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CRIMINOLOGIA 3. TEORIAS MACROSSOCIOLÓGICAS DA CRIMINALIDADE 3.6 Teoria Crítica É considerada teoria do conflito. Essa teoria, de forma mais recente, surgiu na década de 1970, nos EUA e também, quase que ao mesmo tempo, na Inglaterra. Irradiou-se para Alemanha, Itália, Holanda, França, Canadá. O ramo americano da Criminologia radical desenvolveu-se a partir da escola criminológica de Berkeley. Criou a organização, a Union of Radical Criminologists, e a sua própria revista, Crime and Social Justice. Na Inglaterra, a Criminologia radical foi organizada em torno da National Deviance Conference e foi encabeçada por I. Taylor. P. Walton e J. Young, autores do mais conhecido tratado de criminologia desse tipo, The New Criminology: For a Social Theory of Deviance (1973) e organizadores da coletânea Critical Criminology (1975). O Grupo de Berkeley surge como reação aos objetivos básicos da escola de Criminologia que se consubstanciava na formação de técnicos e profissionais treinados para a luta conta do crime. Já o grupo inglês entende que a solução para a redução da criminalidade passa pela extinção da exploração econômica e da opressão das classes políticas. Em resumo: a criminologia radical se apresenta expressamente como uma criminologia marxista, pois sustentava que o delito era um fenômeno dependente do modo de produção capitalista. Ideias Centrais da Teoria Crítica Com base nos livros de Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young, essa teoria critica ferozmente as linhas das teorias do consenso, que foram incapazes de compreender a totalidade do fenômeno criminal. Como a base estava no pensamento marxista, segundo essa linha, o homem não teria livre-arbítrio, pois estava condicionado ao vetor econômico que lhe é insuperável e que acaba por produzir não só o crime em particular, mas também a criminalidade como um fenômeno mais global. Essa teoria, em última analise, considera o problema criminal insolúvel dentro dos marcos de uma sociedade capitalista. Como poderiam, afinal, os estudiosos críticos se propor a auxiliar a defesa da sociedade contra o crime, se o seu propósito é defender o homem contra este tipo de sociedade? William J. Chambliss, citado por Sérgio Salomão Shecaira, traça um paralelo entre as posturas radicais e as posturas funcionalistas (teorias do consenso) (2012, p. 284-285). Funcionalistas Críticas ou Radicais Os atos criminosos o são porque ofendem a moralidade do povo. Os atos são criminosos porque é do interesse da classe dominante assim defini-los As pessoas são rotuladas de criminosos porque seus comportamentos foram além dos limites de tolerância da sociedade. São rotuladas de criminosas porque se servem aos interesses da classe dominante. As pessoas das classes mais baixas são mais propensas a ser presas porque cometem mais crimes. As pessoas das classes mais baixas são rotuladas de criminosas e as da burguesia não porque o controle da burguesia sobre os meios de produção lhes dá o controle do Estado, assim como da aplicação da lei. O crime é comum a todas as sociedades. Todas as sociedades precisam de sua produção. O crime varia de sociedade para sociedade, de acordo com a sua estrutura econômica e política. À medida que as sociedades se tornam mais especializadas na divisão do trabalho, cada vez mais as leis vão refletir disputas contratuais e as leis penais vão se tornar cada vez menos importantes. À medida que as sociedades capitalistas se industrializam, a divisão entre as classes sociais vai crescendo e as leis penais vão tendo que ser aprovadas e paliçadas para manter uma estabilidade temporária, encobrindo as lutas entre as classes sociais. Acreditam que o crime faz as pessoas mais conscientes dos interesses que têm em comum e que estabelece um vínculo mais firme, o que leva a uma maior solidariedade entre as pessoas. Ao definir certas pessoas como criminosas permite um controle maior sobre o proletariado e que o crime orienta a hostilidade do oprimido para longe dos opressores e em direção à sua própria classe. A partir dessa análise distintiva entre os funcionalistas e os radicais, a teoria crítica propõe uma grande reflexão do próprio conceito de crime. O crime deve ser analisado sob o enfoque do poder e do privilégio. Segundo Tony Platt: “Sob a definição legal de crime, as soluções são primariamente destinadas a controlar as vítimas da exploração (pobres, terceiro mundo, jovens, mulheres) que, como uma consequência de sua opressão, são canalizados