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1 INTRODUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS María Emúia Yamamoto A Psicologia Evolucionista tem alcançado grande reper cussão na m ídia e suas propostas são consideradas inova doras pela abordagem evolutiva ao comportamento hum a no. N o entanto, é o próprio D arw in quem, ao propor a teoria da evolução, abre a possibilidade da inclusão do hom em dentro dessa m oldura teórica através de dois de seus livros: A Origem das Espécies (1859/1996) e A Expres são das Emoções no Homem e nos Anim ais (1873/1998). No primeiro, ele propõe a teoria da evolução1 através da seleção natural2, que parte do pressuposto de que há uma continuidade entre todos os seres vivos, o hom em aí incluído5. Isto já havia sido proposto por Aristóteles, com sua Scala Naturae, porém, esta via a evolução como uma escada, com o hom em em seu topo. O grande mérito de Darwin foi descartar a linearidade e propor uma estrutu ra ramificada, a árvore da vida, nascida de um a única raiz, 'A teoria da evolução propõe que as espécies hoje existentes evoluíram a partir da modificação genética de seus ancestrais, através de alterações graduais, e pelo m ecanism o da seleção natural. Após a formulação de D arw in, várias adições foram propostas, com o as m utações neutras, o efeito do fundador, a deriva genética c a exaptação. -A seleção natural é um processo através do qual indivíduos mostram sobre vivência c/ou reprodução diferencial. Para que a seleção natural ocorra, três condições devem ser satisfeitas: a) a população cm que esse indivíduo se encontra deve m ostrar variação genética; b) essa característica, de base genética, deve ser transmitida através da hereditariedade; c) algumas das variações devem prover vantagens reprodutivas e/ou de sobrevivência ao seu portador. 'D arw in desenvolveu a teoria da seleção natural sem qualquer conheci m ento das leis mendelianas da genética, o que to m a o seu feito ainda mais notável. Rose (1998) relata que, após a m orte de Darwin, foi encon trada, entre seus papéis, um a correspondência com a cópia do trabalho de M endel com ervilhas, ainda por abrir. Fica a cargo de nossa imaginação o que poderia advir deste encontro de idéias. evoluindo e diversificando-se em inúmeros ramos evolu tivos. O segundo livro, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, abriu as portas para o estudo do homem e de sua psicologia do ponto de vista evolutivo. Este foi o tercei ro e último de um a série de livros com os quais Darwin pretendia dar sustentação à teoria da evolução, proposta na Origem. Nas Emoções, Darwin demonstra que os animais têm emoções e descreve como eles as demonstram. O últi m o terço do livro é dedicado às emoções humanas. Darwin defende que a manifestação de boa parte das emoções não é aprendida, mas que foi gradualmente adquirida através da evolução. Considera que essas expressões têm sua origem em ancestrais, em alguns casos comuns a outras espécies, o que se evidencia pela semelhança com que elas se expres sam (por exemplo, a fúria em cães, macacos e homens, pela exibição dos caninos) e pela sua universalidade. Este livro pode ser considerado como o precursor do estudo das bases biológicas do comportamento, ao relacionar as expressões e as emoções subjacentes com reações fisioló gicas que as acompanham. Após a morte de Darwin, em 1882, a teoria da evolução caiu em esquecimento e só foi renascer após a redescober- ta das publicações de Mendel, na primeira metade do sécu lo XX. Porém, junto a esse renascimento, houve a infeliz associação entre a teoria da evolução e o darwinismo social, pensamento desenvolvido a partir das idéias de Robert Spencer, que defendia a tese da sobrevivência do mais apto, aplicada às instituições sociais, uma grosseira distorção das idéias de Darwin. Associada ao uso das idéias evolucionis- tas na explicação da evolução das sociedades humanas, 2 Introdução: Aspectos Históricos surge outra utilização equivocada dos princípios darwinis- tas, que é a associação entre evolução e progresso“1. Esta linha de raciocínio supõe que evolução caminha no senti do do aperfeiçoamento das espécies, começando nas mais simples, que, em termos mentais, só possuiriam reflexos, até seu ápice, o ser humano. Haveria, portanto, espécies “melhores” ou “mais evoluídas” do que outras. Spencer defendia também que as sociedades humanas se tomavam cada vez mais desenvolvidas, e os europeus estariam muito à frente, portanto, das populações consideradas primitivas. D aí decorreu a idéia de que as “raças-” também teriam atingido patamares evolutivos diferentes, argumento sem qualquer base científica. N o entanto, a despeito dessas discussões não se basearem naquilo que D arw in havia proposto, estas idéias marcaram negativamente a teoria da evolução, principalmente em suas tentativas de aplicação ao comportamento hum ano, culminando com o “debate da sociobiologia” que discutiremos adiante. Explicações biológicas ou sociais/culturais têm sido favorecidas ao longo do século e meio desde a publicação de A Origem das Espécies, revezando-se na preferência acadêmica e popu lar (Laland e Brown, 2002). A preferência por um ou outro tipo de explicação parece estar mais ligada a questões polí ticas do que propriamente científicas. Voltaremos a este ponto posteriormente. Uma área de pesquisa de