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Fundamentos de Psicologista - Psicologia evolucionista

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1 INTRODUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS
María Emúia Yamamoto
A Psicologia Evolucionista tem alcançado grande reper­
cussão na m ídia e suas propostas são consideradas inova­
doras pela abordagem evolutiva ao comportamento hum a­
no. N o entanto, é o próprio D arw in quem, ao propor a 
teoria da evolução, abre a possibilidade da inclusão do 
hom em dentro dessa m oldura teórica através de dois de 
seus livros: A Origem das Espécies (1859/1996) e A Expres­
são das Emoções no Homem e nos Anim ais (1873/1998). 
No primeiro, ele propõe a teoria da evolução1 através da 
seleção natural2, que parte do pressuposto de que há uma 
continuidade entre todos os seres vivos, o hom em aí 
incluído5. Isto já havia sido proposto por Aristóteles, com 
sua Scala Naturae, porém, esta via a evolução como uma 
escada, com o hom em em seu topo. O grande mérito de 
Darwin foi descartar a linearidade e propor uma estrutu­
ra ramificada, a árvore da vida, nascida de um a única raiz,
'A teoria da evolução propõe que as espécies hoje existentes evoluíram 
a partir da modificação genética de seus ancestrais, através de alterações 
graduais, e pelo m ecanism o da seleção natural. Após a formulação de
D arw in, várias adições foram propostas, com o as m utações neutras, o 
efeito do fundador, a deriva genética c a exaptação.
-A seleção natural é um processo através do qual indivíduos mostram sobre­
vivência c/ou reprodução diferencial. Para que a seleção natural ocorra,
três condições devem ser satisfeitas: a) a população cm que esse indivíduo 
se encontra deve m ostrar variação genética; b) essa característica, de base 
genética, deve ser transmitida através da hereditariedade; c) algumas das 
variações devem prover vantagens reprodutivas e/ou de sobrevivência ao 
seu portador.
'D arw in desenvolveu a teoria da seleção natural sem qualquer conheci­
m ento das leis mendelianas da genética, o que to m a o seu feito ainda 
mais notável. Rose (1998) relata que, após a m orte de Darwin, foi encon­
trada, entre seus papéis, um a correspondência com a cópia do trabalho de 
M endel com ervilhas, ainda por abrir. Fica a cargo de nossa imaginação o 
que poderia advir deste encontro de idéias.
evoluindo e diversificando-se em inúmeros ramos evolu­
tivos.
O segundo livro, A Expressão das Emoções no Homem e 
nos Animais, abriu as portas para o estudo do homem e de 
sua psicologia do ponto de vista evolutivo. Este foi o tercei­
ro e último de um a série de livros com os quais Darwin 
pretendia dar sustentação à teoria da evolução, proposta 
na Origem. Nas Emoções, Darwin demonstra que os animais 
têm emoções e descreve como eles as demonstram. O últi­
m o terço do livro é dedicado às emoções humanas. Darwin 
defende que a manifestação de boa parte das emoções não 
é aprendida, mas que foi gradualmente adquirida através 
da evolução. Considera que essas expressões têm sua origem 
em ancestrais, em alguns casos comuns a outras espécies, 
o que se evidencia pela semelhança com que elas se expres­
sam (por exemplo, a fúria em cães, macacos e homens, 
pela exibição dos caninos) e pela sua universalidade. Este 
livro pode ser considerado como o precursor do estudo 
das bases biológicas do comportamento, ao relacionar as 
expressões e as emoções subjacentes com reações fisioló­
gicas que as acompanham.
Após a morte de Darwin, em 1882, a teoria da evolução 
caiu em esquecimento e só foi renascer após a redescober- 
ta das publicações de Mendel, na primeira metade do sécu­
lo XX. Porém, junto a esse renascimento, houve a infeliz 
associação entre a teoria da evolução e o darwinismo social, 
pensamento desenvolvido a partir das idéias de Robert 
Spencer, que defendia a tese da sobrevivência do mais apto, 
aplicada às instituições sociais, uma grosseira distorção das 
idéias de Darwin. Associada ao uso das idéias evolucionis- 
tas na explicação da evolução das sociedades humanas,
2 Introdução: Aspectos Históricos
surge outra utilização equivocada dos princípios darwinis- 
tas, que é a associação entre evolução e progresso“1. Esta 
linha de raciocínio supõe que evolução caminha no senti­
do do aperfeiçoamento das espécies, começando nas mais 
simples, que, em termos mentais, só possuiriam reflexos, 
até seu ápice, o ser humano. Haveria, portanto, espécies 
“melhores” ou “mais evoluídas” do que outras. Spencer 
defendia também que as sociedades humanas se tomavam 
cada vez mais desenvolvidas, e os europeus estariam muito 
à frente, portanto, das populações consideradas primitivas. 
D aí decorreu a idéia de que as “raças-” também teriam 
atingido patamares evolutivos diferentes, argumento sem 
qualquer base científica. N o entanto, a despeito dessas 
discussões não se basearem naquilo que D arw in havia 
proposto, estas idéias marcaram negativamente a teoria da 
evolução, principalmente em suas tentativas de aplicação 
ao comportamento hum ano, culminando com o “debate 
da sociobiologia” que discutiremos adiante. Explicações 
biológicas ou sociais/culturais têm sido favorecidas ao 
longo do século e meio desde a publicação de A Origem 
das Espécies, revezando-se na preferência acadêmica e popu­
lar (Laland e Brown, 2002). A preferência por um ou outro 
tipo de explicação parece estar mais ligada a questões polí­
ticas do que propriamente científicas. Voltaremos a este 
ponto posteriormente.
