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NUTRIÇÃO BACTERIANA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE BIO-INTERAÇÃO – ICS039/MICROBIOLOGIA V
TEXTO SUPLEMENTAR Nº 1
NUTRIÇÃO BACTERIANA
1. INTRODUÇÃO
Entende-se por nutrição bacteriana o conjunto dos processos envolvidos na obtenção, digestão e assimilação de substâncias destinadas à formação das macromoléculas celulares e produção de energia. Tais substâncias são genericamente chamadas de nutrientes.
Quando analisamos o ciclo de vida dos procariotas, constatamos que ele consiste basicamente em dois fenômenos: crescimento e reprodução. Para a ocorrência destes eventos, uma bactéria precisa sintetizar uma ampla gama de compostos orgânicos, normalmente grandes polímeros, dentre os quais podemos destacar: proteínas estruturais e enzimas, mureína, polissacarídios, ácidos teicoicos (em bactérias gram-positivas), lipopolissacarídio (em bactérias gram-negativas) e ácidos nucleicos. Os fosfolipídios de membrana também são polímeros, porém de peso molecular mais baixo. A biossíntese de polímeros é um processo altamente endergônico, o que quer dizer que grande quantidade de energia é consumida na sua realização. Desta forma, além de uma fonte de energia, o meio no qual vive o microrganismo precisa prover os substratos materiais para a biossíntese dos polímeros.
2. COMPOSIÇÃO ELEMENTAR DOS MICRORGANISMOS
A análise da composição química dos microrganismos de interesse médico e odontológico mostra que mais de 95% do peso seco das células é constituído pelos seguintes elementos químicos: carbono, oxigênio, hidrogênio, nitrogênio, enxofre, fósforo, potássio, magnésio, cálcio e ferro. Estes elementos são necessários em quantidades relativamente grandes, sendo denominados macro-elementos ou macronutrientes. A análise qualitativa revela a presença de outros elementos que, por serem exigidos em quantidades muito pequenas, são designados como oligo-elementos ou elementos-traço. Seus principais representantes são cobre, zinco, cobalto, manganês e, eventualmente, molibdênio. Os íons metálicos podem ter diversas funções, conforme mostra a Tabela 1:
Tabela 1 – íons metálicos e algumas de suas funções
	Íon
	Função
	Potássio (K+)
	- Regulação da pressão de turgor
- Cofator enzimático
	Cálcio (Ca++)
	- Estabilização de esporos contra o calor
- Cofator enzimático
	Magnésio (Mg++)
	- Estabilização de ribossomos
- Estabilização da membrana externa de gram-negativos
- Cofator enzimático [Resposta da Asserção 3 do Quesito 06]
	Ferro (Fe++/Fe+++)
	- Cofator de pigmentos respiratórios
	Cobre (Cu+/Cu++)
	- Cofator de pigmento respiratório
	Zinco (Zn++)
	- Estabilização de complexos enzimáticos
- Cofator enzimático
	Manganês (Mn++)
	- Cofator enzimático (Fosfotransferases)
	Molibdênio (Mo++)
	- Cofator enzimático (Nitrogenase – fixação de N)
	Cobalto (Co++)
	- Cofator da vitamina B12
Os íons metálicos são utilizados diretamente em sua forma atômica. A natureza química das substâncias contendo os demais elementos será estudada nas seções seguintes.
Os polímeros citados no item anterior são macromoléculas formadas pela ligação de subunidades mais simples. Lembremos sua natureza química:
(1) Proteínas	São formadas pelos mesmos 20 aminoácidos já descritos para os demais seres vivos. As bactérias podem apresentar outros tipos de aminoácidos, como o ácido diaminopimélico (DAP), mas não em proteínas.
(2) Mureína	É um heteropolímero formado por derivados da glicose e aminoácidos diversos, incluindo DAP em muitas espécies.
(3) Polissacarídios	São formados pela ligação entre monossacarídios, pentoses ou hexoses. Desoxi-açúcares, tais como tivelose e abequose, são freqüentemente encontrados em bactéria gram-negativas.
(4) Ácidos teicoicos	São heteropolímeros que contêm glicerol (ou ribitol) e ácido fosfórico. As hidroxilas residuais destes álcoois podem substituídas por D-aminoácidos, açúcares ou outros compostos. Nos chamados ácidos teicurônicos, o ácido fosfórico é substituído por ácidos da série urônica.
(5) Lipopolissacarídio	Também designado como LPS. Trata-se de um heteropolímero composto por glicosamina, ácido fosfórico, ácidos graxos e açúcares diversos, incluindo KDO.
(6) Ácidos nucleicos	São formados por bases nitrogenadas, pentoses e ácido fosfórico.
