Buscar

01_1. MATERIAL COMPLEMENTAR TEORIA GERAL DOS CONTRATOS (1)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

1
 
MATERIAL DE APOIO 
DIREITO CIVIL 
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS 
 
Apostila 01 
Prof. Pablo Stolze Gagliano 
 
1. Visão Geral dos Contratos no novo CC 
 
O Código Civil de 2002 disciplinou os contratos da seguinte forma: 
 
a) Título V – Dos contratos em Geral, subdividido em dois 
Capítulos (Capítulo I - “Das Disposições Gerais” - e Capítulo 2 - 
“Da Extinção do Contrato”). Tais capítulos são ainda 
estruturados em Seções, que versam sobre aspectos gerais da 
matéria contratual; 
 
b) Título VI – Das Várias Espécies de Contratos, subdividido em 
20 capítulos, compartimentados em várias outras Seções, 
cuidando dos Contratos em Espécie1. 
 
Nota-se, no estudo dessa disciplina, que o codificador inovou, ao tratar 
de temas não regulados pelo Código anterior, a exemplo do contrato 
preliminar, do contrato com pessoa a declarar, da resolução por onerosidade 
excessiva (aplicação da teoria da imprevisão), da venda com reserva de 
domínio, da venda sobre documentos e do contrato estimatório. 
Além disso, disciplinou contratos novos, como a comissão, a 
agência/distribuição, a corretagem e o contrato de transporte, deixando de 
fazer referência a alguns outros institutos, como, por exemplo, a cláusula 
comissória na compra e venda (art. 1163 do CC-16). 
 
1 “Contratos em Espécie” integram outra grade do Curso LFG. 
 2
Perdeu-se, todavia, a oportunidade de se regular, pondo fim a 
infindáveis dúvidas, algumas importantes modalidades contratuais já de uso 
corrente, como o leasing, o franchising, o factoring, o consórcio, os contratos 
bancários e os contratos eletrônicos. 
Apesar dessas omissões, entretanto, devemos reconhecer que, em 
geral, o trabalho do codificador, na seara contratual, foi bem desempenhado, 
sobretudo por haver realçado a necessidade de imprimir socialidade à noção de 
contrato. 
 
2. Princípios do Direito Contratual 
 
Segue o painel dos princípios que analisaremos em sala de aula: 
 
a) o princípio da autonomia privada ou do consensualismo; 
b) o princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda); 
c) o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato; 
d) o princípio da função social do contrato; 
e) o princípio da boa-fé objetiva; 
f) o princípio da equivalência material. 
 
 
2.1. Observações acerca do princípio da função social do contrato 
 
 
Devemos, de logo, ressaltar que a função social do contrato traduz 
conceito sobremaneira aberto e indeterminado, impossível de se delimitar 
aprioristicamente.2 
HUMBERTO THEODORO JR., citando o competente professor PAULO 
NALIN, na busca por delimitar as suas bases de intelecção, lembra-nos, com 
acerto, que a função social manifestar-se-ia em dois níveis3: 
 
2 Sobre o tema, confira-se a excelente obra: Função Social dos Contratos, do Código de Defesa do 
Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção: Rubens Limongi França, 2ª Ed. São Paulo: Método, 2002, 
FLÁVIO TARTUCE. 
 3
 
a) intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as 
partes negociais, impondo-se o respeito à lealdade negocial e à 
boa fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre 
os contratantes; 
b) extrínseco – o contrato em face da coletividade, ou seja, visto 
sob o aspecto de seu impacto eficacial na sociedade em que 
fora celebrado. 
 
 
2.2. Observações acerca do princípio da boa-fé objetiva 
 
 Além das finalidades interpretativa, integradora e delimitadora de 
direitos subjetivos, o princípio da boa-fé objetiva ainda tem a função 
constitutiva (normativa) de deveres anexos ou de proteção, implícitos em 
qualquer contrato4. 
 
CONTRATO VÁLIDO ------------------------Æ RELAÇÃO OBRIGACIONAL: 
(FONTE PRIMORDIAL 
DE OBRIGAÇÕES) 
a) dever jurídico principal: 
prestação de DAR, 
FAZER ou NÃO FAZER; 
b) deveres jurídicos anexos 
ou colaterais 
(decorrentes da BOA-FÉ 
OBJETIVA): lealdade e 
confiança, assistência, 
informação, 
 
3 THEODORO JR., Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 43. 
4 Sobre a o tema: CORDEIRO, Antônio Menezes. Da Boa-Fé Objetiva no Direito Civil. Portugal: Almedina, 
2001. Em nosso sentir, obra máxima, em língua portuguesa, no estudo do princípio. 
 4
confidencialidade ou 
sigilo etc. 
 
 
A boa fé objetiva, pois, é o principio ou norma reguladora desses deveres, 
cuja enumeração não pode ser considerada taxativa5. 
 
3. Formação dos Contratos 
 
 
 O contrato se forma quando as manifestações de vontade, em geral 
contrapostas, contemporizam-se, conciliando os interesses divergentes, e 
formando o denominado consentimento. 
 
 O consentimento das partes é a pedra de toque de todo contrato: 
 
 
 
 PARTE 1 -------------Æ CONSENTIMENTO Å------------- PARTE 2 
 
 
5 “Entre os deveres com tais características encontram-se, exemplificativamente: a) os deveres de cuidado, 
previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem 
acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de 
aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a 
satisfação de seu desideratum, o do consultor financeiro, de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou 
o do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos 
colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociações, 
de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os 
deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja por 
expressa disposição legal (CDC, arts.12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao 
mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em 
sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento 
da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) 
os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, v.g., o dever do proprietário 
de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a 
fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo 
sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociação preliminares, 
pagamento, por parte do devedor etc” (COSTA, Judith Martins-. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: 
RT, 1999, p.439). 
 5
 
 
Na denominada “fase de puntuação”, as partes discutem, ponderam, 
refletem, fazem cálculos, estudos, redigem a minuta do contrato, enfim, 
contemporizam interesses antagônicos, para que possam chegar a uma 
proposta final e definitiva. 
No dizer de GUILLERMO BORDA, 
 
“Muchas veces las tratativas contractuales se desenvuelven através de um 
tiempo más o menos prolongado, sea porque el negocio es complejo y las 
partes quieren estudiarlo em todas sus consecuencias o porque quien lo firma 
no tiene poderes suficientes o por cualquier otro motivo”.6 
 
 A característica básica desta fase é justamente a nãovinculação 
(formal) das partes à uma relação jurídica obrigacional, muito embora possa, 
em tese, haver responsabilidade civil pré-contratual por quebra de boa-fé 
objetiva, caso haja lesão à legítima e firme expectativa de contratar 
alimentada por uma das partes, à luz do princípio da confiança. Dependerá da 
análise do caso concreto à luz da principiologia constitucional aplicada às 
relações de direito privado, consoante veremos em sala. 
Esses atos preparatórios, característicos da fase de puntuação, não se 
identificam com o denominado contrato preliminar, figura jurídica que é 
especialmente – posto não apenas - estudada no âmbito da “promessa de 
compra e venda”. 
A proposta de contratar, também denominada de policitação, consiste na 
oferta de contratar que uma parte faz à outra, com vistas à celebração de 
determinado negócio (aquele que apresenta a oferta é chamado de 
proponente, ofertante ou policitante). 
Trata-se de uma declaração receptícia de vontade. 
 
6 BORDA, Guillermo A. Manual de Contratos. 19 ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000, pág. 33. 
 6
O Código Civil, ao disciplinar o tema, na Seção II, do Capítulo I, Título V 
(Da Formação dos Contratos), embora não haja elencado os seus elementos 
constitutivos, regulou-a, nos seguintes termos: 
 
Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o 
contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou 
das circunstâncias do caso. 
 
Observe-se, portanto, que a proposta de contratar obriga o proponente 
ou policitante, que não poderá voltar atrás, ressalvadas apenas as exceções 
capituladas na própria lei (arts. 427 e 428). 
Cuida-se, no caso, do denominado princípio da vinculação ou da 
obrigatoriedade da proposta, diretriz normativa umbilicalmente ligada ao 
dogma da segurança jurídica. 
Da análise desse dispositivo, concluímos que o legislador reconhece a 
perda da eficácia cogente da oferta, nas seguintes situações especiais: 
 
a) se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar dos termos 
dela mesma – é o caso de o proponente salientar, quando da sua 
declaração de vontade (oferta), que reserva o direito de retratar-se 
ou arrepender-se de concluir o negócio. Tal possibilidade, 
entretanto, não deverá existir nas ofertas feitas ao consumidor, na 
forma da Lei n. 8078/90 (CDC); 
b) se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar da natureza 
do negócio – cite-se como exemplo, seguindo o pensamento de 
 7
CARLOS ROBERTO GONÇALVES, “das chamadas propostas abertas 
ao público, que se consideram limitadas ao estoque existente”7; 
c) se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar das 
circunstâncias do caso – nesse caso, optou o legislador por 
adotar uma dicção genérica, senão abstrata, que dará ao juiz a 
liberdade necessária para aferir, no caso concreto, e respeitado o 
princípio da razoabilidade, situação em que a proposta não poderia 
ser considerada obrigatória. 
 
