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Mais tarde, em 1943, Le Corbusier editou e publicou essas diretrizes em sua Carta de Atenas. Na Carta são defendidas a separação das áreas residenciais, de trabalho e de lazer, e a distribuição da população em blocos de apartamen- tos dispersos na paisagem, espaçados em grandes intervalos. Os diferentes setores seriam conectados pela malha viária, reforçando a predominância (ou até mesmo dependência) do automóvel (MONTANER, 2011). A organização dessas conferências foi suspensa pelo período da Segunda Guerra Mundial, sendo retomada após o conflito. Foi nesse período que as CIAMs tiveram um momento de expansão e difusão de suas ideias, oferecendo propostas de reconstrução das cidades europeias afetadas pelo conflito e de desenvolvimento para as cidades norte-americanas. Nesse contexto, surgiram alguns dos paradigmáticos projetos de urbanismo moderno, como Chandigarh (1951), a nova capital do estado indiano Punjab, projetada por Le Corbusier, bem como Brasília (1957), de (JENCKS, 2006). A capital planejada do Brasil é uma ilustração perfeita da forma como essas ideias abstratas podiam gerar um plano físico. Do ar, é possível identificar facilmente as cinco funções purificadas: o domínio público ao sul; o eixo de circulação que determina a forma global; os superblocos de habitação localizados transversalmente ao eixo; o espaço recreativo, aberto, rodeando a cidade; e as áreas de trabalho localizadas ao longo das pontas (JENCKS, 2006). Com a independência da Índia do Reino Unido e a subsequente divisão do estado do Punjab entre a Índia e o Paquistão, fez-se necessária a criação de uma nova capital para a porção indiana, aproveitando a ocasião para promover a noção de uma nova Índia, modernizada, próspera e independente. Com a inesperada morte de um dos arquitetos da primeira equipe contratada para o projeto, contratou-se Le Corbusier, que se dedicou a redesenhar o projeto iniciado previamente de acordo com o seu racional, em vez de apenas completá-lo. O arqui- teto traçou o sistema viário em forma de grid por onde estaria disperso o programa habitacional. O complexo do capitólio, por sua vez, foi posicionado adjacente ao grid, usando um vocabulário distinto, com todos os diferentes edifícios fazendo uso do concreto para a realização de formas escultóricas, elementos de sombreamento e grelhas de brise-soleils fixos. Assim como Brasília e outras cidades planejadas, hoje com o triplo da população inicialmente estimada, Chandigarh enfrenta desafios de planejamento, expansão e adequação da cidade à novas necessidades. Assim, explicitam-se algumas das deficiências do urbanismo moderno (JENCKS, 2006). 7A crítica ao Modernismo no Brasil Esse modelo, no entanto, começou a se esgotar a partir do final da década de 1950. Então, em 1956, a organização do décimo CIAM, em Dubrovnik (ex-Iugoslávia, atual Croácia), passou a defender o “regresso ao lugar” como retomada do sentido mais tradicional de cidade, sem uma clara separação de funções. Essa corrente começou a se opor às noções ortodoxas estabelecidas pelo modernismo. Nesse sentido, defendia a postura de que a separação de funções, muito usada pelos planejadores urbanos modernos, acabava reprodu- zindo a segregação urbana. Ao rejeitar o racionalismo da cidade funcional de Le Corbusier, a Team X, como ficou conhecida a equipe organizadora desse evento, defendia a busca por formas mais eficientes de viabilizar a vida em sociedade, admitindo a necessidade da complexidade oferecida pelo sentido mais tradicional de cidade (MONTANER, 2011). Outro fator apontado como responsável pela crise do objeto moderno, segundo Montaner (2011), é o seu isolamento do contexto. O planejamento utópico e radical defendido pelo movimento moderno muitas vezes ignorava a relação do objeto com o seu contexto e os benefícios de estabelecer esse diálogo. A noção de uma sociedade igualitária e de identidade homogênea inspiradas pela racionalidade da máquina e da produção industrial passou a ser questionada. Esse modelo falhou em levar em