abordagem evolutiva surgiu na Europa mais recentemente, nos meados do século XX, a Etologia. Embora algumas propostas sobre o estudo do comportamento animal estivessem presentes desde o início do século, pode-se considerar que a Etologia emerge, de fato, como um a área independente de conhecimento a partir do esforço conjunto de NikolaasTinbergen e Konrad Lorenz. A proposta metodológica apresentada por estes ‘A palavra “evolução” no sentido biológico não tem o sentido de progresso. A evolução biológica consiste na m udança das características hereditárias de grupos de organismos ao longo das gerações, através de processos alea tórios, o mais im portante deles sendo a seleção natural. Um organismo mais bem adaptado é aquele que m elhor responde às pressões seletivas apresentadas pelo meio cm que vive, e, nesse sentido, não há organismos ou indivíduos intrinsecam ente melhores ou piores. A adaptação é forte m ente dependente do meio c um indivíduo bem adaptado em um ambiente pode-se m ostrar totalm ente inadequado cm term os de sobrevivência e reprodução em outro. çO conceito de raça não é mais aceito pela biologia (Futuyma, 1992) e a possibilidade de uma política eugenista bem-sucedida foi descartada, com argumentos científicos, já cm 1917, por Punnct (Rose, 1998). Além disso, pesquisas sobre genética de populações mostraram que a variação gênica entre populações é m uito pequena comparada com a variação intrapopu- lacional. Portanto, qualquer resquício de opiniões racistas na psicologia ou cm outras áreas do conhecim ento é m uito mais um a questão de opinião do que de suporte científico. dois etólogos incluía um período extenso de observação do comportamento de indivíduos da espécie em estudo, preferencialmente em seu ambiente natural, e a descrição cuidadosa dos padrões de comportamento específicos da espécie. N o mesmo período em que a Etologia surgiu na Euro pa, ganhou evidência nos Estados Unidos a proposta de estudo do comportamento animal do ponto de vista da Psicologia, a Psicologia Comparada. Esta área, até mesmo em função de sua origem na Psicologia, interessava-se m uito mais pelas informações que os estudos com animais pudessem fornecer sobre o com portam ento hum ano, e focava suas investigações principalmente na aprendizagem e em um núm ero restrito de espécies. Os pontos de vista opostos geraram uma batalha constante entre as duas áreas, embora hoje em dia elas possam ser consideradas como complementares (para uma discussão mais aprofundada desta questão, ver Yamamoto, 2005). Em função desta batalha constante com os psicólogos, os etólogos enfati zavam m uito as características fixas do com portam ento e as semelhanças entre indivíduos da mesma espécie, negli genciando as variações individuais, pedra de toque da pers pectiva evolucionista. Não surpreende, dada a ênfase, o erro de pensar a seleção natural como um mecanismo que opera para o bem da espécie, e não do indivíduo. Por outro lado, a Etologia fez importantes contribuições para a compreensão do comportamento animal e humano, como a idéia de que a aprendizagem é um a habilidade evoluída, e principalmente de que o desenvolvimento de um indivíduo não é predeterminado, mas sofre limitações, na forma de predisposições biológicas. Uma das contri buições mais notáveis foi a proposta das quatro questões no estudo do comportamento, deTinbergen (1963), que até hoje constituem um a referência na área. Em resposta à divergência sobre que tipo de explicação sobre o compor tam ento era mais adequada, Tinbergen propôs quatro questões complementares que deveriam ser respondidas para um com pleto entendim ento da determ inação do comportamento: a) quais são os mecanismos que regulam o comportamento; b) como o comportamento se desen volve; c) qual o seu valor de sobrevivência; d) como ele evoluiu ou qual sua história filogenérica. As duas primei ras são tam bém chamadas de questões próximas, pois dizem respeito aos determinantes localizados no ambien te interno e externo do indivíduo. As duas últimas são denominadas questões finais ou funcionais, no sentido de que procuram por determinantes evolutivos. Poderíamos Introdução: Aspectos Históricos 3 dizer que as questões próximas são questões do tipo “como” e as finais, do tipo “por quê”. Em 1972, o reconhecimento desta área aconteceu de forma espetacular, com a outorga do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina a Tinbergen, Lorenz e Karl Von Frisch (por seu trabalho sobre o sistema de comunicação em abelhas). Se por um lado o prêmio refletiu o otimismo em relação ao potencial da área para explicar o compor tam ento hum ano, por outro lado havia um clima desfa vorável para explicações biológicas do com portam ento humano, em fàce da situação pós-guerra. Isto se fazia notar especialmente quando eram tentadas extrapolações do comportamento animal para o hum ano e as críticas surgi ram de forma mais contundente ao livro On Aggression (Lorenz, 1966/1974) e principalmente Sociobiology: The N ew Synthesis (Wilson, 1975). A controvérsia inspirada principalmente pela publicação deste ultimo livro foi tão grande que vamos nos ocupar especificamente dela na próxima seção. A AGENDA M O R A L 'C U M 'C IE N T ÍF IC A DA SOCIOBIOLOGIA E DE SEUS CRÍTICOS O século XX assistiu a um debate ferrenho, chamado por alguns de “o debate da Sociobiologia”, no qual cien tistas, muitas