 Nessa mesma linha, vale registrar ainda que a proposta pode ter prazo 
de validade. 
 
 É o que dispõe o art. 428 do CC-02 (correspondente ao art. 1.081, CC-
16): 
 
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: 
I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi 
imediatamente aceita. Considera-se também presente a 
pessoa que contrata por telefone ou por meio de 
comunicação semelhante; 
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido 
tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento 
do proponente; 
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a 
resposta dentro do prazo dado; 
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao 
conhecimento da outra parte a retratação do proponente. 
 
7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações – Parte Especial – Tomo I – Contratos (Sinopses 
Jurídicas). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 16. 
 8
 
Para que entendamos tais situações, é preciso definir o que se 
entende por “pessoa presente” e “pessoa ausente”. 
Presentes são as pessoas que mantêm contato direto e simultâneo 
uma com a outra, a exemplo daquelas que tratam do negócio pessoalmente, 
ou que utilizam meio de transmissão imediata da vontade (como o telefone, 
por exemplo). Observe-se que, em tais casos, o aceitante toma ciência da 
oferta quase no mesmo instante em que a mesma é emitida. 
Ausentes, por sua vez, são aquelas pessoas que não mantém contato 
direto e imediato entre si, caso daquelas que contratam por meio de carta ou 
telegrama (correspondência epistolar). 
 Não tendo regulado os contratos eletrônicos, entendemos que tais 
regras, constantes no Código Civil, devem, mutatis mutandis, lhes ser 
aplicadas. 
Nessa linha de raciocínio, poderemos considerar, entre presentes, o 
contrato celebrado eletronicamente em um chat (salas virtuais de 
comunicação), haja vista que as partes envolvidas mantêm contato direto 
entre si quando de sua formação, e, por outro lado, entre ausentes, aquele 
formado por meio do envio de mensagem eletrônica (e-mail), pois, nesse caso, 
medeia um lapso de tempo entre a emissão da oferta e a resposta. 
Fora dessas hipóteses (arts. 427, segunda parte e art. 428), 
portanto, a proposta obriga o proponente e deverá ser devidamente 
cumprida, caso haja a conseqüente aceitação. 
E o que se sentende por aceitação? 
Trata-se da manifestação de vontade concordante do aceitante ou 
oblato que adere à proposta que lhe fora apresentada. 
Cumpre-nos observar que se a aceitação for feita fora do prazo, 
com adições, restrições, ou modificações, importará em nova proposta. 
Ou seja, caso a aquiescência não seja integral, mas feita intempestivamente 
 9
ou com alterações (restritivas ou ampliativas), converter-se-á em 
contraproposta, nos termos do art. 431 do Código Civil.8 
Nessa mesma linha, se a aceitação, por circunstância imprevista, 
chegar tarde ao conhecimento do proponente, este deverá comunicar o fato 
imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos (art. 
430). Aqui está mais uma aplicação do “dever de informar” decorrente da boa 
fé objetiva!... 
Finalmente, vale salientar que a aceitação poderá ser expressa ou 
tácita, consoante se pode concluir da análise do art. 432 do Código Civil: 
 
Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja 
costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver 
dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando 
a tempo a recusa. 
 
Por fim, importante questão a ser enfrentada diz respeito à 
formação do contrato entre ausentes, especialmente o pactuado mediante 
correspondência epistolar. 
Aliás, como carecemos de uma disciplina específica dos contratos 
eletrônicos, consoante já dissemos, a matéria aqui exposta poderá, mutatis 
mutandis, ser adaptada àqueles negócios pactuados via e-mail. 
Fundamentalmente, a doutrina criou duas teorias explicativas a 
respeito da formação do contrato entre ausentes9: 
 
a) teoria da cognição Æ para os adeptos dessa linha de 
pensamento, o contrato entre ausentes somente se consideraria 
formado, quando a resposta do aceitante chegasse ao 
conhecimento do proponente. 
 
8 Norma muito semelhante vem prevista no Código Civil Argentino: “Art. 1152. Cualquiera modificación que 
se hiciere em la oferta al aceptarla, importará la propuesta de um nuevo contrato”. 
9 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit., pág. 25 e RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos Contratos 
e Declarações Unilaterais de Vontade. vol 3. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. 
 10
b) teoria da agnição (dispensa-se que a resposta chegueao 
conhecimento do proponente): 
b.1. Æ sub-teoria da declaração 
propriamente dita – o contrato se formaria 
no momento em que o aceitante ou oblato 
redige, datilografa ou digita a sua resposta. 
Peca por ser extremamente insegura, dada a 
dificuldade em se precisar o instante da 
resposta. 
b.2. Æ sub-teoria da expedição - considera 
formado o contrato, no momento em que a 
resposta é expedida. 
b.3. Æ sub-teoria da recepção – reputa 
celebrado o negócio no instante em que o 
proponente recebe a resposta. Dispensa, como 
vimos, que leia a mesma. Trata-se de uma 
sub-teoria mais segura do que as demais, pois 
a sua comprovação é menos dificultosa, 
podendo ser provada, por exemplo, por meio 
do A.R. (aviso de recebimento), nas 
correspondências. 
 
Mas, afinal, qual seria a teoria adotada pelo nosso direito positivo? 
CLÓVIS BEVILÁQUA, autor do projeto do Código Civil de 1916 era, 
nitidamente, adepto da sub-teoria da expedição, por reputá-la “a mais 
razoável e a mais jurídica”.10 
Por isso, boa parte da doutrina brasileira, debruçando-se sobre o art. 
1086 do Código revogado, concluía tratar-se de dispositivo afinado com o 
pensamento de BEVILÁQUA: 
 
 
10 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações.São Paulo: RED, 2000, pág. 238. 
 11
Art. 1086 (caput). Os contratos por correspondência 
epistolar, ou telegráfica, tornam-se perfeitos desde que a 
aceitação é expedida, ... (grifamos) 
 
Na mesma linha, se cotejarmos esse dispositivo com o 
correspondente do Código em vigor, teremos a nítida impressão de que foi 
adotada a vertente teórica da expedição: 
 
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se 
perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: 
I - no caso do artigo antecedente; 
II - se o proponente se houver comprometido a 
esperar resposta; 
III - se ela não chegar no prazo convencionado. 
 (grifamos) 
 
Note-se, entretanto, que o referido dispositivo enumera situações em 
que o contrato não se reputará celebrado: no caso do art. 433; se o 
proponente se houver comprometido a esperar a resposta (nesta hipótese, o 
próprio policitante comprometeu-se a aguardar a manifestação do oblato); ou, 
finalmente, se a resposta não chegar no prazo assinado pelo policitante. 
Ocorre que se nós observarmos a ressalva constante no inciso I 
desse artigo, que faz remissão ao art. 433, chegaremos à inarredável 
conclusão de que a aceitação não se reputará existente, se antes dela ou 
com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante. 
Atente para essa expressão: “se antes dela ou com ela CHEGAR ao 
proponente a retratação do aceitante”. 
 12
Ora, ao fazer tal referência, o próprio legislador acabou por negar a 
força conclusiva da expedição, para reconhecer que, enquanto não tiver havido 
a RECEPÇÃO, o contrato não se reputará perfeito, pois, antes do recebimento 
da resposta ou simultaneamente a esta, poderá vir o arrependimento do 
aceitante. 
Dada a amplitude da ressalva constante no art. 433, que admite, 
como vimos, a retratação do aceitante até que a resposta seja recebida pelo 
proponente, entendemos que o nosso Código Civil adotou a sub-teoria da 
recepção, e não a da expedição11. 
Nessa linha, inclusive, enunciado da Terceira Jornada sufraga a tese 
da recepção, aplicando-a para a contratação pela via eletrônica: 
 
E. 173 – Art. 434: A formação dos contratos realizados entre pessoas 
ausentes, por meio eletrônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo 
proponente. 
 
