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SOBRE O PROF. ADALBERTO BARRETO 
 
 
 
 Adalberto Barreto é professor de graduação e pós-graduação do Departamento 
de Saúde Comunitária - Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará - UFC. 
 Doutor em Psiquiatria pela Universidade René Descartes Paris V (1982). 
 Doutor em Antropologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de 
Paris (EHESS) Universidade de Lyon II - França (1985). 
 Licenciado em Teologia pela Pontifícia Universidade Santo Thomaz de Aquino 
in Urbis, em Roma (1976), e pela Universidade Católica de Lyon, França (1980). 
 Coordena, há quinze anos, um Projeto de Pesquisa e Extensão na área de Saúde 
Mental Comunitária, na Favela de Pirambu, Comunidade de Quatro Varas - Fortaleza - 
CE, cujo objetivo é articular o saber científico com o saber popular, na perspectiva do 
desenvolvimento das dinâmicas individuais e comunitárias. 
 É o criador da Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa, um programa de 
atenção primária na área de saúde mental que utiliza a competência das pessoas e 
promove a construção de redes sociais. 
 É diretor do Centro de Estudos da Família e Coordenador do Movimento 
Integrado de Saúde Mental Comunitária - MISMEC - Fortaleza - CE. 
Publicou diversas obras no Brasil e no exterior, entre as quais se destacam: 
Un Psychiatre dans la Favela (1995), 
L’indien qui est en Moi (1996), 
Do sertão à favela: da exclusão à inserção social 
 
 
 
Prefácio: 
 “Só Reconheço no outro aquilo que conheço em mim” 
5 Carta de OMS 
 
 Nasci em Canindé, cidade de romarias no sertão nordestino, que recebe cerca de 
um milhão de peregrinos por ano. Vivi toda a minha infância nesta cidade sagrada. Cada 
peregrino tinha uma história para contar, na qual São Francisco aparecia como protetor, 
o médico, o amigo da família que todos acolhiam. 
 De todas as histórias ouvidas a que mais me impressionou foi a de uma criança 
de sete anos perdida na Floresta Amazônica durante três dias a família a procurou, 
desesperadamente, sem nenhum resultado. Foi somente, quando, de joelhos, invocou os 
poderes de São Francisco do Canindé que ela foi encontrada e levada ao encontro de sua 
família, por um homem idoso. Mais tarde, quando pagavam promessa na Basílica de 
São Francisco, em Canindé, a criança reconheceu, nos afrescos que ornamentam a 
basílica, aquele que a havia protegido na floresta e a levada a seus pais, como sendo São 
Francisco. 
 Esta história de uma criança salva na Floresta Amazônica, graças à invocação da 
fé, em uma demonstração de fidelidade aos valores religiosos, permitindo à família 
superar esse drama, sempre me fascinou. 
 
 Minha identidade ameaçada: 
 Quando cursava Medicina, na Universidade Federal do Ceará, estranhamente, 
sentia-me como essa criança perdida na floresta. Durante toda a minha infância, vivi 
num mundo mágico-religioso, marcado por uma maneira de viver que se caracterizava 
pela cura dos doentes e dos infelizes. Nesse universo, São Francisco era o grande 
protetor dos sertanejos. Ele curava as doenças do abandono, oferecendo ao peregrino a 
possibilidade de pertencer a uma grande família espiritual. 
 Os ex- votos, representando as feridas e sofrimentos dos peregrinos, eram 
depositados na casa dos milagres, ao lado da basílica. Eles eram o testemunho do poder 
de cura do santo protetor. Havia, também, os curandeiros: homens e mulheres que 
devotavam suas vidas a cuidar dos pobres doentes. Cada um dos personagens possuía 
seu arsenal terapêutico para combater a doença e o sofrimento. As rezadeiras tinham as 
suas rezas mágicas; os raizeiros, suas raízes e cascas de árvores; os médiuns espíritas, os 
seus rituais de invocação dos espíritos desencarnados; os umbandistas, seus rituais 
sonoros, danças e cânticos, bem como, seus transes terapêuticos. Apesar das diferenças, 
eles estavam unidos pela mesma fé pelo mesmo desejo: o de servir aos que sofriam e 
ajudá-los a sair de um verdadeiro labirinto imposto pela vida. 