vezes de orientação teórica semelhante, se digladiaram sobre a adequação de colocar o ser humano, mais especificamente, sua mente e seu comportamento, como um objeto de estudo da biologia evolutiva. O desen- cadeador desse debate foi um livro escrito por E. O . Wilson (1975), intitulado Sociobiology: The New Synthesis. Nesse ambicioso tratado, o autor propunha um a síntese dos estu dos e novos desenvolvimentos no estudo do com porta mento, principalmente de animais não-humanos, e dedi cava um único capítulo, o último, ao lugar do Homo sapiens nessa síntese. Neste último capítulo, Wilson sugeria que os avanços recentes no estudo do comportamento animal, mais especificamente os trabalhos de Trivers e Hamilton sobre investim ento parental e seleção de parentesco (Hamilton, 1964; Trivers, 1972), poderiam ajudar a expli car m uitos aspectos do comportamento hum ano, incluin do comportamento agressivo, homossexualidade, religião e xenofobia. Mais polemicamente ainda, previa que em pouco tempo as ciências sociais estariam incluídas dentro das ciências biológicas. Com o não poderia deixar de acon tecer, os cientistas sociais imediatamente se manifestaram contrários às idéias de W ilson e rejeitaram totalmente suas alegações de que a abordagem biológica fornecia um mode lo mais adequado e mais abrangente para a compreensão do com portam ento humano. Porém, o que é surpreen dente, é que os dois críticos mais ferozes de W ilson foram os evolucionistas Richard Lewontin (geneticista) e Stephen Jay G ould (biólogo), seus colegas de departam ento em Harvard (Laland e Brown, 2002; Segerstrâle, 2000). N a realidade, embora o livro de W ilson tenha desenca deado esta forte controvérsia, a mensagem que ele trazia retratava o que estava ocorrendo no campo do estudo do comportamento animal desde o início da década de 1970. As idéias de Ham ilton (1964) sobre seleção de parentesco e de Trivers (1972) sobre altruísmo recíproco sacudiram a área e perm itiram a abertura de novos e estimulantes programas de pesquisa. Um clássico na área foi o livro de John Alcock (1975) A nim a l Behavior: A n Evolutionary Approach sucessivamente reeditado e hoje provavelmente o manual mais usado no ensino do comportamento animal. Este livro trazia basicamente a mesma síntese proposta por Wilson, embora nesta primeira edição não trouxesse um capítulo sobre comportamento humano. A proposta trazi da no livro de Wilson pode ser interpretada m uito mais como um esforço coletivo, um retrato dos avanços que ocorriam naqueles anos, do que propriamente uma concep ção individual do autor. Em suma, o livro de Wilson não era o primeiro a propor a utilização da teoria evolutiva na explicação do compor tam ento hum ano, que vinha desde Darwin, e também não trazia nenhum a proposta completamente nova, que não representasse o pensamento e as discussões correntes na área. Por que, então, tantas e tão fortes críticas? Segerstrâle (2000) sugere que essas críticas, mais do que científicas, tinham um a forte tintura político/moral. A mesma autora sugere que as críticas propriamente cientí ficas pareciam ser mais relativas à ênfase do que propria m ente ao conteúdo do livro. Por exemplo, um a crítica contundente e repetida de Gould e Lewontin (1979; Allen et al., 1975) é a de que W ilson via a adaptação como o mecanismo exclusivo da seleção natural e que considerava que os organism os estavam perfeitam ente adaptados. Porém, W ilson discutia, em Sociobiology, outros mecanis mos de seleção, como a pleotropia e o desequilíbrio da ligação (linkage), entre outros. Q uanto à otimização e à perfeição daí decorrentes, Segerstrâle faz a seguinte citação de Sociobiology: “No organism is ever perfectly adaptecT (Segerstrâle, 2000). Aparentemente, à parte questões rela tivas a desenvolvimentos recentes da genética que Lewon- 4 Introdução: Aspectos Históricos tin acreditava que Wilson havia ignorado, havia a questão do uso social da ciência. O paradigma científico, não só no m om ento do lança m ento do livro, mas desde o final da Segunda Guerra, era o am bientalism o/culturalism o, principalm ente após o acordo da U N ESC O de 19526 que desencorajava forte mente a pesquisa biológica com seres humanos. Os horro res das práticas nazistas durante a guerra, falsamente base adas em critérios científicos, e o crescimento dos estudos etnográficos, liderados principalm ente por Franz Boas, levaram à transição de uma visão das características hum a nas baseadas na hereditariedade para uma posição ambien talista e culturalista. A agenda científica passou a ser uma agenda moral-cum-científica que preconizava uma ciência socialmente responsável, que não pudesse ser evocada, verídica ou pretensamente, para justificar atos moralmen te reprováveis. Curiosamente, tanto W ilson quanto seus oponentes, Lewontin e Gould, defendiam a responsabilidade moral da ciência, mas suas agendas eram diferentes (ver Segerstrâle, 2000, para uma discussão mais abrangen te deste tópico). N a visão de Lewontin e Gould, a propos ta sociobiológica continha um viés determinista e adapta- cionista (Allen et al., 1975) e, portanto, era questionável do ponto de vista científico e principalmente do ponto de vista moral. Eles acusavam a sociobiologia de determinis mo biológico, que poderia ser usado para justificar as desi gualdades sociais existentes. Uma crítica contundente