 
4. Classificação dos Contratos 
 
 
a) Quanto à Natureza da Obrigação. 
a.1) Contratos Unilaterais, Bilaterais ou Plurilaterais - na medida 
em que o contrato implique em direitos e obrigações para ambos os 
contratantes ou apenas para um deles, será bilateral (ex.: compra e venda) 
ou unilateral (ex.: depósito), podendo se falar em contrato plurilateral (ou 
multi-lateral), na medida em que haja mais de dois contratantes com 
obrigações (contrato de constituição de uma sociedade ou de um condomínio); 
 
a.2) Contratos Onerosos ou Gratuitos – Quando a um benefício 
recebido corresponder um sacrifício patrimonial (ex: compra e venda), fala-se 
 
11 Nesse sentido, tb., GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações – Parte Especial – Tomo I – 
Contratos (Sinopses Jurídicas). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.20/21. 
 13
em contrato oneroso. Quando, porém, fica estabelecido que somente uma 
das partes auferirá benefício, enquanto a outra arcará com toda obrigação, 
fala-se em contrato gratuito ou benéfico (ex: doação pura (sem encargo) e 
comodato). 
 
a.3) Contratos Comutativos ou Aleatórios. Quando as obrigações se 
equivalem, conhecendo os contratantes, ab initio, as suas respectivas 
prestações, como, por exemplo, na compra e venda ou no contrato individual 
de emprego, fala-se em um contrato comutativo. Já quando a obrigação de 
uma das partes somente puder ser exigida em função de coisas ou fatos 
futuros, cujo risco da não ocorrência for assumido pelo outro contratante, fala-
se em contrato aleatório, previsto nos arts. 458/461, como é o caso, por 
exemplo, do contratos de seguro, jogo e aposta, bem como como o contrato 
de constituição de renda. 
 Sub-divisão dos Contratos Aleatórios: 
a) Contrato de Compra de Coisa Futura, com 
Assunção de Risco pela Existência (emptio spei): nessa 
primeira espécie, prevista expressamente no art. 458, o 
contratante assume o risco de não vir a ganhar coisa 
alguma, deixando à sorte propriamente dita o resultado da 
sua contratação; 
b) Contrato de Compra de Coisa Futura, sem 
Assunção de Risco pela Existência (emptio rei 
speratae): nessa segunda hipótese, prevista no art. 459, 
CC-02 (art.1.119, CC-16)12, não há a assunção total de 
riscos pelo contratante, tendo em vista que o alienante se 
comprometeu a que alguma coisa fosse entregue; 
c) Contrato de Compra de Coisa Presente, mas 
Exposta a Risco assumido pelo Contratante: a última 
 
12 CC-02: “Art.459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco 
de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua 
parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. 
 Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o 
preço recebido”. 
 14
modalidade codificada é a que versa sobre a venda de coisa 
atual sujeita a riscos, prevista nos art.46013. 
a.4) Contratos Paritários ou por Adesão - Na hipótese das partes 
estarem em iguais condições de negociação, estabelecendo livremente as 
cláusulas contratuais, na fase de puntuação, fala-se na existência de um 
contrato paritário, diferentemente do contrato de adesão, que pode ser 
conceituado simplesmente como o contrato onde um dos pactuantes pré-
determina (ou seja, impõe) as cláusulas do negócio jurídico 
a.5) Contratos Evolutivos - Classificação proposta pelo Prof. ARNOLDO 
WALD, para se referir a figuras contratuais, próprias do Direito Administrativo, 
em que é estabelecida a equação financeira do contrato, impondo-se a 
compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato, pelo que o 
mesmo viria com cláusulas estáticas, propriamente contratuais, e outras 
dinâmicas, impostas por lei. 
 
b) Classificação dos Contratos quanto à Disciplina Jurídica (civis, 
comerciais, trabalhistas, consumeristas e administrativos). 
 
c) Classificação dos Contratos quanto à Forma. 
c.1) Solenesou Não-Solenes - Quanto à imprescindibilidade de 
uma forma específica para a validade da estipulação contratual; 
c.2) Consensuais ou Reais - Em relação à maneira (forma) pela 
qual o negócio jurídico é considerado ultimado, ainda nesta classificação 
quanto à forma, os contratos podem ser consensuais, se concretizados com a 
simples declaração de vontade, ou reais, na medida que exijam a entrega da 
coisa, para que se reputem existentes. 
 
d) Classificação dos Contratos quanto à Designação (nominados e 
inominados) - pode-se falar na existência de contratos nominados e 
contratos inominados, na medida em que tenham terminologia ou 
 
13 CC-02: “Art.460. Se for aleatório, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo 
adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou 
de todo, no dia do contrato” 
 15
nomenclatura definida e prevista expressamente em lei ou, em caso contrário, 
sejam apenas fruto da criatividade humana. 
 
e) Classificação dos Contratos quanto à Pessoa do Contratante. 
e.1) Pessoais ou Impessoais – Quanto à importância da pessoa do 
contratante para a celebração e produção de efeitos do contrato, podem 
tais negócios jurídicos ser classificados em contratos pessoais ou contratos 
impessoais. Os primeiros, também chamados de personalíssimos, são os 
realizados intuitu personae, ou seja, celebrados em função da pessoa do 
contratante, que tem influência decisiva para o consentimento do outro, para 
quem interessa que a prestação seja cumprida por ele próprio, pelas suas 
características particulares (habilidade, experiência, técnica, idoneidade etc). 
Nessas circunstâncias, é razoável se afirmar, inclusive, que a pessoa do 
contratante torna-se um elemento causal do contrato (ex: contrato de 
emprego). Já os contratos impessoais são aqueles em que somente interessa 
o resultado da atividade contratada, independentemente de quem seja a 
pessoa que irá realizá-la. 
 
e.2) Individuais ou Coletivos - Tem-se como parâmetro também o 
número de sujeitos envolvidos/atingidos. No contrato individual, sua 
concepção tradicional se refere a uma estipulação entre pessoas determinadas, 
ainda que em número elevado, mas consideradas individualmente. Já no 
contrato coletivo, também chamado de contrato normativo, tem-se uma 
transubjetivização da avença, alcançando grupos não individualizados, 
reunidos por uma relação jurídica ou de fato. 
 
f) Classificação dos Contratos quanto ao Tempo. 
 f.1) Instantâneos (execução imediata ou execução diferida) - 
 Por contratos instantâneos, compreendam-se as relações jurídicas 
contratuais cujos efeitos são produzidos de uma só vez (ex: compra e venda a 
vista de bens móveis, em que o contrato se consuma com a tradição da coisa). 
 16
Tal produção concentrada de efeitos, porém, pode se dar ipso facto à avença 
ou em data posterior à celebração (em função da inserção de um termo 
limitador da sua eficácia), subdividindo-se, assim, tal classificação em 
contratos instantâneos de execução imediata ou de execução diferida. Tal 
subclassificação também tem interesse prático, tendo em vista que, nos 
contratos de execução diferida, é aplicável a teoria da imprevisão, por 
dependerem de circunstâncias futuras, o que, por óbvio, inexiste nos contratos 
de execução imediata. 
f.2) De duração (determinada ou indeterminada) - Já os contratos 
de duração, também chamados de contratos de trato sucessivo, execução 
continuada ou débito permanente14, são aqueles que se cumprem por meio 
de atos reiterados, como, por exemplo, o contrato de prestação de serviços, 
compra e venda a prazo e o contrato de emprego. Tal duração pode ser 
determinada ou indeterminada, na medida em que haja ou não previsão 
expressa de termo final ou condição resolutiva a limitar a eficácia do contrato. 
 
 
g) Classificação dos Contratos quanto à Disciplina Legal Específica 
(típicos e atípicos) - Quando há uma previsão legal da disciplina de 
determinada figura contratual, estaremos diante de um contrato típico; na 
situação inversa, ou seja, em que o contrato não esteja disciplinado/regulado 
pelo Direito Positivo, vislumbraremos um contrato atípico. 
 
h) Classificação pelo Motivo Determinante do Negócio (causais e 
abstratos) - Classificação (lembrada por SILVIO RODRIGUES), que toma, por 
base, o motivo determinante do negócio, para dividi-los em contratos 
causais e contratos abstratos. Os primeiros estão vinculados à causa que os 
determinou, podendo ser declarados inválidos, se a mesma for considerada 
 
14 “Débito permanente é o que consiste em uma prestação tal que não é possível conceber sua satisfação em 
um só momento; mas, do contrário, tem de ser cumprida durante certo período de tempo, continuadamente. A 
determinação de sua duração resulta da vontade das partes, mediante cláusula contratual em que subordinam 
os efeitos do negócio a um acontecimento futuro e certo, ou da declaração de vontade de um dos contratantes 
pondo termo à relação (denúncia). São, por conseqüência, por tempo determinado ou indeterminado” 
(GOMES, Orlando. Contratos, 24 ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.79). 
 17
inexistente, ilícita ou imoral. Já os contratos abstratos seriam aqueles cuja 
força decorre da sua própria forma, independentemente da causa que o 
estipulou. Seriam os exemplos dos títulos de crédito em geral, como um 
cheque. 
 
i) Classificação pela Função Econômica (de troca, associativos, de 
prevenção de riscos, de crédito e de atividade) 
a) de troca: caracterizado pela permuta de utilidades 
econômicas, como, por exemplo, a compra e venda 
b) associativos: caracterizado pela coincidência de fins, como é 
o caso da sociedade e da parceria; 
c) de prevenção de riscos: caracterizado pela assunção de 
riscos por parte de um dos contratantes, resguardando a 
possibilidade de dano futuro e eventual, como nos contratos de 
seguro, capitalização e constituição de renda; 
d) de crédito: caracterizado pela obtenção de um bem para ser 
restituído posteriormente, calcada na confiança dos 
contratantes e no interesse de obtenção de uma utilidade 
econômica em tal transferência. É a hipótese típica do mútuo 
feneratício (a juros); 
e) de atividade: caracterizado pela prestação de uma conduta 
de fato, mediante a qual se conseguirá uma utilidade 
econômica. Como exemplos, podem ser lembrados os 
contratos de emprego, prestação de serviços, empreitada, 
mandato, agência e corretagem. 
 
j) Contratos Reciprocamente Considerados 
j.1. Classificação quanto à Relação de Dependência (principais e 
acessórios) - Os contratos principais são os que têm existência autônoma, 
independentemente de outro. Por exceção, existem determinadas relações 
contratuais cuja existência jurídica pressupõe a de outros contratos, a qual 
servem. É o caso típico da fiança, caução, penhor, hipoteca e anticrese. 
 18
j.2. Classificação quanto à Definitividade (preliminares e 
definitivos) - Por fim, quanto à definitivamente, podem ser os contratos ser 
classificados em preliminares e definitivos. Os contratos preliminares (ou 
pactum de contrahendo), exceção no nosso ordenamento jurídico, nada mais 
são do que negócios jurídicos que têm por finalidade justamente a celebração 
de um contrato definitivo. 
 