(7) Fosfolipídios	São polímeros constituídos por glicerol, ácidos graxos, ácido fosfórico e outros compostos, mais comumente colina, etanolamina, serina e inositol.
As bactérias são incapazes de realizar processos de endocitose, tais como fagocitose ou pinocitose e, por esta razão, não conseguem transportar polímeros nutritivos para dentro do citoplasma. A membrana celular geralmente só permite a entrada de substâncias de peso molecular relativamente baixo, como os aminoácidos, monossacarídios e alguns dissacarídios, glicerol, algumas vitaminas do complexo B, ânions oxigenados relativamente simples (como sulfato e fosfato), diversos íons metálicos, amônia ou o íon amônio e os gases nitrogênio, oxigênio e dióxido de carbono. Outros compostos de pequeno peso molecular podem também atravessar a membrana celular, como certos álcoois e cetoácidos. A variedade de espécies químicas que podem passar através da membrana depende da espécie de bactéria considerada, pois isto se relaciona com o meio onde ela vive e ao qual está adaptada. [Resposta da Asserção 2 do Quesito 06]
UM LEMBRETE IMPORTANTE!
Dificilmente poderíamos estudar as necessidades nutritivas dos microrganismos de interesse médico e/ou odontológico em seu habitat natural, que é o corpo do ser humano. O estudo da nutrição tem que ser feito “in vitro”, sob condições controladas, o que exige meios nutritivos artificiais, chamados de meios de cultura.
Embora o ambiente deva prover as substâncias orgânicas precursoras (subunidades) a partir das quais serão sintetizadas as macromoléculas referidas anteriormente, desejamos salientar que é muito freqüente a transformação intracitoplasmática de uma subunidade fornecida numa subunidade não fornecida. Por exemplo, em muitas bactérias uma via biossintética de lisina parte de aldeído semi-aspártico condensado com ácido pirúvico. Estes microrganismos podem crescer normalmente num meio desprovido de lisina mas que contenha, entre outros compostos, o aminoácido asparagina (ou ácido aspártico) e glicose. O metabolismo destas substâncias permite a obtenção do aldeído e do ácido pirúvico envolvidos no início da via metabólica que conduz à formação da lisina. 
Este exemplo nos conduz às idéias de aminoácidos essenciais e aminoácidos não essenciais. As espécies de bactérias que podem sintetizar lisina da forma que foi mencionada acima, ou outra, podem crescer num meio carente deste aminoácido e, para essas espécies, o mesmo é classificado como não essencial. Já uma espécie incapaz de sintetizar lisina só cresce se este aminoácido estiver presente no meio. Neste caso, a lisina é classificada como essencial. Uma substância indispensável ao metabolismo, mas que um dado microrganismo é incapaz de sintetizar a partir de compostos mais simples denomina-se fator de crescimento. Os aminoácidos, as vitaminas, as coenzimas, as bases nitrogenadas ou seus precursores são os tipos mais comuns de fatores de crescimento. A Tabela 2 apresenta algumas vitaminas do complexo B, sua função metabólica e exemplos de microrganismos que exigem estes compostos.
Tabela 2 – Exemplos de Vitaminas do Complexo B Exigidas por algumas espécies de microrganismos
	Vitamina
	Função
	Microrganismo exigente
	Biotina
	Reações de carboxilação – Fixação de CO2
	Leuconostoc mesenteroides
Saccharomyces cerevisiae
	Cianocobalamina (B12)
	Reações de rearranjo molecular
Transporte de radicais metila
	Lactobacillus acidophilus
[Resposta da Asserção 4 do Quesito 06]
	Ácido fólico
	Metabolismo do “carbono único”
	Enterococcus faecalis
	Ácido pantotênico
	Precursor da Coenzima A – Transporte de radicais acila
(oxidaçãodo piruvato; metabolismo dos ácidos graxos)
	Morganella morganii
	Piridoxina (B6)
	Coenzima de transaminases
	Lactobacillus spp
	Niacina
	Precursor de NAD e NADP – coenzima de óxido-redutases (desidrogenases)
	Brucella abortus
Haemophilus influenzae
	Riboflavina
	Precursor do FAD e FMN – coenzima de óxido-redutases (desidrogenases)
	Caulobacter vibrioides
	Tiamina
	Transferência de grupamento aldeído (descarboxilação do piruvato; oxidação de (-cetoácidos)
	Bacillus anthracis
3. DIGESTÃO MICROBIANA
Embora a membrana celular não permita a passagem de polímeros, sabemos que muitas espécies de microrganismos crescem muito bem se forem alimentados com macromoléculas. Como isto pode acontecer? A resposta é que bactérias e fungos podem secretar uma ampla variedade de enzimas digestivas. 