 Como meus estudos universitários, eu entrava em um novo universo, uma 
verdadeira floresta que me angustiava à medida que eu descobria suas riquezas. A 
percepção da doença e do sofrimento humano estava em oposição àquela de minha 
própria cultura nordestina. Progressivamente eu percebia que o novo mundo acadêmico 
exigia de mim a renúncia às minhas crenças anteriores. Parecia que, para tornar-se um 
5 Carta de OMS 
homem da ciência, eu teria que renegar a minha própria cultura. Eu não poderia mais 
exprimir as minhas crenças, sem me expor ás criticas dos meus colegas. Havia aqueles 
que já estavam descrentes, e por esta razão, consideravam-se superiores aos outros que 
ainda acreditavam. Eu me sentia desarmado: como responder às exigências de uma 
ciência, baseada na materialidade das coisas, se aquilo que me estimulava, pertencia ao 
mundo invisível, ao qual a ciência não permitia ter acesso? Muitas vezes, eu me 
questionava: o que fica de um homem se lhe são retirados suas crenças, seus valores, 
suas convicções que fazem dele um nordestino, um sertanejo. 
 Tal qual a criança perdida na Floresta Amazônica, eu temia ser devorado pelas 
“certezas científicas”. Passei, então, a desconfiar das grandes certezas. Muitas vezes, 
eles são uma arma mortal para aqueles que desejam dominar o espírito das pessoas 
perdidas em suas dúvidas e seus processos libertadores. 
 Entretanto, esses dois universos me seduziam. Cada um tinha o seu lado 
apaixonante. Meu primeiro universo cultural nutria em mim o gosto pelas coisas 
maravilhosas, mágicas, em que o homem, para sobreviver, deve levar em consideração 
o lado invisível das coisas. Nele, eu aprendi que o essencial é invisível, e que nós 
devemos viver com os pés no chão, mas com o olhar para o infinito. Porém, algo me 
inquietava: este universo era prisioneiro dos deuses de um passado distante, em que 
todo progresso distanciava o homem do paraíso, e todo o prazer carnal era uma ofensa 
ao Criador. Nesse mundo, havia pouco espaço para a contestação, para a liberdade e 
para o direito de ousar. O homem era uma pessoa submissa e privada de sua capacidade 
transformadora. Não lhe era permitido construir e/ou transformar as coisas, bem como 
questionar as normas padronizadas. 
 Por outro lado, o novo mundo da ciência, através de suas experiências e 
explicações científicas palpáveis, permitia-me aprender a fazer certo número de coisas 
que eu concebia como possíveis no meu universo mágico-religioso. Através de minha 
formação universitária, eu tinha acesso aos segredos do funcionamento do mundo e da 
perpetuação da vida na terra. Era como se, sendo médico, eu me tornasse o senhor da 
vida e da morte. Esse aspecto da ciência me fascinava, mas, por outro lado, dava-me 
medo, pelo seu caráter excludente, que rejeitava os outros sistemas explicativos. Havia 
algo da ordem do domínio da verdade. O discurso científico exprimia que, ao mesmo 
tempo, que detinha a verdade, possuía uma vontade colonizadora e dominadora do 
pensamento do homem e de todas as suas ações. Nesse ponto, meu segundo universo 
não diferia muito do primeiro. Em ambos, o homem torna-se prisioneiro de mitos. A 
única verdade era a científica. As outras nada mais eram do que a expressão do mundo 
dos ignorantes, dos incultos e, por esta razão, tornavam-se obstáculos a todo o 
progresso. Eu sentia que esse mundo exigia que eu me tornasse um apostolo da ciência 
para converter os “incrédulos” e os “ignorantes” a esta nova religião médica. 