OBS.: Este tópico (classificação dos contratos) foi elaborado por RODOLFO 
PAMPLONA FILHO (co-autor da obra Novo Curso de Direito Civil – Saraiva), a 
quem registramos o nosso agradecimento. 
Contato: rpamplonafilho@uol.com.br 
 
 
 
5. Textos ComplementaresSeguem textos, meus amigos, de dois grandes civilistas do Brasil, o Profs. 
Antônio Junqueira de Azevedo (sobre o Projeto do CC) e Flávio Tartuce. 
O princípio da boa-fé nos contratos 
Antônio Junqueira de Azevedo15 
RESUMO 
Tece críticas referentes ao art. 421 do Projeto do Código Civil, onde está 
presente a cláusula geral da boa-fé nos contratos. Como insuficiências, 
destaca: a) não se pode saber se o artigo representa norma cogente ou 
dispositiva; b) o artigo se limita ao período que vai da conclusão até a 
execução do contrato, não prevendo a aplicação da boa-fé nas fases pré e pós-
contratuais. Como deficiências do art. 421, cita a ausência de disposições 
 
15 Fonte: www.cjf.gov.br 
 19
sobre: deveres anexos, cláusulas faltantes e cláusulas abusivas. A última 
crítica é que o Projeto assenta-se em um paradigma ultrapassado, centrado na 
figura do julgador, devendo o paradigma atual centrar-se na Constituição, em 
normas cogentes. 
 
ABSTRACT 
The text criticises the Art. 421 of the Civil Code Project where the general 
clause on good faith in contracts is established. As inadequacies, it states that: 
a) it is not possible to know if the article is a reasonably necessary or specific 
norm, b) the article is only about the period between the conclusion and the 
execution of the contract, not predicting the good faith application in the 
phases before and after the contract. It also considers as inadequacies of the 
Art. 421 and mentions that there are not dispositions about attached rights, 
missing and abusive clauses. The last criticism is that the Project is based in an 
outmoded paradigm, centred in the judge figure. The actual paradigm should 
centred itself in the Constitution, in reasonably necessary norms. 
 