consideração a natureza plural da sociedade e a necessidade do encontro, dos espaços de congregação e do reconhecimento da história como parte integrante do cotidiano. No livro Form Follows Fiasco: why Modern Architecture hasn’t worked, Blake (1978) discute as “fantasias” do movimento moderno, criticando muitas das ideias principais do Modernismo. Começando pela determinação de fun- ções específicas para cada espaço, Blake (1978) critica a postura pela sua falta de flexibilidade. “O fato de dispormos espaços programados para o desenvol- vimento de uma determinada função garante a melhoria da qualidade de vida nesses espaços e qualifica sua relação com o usuário?” (PORTOGHESI, 2002, p.48). Admite-se que a modificação do uso original entendido inicialmente para um espaço pode significar uma valorização dele. Blake (1978) também critica a valorização e o uso indiscriminado da planta livre, que se associa à arquitetura japonesa e que, por sua vez, pressupõe uma ordem fundamental baseada na desigualdade. Na sociedade japonesa, usa-se uma extensa criadagem para conservar a ordem imaculada dos espaços despro- vidos de mobília, em que “[...] qualquer elemento fora do lugar constitui uma perturbação visual insuportável [...]” (PORTOGHESI, 2002, p.49). Além disso, o office landscape (cubículos de estações de trabalho feitas com divisórias móveis), muito comum em projetos de escritórios de planta livre, tem comprovado efeitos psicológicos negativos pela ausência de privacidade no ambiente de trabalho. A crítica ao Modernismo no Brasil8 As ideias de minimalismo e pureza das formas também são comentadas nesse livro. A confiança dos arquitetos modernos na tecnologia pressupõe a capacidade da indústria de conceber materiais perfeitos: homogêneos, elásticos e resistentes, mas que em última análise não existem. Ademais, a ausência de elementos da construção tradicional, como caixilhos, beirais e pingadeiras, importantes para promover a resistência contra as intempéries, acaba por provocar a intensificada degradação dos edifícios modernos. Por fim, critica-se a noção de cidade moderna com as suas utopias urbanas e os grandes espaços vazios, como a Ville Radieuse, de Le Corbusier, e a Broadacre City, de Frank Lloyd Wright. Segundo Portoghesi (2002, p.53) “[...] o homem não deseja grandes espaços desertos, mas sim encontrar os seus semelhantes, estar entre eles, e a primeira condição para sentir-se em companhia é perceber-se num recinto [...]”. Blake (1978) critica o zonea- mento da cidade em funções porque essa ideia assume que os problemas da população podem ser resolvidos pelo transporte. Na prática, entende-se que surgem novos problemas, como o tempo e a energia gastos em deslo- camentos desnecessários entre diferentes zonas de habitação e trabalho. Isso, por sua vez, resulta no fato de que essas mesmas zonas acabem tendo usos intermitentes durante os diferentes horários do dia, ficando desertas enquanto não são utilizadas. Por fim, discutem-se alternativas aos fracassos da arquitetura moderna, promovendo diferentes medidas: o fim da política de destruição dos edifícios existentes, tenham eles ou não algum interesse histórico, pois “a política de substituição é um contrassenso num mundo que deve mobilizar todos os seus recursos para enfrentar o problema do crescimento demográfico e não pode mais encarar os problemas econômicos em termos setoriais” (PORTOGHESI, 2002, p. 55); a interrupção da construção das grandes autoestradas, símbolos do desperdício de combustível, materiais e tempo humano; a reformulação da legislação dos materiais de construção de forma a responsabilizar as empresas pelo rendimento dos seus produtos, que muitas vezes colocam em risco a solidez e a durabilidade dos edifícios, assim como a integridade dos usuários; o abandono do zoneamento monofuncional que divide a cidade e destrói o entrelaçamento entre as suas diferentes funções; o planejamento em escala humana com objetivos modestos e concretos como alternativa ao “gigantismo” totalitário dos grandes modelos. 9A crítica ao Modernismo no Brasil