Do ponto de vista bioquímico essas enzimas são classificadas como hidrolases, ou seja, enzimas capazes de clivar uma ligação covalente com o auxílio de uma molécula de água. Os microrganismos podem perceber a presença de polímeros alimentícios no meio e, a seguir, elaborar e secretar as enzimas necessárias à sua digestão.
Bactérias e fungos podem produzir muitas hidrolases, dentre as quais se destacam proteases, lipases e polissacaridases, o que os habilita a digerir as principais classes de alimentos (proteínas, gorduras e polissacarídios). 
4. FONTES DE CARBONO
Bactérias e fungos exigem o elemento químico carbono principalmente na forma orgânica, ou seja, são heterotróficos. De modo geral, a oferta de carbono se acompanha da oferta de hidrogênio e oxigênio, elementos típicos das substâncias orgânicas. Embora seja bem provável que todas as espécies de microrganismos possam fixar CO2 (através de reações de carboxilação), o que se leva em conta na classificação das bactérias e fungos como seres heterotróficos é sua absoluta dependência de carbono orgânico como principal fonte do elemento.
Que tipos de compostos orgânicos podem ser usados como alimento pelos microrganismos? A resposta a esta pergunta exige várias considerações:
(1) Existem muitas espécies de microrganismos simbiontes humanos e, como você sabe, a diversidade é conseqüência do processo evolutivo;
(2) Uma bactéria da espécie A difere de uma bactéria da espécie B porque apresentam genomas diferentes. Entende-se por genoma o conjunto de todos os genes que estão nos réplicons citoplasmáticos, ou seja, genes contidos no cromossoma ou nos plasmídios (se existirem, na espécie considerada);
(3) Os genes são transcritos e geram moléculas de RNA. No caso das proteínas, seus respectivos genes geram moléculas de RNAm. Muitas proteínas são enzimas;
(4) Uma via metabólica é uma seqüência de reações enzimáticas, na qual o produto da ação de uma enzima passa a ser o substrato da enzima seguinte. Em frações de segundo, uma molécula inicial pode sofrer uma série de transformações. Por convenção, os bioquímicos definem para cada via um começo e um fim;
(5) Toda via metabólica tem um determinado propósito. A cada instante, numa célula bacteriana ou dentro das hifas de um fungo filamentoso, estão ocorrendo centenas de reações enzimáticas, cuja finalidade global é garantir o crescimento e a reprodução do microrganismo. Uma via metabólica de degradação é chamada via catabólica, enquanto uma via envolvida na “construção” de alguma molécula é chamada via anabólica. Uma via que se presta a ambas as coisas é chamada via anfibólica;
(6) As vias metabólicas são passíveis de regulação. Isto quer dizer que determinada via pode ser ligada ou desligada, intensificada ou atenuada. No curso de genética entraremos em mais detalhes, ao tratarmos dos operons bacterianos.
(7) Exatamente por apresentarem composição genética diferente, as várias espécies de microrganismos sintetizam proteínas diferentes, por extensão enzimas diferentes e, claro, exibem vias metabólicas diferentes. Como cada via tem um determinado composto que a inicia, fica claro que o destino de uma subunidade exógena que penetra no citoplasma pode variar, a depender do caminho metabólico seguido.
(8) Muitas vias metabólicas são “preciosidades evolutivas”. Deram tão certo, que foram adotadas por seres vivos de todos os reinos: procariotas, fungos, protistas, plantas e animais. É o caso, por exemplo, da via glicolítica, da via das pentoses e do ciclo de Krebs. 
Voltando à pergunta que formulamos, fica mais fácil entender que os tipos de compostos orgânicos que os microrganismos podem utilizar como alimento dependem dos tipos de enzimas e vias metabólicas que são capazes de acionar e isto está condicionado, em última análise, à sua composição genética. 
A característica nutricional mais marcante dos microrganismos é sua extraordinária flexibilidade no que diz respeito à fonte de carbono. Sabemos que qualquer substância orgânica, polimérica ou não, de ocorrência natural, pode ser usada como alimento por uma ou mais espécies de microrganismos, e esta é a razão pela qual os mesmos são considerados como decompositores nas teias alimentares. 