O tema "Boa-fé nos contratos" é uma homenagem que faço ao Prof. Clóvis do 
Couto e Silva. 
Meu intuito é fazer a crítica de um projeto de lei. Sinto-me nisso como quem 
cumpre um dever. 
A presença da boa-fé no Projeto está em três artigos: em um sobre o exercício 
de direito, em outro sobre interpretação — como se deve interpretar os 
negócios jurídicos — e no que me diz respeito boa-fé nos contratos, no art. 
421, cujo texto é o seguinte: Os contratantes são obrigados a guardar, assim 
na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da probidade e 
da boa-fé. 
 20
O artigo é insuficiente, deficiente e, além de tudo, revela que está num 
paradigma anterior aos tempos em que estamos vivendo. Ele está no 
paradigma do sistema que alguns dizem aberto, de cláusulas gerais e conceitos 
indeterminados. No meu modo de entender, já estamos, no mundo, hoje, em 
outro paradigma. 
O primeiro paradigma se baseava inteiramente na segurança da lei — naquela 
idéia de que a lei deve ser universal, geral, prever tudo com precisão e, tanto 
quanto possível, ser completa. O papel do juiz, nesse paradigma, era o de um 
autômato. É o famoso juiz "boca da lei", la bouche de la loi, na linguagem de 
Montesquieu. 
Esse paradigma, no começo do século XX, foi alterado, foi substituído pelo 
segundo paradigma, que hoje alguns estão chamando de "sistema aberto". 
Nesse sistema, o ponto central deixou de ser a lei e passou a ser o juiz. Para 
isso, passou-se a utilizar conceitos indeterminados e cláusulas gerais. 
A boa-fé é um conceito indeterminado. Quando se refere ao tipo de 
comportamento exigido — por exemplo, dos contratantes — configura-se em 
cláusula geral. 
O artigo referido, com a evolução do Direito, é hoje insuficiente por várias 
razões. Uma delas é que não sabemos se representa uma norma cogente ou se 
é uma norma dispositiva. O Projeto de Código Civil não levou em consideração 
códigos modernos, como o Uniform Comercial Code (Código Comercial 
americano) — na verdade, ainda que tenha horror aos americanos, os Estados 
Unidos são a Nação que está impondo as suas regras e nada mais lógico que, 
pelos menos, se verificasse aquilo que é o código prescritivo, normativo, no 
mundo americano. O Uniform Comercial Code diz sobre a boa-fé: The 
obligation of good faith may not be disclaimed by agreement, ou seja, no 
Direito americano está muito claro que a obrigação de boa-fé não pode ser 
afastada por contrato. Portanto, ele está imposto como cogente, mas, o 
mesmo artigo do Código americano é ainda mais completo porque acrescenta 
 21
que as partes podem, por contrato, determinar quais os standards by with the 
performance of such obligation is to be measured, ou seja, o standard pelo 
qual a "performance", a execução da obrigação, será executada. Naturalmente 
há determinações possíveis pelas partes, segundo o tipo de área de atividade e 
de negócio que estão fazendo. Já nas Ordenações do Reino se dizia que quem 
compra cavalo no mercado de Évora não tem direito aos vícios redibitórios. Se 
um sujeito vai negociar no mercado de objetos usados, em feira de troca, a 
boa-fé exigida de um vendedor não pode ser igual à de uma outra loja ou 
outro negócio, em que há um pressuposto de cuidado. Portanto, no caso do 
Projeto, não se sabe se a norma é cogente e não se fala se as partes podem 
adotar outros standards ou quais standards e assim por diante. 
Segunda insuficiência: o art. 421 se limita ao período que vai da conclusão do 
contrato até a sua execução. Sempre digo que o contrato é um certo processo 
em que há um começo, prosseguimento, meio e fim. Temos fases contratuais 
— fase pré-contratual, contratual propriamente dita e pós-contratual. Uma das 
possíveis aplicações da boa-fé é aquela que se faz na fase pré-contratual, fase 
essa em que temos as negociações preliminares, as tratativas. É um campo 
propício para o comportamento de boa-fé, no qual ainda não há contrato e 
podem-se exigir aqueles deveres que uma pessoa deve ter como correção de 
comportamento em relação ao outro. 
Cito um caso entre a Cica e plantadores de tomate, no Rio Grande do Sul, no 
qual, em pelo menos 4 acórdãos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul 
reconheceu que a Companhia Cica havia criado expectativas nos possíveis 
contratantes — pequenos agricultores —, ao distribuir sementes para que 
plantassem tomates e, depois, errou ao se recusar a comprar a safra dos 
tomates. Houve, então, prejuízo dos pequenos agricultores, baseado na 
confiança despertada antes do contrato, fase pré-contratual. Logo, o caso do 
art. 421 deveria também falar em responsabilidade pré-contratual ou extensão 
do comportamento de boa-fé na fase pré-contratual. 
 22
Faço um parêntese para exemplificar, transformando em hipótese o que li nos 
jornais de hoje sobre o caso da Ford com o Governador do Rio Grande do Sul. 
A Ford, durante os dois anos em que teria procurado montar a sua indústria, 
certamente teve muitos gastos e, de repente, o negócio não teria sido 
efetivado. O problema da responsabilidade pré-contratual é justamente esse, 
qual seja, o dos gastos que se fazem antes do contrato e quando há a ruptura. 
Se essa hipótese da Ford for pré-contratual — no caso, suponho ter havido 
algum contrato anterior — mas se não houvesse, e se fosse apenas um 
problema de negociações, antes de qualquer efetivação do negócio, haveria 
dois pressupostos da responsabilidade pré-contratual: a confiança na 
realização do futuro negócio e o investimento na confiança. Faltariam, talvez, 
outros dois pressupostos: o de poder atribuir uma justificação à confiança que 
alguém teve e, em segundo lugar, o de que essa confiança tenha sido causada 
pela outra parte. Assim, poderíamos duvidar se o Governador chegou a criar 
essa confiança e, portanto, provocou a despesa da indústria; e, ainda, se a 
indústria não confiou demaise assim por diante. São problemas em aberto, 
mas de qualquer maneira, o meu primeiro ponto sobre a responsabilidade pré-
contratual é que há uma omissão do Projeto de Código Civil, no artigo em 
causa. 
A terceira insuficiência é na fase pós-contratual, porque se está dito "boa-fé na 
conclusão" e "na execução", nada está dito sobre aquilo que se passa depois 
do contrato. Isso também é assunto que a doutrina tem tratado — a chamada 
"responsabilidade pós-contratual" ou post pactum finitum. Darei três exemplos 
para comprovação de que, após o contrato encerrado, ainda há possibilidade 
de exigir boa-fé dos contratantes: 
1 O proprietário de um imóvel vendeu-o e o comprador o adquiriu por este ter 
uma bela vista sobre um vale muito grande, construindo ali uma bela 
residência, que valia seis vezes o valor do terreno. A verdade é que o vendedor 
gabou a vista e aí fez a transferência do imóvel para o comprador — negócio 
acabado. Depois, o ex-proprietário, o vendedor foi à prefeitura municipal, 
verificou que não havia a possibilidade de construir um prédio em frente, mas 
 23
adquiriu o prédio em frente ao que tinha vendido e conseguiu na prefeitura a 
alteração do plano diretor da cidade, permitindo ali uma construção. Quer 
dizer, ele construiu um prédio que tapava a vista do próprio terreno que havia 
vendido ao outro — esse não era ato literalmente ilícito. Ele primeiramente 
vendeu, cumpriu a sua parte. Depois, comprou outro terreno, foi à prefeitura, 
mudou o plano, e aí construiu. A única solução para o caso é aplicar a regra da 
boa-fé. Ele faltou com a lealdade no contrato que já estava acabado. É, 
portanto, post pactum finitum. 
2 Uma dona de boutique encomendou a uma confecção de roupas 120 casacos 
de pele. A confecção fez os casacos, vendeu-os e os entregou para essa dona 
da boutique. Aí, liquidado esse contrato, a mesma confecção fez mais 120 
casacos de pele idênticos e vendeu-os para a dona da boutique vizinha. Há, 
também, evidentemente, deslealdade e post pactum finitum. 
1. Um indivíduo queria montar um hotel e procurou o melhor e mais 
barato carpete para colocar no seu empreendimento. Conseguiu 
uma fornecedora que disse ter o preço melhor, mas que não fazia 
a colocação. Ele pediu, então, à vendedora a informação de quem 
poderia colocar o carpete. A firma vendedora indicou o nome de 
uma pessoa que já tinha alguma prática na colocação do carpete, 
mas não disse que o carpete que estava fornecendo para esse 
empresário era de um tipo diferente. O colocador do carpete pôs 
uma cola inadequada e, semanas depois, todo o carpete estava 
estragado. A vendedora dizia: cumpri a minha parte no contrato, 
entreguei, recebi o preço, o carpete era esse, fiz favor indicando 
um colocador. Segundo a regra da boa-fé, ela não agiu com 
diligência, porque, no mínimo, deveria tê-lo alertado — uma 
espécie de dever de informar e de cuidar depois de o contrato ter 
terminado — a propósito do novo tipo de carpete. Há 
responsabilidade pós-contratual. 
 24
Portanto, o art. 421 está insuficiente, pois só fala em conclusão — o momento 
em que se faz o contrato — e execução. Não fala nada do que está para 
depois, nem falava do que estava antes. Finalmente, ainda a propósito das 
insuficiências, o artigo fala apenas em execução, no momento final, e muitas 
vezes o caso na verdade não chega a ser de execução, mesmo que dilatemos a 
expressão em português "execução". 
A respeito da "substancial performance", ou seja, o contratante que executa 
em grande parte as suas obrigações e somente não executa uma pequena 
parte, por não executar essa pequena parte não seria razoável que se 
rescindisse o contrato. O caso dessas cláusulas que permitem uma resolução 
por um contratante tendo em vista o inadimplemento de outro, é de 
inexecução e não propriamente de execução. Mas uma cláusula resolutiva pode 
ser empregada com má-fé. O Código deveria ter dito "execução" ou "extinção 
da obrigação". Não só o Código Comercial americano, a que vinha me 
referindo, fala em "performance" ou enforcement; outros códigos mais novos, 
a exemplo do de Quebec, também se referem à execução ou à extinção da 
obrigação. Até o Código da Louisiana tratou do assunto. 
Refiro-me a esses códigos porque são desta década. O que estou citando do 
Código Comercial americano é da última edição, de 1990; o Código da 
Louisiana, edição de 1999, que foi revista; e o Código de Quebec entrou em 
vigor em 1994. 
Os autores do Projeto de Código Civil não tiveram conhecimento dessas leis, 
porque elas são posteriores. Mas esse é o ponto: ficamos com um Projeto de 
Código Civil feito antes de os atuais estudantes de Direito terem nascido! O 
mundo mudou muito; as coisas ficaram não-factíveis na situação em que 
estamos. 
Até aqui falamos das insuficiências; temos ainda as deficiências e o problema 
dos paradigmas — o assunto é vasto. 
 25
Com relação às deficiências, a regra da boa-fé tem uma espécie de função que 
chamo de "pretoriana" em relação ao contrato. O chamado "Direito 
Pretoriano", no Direito romano, foi aquele que os pretores introduziram para 
ajudar, suprir e corrigir o Direito Civil. Havia o Direito Civil estrito (o Direito 
Civil mais rigoroso) e o Direito Pretoriano veio adjuvandi, supplendi, vel 