Uma área de pesquisa de abordagem evolutiva surgiu 
na Europa mais recentemente, nos meados do século XX, 
a Etologia. Embora algumas propostas sobre o estudo do 
comportamento animal estivessem presentes desde o início 
do século, pode-se considerar que a Etologia emerge, de 
fato, como um a área independente de conhecimento a 
partir do esforço conjunto de NikolaasTinbergen e Konrad 
Lorenz. A proposta metodológica apresentada por estes
‘A palavra “evolução” no sentido biológico não tem o sentido de progresso. 
A evolução biológica consiste na m udança das características hereditárias 
de grupos de organismos ao longo das gerações, através de processos alea­
tórios, o mais im portante deles sendo a seleção natural. Um organismo 
mais bem adaptado é aquele que m elhor responde às pressões seletivas 
apresentadas pelo meio cm que vive, e, nesse sentido, não há organismos 
ou indivíduos intrinsecam ente melhores ou piores. A adaptação é forte­
m ente dependente do meio c um indivíduo bem adaptado em um ambiente 
pode-se m ostrar totalm ente inadequado cm term os de sobrevivência e 
reprodução em outro.
çO conceito de raça não é mais aceito pela biologia (Futuyma, 1992) e a 
possibilidade de uma política eugenista bem-sucedida foi descartada, com 
argumentos científicos, já cm 1917, por Punnct (Rose, 1998). Além disso, 
pesquisas sobre genética de populações mostraram que a variação gênica 
entre populações é m uito pequena comparada com a variação intrapopu- 
lacional. Portanto, qualquer resquício de opiniões racistas na psicologia ou 
cm outras áreas do conhecim ento é m uito mais um a questão de opinião 
do que de suporte científico.
dois etólogos incluía um período extenso de observação 
do comportamento de indivíduos da espécie em estudo, 
preferencialmente em seu ambiente natural, e a descrição 
cuidadosa dos padrões de comportamento específicos da 
espécie.
N o mesmo período em que a Etologia surgiu na Euro­
pa, ganhou evidência nos Estados Unidos a proposta de 
estudo do comportamento animal do ponto de vista da 
Psicologia, a Psicologia Comparada. Esta área, até mesmo 
em função de sua origem na Psicologia, interessava-se 
m uito mais pelas informações que os estudos com animais 
pudessem fornecer sobre o com portam ento hum ano, e 
focava suas investigações principalmente na aprendizagem 
e em um núm ero restrito de espécies. Os pontos de vista 
opostos geraram uma batalha constante entre as duas áreas, 
embora hoje em dia elas possam ser consideradas como 
complementares (para uma discussão mais aprofundada 
desta questão, ver Yamamoto, 2005). Em função desta 
batalha constante com os psicólogos, os etólogos enfati­
zavam m uito as características fixas do com portam ento e 
as semelhanças entre indivíduos da mesma espécie, negli­
genciando as variações individuais, pedra de toque da pers­
pectiva evolucionista. Não surpreende, dada a ênfase, o 
erro de pensar a seleção natural como um mecanismo que 
opera para o bem da espécie, e não do indivíduo.
Por outro lado, a Etologia fez importantes contribuições 
para a compreensão do comportamento animal e humano, 
como a idéia de que a aprendizagem é um a habilidade 
evoluída, e principalmente de que o desenvolvimento de 
um indivíduo não é predeterminado, mas sofre limitações, 
na forma de predisposições biológicas. Uma das contri­
buições mais notáveis foi a proposta das quatro questões 
no estudo do comportamento, deTinbergen (1963), que 
até hoje constituem um a referência na área. Em resposta 
à divergência sobre que tipo de explicação sobre o compor­
tam ento era mais adequada, Tinbergen propôs quatro 
questões complementares que deveriam ser respondidas 
para um com pleto entendim ento da determ inação do 
comportamento: a) quais são os mecanismos que regulam 
o comportamento; b) como o comportamento se desen­
volve; c) qual o seu valor de sobrevivência; d) como ele 
evoluiu ou qual sua história filogenérica. As duas primei­
ras são tam bém chamadas de questões próximas, pois 
dizem respeito aos determinantes localizados no ambien­
te interno e externo do indivíduo. As duas últimas são 
denominadas questões finais ou funcionais, no sentido de 
que procuram por determinantes evolutivos. Poderíamos
Introdução: Aspectos Históricos 3
dizer que as questões próximas são questões do tipo “como” 
e as finais, do tipo “por quê”.
Em 1972, o reconhecimento desta área aconteceu de 
forma espetacular, com a outorga do Prêmio Nobel de 
Fisiologia ou Medicina a Tinbergen, Lorenz e Karl Von 
Frisch (por seu trabalho sobre o sistema de comunicação 
em abelhas). Se por um lado o prêmio refletiu o otimismo 
em relação ao potencial da área para explicar o compor­
tam ento hum ano, por outro lado havia um clima desfa­
vorável para explicações biológicas do com portam ento 
humano, em fàce da situação pós-guerra. Isto se fazia notar 
especialmente quando eram tentadas extrapolações do 
comportamento animal para o hum ano e as críticas surgi­
ram de forma mais contundente ao livro On Aggression 
(Lorenz, 1966/1974) e principalmente Sociobiology: The 
N ew Synthesis (Wilson, 1975). A controvérsia inspirada 
principalmente pela publicação deste ultimo livro foi tão 
grande que vamos nos ocupar especificamente dela na 
próxima seção.