Embora um número muito grande de espécies de microrganismos de vida livre seja capaz de metabolizar proteínas, polissacarídios (como amido e glicogênio) e gorduras que nos são bem familiares (e/ou derivados destes compostos), são conhecidas espécies capazes de utilizar alimentos que não podemos digerir ou que nos seriam intragáveis, tais como celulose, hemicelulose e pectina (presentes em paredes celulares de células vegetais), quitina (presente em paredes celulares de insetos, por exemplo) e queratina (presente em pêlos, cascos e chifres). Há microrganismos capazes de se alimentar com tolueno, octano, naftaleno e muitos outros hidrocarbonetos (presentes no petróleo), detergentes (os chamados biodegradáveis) e até alguns desinfetantes. Os actinomicetos do solo podem degradar álcool amílico, parafinas e mesmo borracha. Pseudomonas cepacea é uma bactéria de vida livre classificável como onívora: pode usar como alimento mais de 100 compostos orgânicos diferentes! Em contraste, as chamadas bactérias metilotróficas usam apenas metano, metanol, monóxido de carbono, ácido fórmico ou outras moléculas simples contendo apenas 1 átomo de carbono.
Lembremos, porém, que a quase totalidade das bactérias e fungos de interesse médico e/ou odontológico evoluíram em contato com os seres humanos e, uma vez adaptados à nossa espécie, não podem usar como alimento todos os compostos “estranhos” referidos no parágrafo anterior. Os microrganismos simbiontes que compõem a microbiota residente humana podem ser úteis de várias maneiras, e uma possível ação favorável desses seres microscópicos, no intestino grosso, é a utilização de polissacarídios não digeríveis presentes em nossa dieta (exemplificados por amido resistente à digestão, celulose, hemicelulose, pectina, guar, betaglicano, lignina de Klason). A digestão microbiana desses compostos e a subseqüente fermentação dos açúcares derivados da hidrólise pode gerar substâncias tidas como capazes de estimular a motilidade intestinal, como o ácido butírico. O estímulo ao peristaltismo, associado à massa das fibras hidrofílicas que escaparam da digestão microbiana, são ambos fatores que contribuem para a eliminação do conteúdo intestinal. [Resposta da Asserção 1 do Quesito 06]
Apresentada brevemente a flexibilidade alimentar dos microrganismos, cabe agora a seguinte pergunta: que tipos de nutrientes são exigidos pelas bactérias e fungos de interesse médico e odontológico? Eles utilizam carboidratos, proteínas e, eventualmente, gorduras. Todos eles precisam de água, sais minerais e, dependendo da espécie, um ou mais fatores de crescimento. 
No entanto, se desejarmos saber quais são as substâncias capazes de servir de alimento para uma determinada espécie de bactéria ou fungo as coisas se complicam um pouco. Por exemplo, podemos estar interessados em saber se Staphylococcus aureus pode metabolizar xilose. Atualmente, há diversas abordagens para responder esta pergunta. Uma estratégiaclássica seria preparar um meio de cultura quimicamente definido (ou seja, um meio cuja composição química exata é conhecida), contendo xilose como única fonte de carbono. A bactéria seria semeada neste meio e o crescimento atestaria sua capacidade de usar este açúcar como alimento. No entanto, esta estratégia nem sempre dá certo porque muitas espécies de bactérias de interesse médico não crescem em meios quimicamente definidos. Só crescem em meios orgânicos complexos e, em certos casos, simplesmente não crescem em nenhum tipo de meio que o homem tenha preparado até o momento. 
ENCARTE 1 – O QUE A GERAÇÃO ESPONTÂNEA TEM A VER COM MEIOS DE CULTURA?
Recordemos um episódio que marcou de forma indelével a evolução da Microbiologia. Nos séculos dezoito e dezenove, a origem dos seres vivos microscópicos motivou acalorados debates, polarizados em duas correntes irreconciliáveis: a dos defensores da hipótese de abiogênese, que propunha a geração espontânea dos micróbios, e a dos defensores da biogênese, que argumentavam que os micróbios provinham de “pais” iguais a eles. 
Os experimentos destinados a validar uma ou outra das suposições eram realizados comumente em infusões, que nada mais são do que chás feitos pela cocção de tecidos vegetais ou animais. Ao demonstrar que a geração espontânea de microrganismos não ocorria em infusões de carne corretamente esterilizadas e adequadamente protegidas de contaminação ulterior, Louis Pasteur estava mostrando também como eles poderiam ser cultivados, ou seja, nutridos. Por volta de 1880, tanto os pesquisadores franceses como os alemães (influenciados por Robert Koch) já sabiam que era possível cultivar muitas espécies de bactérias de interesse médico em infusões preparadas com carne bovina e, em 1882, em meios idênticos com agar. O agar (ou gelose) é um polissacarídio extraído da parede celular de algas marinhas, cuja função é dar consistência (gelificar) um meio de cultura. As bactérias de interesse médico, odontológico e veterinário não atacam o agar, ou seja, não são capazes de metabolizar esta substância, mas há uma exceção, a bactéria Eikenella corrodens. 
O pragmatismo dos bacteriologistas europeus do século dezenove rapidamente trouxe a solução para a questão de como fornecer nutrientes orgânicos, especialmente carbono e nitrogênio, aos microrganismos de interesse médico: proteínas de origem animal (como carne, gelatina, caseína) ou vegetal (soja). 