corrigendi e juris civilis gratia. 
Essa tríplice função existe na cláusula geral de boa-fé, porque justamente a 
idéia dessa cláusula no contrato é ajudar na interpretação do contrato, 
adjuvandi, suprir algumas das suas falhas, acrescentar o que nele não está 
incluído supplendi e eventualmente corrigir alguma coisa que não é de direito 
no sentido de justo corrigendi. Esse é o papel da cláusula de boa-fé nos 
contratos feitos. 
São essas três funções os pontos que, nos países europeus, na doutrina da 
boa-fé, mais são salientados. Houve um certo movimento, desde o começo do 
século, a propósito da boa-fé, ela já teve até mais importância do que tem 
hoje e nos últimos anos tem havido até um certo refluxo da mesma, mas 
continua fundamental para os contratos. 
A interpretação de acordo com a boa-fé está bem tanto no art. 421 como no 
primeiro artigo da Parte Geral sobre interpretação dos negócios jurídicos. Mas 
as outras duas funções, aquela que é supplendi e a outra que é corrigendi, não 
estão no Projeto. No caso da função supplendi, há dois aspectos: um é o 
problema dos deveres anexos. A cláusula de boa-fé — sempre comentada por 
todos os tratadistas, por todos os manuais — cria deveres anexos ao vínculo 
principal. Existe aquilo a que as partes expressamente se referiram e, depois, 
há deveres colocados ao lado, ora ditos secundários, ora anexos, 
especialmente o dever de informar, mais um dever negativo, o de manter 
sigilo sobre alguma coisa que soube da outra parte, ou até deveres ditos 
positivos, como o de procurar colaborar com a outra parte (daí até uma visão 
talvez excessivamente romântica, de que os contratantes devem colaborar 
entre si). 
 26
Esses deveres anexos, nos Códigos a que estava me referindo, hoje estão 
expressos. O Código Civil holandês, por exemplo, trata do assunto no art. 242 
do Livro das Obrigações e diz que as partes devem respeitar aquilo que 
convencionaram. Ou seja, o contrato não produz somente os efeitos que foram 
convencionados entre as partes, mas igualmente aqueles que, segundo a 
natureza do contrato, decorrem das exigências da razão e da eqüidade. Razão 
e eqüidade é a maneira como o Código Civil holandês se refere à boa-fé. Os 
autores holandeses evitaram a palavra "boa-fé", para que não houvesse 
confusão com a chamada "boa-fé subjetiva" — a boa-fé no sentido de 
conhecimento ou desconhecimento de uma situação. Comoo caso da cláusula 
geral da boa-fé não é um problema de boa-fé subjetiva, mas sim objetiva, no 
sentido de comportamento, os holandeses preferiram mudar a expressão para 
"exigências da razão e da eqüidade". De qualquer maneira, falam da boa-fé 
criando deveres. Idem o art. 1.434 do Código do Quebec que, no caso, já fala 
em boa-fé. O Projeto, para estar pelo menos de acordo com os dias de hoje, 
deveria ter expressa a regra da criação dos deveres anexos. 
O outro ponto, a propósito do supplendi das funções da cláusula de boa-fé, 
refere-se às cláusulas faltantes. Às vezes as partes fazem o contrato e, por 
omissão, falta de previsão ou incapacidade redacional, não incluem alguma 
cláusula; teremos, então, uma omissão. Também o Código da Louisiana prevê 
a falta de cláusula e atribui à boa-fé a idéia de pôr a cláusula que falta no lugar 
da omissão. 
A terceira função corrigendi a que me referi e é talvez a pior omissão do 
Projeto do Código Civil no tema: "cláusulas abusivas". O nosso Código do 
Consumidor, que veio muito depois do Projeto do Código Civil, está mais 
atualizado do que este. O assunto das cláusulas abusivas não só tem um 
elenco no art. 51 do Código como até o Ministério da Justiça publicou mais 29 
— no mês de março de 1999 — cláusulas abusivas em matéria de planos de 
saúde, de cartão de crédito, de transporte aéreo etc. 
 27
O que se passa no resto do mundo, a propósito disso, são referências à boa-fé, 
como maneira de evitar as cláusulas abusivas. Por exemplo, no Código de 
Quebec, em que se define o que é cláusula abusiva, é feita a distinção entre 
contrato de consumo (le consommateur) e contrato de adesão, porque pode 
haver contrato de adesão de quem não é consumidor. Considera, portanto, 
abusiva a cláusula que leva à desvantagem o consumidor, ou aderente a 
cláusula que, de uma maneira excessiva e irrazoável (déraisonnable), vá 
contra as exigências da boa-fé. Mais adiante torna a acrescentar que é abusiva 
especialmente a cláusula tão afastada das obrigações essenciais que desnatura 
o contrato. O Código Civil holandês também define, em seu art. 248, o que é 
cláusula abusiva e assim por diante. 
Apontei insuficiências e deficiências a propósito da boa-fé nos contratos. 
Agora, passarei a uma visão mais global, que demonstra que o paradigma do 
Projeto de Código Civil está ultrapassado. Em primeiro lugar, qualquer cientista 
hoje na Biologia, na Física ou na Química conhece um historiador das ciências 
chamado Thomas Kuhn, que escreveu um livro chamado A estrutura das 
revoluções científicas — Tradução por Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 
São Paulo: Perspectiva, 1975. 262 p. (Debates; 115). Não trata de Direito, 
mas define o que é paradigma, dizendo que o mundo intelectual caminha por 
mudanças de paradigma. Um paradigma foi, por exemplo, na Astronomia, o de 
Ptolomeu; outro, o de Copérnico. Um paradigma é o da geometria de Euclides; 
outro, o da geometria não-euclidiana. Um da Biologia antes da genética, dos 
gens; outro, o da genética, e assim por diante. 
No caso do Direito — e isso é senso comum —, aquele paradigma do século 
passado, da lei, do juiz autômato, da lei geral, universal, em que o juiz não 
tinha papel algum, ficou ultrapassado. 
Veio, então, um segundo paradigma, no qual o juiz ganhou um papel 
importante, inclusive com os trabalhos sobre hermenêutica, o que trouxe 
mudanças ao tipo de solução. E é isso o que Kuhn diz a propósito de 
paradigma, que é uma espécie de modelo de solução que uma determinada 
 28
área do conhecimento apresenta para os problemas. O paradigma na visão de 
Kuhn é um modelo que serve a um grupo que se dedica a algum tipo de 
conhecimento, para solucionar os problemas que se apresentam. 
O mundo inteiro, em todas as áreas, está acostumado a trabalhar com 
problemas. Todo biólogo tem problema; todo físico tem problema. A maneira 
como se soluciona o problema é o paradigma, e isso aprendemos na escola. O 
professor transmite para o aluno; o aluno aprende e será operador do Direito 
com o paradigma que recebeu. Daí uma certa dificuldade quando o paradigma 
está em mudança ou quando o anterior entrou em crise. Muitos juristas, 
muitos professores, no caso do Direito, recusam as inovações. 
Após o da lei, o paradigma dito do juiz, daquele tempo em que o Estado era 
intervencionista, era aquele que usava os famosos conceitos jurídicos 
indeterminados, as cláusulas gerais; os conceitos indeterminados eram 
principalmente o que chamo de "bando dos quatro" — à moda daquela 
revolução cultural comunista —, quais sejam: função social, boa-fé, ordem 
pública e interesse público. 
O problema todo desses quatro conceitos é que eles não têm conteúdo, são 
vazios do ponto de vista axiológico. Eles servem para retórica, e o mundo de 
hoje não se conforma mais com esses conceitos vazios. O paradigma, que 
antes era da lei, passou a ser o do juiz e hoje é o do caso concreto e da 
Constituição. Hoje estamos fugindo do juiz. Essa fuga não é um problema do 
Judiciário, ele vai decidir o que é da missão dele, que é conflito real, o caso 
difícil, que exige ponderação. Mas o juiz é um julgador e, quando não há 
necessidade desse julgador, não é preciso o juiz. Nesse sentido, há uma fuga 
do juiz. 
Aponto não só a Lei da Arbitragem, que é evidente, mas as instituições como a 
Bolsa de Mercadorias e Futuros, como a CVM — Comissão de Valores 
Mobiliários — a OAB, Conselho de Medicina e várias outras instituições cujos 
problemas não deságuam no Judiciário. Fiquei perplexo quando tive de tratar 
 29
de um assunto acadêmico — uma tese sobre a Bolsa de Mercadorias e Futuros 
— e verifiquei que todos os dias há milhões e milhões de reais que se 
transferem entre pessoas que negociam na Bolsa de Mercadorias e Futuros. 
Nenhum caso da Bolsa de Mercadorias e Futuros está no Poder Judiciário! As 
pessoas estão fugindo da estrutura do Judiciário, própria do paradigma 
anterior. As escolhas, hoje em dia, recaem em apelar para a Constituição e 
outros tipos de soluções. O Projeto de Código Civil infelizmente volta a insistir 
na presença do juiz para muita coisa. O Projeto está no paradigma do Estado 
inchado. 
Os conceitos indeterminados — o "bando dos quatro" a que me referi — 
continuam a ser usados hoje, mas agora com diretrizes materiais. A 
Constituição, sobre a função social, não se limitou a dizer que a propriedade 
tem função social, como está no art. 5º. Na verdade, disse o que era função 
social no art. 182, § 2º, para os imóveis urbanos e para a propriedade rural no 
art. 186. Ou seja, dá diretrizes, não é um jogo de palavras retórico. 
Com relação à boa-fé, todos os códigos modernos dão diretrizes. O Código Civil 
holandês diz que a boa-fé deve ser vista de acordo com o Direito holandês, de 
acordo com o interesse das partes, combinado com o interesse coletivo. 
Procura-se dar ao juiz alguma diretiva; uma diretriz para o conceito. 
Evidentemente, há normas de ordem pública — um tipo de situação da qual se 
fala tanto — que são as cogentes: estas continuam, sem problema. O 
problema real do conceito indeterminado de ordem pública é quando se fala 
em "princípio" de ordem pública e não em "regra" de ordem pública. A regra 
de ordem pública é a cogente, mas, quando se fala em princípio e que aí não 
tem definição, a tendência hoje é recusar esse emprego vago. Na verdade, 
deve-se fazer a distinção entre ordem pública de direção — que era aquela 
econômica, própria da primeira metade do século — e a ordem pública de 
proteção às pessoas mais fracas — que se reflete em normas cogentes. A 
ordem pública de direção, hoje encarada como princípio, está limitada à 
dignidade humana. Quando alguma norma, algumadecisão, algum contrato 
 30
quebra a dignidade humana, podemos dizer que ela quebra o princípio de 
ordem pública; mas daí extravasar para uma ordem pública de ordem 
econômica já não está no mundo de hoje. 
Todo código implica um certo desgaste social e um trabalho muito grande para 
os operadores do Direito. O meu ponto de vista é que o Projeto de Código Civil 
é um pouco, só um pouco mais adiantado do que o Código Civil vigente. Claro, 
porque um é de 1916 e o outro é de 1970. Porém, não concordo — tendo em 
vista as mudanças do mundo de hoje — em adotarmos, para o ano 2000, um 
Projeto, que é de 1970, por uma pequena melhora em relação ao Código Civil. 
Não vale, tudo posto na balança, o desgaste que isso representa e aquilo que 
vai resultar para nós. A questão não é só o Código Civil, e sim, todo o Direito 
Civil, e o Direito Civil como está é superior ao Direito Civil como ficaria, se 
fosse aprovado o Projeto. 
O Dr. Antonio Junqueira de Azevedo é Professor da Universidade de São 
Paulo. 
 