A AGENDA M O R A L 'C U M 'C IE N T ÍF IC A 
DA SOCIOBIOLOGIA E DE 
SEUS CRÍTICOS
O século XX assistiu a um debate ferrenho, chamado 
por alguns de “o debate da Sociobiologia”, no qual cien­
tistas, muitas vezes de orientação teórica semelhante, se 
digladiaram sobre a adequação de colocar o ser humano, 
mais especificamente, sua mente e seu comportamento, 
como um objeto de estudo da biologia evolutiva. O desen- 
cadeador desse debate foi um livro escrito por E. O . Wilson 
(1975), intitulado Sociobiology: The New Synthesis. Nesse 
ambicioso tratado, o autor propunha um a síntese dos estu­
dos e novos desenvolvimentos no estudo do com porta­
mento, principalmente de animais não-humanos, e dedi­
cava um único capítulo, o último, ao lugar do Homo sapiens 
nessa síntese. Neste último capítulo, Wilson sugeria que 
os avanços recentes no estudo do comportamento animal, 
mais especificamente os trabalhos de Trivers e Hamilton 
sobre investim ento parental e seleção de parentesco 
(Hamilton, 1964; Trivers, 1972), poderiam ajudar a expli­
car m uitos aspectos do comportamento hum ano, incluin­
do comportamento agressivo, homossexualidade, religião 
e xenofobia. Mais polemicamente ainda, previa que em 
pouco tempo as ciências sociais estariam incluídas dentro 
das ciências biológicas. Com o não poderia deixar de acon­
tecer, os cientistas sociais imediatamente se manifestaram
contrários às idéias de W ilson e rejeitaram totalmente suas 
alegações de que a abordagem biológica fornecia um mode­
lo mais adequado e mais abrangente para a compreensão 
do com portam ento humano. Porém, o que é surpreen­
dente, é que os dois críticos mais ferozes de W ilson foram 
os evolucionistas Richard Lewontin (geneticista) e Stephen 
Jay G ould (biólogo), seus colegas de departam ento em 
Harvard (Laland e Brown, 2002; Segerstrâle, 2000).
N a realidade, embora o livro de W ilson tenha desenca­
deado esta forte controvérsia, a mensagem que ele trazia 
retratava o que estava ocorrendo no campo do estudo do 
comportamento animal desde o início da década de 1970. 
As idéias de Ham ilton (1964) sobre seleção de parentesco 
e de Trivers (1972) sobre altruísmo recíproco sacudiram 
a área e perm itiram a abertura de novos e estimulantes 
programas de pesquisa. Um clássico na área foi o livro de 
John Alcock (1975) A nim a l Behavior: A n Evolutionary 
Approach sucessivamente reeditado e hoje provavelmente 
o manual mais usado no ensino do comportamento animal. 
Este livro trazia basicamente a mesma síntese proposta por 
Wilson, embora nesta primeira edição não trouxesse um 
capítulo sobre comportamento humano. A proposta trazi­
da no livro de Wilson pode ser interpretada m uito mais 
como um esforço coletivo, um retrato dos avanços que 
ocorriam naqueles anos, do que propriamente uma concep­
ção individual do autor.
Em suma, o livro de Wilson não era o primeiro a propor 
a utilização da teoria evolutiva na explicação do compor­
tam ento hum ano, que vinha desde Darwin, e também 
não trazia nenhum a proposta completamente nova, que 
não representasse o pensamento e as discussões correntes 
na área. Por que, então, tantas e tão fortes críticas?
Segerstrâle (2000) sugere que essas críticas, mais do que 
científicas, tinham um a forte tintura político/moral. A 
mesma autora sugere que as críticas propriamente cientí­
ficas pareciam ser mais relativas à ênfase do que propria­
m ente ao conteúdo do livro. Por exemplo, um a crítica 
contundente e repetida de Gould e Lewontin (1979; Allen 
et al., 1975) é a de que W ilson via a adaptação como o 
mecanismo exclusivo da seleção natural e que considerava 
que os organism os estavam perfeitam ente adaptados. 
Porém, W ilson discutia, em Sociobiology, outros mecanis­
mos de seleção, como a pleotropia e o desequilíbrio da 
ligação (linkage), entre outros. Q uanto à otimização e à 
perfeição daí decorrentes, Segerstrâle faz a seguinte citação 
de Sociobiology: “No organism is ever perfectly adaptecT 
(Segerstrâle, 2000). Aparentemente, à parte questões rela­
tivas a desenvolvimentos recentes da genética que Lewon-
4 Introdução: Aspectos Históricos
tin acreditava que Wilson havia ignorado, havia a questão 
do uso social da ciência.