Como você sabe, a carne de qualquer animal é basicamente tecido muscular. A partir da carne bovina podem ser preparados dois produtos muito usados em meios de cultura, que são a peptona e o extrato de carne. 
Peptona é o produto que se obtém pela digestão parcial de proteínas, ou seja, é uma mistura de polipeptídios de tamanhos variáveis. As peptonas são produzidas em geral a partir de carne bovina, de proteínas contidas na soja ou de caseína (uma proteína do leite). Como as peptonas são derivadas de proteínas, elas são uma fonte de carbono e também de nitrogênio, oxigênio e hidrogênio. Obviamente, os polipeptídios que compõem a peptona devem ainda ser digeridos por hidrolases microbianas, para a produção de fragmentos suficientemente pequenos, que possam atravessar a membrana celular. Os microrganismos secretam hidrolases diversas para digerir as peptonas: carboxipeptidades, aminopeptidases e endopeptidades. O processo industrial de produção de peptonas não requer que as mesmas tenham um elevado grau de pureza. Comercializadas na forma de pós altamente hidrofílicos, as peptonas disponíveis não podem ser consideradas como matéria orgânica que contenha apenas aminoácidos polimerizados. [Resposta da Asserção 2 do Quesito 07]
O extrato de carne é obtido pela cocção da carne, ou seja, é um extrato aquoso de tecido muscular. O rompimento do sarcolema pelo calor leva à liberação de uma grande variedade de compostos orgânicos, presentes nas miofibrilas. Trata-se de uma mistura muito complexa de compostos orgânicos e inorgânicos, contendo tanto substâncias de alto peso molecular como substâncias de baixo peso molecular, incluindo algumas vitaminas. O extrato de carne também é fonte dos elementos C, N, O, e H. É comercializado tanto na forma de pó (muito hidrofílico) como na forma de pasta.
 
5. FONTES DE NITROGÊNIO
O elemento químico nitrogênio está presente nas proteínas, ácidos nucleicos, alguns polissacarídios, mureína, ácidos teicoicos, LPS, fosfolipídios, vitaminas e coenzimas. Nestes compostos orgânicos o nitrogênio se apresenta em geral com número de oxidação –3, que é sua forma mais reduzida possível. Havendo amônia no citoplasma, a maior parte dos microrganismos consegue sintetizar as subunidades exigidas para a biossíntese das macromoléculas nitrogenadas.
A forma química do nitrogênio assimilado varia conforme a espécie. Alguns microrganismos podem capturar o nitrogênio atmosférico e reduzi-lo a amônia. Esta transformação de N2 em NH3 denomina-se fixação de nitrogênio. É um processo redutivo altamente endergônico, catalisado por uma enzima denominada nitrogenase, que exige molibdênio como cofator. A fixação de nitrogênio não é comumente detectada em bactérias e fungos de interesse médico. Na forma de amônia, o nitrogênio pode entrar no “pool” orgânico citoplasmático de diversos modos. Uma reação enzimática muito usada pelas bactérias é a seguinte:
HOOC – CO – CH2 – CH2 – COOH + NH3 + NADPH ( HOOC – CH.(NH3)+ – CH2 – CH2 – COOH + NADP 
	 Ácido (-cetoglutárico				 ácido glutâmico 
Algumas espécies de microrganismos podem obter nitrogênio na forma de nitrato e alguns na forma de nitrito. Em ambos os casos estas espécies químicas devem ser reduzidas à forma biologicamente utilizável de amônia. 
A maior parte das bactérias e fungos de importância médica não é capaz de utilizar nitrogênio molecular, nem nitratos e nem nitritos. Podem, no entanto, assimilar amônia, caso esta esteja presente no meio. Por fim, os microrganismos carentes das enzimas que catalisam reações específicas de incorporação de amônia a compostos preexistentes, exigem nitrogênio orgânico. Neste caso, os compostos nitrogenados exigidos são classificados como fatores de crescimento. [Resposta da Asserção 1 do Quesito 07]
6. FONTES DE ENXOFRE E FÓSFORO
O elemento químico enxofre está presente em importantes compostos celulares, tais como metionina, cisteína, acetilcoenzima A, tiamina, dentre outros. Nestes compostos, o enxofre funciona com número de oxidação –2. Muitas espécies de microrganismos podem utilizar sulfato (SO4=), reduzindo-o à H2S. Este composto, por sua vez, pode ser usado nas reações de biossíntese da matéria orgânica. A capacidade de utilizar enxofre na forma de sulfeto de hidrogênio dissolvido no meio está limitada a um número muito reduzido de espécies de microrganismos, e o mesmo se aplica à utilização de enxofre elementar. A impossibilidade de metabolizar enxofre numa das formas químicas mencionadas torna o germe exigente de enxofre já na forma orgânica.