A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS, A BOA-FÉ OBJETIVA E AS 
RECENTES SÚMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.16 
Flávio Tartuce.17 
 
Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL 
DE JUSTIÇA: A RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.. 3. A 
SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A ABUSIVIDADE 
DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM CONTRATOS DE 
PLANO DE SAÚDE. 3. AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR 
 
16 Artigo publicado na Revista científica da Escola Paulista de Direito (EPD – São Paulo). Ano I. N. I. 
Maio/Agosto de 2005. Coordenação científica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. 
17 Graduado pela Faculdade de Direito da USP em 1998. Especialista em Direito Contratual pela COGEAE-
PUC/SP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor dos cursos de pós-graduação em 
Direito Civil, Direito Civil e Processo Civil e Direito Empresarial da Escola Paulista de Direito (EPD). Autor 
e colaborador de obras jurídicas. Advogado em São Paulo. Site: www.flaviotartuce.adv.br. 
 31
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO 
CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E FINANCEIRAS. 4. A 
SÚMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A POSSIBILIDADE 
DE REVISÃO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAÇÃO. 5. REFERÊNCIA 
BIBLIOGRÁFICAS. 
 
1. INTRODUÇÃO. 
Em nosso livro A Função Social dos Contratos, tivemos a oportunidade de 
demonstrar toda a evolução pela qual vem passando o contrato, 
particularmente todas as alterações substanciais pelas quais vem passando 
esse instituto, que é basilar e fundamental não só para o Direito Civil, como 
para todo o Direito Privado.18 
Não vamos, aqui, repetir todos os conceitos que constaram naquela obra. 
Na realidade, o presente trabalho serve como atualização antecipada do nosso 
trabalho, trazendo novos tratamentos jurisprudenciais dados tanto em relação 
à função social dos contratos quanto à boa-fé objetiva. Isso, inclusive, para 
demonstrar que a jurisprudência de nossos Tribunais superiores vêm 
acompanhando essa tendência. 
De qualquer forma, pertinente lembrar que, pela função social dos 
contratos, os negócios jurídicos patrimoniais devem ser analisados de acordo 
com o meio social. Não pode o contrato trazer onerosidades excessivas, 
desproporções, injustiça social.19 Também, não podem os contratos violar 
 
18 Flávio Tartuce. A Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código 
Civil. São Paulo: Método, 2005. 
19 Não se pode esquecer que o contrato é importante fonte obrigacional. Nesse sentido, Nelson Rosenvald, um 
dos mais brilhantes juristas da nova geração sintetiza muito bem como deve ser encarada a obrigação 
atualmente: “A obrigação deve ser vista como uma relação complexa, formada por um conjunto de direitos, 
obrigações e situações jurídicas, compreendendo uma série de deveres de prestação, direitos formativos e 
outras situações jurídicas. A obrigação é tida como um processo – uma série de atos relacionados entre si -, 
que desde o início se encaminha a uma finalidade: a satisfação do interessa na prestação. Hodiernamente, 
não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. Para 
além da perspectiva tradicional de subordinação do devedor ao credor existe o bem comum da relação 
obrigacional, voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao 
devedor. O bem comum na relação obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperação dos 
indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem comprometimento dos direitos da 
 32
interesses metaindividuais ou interesses individuais relacionados com a 
proteção da dignidade humana, conforme reconhece Enunciado n. 23 do 
Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil.20 
Assim sendo, entendemos que a função social dos contratos traz 
conseqüências dentro do contrato (intra partes) e também para fora do 
contrato (extra partes). 
Como efeito intra partes, citamos a previsão do art. 413 do novo Código 
Civil, exemplo típico de relativação da força obrigatória do contrato (pacta sunt 
servanda), justamente uma das conseqüências da função social dos negócios 
jurídicos. Por esse dispositivo, o juiz deve reduzir o valor da cláusula penal se 
a obrigação tiver sido cumprida em parte ou se entender que a multa é 
excessivamente onerosa. Como o comando legal utiliza-se a expressão “deve” 
a redução é de ofício, sem a necessidade de argüição pela parte interessada. 
Isso é confirmado pela natureza jurídica do princípio da função social dos 
contratos, de ordem pública, conforme previsão do art. 2.035, parágrafo único, 
do próprio Código Civil.21 
Como exemplo de efeitos extra partes, citamos um caso em que o 
contrato, pelo menos aparentemente, é bom para as partes, mas ruim para a 
sociedade. Podemos citar um contrato celebrado entre uma empresa e uma 
agência de publicidade. O contrato é civil e paritário, não trazendo qualquer 
desequilíbrio ou quebra do sinalagma. Entretanto, a publicidade veiculada é 
discriminatória (publicidade abusiva – art. 37, § 2º do CDC), estando nesse 
ponto presente o vício. Pela presença do abuso de direito, o contrato pode ser 
 
personalidade e da dignidade do credor e devedor” (Dignidade Humana e Boa-Fé. São Paulo: Saraiva, 
2005, p. 204). 
 
20 “Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio 
da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses 
metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”. 
21 Entendemos que a função social do contrato tem respaldo na Constituição Federal. Primeiro, na tríade 
dignidade-solidariedade-igualdade, que consubstancia o Direito Civil Constitucional, constantes dos arts. 1º, 
3º e 5º da Norma Fundamental. Segundo, na função social da propriedade (art. 5º, XXII e XXIII e art. 170, III 
da CF/88) (Flávio Tartuce. Função Social dos Contratos, ob, cit.). Sobre o Direito Civil Constitucional 
recomendamos a leitura da obra de Gustavo Tepedino (Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 
2004). 
 33
tido como nulo, combinando-se os arts. 187 e 166, VI, do novo Código Civil – 
nulidade por fraude à lei imperativa diante do ato emulativo.22 
Ao lado da função social dos contratos, a boa-fé objetiva procura valorizar 
a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422 
do novo CódigoCivil - função de integração da boa-fé). 
Na dúvida, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a 
boa-fé (art. 113 do novo Código Civil – função de interpretação da boa-fé). 
Em reforço, lembramos a interpretação a favor do consumidor (art. 47 do 
CDC) e do aderente (art. 423 do novo Código Civil). 
Por fim, a boa-fé objetiva está relacionada com deveres anexos, inerentes 
a qualquer negócio. A quebra desses deveres caracteriza o abuso de direito 
(art. 187 do novo Código Civil – função de controle da boa-fé). 
Sem dúvidas, esses dois princípios trazem uma nova dimensão contratual. 
Felizmente, antes mesmo do novo Código Civil a nossa melhor jurisprudência 
já vinha aplicando ao contrato esses novos paradigmas. 
Superou-se a tese pela qual o contrato visa principalmente a segurança 
jurídica. Na realidade, o contrato tem a principal função de atender à pessoa e 
aos interesses da coletividade, diante da tendência de personalização do 
Direito Privado.23 Essa a real função dos contratos! 
As súmulas a seguir, felizmente, servem para demonstrar essa tendência. 
Passamos a analisar o seu conteúdo. 
2. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A 
RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA. 
Prevê a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça que: “A hipoteca 
firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à 
 
22 Vale citar uma passagem de Luigi Ferri, citando Acarelli no sentido de que o juiz deverá anular qualquer 
acordo de vontades pela simples ocorrência de um dano potencial à sociedade, mesmo que haja algum outro 
interesse comum (Luigi Ferri. La Autonomia Privada. Tradução e notas em espanhol por Luis Sancho 
Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969, p. 438) 
23 Sobre a personalização do Direito Privado, recomendamos as contribuições de Luiz Edson Fachin, 
particularmente a brilhante obra Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo (Rio de Janeiro: Renovar, 2001). 
 34
celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os 
adquirentes do imóvel”. Trata-se de súmula com relevante enfoque sociológico. 
Ora, sabe-se que a hipoteca é um direito real de garantia sobre coisa 
alheia, que recai principalmente sobre bens imóveis, tratada entre os arts. 
1.473 a 1.505 do atual Código Civil. Sem prejuízo dessas regras especiais, a 
codificação traz ainda regras gerais quanto aos direitos reais de garantia, entre 
os seus artigos 1.419 a 1.430. 
Um dos principais efeitos da hipoteca é a constituição de um vínculo real, 
que acompanha a coisa (art. 1.419). Esse vínculo real tem efeitos erga omnes, 
dando direito de excussão ao credor hipotecário, contra quem esteja o bem 
(art. 1.422). 
Exemplificando, se um imóvel é garantido pela hipoteca, é possível que o 
credor reivindique o bem contra terceiro adquirente do bem, o que traz o que 
se denomina direito de seqüela. Assim, não importa se o bem foi transferido a 
terceiro; esse também perderá o bem, mesmo que o tenha adquirido de boa-
fé.24 
A constituição da hipoteca é muito comum em contratos de construção 
e incorporação imobiliária, visando um futuro condomínio edilício. Como 
muitas vezes o construtor não tem condições econômicas para levar a frente 
a sua obra, celebra um contrato de empréstimo de dinheiro com um terceiro 
(agente financeiro ou agente financiador), oferecendo o próprio imóvel como 
garantia, o que inclui todas as suas unidades do futuro condomínio. 
 
24 Marco Aurélio S. Viana comenta muito bem esse efeito da hipoteca: “O que caracteriza o direito real de 
garantia é a vinculação de um bem ao cumprimento da obrigação. Sua função é assegurar ao credor a 
satisfação do crédito, colocando-o a cavaleiro da insolvência do devedor (Cf. Orlando Gomes, Direitos Reais, 
cit., v. 2, p. 468; Clóvis Bevilacqua, Direito das Coisas, cit., v. 2, p. 10). O titular do direito goza de seqüela e 
preferência. Vinculado o bem à garantia de uma prestação, sua transmissão implica na do gravame. Isso 
equivale a dizer que o titular do direito real de garantia acompanhará o bem, exigindo a satisfação do crédito, 
pouco importando em mãos de quem ele esteja. O valor do bem está afeto à satisfação do crédito. Assim, 
quem adquire imóvel hipotecado, por exemplo, poderá vê-lo levado à venda para pagamento da dívida que 
garantia. É o direito de seqüela” (Comentários ao Novo Código Civil. Volume XVI. Coordenador: Sálvio de 
Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 700). 
 35
Iniciada a obra, o incorporador começa a vender as unidades para 
terceiros, que no caso são consumidores, pois é evidente a caracterização 
da relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90. 
Diante da boa-fé objetiva e da força obrigatória que ainda rege os 
contratos, espera-se que o incorporador cumpra com todas as suas 
obrigações perante o agente financiador, pagando pontualmente as parcelas 
do financiamento. Assim sendo, não haverá maiores problemas. 
Mas, infelizmente, como nem tudo são flores, nem sempre isso ocorre. 
Em casos tais, quem acabará perdendo o imóvel, adquirido a tão duras 
penas? O consumidor, diante do direito de seqüela advindo da hipoteca. 
A referida súmula visa justamente proteger o último, restringindo os 
efeitos da hipoteca às partes contratantes. Isso, diante da boa-fé objetiva, já 
que aquele que adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas frentes à 
incorporadora, ignorando toda a sistemática jurídica que rege a incorporação 
imobiliária. 
Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser responsabilizado o 
consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba não repassando o 
dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo teor da súmula, que a boa-fé 
objetiva também envolve ordem pública, pois caso contrário não seria possível 
a restrição do direito real.25 
Aliás, concluímos que a boa-fé objetiva é princípio de ordem pública 
interpretando o art. 167, § 2º, do novo Código Civil, que traz a inoponibilidade 
 
