 
 
12BATISTA, Paulo Nogueira. O Mercosul e os interesses do Brasil, In: Estudos Avançados. São Paulo: USP, 1994, v.8, n. 
21, p. 79. 
 
 
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Realismo sim. A questão é que o Normativismo privilegia a dimensão cooperação 
fundada no partilhamento de normas e, devido a este fator, o conflito poderá 
adquirir, no arcabouço analítico, um caráter sub-reptício. O contrário poderá ocorrer 
com o Realismo. Portanto, uma teoria é um modelo interpretativo que deve ser 
assimilado pelo analista como um esquema de raciocínio e, logo, operar como uma 
fórmula estruturante de sua percepção frente ao objeto de análise. Logo, sua escolha 
exige o concurso de valores, de enquadramento do objeto e do alcance explicativo 
do modelo teórico em fornecer elementos interpretativos consistentes e pertinentes 
em relação a um determinado fenômeno.13 
 Se a escolha deste ou daquele referencial teórico depende dos fatores 
levantados, raciocinar como uma analista de Relações Internacionais exige a 
obediênciaa certos procedimentos. Tal atitude é necessária para impedir a 
fragmentação diante da interdisciplinaridade do campo de análise e para evitar que 
se imagine que esteja interpretando um fenômeno do ponto de vista das Relações 
Internacionais e esteja, de fato, fazendo exatamente o contrário. 
 Uma primeira atitude ao se debruçar sobre as Relações Internacionais é a de 
procurar adquirir uma visão de conjunto. Esta visão de conjunto compreende dois 
movimentos: em um primeiro momento, o de isolar os elementos constitutivos do 
sistema e, um segundo, de reconstruí-los em uma configuração geral que demonstre 
as modalidades de interação existente e o tipo de conexão entre os elementos 
constitutivos e o próprio sistema. Isto significa pensar as Relações Internacionais, em 
uma perspectiva sistêmica que considere, dentro de nosso modelo analítico, as 
interações entre atores interestatais, entre atores transnacionais, entre atores 
interestatais / atores transnacionais e vice-versa e o conjunto destas modalidades no 
interior do próprio sistema internacional. 
 O Quadro II nos fornece uma taxonomia das relações internacionais 
organizadas em dois grandes grupos. Os itens I e II referem-se aos elementos 
constitutivos do sistema e às formas de interação entre eles; os itens III a V ao 
 
13 De um modo geral pode dizer-se que a teoria é uma expressão, que se pretende coerente e sistemática, do nosso conhecimento acerca do que designamos por realidade. A teoria existe para dizer o que sabemos ou julgamos saber sobre esta realidade, para reunir e sistematizar os diversos elementos do nosso conhecimento. Como este é último é um processo caracterizado por uma dinâmica de certa forma circular, a teoria não é apenas a conclusão deste processo, mas serve igualmente de quadro para o seu contínuo desenvolvimento. A função da teoria consiste na explicação da realidade, isto é, em mostrar porque é que o objecto de que ela se ocupa e tal como é e não de outra maneira; dar um sentido aos diversos elementos constituintes deste objecto, estabelecendo um certo número de relações entre esses elementos, nomeadamente, relações de causalidade. A 
 
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ambiente do sistema, as suas interações e a configuração resultante da correlação 
entre os elementos e o próprio sistema. A qualidade desta taxonomia é que ela 
estabelece os parâmetros para os elementos a serem considerados na análise sem, 
contudo, determinar os padrões de interação e de comportamento. Isto significa, que 
o tipo de relação que irá se firmar entre os elementos constitutivos do sistema e no 
interior do ambiente do sistema é produto do referencial analítico adotado. Ou seja: 
é o modelo teórico escolhido que fará emergir a configuração do sistema e a sua 
interpretação. 
Quadro II: Os eixos de uma taxonomia sistêmica das relações internacionais 
 Estado-nação 
 Indivíduos 
 Entidades subnacionais Físicos 
I Elementos Entidades transnacionais Atributos destes elementos Estruturais 
 Organizações internacionais 
(em casos limitados) 
 Culturais 
 Etc. 
 
 
Tipo de relações Natureza das relações 
 
 
 Cooperação Económica As interacções 
II Relações e Oposição Política implicam a 
 Interacções Dependência Cultural existência de 
 Etc. Ecológica comunicações entre 
 Etc. os elementos 
 
 Hierarquia dos actores (ou elementos) 
III Estrutura do Homogeneidade do sistema 
 Sistema Coesão do sistema 
 (organização) Regras do jogo admitidas pelos actores 
 Etc. 
 