O elemento químico fósforo está presente em muitos compostos orgânicos celulares, tais como ATP, NADP, ácidos nucleicos, LPS, ácidos teicoicos, dentre outros. Da mesma forma que os seres humanos, os microrganismos só podem obter este elemento na forma de fosfato inorgânico. 
7. FATORES AMBIENTAIS INFLUENTES NO CRESCIMENTO
Os mais importantes fatores ambientais capazes de influir no crescimento microbiano são o pH, a temperatura, a aeração, a força iônica e a pressão osmótica, sobre os quais faremos um breve relato.
7.1. Concentração de H+ (pH)
A maior parte das espécies de microrganismos apresenta uma estreita faixa de pH na qual pode crescer. O pH ótimo de crescimento deve ser determinado empiricamente. Existem germes neutralófilos (pH ótimo de 7,2), acidófilos (pH ótimo de 3,0 ou menos) e alcalófilos (pH ótimo de até 10,5). O pH interno é regulado por sistemas transportadores de prótons localizados na membrana celular, incluindo uma bomba de prótons primária e um trocadorde Na+/H+. 
7.2. TEMPERATURA
A tolerância dos microrganismos a diferentes faixas de temperatura varia de modo impressionante. Existem espécies psicrófilas (que crescem muito bem a 15 0C), mesófilas (com crescimento ótimo a 35 0C) e termófilas (cujo crescimento é ótimo a 60 0C). Nas zonas termais marinhas são encontradas arqueobactérias vicejando a temperaturas superiores a 100 0C. Os microrganismos de interesse médico e odontológico são mesófilos. Você saberia dizer por que?
O limite superior da faixa de temperatura tolerada por uma espécie de microrganismo correlaciona-se muito bem com a estabilidade térmica geral de suas proteínas, conforme pode ser determinado em extratos celulares. Os microrganismos, da mesma forma que as plantas e os animais, apresentam o que se chama de resposta de choque térmico: havendo aumento brusco da temperatura ambiente, ocorre síntese transitória de um conjunto de proteínas especializadas, as proteínas de choque térmico (HSP – heat shock proteins), cuja função parece ser a de estabilizar as outras proteínas celulares, garantindo sua função. Obviamente, as HSP são mais termorresistentes do que as proteínas celulares comuns. As bactérias também são vulneráveis ao choque frio. Isto significa que uma queda rápida de temperatura pode matar uma grande parcela da população. Ainda não entendemos completamente este fenômeno.
As variações de temperatura influem na velocidade de crescimento dos microrganismos, porque elas afetam a velocidade das reações químicas. Temperaturas extremas aniquilam os microrganismos. Embora se saiba que temperaturas muito baixas podem matar alguns tipos de microrganismos, na prática elas não são usadas como método de esterilização porque muitas espécies de bactérias sobrevivem no frio. Este conhecimento é explorado, por exemplo, na manutenção de coleções de bactérias (bacteriotecas) no estado liofilizado. A idéia de colocar alimentos em geladeira baseia-se no fato de que a drástica atenuação na velocidade de crescimento nos dá a chance de consumir nossos nutrientes antes que os microrganismos o façam. 
Temperaturas elevadas são usadas na destruição de microrganismos em processos de esterilização (forno de ar quente e autoclave, por exemplo).
7.3. AERAÇÃO [Resposta das Asserções 2, 3 e 4 do Quesito 05]
Os fungos, em geral usam o oxigênio molecular como aceptor final de elétrons. Na ausência deste gás, muitas espécies mudam seu metabolismo para processos fermentativos. 
No caso das bactérias, o comportamento frente ao oxigênio pode ser descrito da seguinte maneira: há espécies aeróbias estritas, ou seja, só crescem se houver oxigênio para usar como aceptor final de elétrons em processos respiratórios; há espécies microaerofílicas, definidas como as que exigem O2 como aceptor final de elétrons, mas numa pressão parcial menor do que a encontrada no ar ambiente; há espécies anaeróbias, sensíveis ao oxigênio, que não podem usar este gás como aceptor final de elétrons; por fim, existem espécies denominadas facultativas, porque crescem na presença ou na ausência do ar. 