25 A referência à boa-fé é expressa no recente julgado a seguir transcrito, do próprio STJ, já 
aplicando a recente súmula 380: “CIVIL E CONSUMIDOR. IMÓVEL. 
INCORPORAÇÃO. FINANCIAMENTO. SFH. HIPOTECA. TERCEIRO 
ADQUIRENTE. BOA-FÉ. NÃO PREVALÊNCIA DO GRAVAME. 1 - O entendimento 
pacificado no âmbito da Segunda Seção deste STJ é no sentido de que, em contratos de 
financiamento para construção de imóveis pelo SFH, a hipoteca concedida pela 
incorporadora em favor do Banco credor, ainda que anterior, não prevalece sobre a boa-fé 
do terceiro que adquire, em momento posterior, a unidade imobiliária. Súmula 308 do 
Superior Tribunal de Justiça. 2 - Recurso especial conhecido, mas não provido” (STJ, REsp 
625045 / GO ; RECURSO ESPECIAL 2003/0229385-3, RELATOR: Ministro 
FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, Julgamento: 17/05/2005, Publicação: 
DJ 06.06.2005). 
 36
do ato simulado frente a terceiros e boa-fé. Esclarecemos. Como se sabe, a 
simulação gera, em regra, a nulidade absoluta do negócio celebrado. Mas essa 
nulidade absoluta, que envolve ordem pública, não poderá ser oposta frente a 
terceiros de boa-fé. Pois bem, se o princípio da boa-fé não envolvesse ordem 
pública, a boa conduta não faria frente ao ato simulado. 
Superado esse ponto, entendemos que a súmula 308 do STJ também 
mantém relação com o princípio da função social dos contratos, já que visa 
preservar os efeitos do contrato de compra e venda do imóvel a favor do 
consumidor, parte economicamente mais fraca. Por essa simples razão, já 
mereceria os nossos aplausos. 
Mas a súmula visa também proteger o direito à moradia, asseguradoconstitucionalmente, no art. 6º da Carta Política de 1988. Reforçando, tende-
se a preservar o negócio jurídico, diante do principio da conservação negocial, 
inerente à concepção social do contrato.26 
Concluindo, percebe-se que a eticidade e a socialidade acabam fazendo 
milagres no campo prático, relativizando o rigor formal da concepção dos 
direitos reais, em prol da proteção do vulnerável, do hipossuficiente, daquele 
que sempre agiu conforme a boa-fé. 
3. A SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A 
ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM 
CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE. 
Não se pode esquecer da grande importância do Código de Defesa do 
Consumidor para os contratos, uma vez que a grande maioria dos negócios 
jurídicos patrimoniais são de consumo, enquadrados nos arts. 2º e 3º da Lei 
n. 8.078/90. 
Por muito tempo, afirmou-se que, havendo relação jurídica de consumo 
não seria possível a aplicação concomitante do Código Civil e do Código de 
 
26 Interessante aqui transcrever o Enunciado n. 22 do Conselho da Justiça Federal, também da I Jornada de 
Direito Civil, que traz a relação entre função social e conservação contratual: “Art. 421: a função social do 
contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de 
conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”. 
 37
Defesa do Consumidor. Isso, na vigência do Código anterior, eminentemente 
individualista e muito distante da proteção do vulnerável constante da Lei 
Consumerista. 
Entretanto, atualmente e ao contrário, tem-se defendido um “diálogo das 
fontes” entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Por meio 
desse diálogo, deve-se entender que os dois sistemas não se excluem, mas se 
complementam. A tese foi trazida para o Brasil por Cláudia Lima Marques, 
utilizando os ensinamentos de Erik Jayme.27 Isso se dá diante de uma 
aproximação principiológica entre os dois sistemas legislativos, principalmente 
no que tange aos contratos.28 
 
27 Cláudia Lima Marques demonstra as razões filosóficas e sociais da tese do “diálogo da fontes”: “Segundo 
Erik Jayme, as características da cultura pós-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicação, a 
narração, o que Jayme denomina de ‘le retour des sentiments’, sendo o Leitmotiv da pós-modernidade a 
valorização dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da 
pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, 
com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (Zersplieterung), manifesta-se no 
pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam 
da proteção do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores 
que se organizam em cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia 
aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma 
dupla função, o ‘double coding’, e onde os valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos 
assegurados, nos direitos à diferença e ao tratamento diferenciado aos privilégios dos ‘espaços de excelência’ 
(JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacionale privé postmoderne. Recueil des Cours 
de l’Académie de Droit International de la Haye, 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 e ss)” (MARQUES, Cláudia 
Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Introdução. São Paulo: Editora Revista dos 
Tribunais, 2004, p. 24). 
28 Sobre essa aproximação, aliás, foi aprovado o Enunciado nº 167 na III Jornada de 
Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em dezembro último, com o 
seguinte teor: “Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação 
principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à 
regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral 
dos contratos”. As razões apontadas pelo magistrado paraibano e jovem civilista Wladimir 
Alcibíades Marinho Falcão Cunha, autor da proposta, são pertinentes, merecendo 
transcrição o seguinte trecho: “Entretanto pode-se dizer que, até o advento do Código Civil 
de 2002, somente o Código de Defesa do Consumidor encampava essa nova concepção 
contratual, ou seja, somente o CDC intervinha diretamente no conteúdo material dos 
contratos. Entretanto, o Código Civil de 2002 passou também a incorporar esse caráter 
cogente no trato das relações contratuais, intervindo diretamente no conteúdo material dos 
contratos, em especial através dos próprios novos princípios contratuais da função social, 
da boa-fé objetiva e da equivalência material.Assim, a corporificação legislativa de uma 
atualizada teoria geral dos contratos protagonizada pelo CDC teve sua continuidade com 
o advento do Código Civil de 2002, o qual, a exemplo daquele, encontra-se carregado de 
novos princípios jurídicos contratuais e cláusulas gerais, todos hábeis a proteção do 
 38
Pretendemos analisar a Súmula 302 do STJ à luz desse diálogo de 
complementariedade entre os dois sistemas, “a permitir a aplicação 
simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas”.29 Prevê a 
referida súmula que “é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que 
limita no tempo o internação hospitalar do segurado”. 
A súmula somente consubstancia o que já vinha entendendo tanto a 
doutrina quanto a jurisprudência.30 A abusividade da cláusula é flagrante, 
enquadrando-se inicialmente no art. 51, I, da Lei n. 8.078/90, pela qual é nula 
a cláusula que exonerem ou atenuem a responsabilidade do prestador do 
serviço. Além dessa previsão, a referida cláusula já era vedada expressamente 
pela Portaria n. 3, de 19 de março de 1999, da Secretaria de Direito 
Econômico do Ministério da Justiça.31 
Fazendo um necessário “diálogo das fontes”, a cláusula de limitação de 
internação poderia também ser considerada abusiva pelo que consta do art. 
424 do atual Código Civil, já que o contrato em questão assume a forma de 
adesão, sendo o seu conteúdo imposto unilateralmente pela empresa de plano 
de saúde. 
Isso porque o comando legal em questão prevê a nulidade absoluta, nos 
contratos de adesão, das cláusulas que implicam em renúncia prévia a direito 
 
consumidor mais fraco nas relações contratuais comuns, sempre em conexão axiológica, 
valorativa, entre dita norma e a Constituição Federal e seus princípios constitucionais. 
Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 são, pois, normas 
representantes de uma nova concepção de contrato e, como tal, possuem pontos de 
confluência em termos de teoria contratual, em especial no que respeita aos princípios 
informadores de uma e de outra norma” (Proposta enviada por e-mail pelo próprio 
Conselho da Justiça Federal aos participantes da III Jornada). 
29 Marques, Cláudia Lima, Comentários, ob. cit., p. 26. 
30 Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: “CONTRATO - Plano de saúde - Contrato de adesão - 
Relatividade das volições contratuais - Cláusula limitativa - Internação em unidade de terapia intensiva (UTI) 
- Prazo exíguo de 15 dias anuais com prorrogação dependente unicamente do critério da prestadora de serviço 
- Nulidade - Predominância do direito à vida sobre qualquer outro - Criação de vantagem exagerada para o 
convênio e restrição do direito para o conveniado - Lei Federal n. 8.078, de 1990 (art. 5º, IV) - Recurso 
provido”. (Tribunal

Outros materiais