O paradigma científico, não só no m om ento do lança­
m ento do livro, mas desde o final da Segunda Guerra, era 
o am bientalism o/culturalism o, principalm ente após o 
acordo da U N ESC O de 19526 que desencorajava forte­
mente a pesquisa biológica com seres humanos. Os horro­
res das práticas nazistas durante a guerra, falsamente base­
adas em critérios científicos, e o crescimento dos estudos 
etnográficos, liderados principalm ente por Franz Boas, 
levaram à transição de uma visão das características hum a­
nas baseadas na hereditariedade para uma posição ambien­
talista e culturalista. A agenda científica passou a ser uma 
agenda moral-cum-científica que preconizava uma ciência 
socialmente responsável, que não pudesse ser evocada, 
verídica ou pretensamente, para justificar atos moralmen­
te reprováveis. Curiosamente, tanto W ilson quanto seus 
oponentes, Lewontin e Gould, defendiam a responsabili­dade moral da ciência, mas suas agendas eram diferentes 
(ver Segerstrâle, 2000, para uma discussão mais abrangen­
te deste tópico). N a visão de Lewontin e Gould, a propos­
ta sociobiológica continha um viés determinista e adapta- 
cionista (Allen et al., 1975) e, portanto, era questionável 
do ponto de vista científico e principalmente do ponto de 
vista moral. Eles acusavam a sociobiologia de determinis­
mo biológico, que poderia ser usado para justificar as desi­
gualdades sociais existentes. Uma crítica contundente era 
o uso da expressão “gene para. . que interpretavam como 
evidência de determinismo genético. Isto apesar das recor­
rentes explicações de vários autores que abraçavam a abor­
dagem evolucionista, entre eles Dawkins e o próprio 
W ilson, de que essa expressão era na realidade um a abre­
viação para diferenças genéticas entre indivíduos que 
seriam potencialmente sujeitas à seleção. Acusavam Wilson 
também de propor que a natureza humana, por ser adap- 
tativa, era natural e intrinsecamente boa, novamente justi­
ficando a ordem social existente. Em um a publicação 
bastante divulgada, G ould e Lewontin (1979) cunharam 
um termo em sua crítica da sociobiologia e de áreas afins 
que ficou amplamente conhecido, o panglossismo, base­
ado no personagem Dr. Pangloss, de Voltaire, que expres­
sava a opinião de que tudo era o que deveria ser e feito 
para seu melhor uso. Esta analogia era usada para alegar 
que do ponto de vista da sociobiologia cada detalhe do
'Este tcxco está disponível na íntegra em http://uncsdoc.uncsco.org/imagcs/ 
0007/000733/073351 co.pdf
comportamento, anatomia ou fisiologia de um organismo 
poderia ser explicado pela seleção natural e, como tal, 
representaria estruturas otim am ente planejadas. G ould e 
Lewontin (1979) acreditavam que esta abordagem igno­
rava o aspecto histórico do processo evolutivo e a influên­
cia do acaso neste processo. Também alegavam que o grau 
de perfeição de um traço é limitado por fatores como flexi­
bilidade comportamental, interações entre genes e aciden­
tes históricos. Segundo os dois autores, os defensores da 
sociobiologia consideravam a seleção natural onipotente 
e que as limitações seriam poucas e de pequena im portân­
cia. Não há como negar que isto é verdade em alguns casos. 
Estas críticas geraram inclusive revisões de textos ampla­
m ente utilizados como é o caso da versão de 1997 do livro 
BehavioralEcology, de Krebs e Davies. Cronin (1995), no 
entanto, discorda fortemente de que adaptacionistas sejam 
panglossistas e propõe que, na realidade, o natural na teoria 
darwinista é evitar suposições relativas à perfeição. Segun­
do a autora, a perfeição é a expectativa do creacionista, 
que vê cada estrutura ou traço como desenhado para o fim 
que serve e que, por essa razão, só pode ser perfeito. O 
evolucionista acredita no poder da seleção natural para 
criar traços maravilhosamente adaptados, porém m uito 
longe de serem perfeitos, pois todo traço se origina de 
soluções que foram apropriadas a gerações anteriores e que 
carregam as marcas dessa história, consistindo em boas 
soluções dentro das limitações originadas da história filo- 
genética do traço.
Um exemplo que considero extremamente esclarecedor 
daquilo que Nesse e Williams (1997) chamam de legados 
da história da evolução é a ocorrência freqüente, e muitas 
vezes letal (um óbito por 100.000 pessoas/ano), de engas­
gos nos seres humanos. Este problema recorrente se deve 
a uma falha de desenho que ocorre, na realidade, em todos 
os vertebrados: nossa boca está localizada abaixo e em 
frente ao nariz, mas o esôfago, que transporta os alimen­
tos, fica atrás da traquéia, que transporta o ar, por isso os 
tubos precisam se cruzar à altura da garganta. Se o alimen­
to bloquear essa interseção, o ar não pode chegar aos 
pulmões. Um reflexo associado à deglutição normalmen­
te bloqueia a passagem para a traquéia, mas às vezes esse 
reflexo falha e o alimento desce pelo canal errado. É nesse 
m om ento que o reflexo do engasgo entra em ação para 
desobstruir as vias aéreas, mas algumas vezes ele não é 
completamente eficaz e podemos morrer sufocados. Claro 
que seria m uito mais fácil e seguro se o ar e os alimentos 
passassem por caminhos totalmente independentes. Por 
que não o fazem? Se a seleção natural criasse traços e meca-
Introdução: Aspectos Históricos 5
nismos perfeitos, eles seriam independentes, porém este é 
um problema histórico: a seleção natural só pode agir sobre 
o que já existe. E o que existe era um ancestral remoto de 
todos os vertebrados, um animal semelhante a um verme, 
que se alimentava de microorganismos retirados da água 
através de um sistema de filtração. Por outro lado, era 
pequeno demais para ter um sistema respiratório. A respi­
ração se dava por difusão passiva, sistema que só foi subs­
tituído quando evoluiu para um tam anho maior, e um 
sistema respiratório se desenvolveu. Esse novo sistema 
aproveitou o sistema de filtração de alimentos, que facil­
m ente foi aproveitado como um conjunto de guelras, 
possibilitando a troca gasosa. O aparecimento, m uito mais 
tarde, do pulmão trouxe a necessidade de vias específicas 
para a passagem do ar pelo sistema respiratório e dos 
alimentos pelo digestório. Porém, em função da origem 
comum, essas passagens se cruzavam, característica que 
mantemos até hoje.
Alcock (2001), por outro lado, chama a atenção para 
o fato de que a ênfase supostamente excessiva no poder da 
seleção natural se deve em grande parte às evidências que 
apontam que, de fato, a seleção natural é o mecanismo 
preponderante de mudança evolutiva. Mecanismos alter­
nativos, como, por exemplo, deriva genética, pleiotropia, 
exaptação, são reconhecidos, mas também se sabe que eles 
explicam em seu conjunto um a proporção m uito pequena 
das mudanças evolutivas.