era o uso da expressão “gene para. . que interpretavam como evidência de determinismo genético. Isto apesar das recor rentes explicações de vários autores que abraçavam a abor dagem evolucionista, entre eles Dawkins e o próprio W ilson, de que essa expressão era na realidade um a abre viação para diferenças genéticas entre indivíduos que seriam potencialmente sujeitas à seleção. Acusavam Wilson também de propor que a natureza humana, por ser adap- tativa, era natural e intrinsecamente boa, novamente justi ficando a ordem social existente. Em um a publicação bastante divulgada, G ould e Lewontin (1979) cunharam um termo em sua crítica da sociobiologia e de áreas afins que ficou amplamente conhecido, o panglossismo, base ado no personagem Dr. Pangloss, de Voltaire, que expres sava a opinião de que tudo era o que deveria ser e feito para seu melhor uso. Esta analogia era usada para alegar que do ponto de vista da sociobiologia cada detalhe do 'Este tcxco está disponível na íntegra em http://uncsdoc.uncsco.org/imagcs/ 0007/000733/073351 co.pdf comportamento, anatomia ou fisiologia de um organismo poderia ser explicado pela seleção natural e, como tal, representaria estruturas otim am ente planejadas. G ould e Lewontin (1979) acreditavam que esta abordagem igno rava o aspecto histórico do processo evolutivo e a influên cia do acaso neste processo. Também alegavam que o grau de perfeição de um traço é limitado por fatores como flexi bilidade comportamental, interações entre genes e aciden tes históricos. Segundo os dois autores, os defensores da sociobiologia consideravam a seleção natural onipotente e que as limitações seriam poucas e de pequena im portân cia. Não há como negar que isto é verdade em alguns casos. Estas críticas geraram inclusive revisões de textos ampla m ente utilizados como é o caso da versão de 1997 do livro BehavioralEcology, de Krebs e Davies. Cronin (1995), no entanto, discorda fortemente de que adaptacionistas sejam panglossistas e propõe que, na realidade, o natural na teoria darwinista é evitar suposições relativas à perfeição. Segun do a autora, a perfeição é a expectativa do creacionista, que vê cada estrutura ou traço como desenhado para o fim que serve e que, por essa razão, só pode ser perfeito. O evolucionista acredita no poder da seleção natural para criar traços maravilhosamente adaptados, porém m uito longe de serem perfeitos, pois todo traço se origina de soluções que foram apropriadas a gerações anteriores e que carregam as marcas dessa história, consistindo em boas soluções dentro das limitações originadas da história filo- genética do traço. Um exemplo que considero extremamente esclarecedor daquilo que Nesse e Williams (1997) chamam de legados da história da evolução é a ocorrência freqüente, e muitas vezes letal (um óbito por 100.000 pessoas/ano), de engas gos nos seres humanos. Este problema recorrente se deve a uma falha de desenho que ocorre, na realidade, em todos os vertebrados: nossa boca está localizada abaixo e em frente ao nariz, mas o esôfago, que transporta os alimen tos, fica atrás da traquéia, que transporta o ar, por isso os tubos precisam se cruzar à altura da garganta. Se o alimen to bloquear essa interseção, o ar não pode chegar aos pulmões. Um reflexo associado à deglutição normalmen te bloqueia a passagem para a traquéia, mas às vezes esse reflexo falha e o alimento desce pelo canal errado. É nesse m om ento que o reflexo do engasgo entra em ação para desobstruir as vias aéreas, mas algumas vezes ele não é completamente eficaz e podemos morrer sufocados. Claro que seria m uito mais fácil e seguro se o ar e os alimentos passassem por caminhos totalmente independentes. Por que não o fazem? Se a seleção natural criasse traços e meca- Introdução: Aspectos Históricos 5 nismos perfeitos, eles seriam independentes, porém este é um problema histórico: a seleção natural só pode agir sobre o que já existe. E o que existe era um ancestral remoto de todos os vertebrados, um animal semelhante a um verme, que se alimentava de microorganismos retirados da água através de um sistema de filtração. Por outro lado, era pequeno demais para ter um sistema respiratório. A respi ração se dava por difusão passiva, sistema que só foi subs tituído quando evoluiu para um tam anho maior, e um sistema respiratório se desenvolveu. Esse novo sistema aproveitou o sistema de filtração de alimentos, que facil m ente foi aproveitado como um conjunto de guelras, possibilitando a troca gasosa. O aparecimento, m uito mais tarde, do pulmão trouxe a necessidade de vias específicas para a passagem do ar pelo sistema respiratório e dos alimentos pelo digestório. Porém, em função da origem comum, essas passagens se cruzavam, característica que mantemos até hoje. Alcock (2001), por outro lado, chama a atenção para o fato de que a ênfase supostamente excessiva no poder da seleção natural se deve em grande parte às evidências que apontam que, de fato, a seleção natural é o mecanismo preponderante de mudança evolutiva. Mecanismos alter nativos, como, por exemplo, deriva genética, pleiotropia, exaptação, são reconhecidos, mas também se sabe que eles explicam em seu conjunto um a proporção m uito pequena das mudanças evolutivas. A primeira crítica ao livro Sociobiology foi publicada em N ew York Review o f Books (Allen et al., 1975)7 e termina sugerindo que