 Elementos constitutivos do ambiente 
IV Ambiente do Sistema Características ou atributos desses elementos 
 Estrutura do ambiente 
 
 
Tipo de relações Natureza das relações 
 
V Relações e Cooperação Económica 
 interacções do Oposição Política 
 Sistema e do Dependência Cultural 
 seu ambiente Etc. Ecológica 
 Etc. 
BRAILLARD, Philippe. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990, p. 506. 
 Toda teoria de Relações Internacionais, independente de seus matizes 
analíticos ou ideológicos, apresenta um modelo do sistema, de seus elementos 
constitutivos e das interações entre estes elementos. Uma pergunta, inicial, seria: 
como o modelo teórico que se está utilizando concebe os elementos do sistema 
 esta função de explicação pode ser ligada uma função de previsão,consistindo esta em prever a evolução futura da realidade que é o objecto da teoria. (Braillard, 1990, pp. 11, 12) 
 
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(itens I e II) e o seu ambiente (itens de III a V)? Na maioria dos casos, existem três 
formas gerais dos modelos analíticos efetuarem esta configuração: 
 
a) Critério tradicional - as interações são reduzidas à dimensão política e nesta o 
uso efetivo ou potencial da força possuem um papel fundamental. O ambiente 
do sistema é conflitivo e a legitimidade / estabilidade da ordem é resultado do 
reconhecimento da legalidade da força na estruturação desta ordem. Nesta 
linha de raciocínio, o Estado emerge como ator fundamental no sistema e os 
demais atores agem nos limites estabelecidos pelo fluxo das interações 
interestatais; 
 
b) Critério estatocêntrico - relacionado ao anterior, este critério reconhece a 
anarquia do sistema, mas de forma ainda mais aguda. Os Estados são soberanos 
em suas ações – o que acirra o conflito entre eles e, por conseqüência, a 
anarquia -, e nenhuma autoridade existe nas relações internacionais capaz de 
se colocar acima das unidades políticas. O Estado possui autonomia decisória na 
preservação e defesa de seu auto-interesse e, neste sentido, seu 
comportamento na esfera externa, independe de suas atitudes na esfera 
doméstica. Os demais atores do sistema, neste caso, estão sujeitos ao poder 
soberano dos Estados e só possuem capacidade de ação, se não contrariarem os 
interesses do Estados. 
 
c) Critério de internacionalidade – nesta modalidade admite-se que o sistema 
internacional é composto por uma multiplicidade de atores, entre os quais se 
destaca o Estado por deter o monopólio da força – prerrogativa não detida por 
nenhum dos outros atores. Os instrumentos analíticos dirigem-se para a 
consideração do conjunto das relações dos Estados entre si, de como os Estados 
influenciam uns aos outros, bem como para o conjunto das relações entre os 
atores não-estatais e de como estes atores se influenciam mutuamente. 
Consideram, também, de forma cruzada, os fluxos interestatais e 
transnacionais e o a possibilidade que os segundos possuem de constranger os 
primeiros. Na internacionalidade não existe uma agenda hierarquizada a partir 
dos fluxos interestatais (critério tradicional) ou do interesse soberano dos 
Estados (critério estatocêntrico). Existem diferentes temas na agenda e a 
hierarquização se dá no interior destes temas decorrentes da formação de 
issues areas difundidas no interior do sistema internacional. 
Nossa definição de campo demarcatório de relações internacionais obedece ao 
critério de internacionalidade, mas não descarta o parâmetro tradicional e o 
estatocêntrico. Tudo irá depender do modeloteórico escolhido e de como este 
concebe: o sistema, seus elementos constitutivos e a interação entre eles. Cada um 
destes critérios possui alcance e limites explicativos e a escolha de um referencial 
teórico, como já afirmamos, vai depender do posicionamento do investigador e da 
adequação entre o problema, o que se quer explicar, como se quer explicar e os 
instrumentos analíticos que a teoria põe à disposição. Não se tem como fornecer, 
como a maioria das situações em investigação, uma receita de bolo que resolva estas 
questões de forma definitiva e exaustiva. Um projeto de investigação e de 
 
