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UFC- DEPART. DE LETRAS VERNÁCULAS – LÍNGUA PORTUGUESA: VOCÁBULO – PROFA. CLAUDETE 
A NOÇÃO DE PELAVRA 
TEXTO 1: SANDALO, M. F. Spatti. “Morfologia” in: MUSSALIM, Fernanda & BENTES, A. Christina. Introdução à lingüística: 
domínio e fronteiras. Vol.1 , São Paulo:Cortez, 2001. p.181-184. 
 
2. A MORFOLOGIA E SUAS UNIDADES BÁSICAS 
 
 A Morfologia é freqüentemente definida como o componente da Gramática que trata da estrutura interna das 
palavras. Mas o que é uma palavra? A existência de palavras é assumida como uma realidade pela maioria de nós, lingüistas 
ou não. No entanto, não é simples definir o que é uma palavra. Na Lingüística, como em qualquer ciência, um dos problemas 
básicos é identificar critérios para definirmos as unidades básicas de estudo. Em línguas isolantes, como o chinês, cada 
palavra carrega apenas um significado, mas em línguas polissintéticas, como a língua kadiwéu, falada no Mato Grosso do 
Sul, ou o georgiano, falado na Europa Oriental, certas seqüências de sons, assumidas por seus falantes como palavras, 
carregam significados traduzidos por frases em línguas como o português. Assim, como podemos ter certeza de que 
jotayanyetayadomitiwaji do kadiwéu é uma palavra e não uma frase? O significado não nos ajuda. Esta seqüência de sons 
significa “eu falo com ele por vocês”. Critérios semânticos não nos ajudam a definir uma palavra em línguas como o 
português tampouco. Como saber se construtor e aquele que constrói são palavras do português? Ambos têm o mesmo 
significado. Assim, se nosso critério for significado, deveríamos dizer que ambas seqüências pertencem à mesma classe 
gramatical. No entanto, nosso conhecimento de falantes do português nos sugere que a primeira é uma palavra, mas a 
segunda seqüência é uma frase. 
 Critérios fonológicos também não nos ajudam. É impossível elaborar um teste baseado em critérios fonológicos que 
possa ser categoricamente aplicado para qualquer língua para sabermos se estamos lidando com uma palavra ou frase. 
Algumas pessoas já tentaram definir palavras pelo acento. Segundo este critério, uma palavra deveria contar com um acento 
principal (i.e. de maior intensidade) e alguns acentos secundários. No entanto [detèrgénte] e [dètergénte], ambos com um 
acento principal e um secundário, correspondem a uma frase e uma palavra, respectivamente. Essa ambigüidade é 
explorada pela seguinte piada: 
 (1) O que é detergente? 
 É o ato de prender pessoas. 
 
 Muitos lingüistas preferem definir palavras usando critérios sintáticos, os quais parecem funcionar em qualquer 
língua do mundo. Uma seqüência de sons somente pode ser definida como uma palavra se (i) puder ser usada como 
resposta mínima a uma pergunta e se (ii) puder ser usada em várias posições sintáticas. Em (2), nabos ocorre como a menor 
resposta possível á questão dada. Em (3) a palavra nabos ocorre como objeto da sentença e em (4) ocorre como sujeito. Isto 
é, esta seqüência de sons pode ocorrer em mais de uma posição sintática. É, portanto, uma palavra. 
 (2) O que Maria comprou na feira hoje? 
 Nabos. 
 (3) Maria comprou nabos na feira hoje. 
 (4) Nabos foi o que Maria comprou na feira hoje. 
 
 Um elemento como lhe pode ocorre em mais de uma posição na sentença, como demonstrado em (5) e (6): lhe 
pode ocorrer antes ou depois do verbo. Lhe é uma palavra? 
 
 (5) Maria quer lhe dar um livro de presente. 
 (6) Maria quer dar-lhe um livro de presente. 
 
 Palavra é a unidade mínima que pode ocorrer livremente. Uma vez assumida essa definição de palavra, podemos 
distinguir vários elementos que carregam exatamente o mesmo significado, mas que não têm o mesmo status gramatical. 
Assim, um pronome clítico, como lhe, embora possa carregar o mesmo significado que um pronome, não pode ser 
caracterizado como uma palavra, uma vez que não atinge os critérios sintáticos anteriormente definidos. Por exemplo, o 
pronome clítico o “terceira pessoa singular masculino” (Maria o viu na feira) não pode ocorrer como resposta a uma pergunta 
e não pode servir como sujeito de uma sentença. Não é, portanto, uma palavra. Mas o pronome ele, embora carregue o 
mesmo significado, isto é, “terceira pessoa singular masculino”, qualifica-se como uma palavra, pois pode ocorrer 
isoladamente e em várias posições sintáticas. No português brasileiro vernáculo, ele ocorre em qualquer posição argumental 
(Ele me viu, Eu vi ele, José deu um livro para ele). 
 A pergunta “como podemos ter certeza de que jotayanyetayadomitiwaji do kadiwéu é uma palavra e não frase?” 
pode ser respondida da seguinte forma: a seqüência de sons do kadiwéu obedece aos critérios sintáticos apontados, sendo, 
portanto, uma palavra, mesmo que, em português, ela seja traduzida como uma sentença. 
 Uma vez definido o que é uma palavra, temos definida a unidade máxima da Morfologia. O que seria a unidade 
mínima deste componente da Gramática? As unidades mínimas da Morfologia são os elementos que compõem uma palavra. 
Seriam fonemas e traços, como definidos no capítulo Fonologia, neste mesmo volume? Não. A Morfologia tem seus próprios 
elementos mínimos. O conhecimento desses elementos é o que nos permite entender o significado de palavras que nunca 
ouvimos antes. Ao nos depararmos com uma palavra como nacionalização mesmo sem nunca termos ouvido esta palavra, 
podemos descobrir o que ela significa se soubermos o significado de nação “pátria”, e o significado dos elementos que 
derivam novas palavras em português: al, “elemento que transforma um substantivo em adjetivo”, izar, “elemento que 
transforma um adjetivo em verbo” e ção, “elemento que transforma verbo em substantivo”. Assim, ao adicionarmos nação e 
al, criamos o adjetivo nacional e, ao adicionarmos izar, temos o verbo nacionalizar . Finalmente, ao somarmos ção com 
nacionalizar, formamos o nome (o substantivo, segundo a terminologia da Gramática tradicional) nacionalização. A palavra 
nacionalização significa ato de nacionalizar, Seu significado é derivado do significado das partes que compõem esta palavra. 
Os elementos que carregam significado dentro de uma palavra são rotulados de morfemas e são estes a unidade mínima da 
Morfologia. Apesar de muitas pessoas afirmarem que a palavra é a unidade mínima que carrega significado, o morfema é 
que o é.

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