 O primeiro mundo nutria uma verdade mítica, onde o imaginário tinha um papel 
primordial e reduzia a realidade material a uma espécie de miragem sem importância; já 
o mundo científico privilegiado a realidade material, ignorando e, até mesmo,5 Carta de OMS 
combatendo o imaginário, o irracional. Esse novo mundo exigia a morte de meu 
universo cultural para poder reinar como senhor absoluto. Ele desejava ser sua única 
medida. Essa foi, sem dúvida, umas das minhas primeiras batalhas interiores. Eu estava 
convencido de que manipulava um verdadeiro arsenal atômico, o qual o menor 
equívoco poderia reduzir, em pedaços, uma existência desejosa da plenitude da vida. Eu 
sabia que tinha que lutar e que a única saída possível passava por um diálogo entre 
aquele que eu era e aquele que eu me tornava. Nesse clima de guerra interior, aprendi a 
nada eliminar, sem antes ter examinado, questionado. O grande temor que me habitava 
era de encontrar-me esvaziado dos elementos que constituíam a base de minha 
existência, de pessoa membro de uma cultura. Para mim, era inconcebível uma vida sem 
autonomia criativa. 
 Todas essas questões tocavam o cerne da minha vida. Era minha própria 
identidade que estava em jogo. Perguntava-me: quem sou eu? Quer ser me tornarei? 
 Um desafio e uma ambição: 
 Diante desses questionamentos, geradores de inquietações, eu me propus um 
desafio e uma ambição: fazer co-habitar em mim esses dois universos, aparentemente 
contraditórios, mas que eu os sentia complementar. Cada um era rico naquilo que o 
outro era pobre. 
 No meu universo de origem, eu me sentia chamado a tornar-me um “São 
Francisco” _ “Salvador dos Pobres”. Eu queria, verdadeiramente, seguir essa via. Daí 
porque tanto insisti com meus pais para salvar as almas ameaçadas pelos prazeres 
materiais da vida. Havia algo a ser feito por aqueles que, já ameaçados de morte pelos 
acidentes da vida e das doenças, poderiam perder suas almas. Mais tarde, quando fazia 
Medicina, eu descobri outro aspecto da vida: a importância do corpo físico. Corpos de 
homens, mulheres e crianças, mutilados, em busca da saúde do corpo material. Com a 
descoberta da materialidade do corpo, eu me sentia chamado a salvar este corpo doente 
e sofrido. 
 O fato de, ao mesmo tempo, estudar Medicina, Filosofia e Teologia ajudou-me a 
evitar a tentação que consiste em substituir uma descoberta por outra, ou seja, substituir 
meu interesse pela dimensão invisível do homem por outra mais palpável, real, visível. 
A Filosofia ensinava-se que curar as partes dos corpos não era a mesma coisa que curar 
o homem. Reduzir o homem a um de seus aspectos era o mesmo que mutilá-lo ainda 
mais, e dificultar sua busca de saúde e salvação. 
 A relação entre meus estudos de Teologia e Medicina permitia-me unir o meu 
desejo e a minha preocupação e combater o mal, salvar e curar o homem ameaçado. A 
Medicina e a Filosofia me permitiram mergulhar no universo biológico, existencial e 
religioso do homem. Tais ciências me possibilitaram compreender que toda verdade 
sobre o homem não pode vir senão de um diálogo sério e respeitoso da diversidade dos 
elementos que a constituem. 
5 Carta de OMS 
 Em busca de uma nova identidade: 
 Essa vontade de compreender o homem na sua totalidade levou-me, mais tarde, 
a seguir os estudos de Psiquiatria e a Antropologia na Europa. O contato com outros 
povos, outras culturas, permitiu-me tomar um pouco de distância de meu próprio 
universo cultural. Pude, então, perceber que essa guerra que me consumia não era 
unicamente minha, mas vivida por toda a humanidade. 
 A Psiquiatria e a Psicanálise permitiram-me compreender os mecanismos 
inconscientes que regem os comportamentos e atitudes humanas, sobretudo os meus em 
particular , além de, também, compreender os mecanismos inconscientes de dominação 
e exclusão. 
 A Antropologia trouxe-me uma visão do universo cultural do homem. Eu 
compreendi que toda cultura, todo indivíduo, tem direito à diferença, e que a cultura, 
todo indivíduo, tem direito à diferença, e que a cultura responde a um desejo maior do 
ser humano: o de nutri a sua identidade. Ser diferente é a razão maior de ser homem. 
Combater a diferença é um ato de dominação e de empobrecimento da humanidade. 