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delimitação de objeto exige, do pesquisador, capacidade de efetuar juízos, fazer 
escolhas e tomar a decisão que, frente ao arsenal de informações existentes, mais 
aprouver ao seu trabalho. O critério de internacionalidade se adequa mais à 
configuração contemporânea do sistema internacional. Ele possibilita uma visão mais 
acurada da pluridimensionalidade das relações internacionais e da sua diversidade na 
atualidade. Mas voltemos ao nosso procedimento analítico. 
 Estabelecida a modalidade de relações no interior do sistema é o momento de 
passar do quadro mais geral para o particular: como o objeto de investigação se 
insere neste processo? Ou seja: qual elemento constitutivo do sistema está se 
analisando, em qual fluxo do sistema ele se insere, com quais outros elementos se 
interage e como ele se situa no ambiente do sistema. Aqui, mais uma vez, é o modelo 
teórico que irá responder a estas indagações. O modelo teórico acompanhado de 
informações sobre o objeto específico é que permite estabelecer a dinâmica da ação 
do ator no fluxo das relações internacionais e autoriza o delineamento de seu padrão 
de comportamento, das influências diretas e indiretas às quais este modelo se 
submete e de como o ator específico se conecta com os outros atores no interior do 
sistema. É bom lembrar que sempre se deve ter em mente que se está lidando com 
um conjunto de fluxos interestatais e transnacionais e os cruzamentos entre eles. 
Para que tal ocorra é preciso inserir o objeto específico no âmbito mais geral dos 
fluxos internacionais. 
 A Fig. I é um esforço para representar, graficamente, os fluxos internacionais. 
Cada um dos pequenos círculos representa uma sociedade nacional e os círculos 
maiores e coloridos que os recortam representam os fluxos existentes no sistema 
internacional. Cada uma das cores representa uma issue area do sistema à qual a 
totalidade, ou partes da sociedade nacional, pode estar conectada. Isto significa que 
uma issue area pode conectar atores estatais em um fluxo interestatal ou, então, 
grupos ou movimentos da sociedade civil em um fluxo transnacional sem, contudo, 
estar presente em outros segmentos de uma mesma sociedade. Os atores conectados 
em um determinado fluxo articulam-se em rede que fornece parâmetros para o 
comportamento no sistema, ao mesmo tempo, que exclui aqueles que não partilham 
do universo em que estão inseridos. Compartilhando interesses, valores, símbolos, 
finalidades os atores podem orientar suas expectativas no interior de uma 
determinada issue area, projetar-se no sistema e efetivar suas ações em um sistema 
 
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de referência estável. Mas, ao mesmo tempo, um ator ou um conjunto de atores 
pode ser atravessado por fluxos que operam em direções contrárias o que dificultará, 
ainda mais, o processo decisório ou sua inserção no próprio sistema internacional. 
 
Fig. I – As conexões no Sistema Internacional 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 A grande questão é a seguinte: em qual fluxo o objeto e / ou problema de 
pesquisa está relacionado? Isto significa reconstruir o fluxo no ambiente do sistema, 
verificar quais atores estão a ele conectados, quais relações se estabelecem entre 
eles, qual o padrão de comportamento dos atores, quais elementos favorecem a 
cooperação e quais deles podem provocar conflitos etc. Mapeado o fluxo no sistema o 
passo seguinte é caracterizar o objeto de estudo como parte do fluxo. Quais são as 
expectativas do ator, como a sua inserção no fluxo pode ou não favorecer estas 
expectativas, quais outros fluxos o ator está sujeito e pode provocar desvios ou 
reforçar suas expectativas, o que o ator compartilha ou não compartilha com os 
outros elementos da rede ao projetar suas ações naquela issue area específica... 
 Trata-se, de maneira geral de utilizar a taxonomia sistêmica (Quadro II) para 
construir e mapear as relações internacionais em dois momentos: a) em primeiro 
lugar, para reconhecer seus elementos constitutivos e a relação entre eles e o 
ambiente resultante do conjunto de interações; em segundo lugar, para identificar o 
objeto de estudo, conectá-lo ao ambiente do sistema internacional por meio de sua 
inserção nos fluxos existentes no sistema e a quê este se articula. As relações, a 
 
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serem estabelecidas, entre os agentes, a configuração do sistema, o padrão de 
comportamento do ator, seu modelo interativo, as relações de dependência, 
cooperação etc. que poderão emergir são, fundamentalmente, produto do modelo 
teórico utilizado. Raciocinar, pois, como analista de Relações Internacionais, é ter 
uma percepção que se dirige à intersecção entre as ordens doméstica e externa, 
naquilo que dois ou mais atores estabelecem, a partir daquilo que é compartilhado 
ou excluído pelo ator permitindo, assim, a formação de expectativas e a tomada de 
decisão para a projeção de sua ação além de uma fronteira, delimitada de forma 
sócio-cultural ou territorial. 
 Mas o problema não é saber ou não saber os procedimentos de uma análise 
científica das Relações Internacionais. A questão é a incorporação destes 
procedimentos como esquema interpretativo. O analista tem que transformar o 
modelo taxonômico e o teórico em uma estrutura operatória de sua maneira de 
pensar as relações internacionais. Isto significa utilizá-los como padrão cognitivo e 
perceptivo a partir do qual os elementos, as interações e a configuração do sistema 
possam ser concebidos, pensados e demonstrados. A dificuldade é que não existem 
regras, receitas que, adotadas, possibilitem este procedimento. O iniciante tem que 
se esforçar para adotar os procedimentos, ficar vigilante para a sua utilização 
pertinente e exercitar-se logicamente de forma a sempre buscar a correlação entre o 
modelo teórico que está utilizando, o que se está demonstrando e a situação em 
evidência. Deve, também, atentar para as conseqüências de suas deduções, as 
relações que seu discurso estabelece entre o modelo analítico, a demonstração e a 
empiria. De certa forma, trata-se de exercitar aquilo que Bachelard denominou de 
vigilância epistemológica: efetuar a ruptura com as próprias convicções; proceder, a 
construção do objeto de investigação, a partir dos parâmetros da disciplina científica 
a qual se pertence; e efetivar a verificação final da pertinência empírica ou

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