através do sistema de justiça criminal. Sob uma definição radical de direitos humanos, a solução para o ‘crime’ consiste na transformação revolucionária da sociedade e a eliminação dos sistemas de exploração econômica e política” (1980, p. 126). Depois de quase 10 anos de análises sobre os conceitos da criminologia moderna, começam a se delinear três distintas tendências: o neorrealismo de esquerda, a teoria do direito penal mínimo e o pensamento abolicionista. Neorrealismo de Esquerda Antes de mencionar as diretrizes principais do neorrealismo de esquerda, é necessário apontar algumas ideias do realismo de direita. O realismo de direita surgiu no início dos anos de 1980, tanto nos EUA como na Inglaterra, propondo mais repressão contra a criminalidade de massas e contra as minorias étnicas, chamado de Law and Order Movement (Movimento da Lei e da Ordem). Junto com esse pensamento surge a Lei da Tolerância Zero, que teve origem na Teoria das Janelas Quebradas, de James Q. Wilson, com parceria de George Kelling. Essa teoria preconizava um caráter sagrado dos espaços públicos – em clara retomada dos postulados conservadores da Escola de Chicago – e que o problema social no que se encontram as classes pobres é terreno natural do crime, bem como a ideia de que uma pequena infração, quando tolerada, pode levar ao cometimento de crimes mais graves, em função de uma sensação de anomia que existe em certas áreas da cidade. Depois dessas ideias, a segunda esfera de reação a maximizar a intervenção punitiva foi o Movimento da Lei e Ordem. A ideia central foi dar uma resposta à criminalidade com medidas repressivas mais intensas, em decorrência de endurecimento da lei penal. Os defensores deste pensamento dividiam a sociedade em homens bons e homens maus. A violência destes só poderia ser contida através de leis severas, que imponham longas penas privativas de liberdade, quando não a morte. Exemplo do Brasil: Lei dos crimes hediondos e lei do Regime Disciplinar Diferenciado. Contrariando essas situações, surgiu o Neorrealismo de esquerda, propondo o seguinte: a) redução do controle penal e extensão a outras esferas. b) Defendem a reinserção dos delinquentes. Consideram que, no lugar de marginalizar e excluir os autores dos delitos devem-se buscar alternativas à reclusão para que adquiram uma espécie de compromisso ético perante a comunidade. c) Adotam a ideia da prevenção geral positiva. d) Defendem que se dê uma especial atenção às instituições da comunidade e polícia, traçando uma política criminal setorial que trata de representar os interesses da localidade, do bairro, independentemente da classe social. Direito Penal Mínimo De uma forma muito sucinta, essa linha trabalha com a intervenção mínima do direito penal nas relações sociais, bem como também a sua intervenção na proteção dos bens mais importantes para a sociedade e que não puderam ser tutelados por outros ramos jurídicos. Ainda, defendem a utilização do direito para a defesa do mais fraco perante uma eventual reação, por parte do ofendido, mais forte que a pena institucional e em prevenção ao cometimento ou ameaça de novo delito. Diantedisso, seria a proteção do criminoso contra o Estado, dentro da linha do Garantismo Penal, sustentado brilhantemente por Luigi Ferrajoli. Prevê que ao mesmo tempo em que tal teoria propõe a descriminalização de certos delitos, como os delitos contra a moralidade pública, delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, são defendidas intervenções mais fortes nas áreas em que se trabalham os interesses coletivos, tais como saúde e segurança do trabalho. Abolicionismo Penal Como pensar em viver em sociedade sem meios de controle de conflitos? Os abolicionistas afirmam que o sistema penal só tem servido para legitimar e reproduzir as desigualdades e injustiças sociais. O direito penal tem sido considerado como uma instância seletiva e elitista. O abolicionismo se desenvolve gradualmente a partir das teorias de rotulação social e do pensamento de Taylor, Walton e Young. Os abolicionistas criticam o conceito de pena, pela dor desnecessária que impõe aos autores do delito, dor essa que estaria a merecer pontos delimitadores. Três são as fontes ideológicas do abolicionismo: a anarquia; a marxista e a liberal-cristã. Anarquia Dentro da linha anarquista, a principal preocupação está na perda da liberdade e autonomia do indivíduo por obra do Estado. O sistema penal é visto como uma das instituições que colonizam o mundo vital do homem, impedindo sua felicidade