Sociobiology sinalizaria uma nova onda de teorias biologicamente deterministas. Indo além, a crítica equiparava o livro a políticas racistas e a um a agenda polí tica conservadora. A partir, não apenas das críticas publi cadas, mas de entrevistas com vários dos críticos, Segers- trâle (2000) sugere que estes consideravam seu dever moral “interpretar” os textos para o leitor leigo, esclarecendo o que Wilson, e outros, como Dawkins, Ham ilton e Trivers, estavam realmente “querendo dizer”. Vários nomes de peso, como Richard Dawkins, Maynard Smith, William Hamilton, Robert Trivers, Irving DeVore, É interessante que a primeira autora deste artigo, Elizabcth Allen, fosse, na época, um a estudante de graduação em medicina. Esta crítica foi publicada logo após o lançam ento do livro Sociobiology c foi a prim eira das muitas publicações que tem a marca de G ould c Lcwontin nas críticas a Wilson. N o en tan to , nesta publicação especificamente, a ordem dos autores foi alfabética porque a idéia era produzir um docum ento que representasse o Sociobiology Study Group, do qual faziam parte os dois cientistas (Scgcrs- trâlc, 2000, 2001). entre outros, saíram em defesa de Wilson. Na realidade, se algumas das críticas desempenharam um papel impor tante na revisão de alguns conceitos e explicações socio- biológicas, a proposta original em grande parte vem sendo confirmada através de estudos do comportamento hum a no e animal (Alcock, 2001). Com o Krebs e Davies (1997) sugerem, as críticas à sociobiologia não diminuíram o valor da explicação darwinista, mas a levaram à revisão de alguns conceitos e à ampliação de outros. Essas críticas, porém, tiveram o efeito perverso de manchar esta denominação, levando a maioria dos pesquisadores da área a evitar qual quer tipo de ligação com o termo e a denom inar sua área de trabalho com denominações alternativas.Outras disci plinas, como a Ecologia Com portam ental H um ana e a Coevolução Gene-Cultura, além da Psicologia Evolucio- nista, são derivações da Sociobiologia, mas são poucos aqueles que assumem esta herança. O QUE é PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA? No final da década de 1980, o clima acadêmico havia m udado, principalm ente nos Estados Unidos, devido a fatores científicos e sócio-históricos. Os novos desenvol vimentos científicos em várias áreas de conhecim ento, como na biotecnologia e nas neurociências, e principal m ente na genética, com o Projeto G enom a H um ano, acumularam evidências sobre a im portância de fatores biológicos na explicação do comportamento. Ao mesmo tempo, e talvez até mesmo pela popularização dos novos avanços científicos, houve uma atenuação da resistência à implicação de fatores biológicos na explicação do compor tam ento hum ano. O novo paradigm a, interacionista, passou a reconhecer as predisposições biológicas, presentes em todos os indivíduos, e sua modulação pelo ambiente, resultado de um sistema nervoso fundamentalmente plás tico (Segerstrâle, 2000). Este novo clima acadêmico deu margem ao apareci m ento de várias disciplinas que abordam o comportamen to hum ano do ponto de vista da teoria da evolução, entre elas a Psicologia Evolucionista (PE). Porém, o term o “psicologia evolucionista” tem sido usado com diferentes significados por diferentes pesquisadores, e sua abrangên cia também varia em função de quem a define. Alguns defendem que a PE refere-se apenas ao estudo de proces sos mentais humanos (Barkow, Tooby e Cosmides, 1992), enquanto outros preferem descrevê-la como um a aborda- 6 Introdução: Aspectos Históricos gem mais abrangente. Daly e Wilson (1999) consideram que esta restrição taxonômica é inadequada em função da longa tradição comparativa tanto nos estudos evolutivos como dentro da própria psicologia e tam bém porque m uitos dos pesquisadores da área trabalham com o ser hum ano como apenas um a outra espécie única (Foley, 1993; ver Ades, Cap. 2 deste livro). Vale ressaltar, além disso, que a PE não é feita somente por psicólogos, mas, tanto mundialmente como no Brasil, há diversos profis sionais envolvidos, como biólogos, antropólogos, sociólo gos, filósofos e médicos, entre outros. Em comum, a abor dagem evolucionista, aplicada aos seres humanos da mesma maneira como tem sido aplicada, de forma extremamente bem-sucedida, ao estudo do comportamento animal. Laland e Brown (2002) identificam pelo menos cinco abordagens que se propõem a estudar o comportamento hum ano do ponto de vista evolutivo: a sociobiologia, a ecologia comportamental humana, a psicologia evolucio nista, a memética e a coevolução gene-cultura. Com o elas se distinguem umas das outras? Atualmente, nenhum estu dioso do comportamento hum ano identifica-se como um sociobiólogo; entre outras razões, pela reação que esse termo ainda causa, em função da discussão pública sobre o livro de E. O . Wilson com esse título (ver anteriormen te). As duas denominações seguintes, ecologia comporta mental hum ana e psicologia evolucionista, são as vertentes mais atuantes e bem-sucedidas dentre aquelas identificadas por Laland e Brown (2002), com destaque para a PE. A memética, proposta por Dawkins, supõe uma unidade de seleção cultural, o meme, um replicador, tal como os genes. Porém, com o os autores sugerem, a memética foi um meme que não pegou, e sua replicação tem sido restrita. A abordagem da coevolução gene-cultura