Infelizmente, não dispomos ainda de uma nomenclatura adequada e amplamente aceita para caracterizar as relações das bactérias com o oxigênio. Por exemplo, quando dizemos que uma bactéria é facultativa (também chamada anaeróbia facultativa e, mais raramente, aeróbia facultativa), isto simplesmente quer dizer que ela cresce na presença de oxigênio ou na ausência deste gás e, por extensão, na presença ou na ausência de ar. Porém, do ponto de vista metabólico, pode estar ocorrendo o seguinte: (a) na presença de oxigênio o germe respira e, na sua ausência, fermenta; (b) tanto faz haver oxigênio como não, o germe apenas fermenta; (c) na presença de oxigênio, o germe usa esta substância como aceptor de elétrons e, na ausência deste gás, o germe usa outro aceptor inorgânico de elétrons (como nitrato, sulfato ou carbonato). 
Qualquer célula, eucariótica ou procariótica, exposta ao O2, está sujeita à produção acidental de peróxido de hidrogênio (H2O2) e do íon superóxido (O2(). Na presença de ferro, estas espécies químicas podem gerar radicais hidroxila, extremamente reativos e capazes de danificar muitos tipos de moléculas:
O2- + H2O2 ( O2 + OH- + *OH
As bactérias aerotolerantes, ou seja, as que crescem na presença de ar, em geral apresentam as enzimas superóxido-dismutase (SOD) e catalase, capazes de eliminar as espécies químicas mencionadas acima, conforme as reações abaixo:
(1) superóxido-dismutase: 2O2- + 2H+ ( O2 + H2O2 
(2) catalase:		 2H2O2 ( 2H2O + O2 
Existem microrganismos fermentativos aerotolerantes que não apresentam atividade de catalase nem de superóxido-dismutase. Nestas espécies, ou o oxigênio molecular não é reduzido ou existem outros mecanismos bioquímicos de eliminação de radicais ou moléculas hiperreativas derivadas do O2.
As bactérias classificadas como anaeróbias estritas não produzem as duas enzimas mencionadas acima e, por esta razão, são extremamente sensíveis ao oxigênio molecular. As espécies anaeróbias de interesse médico obtêm energia por meio de processos fermentativos e não utilizam primariamente as reações metabólicas descritas como respiração anaeróbia, conforme será explicado noutra parte deste curso. 
O peróxido de hidrogênio tem a capacidade de lesar o DNA. As bactérias possuem em seu cromossomo um gene denominado recA, cujo produto – a proteína RecA –, atua tanto na recombinação genética quanto no reparo de DNA lesado. Já foi mostrado que em certas espécies de bactérias a ação desta proteína é mais importante do que a catalase ou a SOD na defesa contra H2O2.
O fornecimento de oxigênio às células pode ser um fator limitante do crescimento microbiano em grande escala. Tem sido difícil conseguir concentrações celulares superiores a cerca de 5 x 109 bactérias/mL devido à dificuldade de difusão do gás para as células.
O cultivo das bactérias anaeróbias apresenta um desafio oposto: a exclusão do oxigênio. Isto pode ser feito pela incorporação de uma substância redutora não tóxica ao meio (como tioglicolato de sódio ou cisteína), pela selagem de tubos de cultivo com uma camada de hidrocarbonetos inertes, pela utilização de sistemas comerciais dos quais o oxigênio é removido física ou quimicamente (v.g., sistema GasPakTM) ou pela manipulação dos cultivos numa câmara anaeróbia através de luvas (glove-box).
7.4. FORÇA IÔNICA E PRESSÃO OSMÓTICA
No caso das bactérias de interesse médico e odontológico, os meios de cultura usuais não apresentam problemas no que diz respeito a estes dois parâmetros. No entanto, quando o cultivo envolve microrganismos ambientais, devemos considerá-los. Micróbios que exigem elevadas concentrações de sais para crescimento são denominados halófilos, enquanto os que exigem altas pressões osmóticas são denominados osmófilos (ou osmofílicos). Dependendo da espécie, mecanismos diferentes podem ser usados para o controle da força iônica e/ou da pressão osmótica. Por exemplo, a osmolaridade pode ser regulada pelo transporte ativo de K+ para dentro da célula, enquanto a força iônica pode ser mantida constante pela excreção de poliaminas dotadas de várias cargas positivas, como a putrescina.
8. MÉTODOS DE CULTURA
Quando um profissional decide cultivar micróbios, deve considerar dois pontos fundamentais: a escolha de um meio adequado e o isolamento de um germe. Entende-se por isolamento a obtenção de um microrganismo em cultura pura, o que quer dizer lidar com uma espécie separada das demais. Esta idéia não implica necessariamente em pureza genética, mas deixaremos esta questão para avaliação posterior.
Na prática, as situações mais comumente encontradas são as seguintes:
(1) Necessidade de cultivar certa quantidade de células numa amostra disponível (por exemplo, pus);
(2) Necessidade de determinar o número e os tipos de microrganismos presentes numa amostra (por exemplo, leite);
(3) Necessidade de isolar um determinadotipo de microrganismo de uma fonte natural (por exemplo, terra).