plena. Marxista Essa visão não é muito diferente da visão marxista em geral. Entende-se o sistema penal como instrumento repressor e como modo de ocultar os conflitos sociais. Assim, essa visão produziria não só mais justiça social como também mais liberdade, pois as decisões sociais seriam tomadas coletivamente, o que permitiria uma própria redução do controle social sobre a maioria. Liberal-cristã É o exemplo de solidariedade orgânica, já tratada por Durkheim. Aqui, os homens se ocupariam de seus próprios conflitos. Os abolicionistas afirmam que o delito é uma realidade construída. Se o crime é uma realidade construída, então pode haver a “desconstrução” do crime. Por que abolir o sistema penal? 1) Nós já vivemos numa sociedade sem sistema penal. Como se tem as cifras negras, nem todos os crimes chegam ao conhecimento do Poder Judiciário. Então, a sociedade já consegue, por si, resolver tais situações, não necessitando de uma intervenção tão radical quanto a utilização do sistema penal. 2) O sistema penal é anômico, ou seja, o sistema não cumpre as funções esperadas. Não há prevenção do crime; não há proteção dos bens jurídicos relevantes, como a vida. 3) Esse sistema é seletivo e estigmatizante. A clientela habitual do sistema penal é formada por pessoas que já têm problemas com a lei, não por praticarem mais crimes do que os outros, mas porque o controle social formal é discriminatório. 4) O sistema é burocrata. Polícia, Ministério Público, Magistratura e outras agências voltadas de controle (penitenciárias, cadeias, instituições para menores infratores) desenvolvem critérios próprios de ação, ideologias, culturas e subculturas, e ao invés de trabalharem de forma articulada, trabalham de forma independente, quando não inimigas. Ex: lavrador que raspa casca de árvore para fazer remédio para a esposa. 5) Parte-se de uma falsa concepção da sociedade. Na visão iluminista, a sociedade é vista numa totalidade consensual. Isso é totalmente falso, uma vez que na verdade é vista como composta por pessoas boas ou más. 6) Esse sistema concebe o homem como um inimigo de guerra. A luta contra a criminalidade está em todas as campanhas eleitorais e é o mote de intervenção de muitos políticos na luta interna contra as atrocidades praticadas pelo homem, sua maldade. É uma verdadeira guerra interna, sem data para terminar e voltada a praticar danos. Ver sobre o Direito Penal do Inimigo, ideia concebida a partir do pensamento de Günther Jakobs. 7) O sistema penal se opõe à estrutura da sociedade civil. Os operadores do direito, especialmente o magistrado, pertencem a um mundo diferente ao do processado; condenar para ele é um ato de rotina burocrático. 8) A vítima não interessa ao sistema penal. 9) O sistema penal continua sendo uma máquina para reproduzir dor inutilmente. A execução da pena produz um meio de coação, de sofrimento, de dor moral e física pra o condenado e sua família. É estéril, pois não o transforma; ao contrário, é irracional porque destrói e aniquila o condenado. 10) A pena, principalmente a de prisão, é ilegítima. Para os abolicionistas, só se pode falar verdadeiramente em pena quando existe o “acordo entre as partes”. (SCHECAIRA, 2012, p. 300-306). Em considerações finais, há que se destacar que a Teoria Crítica fundamentou que o ato desviado deve ser investigado junto às bases estruturais econômicas e sociais, que caracterizam a sociedade na qual vive o autor. Assim, Schecaira menciona: “Em outras palavras, uma das principais contribuições dos teóricos críticos para a modificação do direito penal está, exatamente, em mudar o paradigma das criminalizações. A proposta para o processo criminalizador (incriminação legal), a partir da visão crítica, objetiva reduzir as desigualdades de classe e sociais. Esta visão faz repensar toda a política criminalizadora do Estado, que deve assumir uma criminalização e penalização da criminalidade das classes sociais dominantes: criminalidade econômica (abuso de poder), práticas antissociais na área de segurança do trabalho, da saúde pública, do meio ambiente, da economia popular, do patrimônio coletivo estatal e – não menos importante – contra o crime organizado.” (2012, p. 309-310) BIBLIOGRAFIAS UTILIZADAS EM TODOS OS TEXTOS FORNECIDOS PELA PROFESSORA, SOBRE A MATÉRIA DE CRIMINOLOGIA: GOMES, Luiz Flávio. MOLINA, Antonio Gárcia-Pablo. Criminologia. 8ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 4ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
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