propõe um a herança dualística, envolvendo genes e memes. Suas complicadas análises matemáticas têm sido um empecilho à sua ampliação. Estas abordagens, na realidade, se sobre põem em vários pontos, e o que as distingue é muito mais a ênfase em um ou outro aspecto (ver também Izar, Cap. 3 deste livro). Por exemplo, o tipo de causalidade mais estudada, próxim a ou final (ver as quatro questões de Tinbergen na seção inicial). A Tabela 1.1 compara algumas das características de três dessas abordagens, aquelas que mais nos interessam em relação ao conteúdo deste livro: a Sociobiologia, pelo seu valor histórico e inovador, a Ecologia Com portam en tal H um ana e a Psicologia Evolucionista, pela amplitude de sua abrangência entre os pesquisadores que estudam o comportamento hum ano de uma perspectiva evolutiva. O exame da Tabela 1.1 evidencia, por um lado, a presen ça da herança sociobiológica nas duas abordagens mais recentes e, por outro, a inovação trazida pela PE, princi palmente no que diz respeito ao nível de explicação. Com foco nos mecanismos psicológicos evoluídos e na propos ta da existência de um descompasso temporal, a PE é a única das três abordagens que considera que o comporta m ento não é completamente adaptativo. O utra importan- Tabela 1.1 Comparação dc trcs abordagens evolutivas ao estudo do com portam ento hum ano (adaptada de Laland c Brown, 2002) Sociobiologia Ecologia com portam ental hum ana Psicologia evolucionista N ível de explicação C om portam ento C om portam ento M ecanism os psicológicos M étodos utilizados no teste de hipóteses M últiplos (ênfase em inform ação etnográfica) Inform ação etnográfica quantitativa M últiplos (ênfase em questionários, experimentos de laboratórios e dados demográficos) O com portam ento é adaptativo? Sim Sim N em sempre, em função do descompasso tem poral O que é cultura? Universais culturais, com portam ento eliciado por condições ecológicas, inform ação transm itida C om portam ento eliciado por condições ecológicas Universais culturais dentro de limitações da natureza hum ana O que são seres humanos? Animais sofisticados Animais sofisticados, caracterizados por extrema adaptabilidade Animais sofisdeados, guiados por adaptações psicológicas Introdução: Aspectos Históricos 7 te inovação trazida pela PE é a de colocar dentro do esco po da psicologia o estudo de causas últimas, evolutivas, contrariando a tradição histórica da área de estudar apenas causas próximas. Acredito que isto, mais do que qualquer outra coisa, é o que permitirá à psicologia, de feto, incor porar a explicação biológica ao seu corpo teórico. Não por acaso, a PE é freqüentemente definida como uma abor dagem à psicologia e não uma área específica, como Psico logia do Desenvolvimento ou da Personalidade. Nesse sentido, ela é proposta como uma forma de pensar a psico logia (evolutivamente) que poderia ser aplicada a qualquer tema dentro dela (Gaulin e McBumey, 2001). Alguns conceitos-chave norteiam a investigação na PE. Inicialmente, os mecanismos mentais evoluídos, vistos como adaptações que estão subjacentes ao comportamen to hum ano (ver Seidl de M oura e Oliva e O ttoni, Caps. 5 e 6 deste livro). Em seguida, o Ambiente de Adaptação Evolutiva (AAE), representando o passado evolutivo durante o qual as adaptações que exibimos foram selecio nadas. Este segundo conceito traz com o decorrência a questão do descompasso tem poral entre mecanismos evoluídos e sua relação com o ambiente atual (ver Izar, Cap. 3, deste livro). Finalmente, a ênfase nos m ódulos de dom ínio específico, que teriam evoluído em resposta a pressões específicas do ambiente e, portanto, dirigidos à solução de problemas também específicos (ver Seidl de M oura e Oliva e O ttoni, Caps. 3 e 6 deste livro). A ques tão da modularidade é um a questão bastante debatida dentro da própria PE, e este livro traz visões alternativas nos dois capítulos já citados. A PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA NO BRASIL O crescimento dos estudos do comportamento hum a no usando a PE como referencial teórico e metodológico foi notável nos últimos anos. Este crescimento tornou a PE uma disciplina bem conhecida e estabelecida na Améri ca do N orte e na Europa, mas ainda incipienteno Brasil. O grupo responsável pela elaboração desta coletânea é pioneiro no estudo da PE no Brasil. A colaboração das instituições envolvidas neste grupo remonta a aproxima damente 15 anos e resultou na formação, em 2004, de um G rupo de Trabalho (GT) de Psicologia Evolucionista na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). Um marco na história deste grupo foi a aprovação pelo C N Pq, em 2005, de um projeto no Edital Instituto do M ilênio para Redes de Pesquisa, O moderno e o ancestral: a contribuição da Psicologia Evolu cionista para a compreensão dos padrões reprodutivos e de investimento parental humanoy que envolve nove institui ções e 16 pesquisadores de todo o país. N o espírito da PE, de interdisciplinaridade, esta rede representa duas orientações teóricas em Psicologia e pesqui sadores de formações variadas. A primeira orientação foca liza o estudo do comportamento num a abordagem evolu cionista e é representada pelos pesquisadores da Universi dade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que coor dena o projeto, da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Univer sidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade Católi ca de Goiás (UCG). A segunda orientação dirige seus estu dos ao desenvolvimento hum ano e é representada pelos pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janei ro (UERJ), que tam bém detém a vice-coordenação do projeto, da Universidade Federal de Santa C atarina (UFSC), e da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Além disso, o grupo conta com um pesquisador em Socio logia, da Universidade Federal do M ato Grosso (UFM T). O site do projeto, com a relação dos pesquisadores e dos projetos de pesquisa, pode ser acessado em h ttp ://lineu. cb.ufrn.br/psicoevol/index.php O principal objetivo desta rede é o de investigar ques tões tradicionais da Psicologia através da abordagem evolu tiva. O s fundamentos teóricos dos estudos realizados por este grupo e seus primeiros resultados estão descritos nos capítulos que se seguem, com a colaboração de alguns pesquisadores que não fezem parte do grupo do Instituto do Milênio. Q uanto esta PE que fazemos no Brasil é restrita em relação aos conceitos-chave propostos pela nova aborda gem? Em função da diversidade de formações e de orien tações teóricas, a PE que adotamos só poderia ser plura lista. Temos em comum a abordagem evolucionista e um alto padrão de exigência em relação à qualidade da pesqui sa que desenvolvemos. Estudos evolutivos do comporta m ento hum ano têm recebido enorme atenção da mídia, com debates em jornais e revistas mais sérios, até reporta gens em programas populares de televisão8. Esta é uma área que, se por um lado, atrai grande interesse da popu- 8U m a edição especial da revista Psique (2007, ano II, n .° 6) foi publi cada exclusivamente com artigos de alunos de pós-graduação ligados aos pesquisadores do Instituto do Milénio, um bom exemplo do interesse da mídia. 8 Introdução: Aspectos Históricos lação de maneira geral, por outro lado, se presta à popu larização indevida de anedotas sem fundamentação cien tífica e de receitas e conselhos simplistas, na maioria das vezes sem qualquer lógica evolutiva a sustentá-los. Isto é exatamente o que não queremos para a PE que fazemos. O rigor metodológico, a sólida base na teoria da evolução e o teste empírico de nossas hipóteses formam o tripé bási co de nosso trabalho. É essa a PE que queremos fazer: diversa, porém rigorosa, do ponto de vista científico. O PLANO DESTE LIVRO Este livro foi escrito tendo em mente o ensino na gradua ção e na pós-graduação. Ele contempla, portanto, os funda mentos e as questões básicas que norteiam a PE. Cada capítulo foi escrito de forma a poder ser lido independen temente, mas, por outro lado, a seqüência dos capítulos tem uma lógica que pode ser seguida caso o livro venha a ser utilizado como livro texto em uma disciplina. Os Caps. 2 a 4 são introdutórios à área, discutindo aspectos históricos do estudo do comportamento, a falsa oposição natureza criação, a questão da unicidade do ser hum ano e suas implicações para seu estudo científico, e as quatro questões deTinbergen (Cap. 2). O Cap. 3 discu te um aspecto fundam ental para a PE, a questão do ambiente de adaptação evolutiva (AAE) e o conseqüente descompasso temporal entre as adaptações e o ambiente atual. A localização temporal do AAE e evolução dos homi- nídeos, questão extremamente controvertida, é discutida, juntam ente com as dificuldades para a reconstrução do AAE. Também apresenta alguns modelos para a recons trução e faz um a pergunta instigante: nossas habilidades têm origem na hum anidade ou a antecedem? O Cap. 4 analisa os traços evolutivos no Homo sapiens sapiens moderno. Discute um a série de características; entre elas, bipedalismo, pequeno dimorfismo sexual, cérebros grandes, recém-nascidos imaturos, tecnologia, destreza manual, linguagem, investimento parental intenso, capa cidade de estabelecimento de vínculos, cultura, dieta onívora e modo de vida caçador-coletor. Os Caps. 5 e 6 discutem a cognição e o funcionamen to da mente. Ambos abordam a questão da modularidade sob pontos de vista um pouco diferentes. O primeiro abor da vários modelos de arquitetura da mente, com ênfase na modularidade: a concepção modular da m ente hum ana de Fodor, a concepção de um processador central de M ithen, o m odelo ontogenético de Karmiloff-Smith e finaliza com um a proposta de integração aprendizagem, desenvolvimento e organização cerebral. O Cap. 6 exami na hipóteses sobre a evolução da inteligência e da cognição: a tecnológica, a do forrageamento, a da inteligência social, a da inteligência maquiavélica. Discute em seguida as adap tações cognitivas para a vida social e sua ontogênese, e avalia visões alternativas sobre o desenvolvimento cogni tivo. O Cap. 7 aborda, de forma comparativa, a evolução da linguagem: como fatores biológicos contribuem para que seres hum anos de um a mesma com unidade verbal (ou cultura) consigam compartilhar uma linguagem simbóli ca; quais as semelhanças entre a linguagem simbólica hum ana e a comunicação não-verbal que compartilhamos com as demais espécies de primatas e com outros animais; a linguagem simbólica surgiu recentemente na história evolutiva dos humanos ou evoluiu lentamente a partir de formas menos sofisticadas de comunicação? O s Caps. 8 a 11 abordam diferentes aspectos do desen volvim ento hum ano na perspectiva evolucionista. O primeiro examina