A primeira crítica ao livro Sociobiology foi publicada em 
N ew York Review o f Books (Allen et al., 1975)7 e termina 
sugerindo que Sociobiology sinalizaria uma nova onda de 
teorias biologicamente deterministas. Indo além, a crítica 
equiparava o livro a políticas racistas e a um a agenda polí­
tica conservadora. A partir, não apenas das críticas publi­
cadas, mas de entrevistas com vários dos críticos, Segers- 
trâle (2000) sugere que estes consideravam seu dever moral 
“interpretar” os textos para o leitor leigo, esclarecendo o 
que Wilson, e outros, como Dawkins, Ham ilton e Trivers, 
estavam realmente “querendo dizer”.
Vários nomes de peso, como Richard Dawkins, Maynard 
Smith, William Hamilton, Robert Trivers, Irving DeVore,
É interessante que a primeira autora deste artigo, Elizabcth Allen, fosse, na 
época, um a estudante de graduação em medicina. Esta crítica foi publicada 
logo após o lançam ento do livro Sociobiology c foi a prim eira das muitas 
publicações que tem a marca de G ould c Lcwontin nas críticas a Wilson. 
N o en tan to , nesta publicação especificamente, a ordem dos autores foi 
alfabética porque a idéia era produzir um docum ento que representasse o 
Sociobiology Study Group, do qual faziam parte os dois cientistas (Scgcrs- 
trâlc, 2000, 2001).
entre outros, saíram em defesa de Wilson. Na realidade, 
se algumas das críticas desempenharam um papel impor­
tante na revisão de alguns conceitos e explicações socio- 
biológicas, a proposta original em grande parte vem sendo 
confirmada através de estudos do comportamento hum a­
no e animal (Alcock, 2001). Com o Krebs e Davies (1997) 
sugerem, as críticas à sociobiologia não diminuíram o valor 
da explicação darwinista, mas a levaram à revisão de alguns 
conceitos e à ampliação de outros. Essas críticas, porém, 
tiveram o efeito perverso de manchar esta denominação, 
levando a maioria dos pesquisadores da área a evitar qual­
quer tipo de ligação com o termo e a denom inar sua área 
de trabalho com denominações alternativas.Outras disci­
plinas, como a Ecologia Com portam ental H um ana e a 
Coevolução Gene-Cultura, além da Psicologia Evolucio- 
nista, são derivações da Sociobiologia, mas são poucos 
aqueles que assumem esta herança.
O QUE é PSICOLOGIA 
EVOLUCIONISTA?
No final da década de 1980, o clima acadêmico havia 
m udado, principalm ente nos Estados Unidos, devido a 
fatores científicos e sócio-históricos. Os novos desenvol­
vimentos científicos em várias áreas de conhecim ento, 
como na biotecnologia e nas neurociências, e principal­
m ente na genética, com o Projeto G enom a H um ano, 
acumularam evidências sobre a im portância de fatores 
biológicos na explicação do comportamento. Ao mesmo 
tempo, e talvez até mesmo pela popularização dos novos 
avanços científicos, houve uma atenuação da resistência à 
implicação de fatores biológicos na explicação do compor­
tam ento hum ano. O novo paradigm a, interacionista, 
passou a reconhecer as predisposições biológicas, presentes 
em todos os indivíduos, e sua modulação pelo ambiente, 
resultado de um sistema nervoso fundamentalmente plás­
tico (Segerstrâle, 2000).
Este novo clima acadêmico deu margem ao apareci­
m ento de várias disciplinas que abordam o comportamen­
to hum ano do ponto de vista da teoria da evolução, entre 
elas a Psicologia Evolucionista (PE). Porém, o term o 
“psicologia evolucionista” tem sido usado com diferentes 
significados por diferentes pesquisadores, e sua abrangên­
cia também varia em função de quem a define. Alguns 
defendem que a PE refere-se apenas ao estudo de proces­
sos mentais humanos (Barkow, Tooby e Cosmides, 1992), 
enquanto outros preferem descrevê-la como um a aborda-
6 Introdução: Aspectos Históricos
gem mais abrangente. Daly e Wilson (1999) consideram 
que esta restrição taxonômica é inadequada em função da 
longa tradição comparativa tanto nos estudos evolutivos 
como dentro da própria psicologia e tam bém porque 
m uitos dos pesquisadores da área trabalham com o ser 
hum ano como apenas um a outra espécie única (Foley, 
1993; ver Ades, Cap. 2 deste livro). Vale ressaltar, além 
disso, que a PE não é feita somente por psicólogos, mas, 
tanto mundialmente como no Brasil, há diversos profis­
sionais envolvidos, como biólogos, antropólogos, sociólo­
gos, filósofos e médicos, entre outros. Em comum, a abor­
dagem evolucionista, aplicada aos seres humanos da mesma 
maneira como tem sido aplicada, de forma extremamente 
bem-sucedida, ao estudo do comportamento animal.
Laland e Brown (2002) identificam pelo menos cinco 
abordagens que se propõem a estudar o comportamento 
hum ano do ponto de vista evolutivo: a sociobiologia, a 
ecologia comportamental humana, a psicologia evolucio­
nista, a memética e a coevolução gene-cultura. Com o elas 
se distinguem umas das outras? Atualmente, nenhum estu­
dioso do comportamento hum ano identifica-se como um 
sociobiólogo; entre outras razões, pela reação que esse 
termo ainda causa, em função da discussão pública sobre 
o livro de E. O . Wilson com esse título (ver anteriormen­
te). As duas denominações seguintes, ecologia comporta­
mental hum ana e psicologia evolucionista, são as vertentes 
mais atuantes e bem-sucedidas dentre aquelas identificadas 
por Laland e Brown (2002), com destaque para a PE. A
memética, proposta por Dawkins, supõe uma unidade de 
seleção cultural, o meme, um replicador, tal como os genes. 
Porém, com o os autores sugerem, a memética foi um 
meme que não pegou, e sua replicação tem sido restrita. 