Na situação (1), devemos tentar imitar da forma mais próxima possível, as condições encontradas pelo germe em seu habitat natural. Conseguimos reproduzir com certa facilidade as condições ambientais que cercam o micróbio em seu ambiente natural (como pH, temperatura, aeração e pressão osmótica), mas satisfazer as exigências nutritivas nem sempre é fácil. Alguns tipos de bactérias de interesse médico, como o bacilo da lepra (Mycobacterium leprae) e o espiroqueta da sífilis (Treponema pallidum) não foram até o momento propagados em meios artificiais. 
Na situação (2), a amostra deve ser semeada em vários tipos de meios de cultura sólidos (para minimizar a competição inter-específica), além do que os fatores ambientais influentes no crescimento devem ser combinados de muitos modos. Em resumo, isto é dispendioso e trabalhoso.
Na situação (3), como já sabemos de antemão que a amostra contém uma mistura muito grande de espécies, utilizamos uma combinação de fatores ambientais e fórmula nutritiva que favoreça o crescimento do germe procurado. Ao contrário da situação (2), na qual os meios usados são sólidos, aqui usamos um meio líquido, que passa a ser chamado de cultura de enriquecimento. Um exemplo clássico de cultura de enriquecimento é o isolamento de fixadores aeróbios de nitrogênio presentes no solo fértil, particularmente espécies de Azotobacter. Uma pequena amostra de solo é semeada num meio sabidamente capaz de permitir o crescimento desta bactéria. O meio líquido, que não contém nenhum nitrogênio orgânico deliberadamente acrescentado, é incubado em aerobiose. Caso haja células de Azotobacter na amostra, elas crescerão devido à fixação de nitrogênio, enquanto outras espécies presentes só crescerão se conseguirem utilizar a ínfima quantidade de nitrogênio orgânico presente na própria amostra de solo semeada. O resultado é um intenso crescimento do fixador de nitrogênio e crescimento mínimo ou nenhum das espécies “contaminantes”. Para que você compreenda bem o que estamos considerando, lembramos que uma amostra de apenas 1,0 grama de solo fértil pode conter 106 ou mais células de muitas espécies de bactérias e fungos! Numa população deste tamanho, e tão heterogênea, as células de Azotobacter podem estar representadas por poucas centenas. Desta forma, ao final do experimento de enriquecimento, a quantidade de células fixadoras de N2 é muito grande, tendo ultrapassado todas as outras espécies presentes na amostra inoculada. O Azotobacter também cresce em meios sólidos isentos de nitrogênio orgânico. Sabendo que o objetivo final de uma cultura de enriquecimento é o isolamento de determinado germe, perguntamos: por que a amostra de solo não é inicialmente semeada num meio sólido? 
9. CLASSIFICAÇÃO NUTRICIONAL DOS SERES VIVOS
O crescimento dos microrganismos depende também de uma fonte de energia. Apenas a luz e as reações de óxido-redução podem ser usadas na obtenção de energia e, em função deste parâmetro, os seres vivos podem ser classificados em fototróficos e quimitróficos, conforme dependam da luz ou de reações redox, respectivamente. Como as reações redox exigem a participação de substâncias que também são tidas como nutrientes, parece pertinente elaborar uma classificação nutricional dos seres vivos que contemple a fonte primária de energia, além da fonte de carbono. Usando os prefixos foto e quimio para designar a fonte de energia, e os sufixos autotrófico (ou litotrófico) e heterotrófico (ou organotrófico) para designar a principal fonte de carbono, podemos construir termos como foto-heterotrófico, que serve para designar um ser vivo que obtém energia usando luz, mas usa compostos orgânicos como principal fonte de carbono. Observe que se tentássemos classificá-lo com o sistema tradicional (autotrófico ou heterotrófico), ficaríamos numa situação difícil...
A Tabela 3 apresenta a classificação nutricional dos seres vivos, de acordo com suas fontes de carbono e de energia.
Tabela 3 – Classificação nutricional dos seres vivos
	Tipo nutricional
	Fonte de Energia
	Fonte de Carbono
	Exemplos
	Fotoautotrófico
	Luz
	CO2
	Todos os vegetais; cianobactérias e bactérias sulfurosas purpúricas e verdes
	Foto-heterotrófico
	Luz
	C-orgânico
	Bactérias não sulfurosas purpúricas e verdes
	Quimiautotrófico
	Redox
	CO2
	Bactérias nitrificantes
	Quimio-heterotrófico
	Redox
	C-orgânico
	Todos os animais, protozoários e fungos. Todas as bactérias de interesse médico, odontológico e veterinário
Prof. Jefferson Corrêa
Abril de 2001.
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