a relação entre biologia e cultura e a inseparabilidade de diferentes planos de análise: o filoge- nético, o ontogenético, o histórico-cultural e o microge- nético. O Cap. 9 descreve o cuidado e a responsividade parentais à luz da teoria da história de vida e a teoria do investimento parental, além das especificidades do esforço reprodutivo materno e do cuidado materno e paterno. O Cap. 10 avalia, do ponto de vista da PE, por que alguns pais maltratam suas crianças e quais situações apresentam riscos maiores de abuso e maus-tratos. O Cap. 11, final mente, examina a brincadeira à luz das quatro questões clássicas de Tinbergen, função, filogênese, ontogênese e causas imediatas. O Cap. 12 trata daquela que é a questão fundamental sob a perspectiva evolucionista, a reprodução. A partir da análise dos mecanismos de seleção sexual em animais, auto res analisam as estratégias sexuais em humanos, avaliando: a) quais são as características preferidas por mulheres e homens como parâmetro para seleção de parceiros sexuais e, a partir desse padrão de preferências; b) quais são as estratégias esperadas para cada sexo. É analisada também a modulação ecológica dessas estratégias e as organizações sociais, os sistemasde acasalamento, resultantes da inte ração das estratégias e dos mecanismos de seleção sexual. O Cap. 13 discute a agressão na espécie hum ana e os controles culturais impostos à sua expressão. Examina também a origem com um com outros animais de vários rituais agressivos e a violência organizada e a instituciona lizada (do Estado), caracteristicamente humanas. Introdução: Aspectos Históricos 9 O Cap. 14 examina a contrapartida à agressão, a coope ração. Partindo de uma suposta contradição entre a coope ração e a aptidão individual, revê as diferentes estratégias que favorecem a cooperação, algumas exclusivamente huma nas e outras presentes também em outras espécies: a coope ração com parentes, o altruísmo recíproco e a teoria dos jogos e o altruísmo recíproco indireto. Finaliza examinando a evolução do comportamento cooperativo e o envolvimen to dos sistemas cognitivos e emocionais nesse processo. O Cap. 13 analisa a evolução da m entira e do auto- engano. Os autores sugerem que o com portam ento de mentir, bem como sua detecção sofreram fortes pressões seletivas ao longo da evolução e que os humanos, além de m entir para os outros, m entem para si mesmos (auto- engano), um padrão provavelmente selecionado a partir de um a corrida evolutiva entre enganadores e detectores de engano. Este capítulo apresenta duas abordagens expli cativas, a primeira com abordagem evolutiva e ecológica, destacando o contexto em que emergem tais comporta mentos, e outra da perspectiva das neurociências, que estu da as estruturas e sistemas neurais envolvidos. O Cap. 16 discute a universalidade do comportamento alimentar humano, sua diversidade, marcada pelas diferen tes culturas, como também suas semelhanças, que garantem a ingestão de todos os nutrientes essenciais para o bom desen volvimento e manutenção do corpo humano. Porém, a esco lha dos alimentos, a decisão de ingeri-los, ou não, apresentam os desafios mais interessantes do ponto de vista evolutivo. Este capítulo examina dois padrões contrastantes da escolha alimentar: a neofobia, a relutância em experimentar alimen tos novos, e a neofilia, seu oposto. A maneira mais eficiente que a seleção natural encontrou para lidar com este proble ma foi a influência social, presente desde o início da vida e importante fonte de informação alimentar. O Cap. 17 propõe a aplicação da perspectiva evolucio nista na compreensão das psicopatologias, um aparente paradoxo, pois a mera persistência na população de pato logias associadas a bases genéticas parece comprometer as premissas básicas dos conceitos darwinistas, que se funda m entam na idéia de aptidão do indivíduo à sobrevivência e à reprodução. A proposta do capítulo é a de integrar conhecimentos sobre psicopatologia das áreas de genética, neuroquímica, neuroanatomia, psiquiatria, psicanálise e psicologia analítica, usando a abordagem evolucionista. A partir dessa perspectiva, as autoras analisam o que consti tuem as patologias, os sintomas e as etiologias dessa pers pectiva, levando em consideração causas próximas e causas últimas. Finalmente, a título de exemplo, são analisadas algumas patologias: transtorno do pânico, erotomania, depressão (incluindo a depressão pós-parto), dependência e esquizofrenia. O Cap. 18 apresenta um a tese tão inovadora quanto polêmica: a idéia de que a evolução hum ana favoreceu o fortalecim ento da cooperação intragrupo, levando ao desenvolvimento do que os autores chamam de mansidão na espécie hum ana. Três argumentos são apresentados a favor dessa tese: o enfraquecimento anatômico das armas de luta corporal; a organização de caça e coleta, caracte rística dos hominídeos por vários milhões de anos, e que se constituía em ambiente social igualitário e cooperativo; e a mudança súbita provocada pelo advento da agricultu ra de larga escala, como fator de ruptura com o m odo de vida ancestral. Acreditamos que o conjunto dos capítulos que forma este livro constitua uma excelente introdução à Psicologia Evolucionista para alunos de graduação e pós-graduação e também para o leigo que mostra curiosidade sobre o tema.
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