A abordagem da coevolução gene-cultura propõe um a 
herança dualística, envolvendo genes e memes. Suas 
complicadas análises matemáticas têm sido um empecilho 
à sua ampliação. Estas abordagens, na realidade, se sobre­
põem em vários pontos, e o que as distingue é muito mais 
a ênfase em um ou outro aspecto (ver também Izar, Cap. 
3 deste livro). Por exemplo, o tipo de causalidade mais 
estudada, próxim a ou final (ver as quatro questões de 
Tinbergen na seção inicial).
A Tabela 1.1 compara algumas das características de 
três dessas abordagens, aquelas que mais nos interessam 
em relação ao conteúdo deste livro: a Sociobiologia, pelo 
seu valor histórico e inovador, a Ecologia Com portam en­
tal H um ana e a Psicologia Evolucionista, pela amplitude 
de sua abrangência entre os pesquisadores que estudam o 
comportamento hum ano de uma perspectiva evolutiva.
O exame da Tabela 1.1 evidencia, por um lado, a presen­
ça da herança sociobiológica nas duas abordagens mais 
recentes e, por outro, a inovação trazida pela PE, princi­
palmente no que diz respeito ao nível de explicação. Com 
foco nos mecanismos psicológicos evoluídos e na propos­
ta da existência de um descompasso temporal, a PE é a 
única das três abordagens que considera que o comporta­
m ento não é completamente adaptativo. O utra importan-
Tabela 1.1 Comparação dc trcs abordagens evolutivas ao estudo do com portam ento hum ano (adaptada de Laland c Brown, 2002)
Sociobiologia
Ecologia com portam ental 
hum ana Psicologia evolucionista
N ível de explicação C om portam ento C om portam ento M ecanism os psicológicos
M étodos utilizados no teste 
de hipóteses
M últiplos (ênfase em 
inform ação etnográfica)
Inform ação etnográfica 
quantitativa
M últiplos (ênfase em 
questionários, experimentos 
de laboratórios e dados 
demográficos)
O com portam ento é 
adaptativo?
Sim Sim N em sempre, em função do 
descompasso tem poral
O que é cultura? Universais culturais, 
com portam ento eliciado por 
condições ecológicas, 
inform ação transm itida
C om portam ento eliciado por 
condições ecológicas
Universais culturais dentro de 
limitações da natureza 
hum ana
O que são seres humanos? Animais sofisticados Animais sofisticados, 
caracterizados por extrema 
adaptabilidade
Animais sofisdeados, guiados 
por adaptações psicológicas
Introdução: Aspectos Históricos 7
te inovação trazida pela PE é a de colocar dentro do esco­
po da psicologia o estudo de causas últimas, evolutivas, 
contrariando a tradição histórica da área de estudar apenas 
causas próximas. Acredito que isto, mais do que qualquer 
outra coisa, é o que permitirá à psicologia, de feto, incor­
porar a explicação biológica ao seu corpo teórico. Não por 
acaso, a PE é freqüentemente definida como uma abor­
dagem à psicologia e não uma área específica, como Psico­
logia do Desenvolvimento ou da Personalidade. Nesse 
sentido, ela é proposta como uma forma de pensar a psico­
logia (evolutivamente) que poderia ser aplicada a qualquer 
tema dentro dela (Gaulin e McBumey, 2001).
Alguns conceitos-chave norteiam a investigação na PE. 
Inicialmente, os mecanismos mentais evoluídos, vistos 
como adaptações que estão subjacentes ao comportamen­
to hum ano (ver Seidl de M oura e Oliva e O ttoni, Caps. 
5 e 6 deste livro). Em seguida, o Ambiente de Adaptação 
Evolutiva (AAE), representando o passado evolutivo 
durante o qual as adaptações que exibimos foram selecio­
nadas. Este segundo conceito traz com o decorrência a 
questão do descompasso tem poral entre mecanismos 
evoluídos e sua relação com o ambiente atual (ver Izar, 
Cap. 3, deste livro). Finalmente, a ênfase nos m ódulos de 
dom ínio específico, que teriam evoluído em resposta a 
pressões específicas do ambiente e, portanto, dirigidos à 
solução de problemas também específicos (ver Seidl de 
M oura e Oliva e O ttoni, Caps. 3 e 6 deste livro). A ques­
tão da modularidade é um a questão bastante debatida 
dentro da própria PE, e este livro traz visões alternativas 
nos dois capítulos já citados.
A PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA 
NO BRASIL
O crescimento dos estudos do comportamento hum a­
no usando a PE como referencial teórico e metodológico 
foi notável nos últimos anos. Este crescimento tornou a 
PE uma disciplina bem conhecida e estabelecida na Améri­
ca do N orte e na Europa, mas ainda incipienteno Brasil. 
O grupo responsável pela elaboração desta coletânea é 
pioneiro no estudo da PE no Brasil. A colaboração das 
instituições envolvidas neste grupo remonta a aproxima­
damente 15 anos e resultou na formação, em 2004, de um 
G rupo de Trabalho (GT) de Psicologia Evolucionista na 
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em 
Psicologia (ANPEPP). Um marco na história deste grupo 
foi a aprovação pelo C N Pq, em 2005, de um projeto no
Edital Instituto do M ilênio para Redes de Pesquisa, O 
moderno e o ancestral: a contribuição da Psicologia Evolu­
cionista para a compreensão dos padrões reprodutivos e de 
investimento parental humanoy que envolve nove institui­
ções e 16 pesquisadores de todo o país.
N o espírito da PE, de interdisciplinaridade, esta rede 
representa duas orientações teóricas em Psicologia e pesqui­
sadores de formações variadas. A primeira orientação foca­
liza o estudo do comportamento num a abordagem evolu­
cionista e é representada pelos pesquisadores da Universi­
dade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que coor­
dena o projeto, da Universidade de São Paulo (USP), da 
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Univer­
sidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Católi­
ca de Goiás (UCG). A segunda orientação dirige seus estu­
dos ao desenvolvimento hum ano e é representada pelos 
pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janei­
ro (UERJ), que tam bém detém a vice-coordenação do 
projeto, da Universidade Federal de Santa C atarina 
(UFSC), e da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 
Além disso, o grupo conta com um pesquisador em Socio­
logia, da Universidade Federal do M ato Grosso (UFM T). 
O site do projeto, com a relação dos pesquisadores e dos 
projetos de pesquisa, pode ser acessado em h ttp ://lineu. 
cb.ufrn.br/psicoevol/index.php
O principal objetivo desta rede é o de investigar ques­
tões tradicionais da Psicologia através da abordagem evolu­
tiva. O s fundamentos teóricos dos estudos realizados por 
este grupo e seus primeiros resultados estão descritos nos 
capítulos que se seguem, com a colaboração de alguns 
pesquisadores que não fezem parte do grupo do Instituto 
do Milênio.
Q uanto esta PE que fazemos no Brasil é restrita em 
relação aos conceitos-chave propostos pela nova aborda­
gem? Em função da diversidade de formações e de orien­
tações teóricas, a PE que adotamos só poderia ser plura­
lista. Temos em comum a abordagem evolucionista e um 
alto padrão de exigência em relação à qualidade da pesqui­
sa que desenvolvemos. Estudos evolutivos do comporta­
m ento hum ano têm recebido enorme atenção da mídia, 
com debates em jornais e revistas mais sérios, até reporta­
gens em programas populares de televisão8. Esta é uma 
área que, se por um lado, atrai grande interesse da popu-
8U m a edição especial da revista Psique (2007, ano II, n .° 6) foi publi­
cada exclusivamente com artigos de alunos de pós-graduação ligados aos 
pesquisadores do Instituto do Milénio, um bom exemplo do interesse da 
mídia.
8 Introdução: Aspectos Históricos
lação de maneira geral, por outro lado, se presta à popu­
larização indevida de anedotas sem fundamentação cien­
tífica e de receitas e conselhos simplistas, na maioria das 
vezes sem qualquer lógica evolutiva a sustentá-los. Isto é 
exatamente o que não queremos para a PE que fazemos. 
O rigor metodológico, a sólida base na teoria da evolução 
e o teste empírico de nossas hipóteses formam o tripé bási­
co de nosso trabalho. É essa a PE que queremos fazer: 
diversa, porém rigorosa, do ponto de vista científico.
O PLANO DESTE LIVRO
Este livro foi escrito tendo em mente o ensino na gradua­
ção e na pós-graduação. Ele contempla, portanto, os funda­
mentos e as questões básicas que norteiam a PE. Cada 
capítulo foi escrito de forma a poder ser lido independen­
temente, mas, por outro lado, a seqüência dos capítulos 
tem uma lógica que pode ser seguida caso o livro venha a 
ser utilizado como livro texto em uma disciplina.
Os Caps. 2 a 4 são introdutórios à área, discutindo 
aspectos históricos do estudo do comportamento, a falsa 
oposição natureza criação, a questão da unicidade do ser 
hum ano e suas implicações para seu estudo científico, e 
as quatro questões deTinbergen (Cap. 2). O Cap. 3 discu­
te um aspecto fundam ental para a PE, a questão do 
ambiente de adaptação evolutiva (AAE) e o conseqüente 
descompasso temporal entre as adaptações e o ambiente 
atual. A localização temporal do AAE e evolução dos homi- 
nídeos, questão extremamente controvertida, é discutida, 
juntam ente com as dificuldades para a reconstrução do 
AAE. Também apresenta alguns modelos para a recons­
trução e faz um a pergunta instigante: nossas habilidades 
têm origem na hum anidade ou a antecedem?
O Cap. 4 analisa os traços evolutivos no Homo sapiens 
sapiens moderno. Discute um a série de características; entre 
elas, bipedalismo, pequeno dimorfismo sexual, cérebros 
grandes, recém-nascidos imaturos, tecnologia, destreza 
manual, linguagem, investimento parental intenso, capa­
cidade de estabelecimento de vínculos, cultura, dieta 
onívora e modo de vida caçador-coletor.
Os Caps. 5 e 6 discutem a cognição e o funcionamen­
to da mente. Ambos abordam a questão da modularidade 
sob pontos de vista um pouco diferentes. O primeiro abor­
da vários modelos de arquitetura da mente, com ênfase na 
modularidade: a concepção modular da m ente hum ana 
de Fodor, a concepção de um processador central de 
M ithen, o m odelo ontogenético de Karmiloff-Smith e 
finaliza com um a proposta de integração aprendizagem,
desenvolvimento e organização cerebral. O Cap. 6 exami­
na hipóteses sobre a evolução da inteligência e da cognição: 
a tecnológica, a do forrageamento, a da inteligência social, 
a da inteligência maquiavélica. Discute em seguida as adap­
tações cognitivas para a vida social e sua ontogênese, e 
avalia visões alternativas sobre o desenvolvimento cogni­
tivo.
O Cap. 7 aborda, de forma comparativa, a evolução da 
linguagem: como fatores biológicos contribuem para que 
seres hum anos de um a mesma com unidade verbal (ou 
cultura) consigam compartilhar uma linguagem simbóli­
ca; quais as semelhanças entre a linguagem simbólica 
hum ana e a comunicação não-verbal que compartilhamos 
com as demais espécies de primatas e com outros animais; 
a linguagem simbólica surgiu recentemente na história 
evolutiva dos humanos ou evoluiu lentamente a partir de 
formas menos sofisticadas de comunicação?
O s Caps. 8 a 11 abordam diferentes aspectos do desen­
volvim ento hum ano na perspectiva evolucionista. O 
primeiro examina a relação entre biologia e cultura e a 
inseparabilidade de diferentes planos de análise: o filoge- 
nético, o ontogenético, o histórico-cultural e o microge- 
nético. O Cap. 9 descreve o cuidado e a responsividade 
parentais à luz da teoria da história de vida e a teoria do 
investimento parental, além das especificidades do esforço 
reprodutivo materno e do cuidado materno e paterno. O 
Cap. 10 avalia, do ponto de vista da PE, por que alguns 
pais maltratam suas crianças e quais situações apresentam 
riscos maiores de abuso e maus-tratos. O Cap. 11, final­
mente, examina a brincadeira à luz das quatro questões 
clássicas de Tinbergen, função, filogênese, ontogênese e 
causas imediatas.
O Cap. 12 trata daquela que é a questão fundamental 
sob a perspectiva evolucionista, a reprodução. A partir da 
análise dos mecanismos de seleção sexual em animais, auto­
res analisam as estratégias sexuais em humanos, avaliando:
a) quais são as características preferidas por mulheres e 
homens como parâmetro para seleção de parceiros sexuais 
e, a partir desse padrão de preferências; b) quais são as 
estratégias esperadas para cada sexo. É analisada também 
a modulação ecológica dessas estratégias e as organizações 
sociais, os sistemasde acasalamento, resultantes da inte­
ração das estratégias e dos mecanismos de seleção sexual.
O Cap. 13 discute a agressão na espécie hum ana e os 
controles culturais impostos à sua expressão. Examina 
também a origem com um com outros animais de vários 
rituais agressivos e a violência organizada e a instituciona­
lizada (do Estado), caracteristicamente humanas.
Introdução: Aspectos Históricos 9
O Cap. 14 examina a contrapartida à agressão, a coope­
ração. Partindo de uma suposta contradição entre a coope­
ração e a aptidão individual, revê as diferentes estratégias 
que favorecem a cooperação, algumas exclusivamente huma­
nas e outras presentes também em outras espécies: a coope­
ração com parentes, o altruísmo recíproco e a teoria dos 
jogos e o altruísmo recíproco indireto. Finaliza examinando 
a evolução do comportamento cooperativo e o envolvimen­
to dos sistemas cognitivos e emocionais nesse processo.
O Cap. 13 analisa a evolução da m entira e do auto- 
engano. Os autores sugerem que o com portam ento de 
mentir, bem como sua detecção sofreram fortes pressões 
seletivas ao longo da evolução e que os humanos, além de 
m entir para os outros, m entem para si mesmos (auto- 
engano), um padrão provavelmente selecionado a partir 
de um a corrida evolutiva entre enganadores e detectores 
de engano. Este capítulo apresenta duas abordagens expli­
cativas, a primeira com abordagem evolutiva e ecológica, 
destacando o contexto em que emergem tais comporta­
mentos, e outra da perspectiva das neurociências, que estu­
da as estruturas e sistemas neurais envolvidos.
O Cap. 16 discute a universalidade do comportamento 
alimentar humano, sua diversidade, marcada pelas diferen­
tes culturas, como também suas semelhanças, que garantem 
a ingestão de todos os nutrientes essenciais para o bom desen­
volvimento e manutenção do corpo humano. Porém, a esco­
lha dos alimentos, a decisão de ingeri-los, ou não, apresentam 
os desafios mais interessantes do ponto de vista evolutivo. 
Este capítulo examina dois padrões contrastantes da escolha 
alimentar: a neofobia, a relutância em experimentar alimen­
tos novos, e a neofilia, seu oposto. A maneira mais eficiente 
que a seleção natural encontrou para lidar com este proble­
ma foi a influência social, presente desde o início da vida e 
importante fonte de informação alimentar.
O Cap. 17 propõe a aplicação da perspectiva evolucio­
nista na compreensão das psicopatologias, um aparente 
paradoxo, pois a mera persistência na população de pato­
logias associadas a bases genéticas parece comprometer as 
premissas básicas dos conceitos darwinistas, que se funda­
m entam na idéia de aptidão do indivíduo à sobrevivência 
e à reprodução. A proposta do capítulo é a de integrar 
conhecimentos sobre psicopatologia das áreas de genética, 
neuroquímica, neuroanatomia, psiquiatria, psicanálise e 
psicologia analítica, usando a abordagem evolucionista. A 
partir dessa perspectiva, as autoras analisam o que consti­
tuem as patologias, os sintomas e as etiologias dessa pers­
pectiva, levando em consideração causas próximas e causas 
últimas. Finalmente, a título de exemplo, são analisadas 
algumas patologias: transtorno do pânico, erotomania, 
depressão (incluindo a depressão pós-parto), dependência 
e esquizofrenia.
O Cap. 18 apresenta um a tese tão inovadora quanto 
polêmica: a idéia de que a evolução hum ana favoreceu o 
fortalecim ento da cooperação intragrupo, levando ao 
desenvolvimento do que os autores chamam de mansidão 
na espécie hum ana. Três argumentos são apresentados a 
favor dessa tese: o enfraquecimento anatômico das armas 
de luta corporal; a organização de caça e coleta, caracte­
rística dos hominídeos por vários milhões de anos, e que 
se constituía em ambiente social igualitário e cooperativo; 
e a mudança súbita provocada pelo advento da agricultu­
ra de larga escala, como fator de ruptura com o m odo de 
vida ancestral.
Acreditamos que o conjunto dos capítulos que forma 
este livro constitua uma excelente introdução à Psicologia 
Evolucionista para alunos de graduação e pós-graduação 
e também para o leigo que mostra curiosidade sobre o 
tema.

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