 Minha estada de cinco anos na Europa possibilitou-me reforçar minha identidade 
de brasileiro. Filho de uma família modesta e de uma das regiões mais pobres do 
mundo, o Nordeste brasileiro, eu tive a grande sorte de passar a viver numa das regiões 
mais desenvolvidas do planeta. Confesso que, técnica e economicamente, a Europa era 
bem mais desenvolvida. Nunca encontrei favelas, nem pobreza como no meu país. No 
entanto, a Europa decepcionou-me no que se refere às relações humanas, à afetividade 
e ao calor humano. Os europeus parecem ter perdido aquilo que, no Brasil, ainda é 
muito vivo e muito importante: o acolhimento, a disponibilidade, a alegria de viver, o 
senso de humor e o gosto pela festa e pelo sagrado. 
 Indo à Europa em busca de “saber e conhecimento”, eu descobri belíssimos 
monumentos históricos, bem conservados, visitados, estudados, fotografados e, 
cuidadosamente, guardados. Tive, então, a impressão de que todas aquelas pessoas 
estavam, também, em busca de suas identidades, fossilizadas com o passar do tempos. 
Vendo-as agirem assim, eu me dizia que elas, talvez, esperassem reencontrar, nesses 
contatos, a sua humanidade perdida! Descobri, então, que o europeu também tem suas 
“florestas de concreto”, e que também estavam desejosos de se libertar do peso de uma 
história, que parecia exigir dos vivos, que eles se tornassem meros guardiões de troféus, 
símbolos de um passado glorioso. Aos poucos, fui compreendendo que nossa cultura 
tem algo a levar a esse velho continente. A verdade é que um abismo separa os países 
ricos dos países pobres. Os contrastes eram evidentes. Mas uma coisa era igualmente 
verdadeira: nós éramos ricos naquilo que eles eram pobres, e eles eram ricos naquilo em 
que éramos pobres. Esta descoberta permitiu que eu me sentisse à vontade diante de 
todo aquele progresso que, de longe, nós vemos como perfeito, mas que, de perto, 
descobrimos seus limites e frustrações. A partir, de então, passei a não me sentir como 
aquele que vinha, apenas, buscar conhecimento, mas como alguém que também poderia 
5 Carta de OMS 
dar a sua contribuição nesse intercâmbio intercultural. Foi assim que eu tentei fazer da 
minha estada na Europa uma ocasião para mútuas trocas. 
 Os anos de estudo trouxeram-me muitos elementos que me proporcionaram uma 
maior clareza sobre o meu dilema inicial. Aos poucos, eu descobri que todos os 
estereótipos relativos à cultura popular eram expressões de uma ideologia dominadora 
e/ou colonizadora, que, para manter sua hegemonia, precisavam destruir os outros. 
Descobri que ser diferente é um direito, um valor e, jamais, a expressão de 
subdesenvolvimento de um povo. Descobri que cada cultura é única, é rica naquilo que 
constitui a pobreza do outro. Descobri, também, que o grande desafio para um homem 
da ciência é o de aproveitar o calor gerado pelo choque das diferentes percepções. É este 
calor que torna o aço mole e flexível, torna flácidos os sólidos duros e produz a energia 
necessária para fazer o fogo e a luz que nos permitem ver com clareza. 
Reapropriação da minha identidade: 
De volta ao Brasil, escolhi como terreno de pesquisa, a cidade de minha 
infância, Canindé, e, como tema de estudo, as medicinas populares do sertão e seus 
sistemas de crenças. 
Minhas pesquisas colocaram em evidência o importante papel dos curandeiros 
no processo de cura das pessoas. Eles eram os primeiros recursos para as crianças 
vitimadas pelas diarréias. Muitas vezes quando os curandeiros não encontravam 
respostas satisfatórias para a doença, essas crianças, somente depois de três dias de 
tentativas, eram levadas ao hospital mais próximo, já em estado avançado de 
desidratação. Para mim, ficavaevidente que o combate à grande mortalidade (uma taxa 
de 125 para cada 1000) deveria passar pelo trabalho de integração dos curandeiros com 
o circuito médico oficial. Deveríamos organizar, em conjunto, um projeto de 
cooperação, em que cada parceiro pudesse guardar sua especificidade: o médico 
continuaria com suas preces e rituais. Não se tratava de “converter” uns aos valores dos 
outros, mas de colocar juntos os arsenais terapêuticos no combate à mortalidade infantil. 
A partir de 1983, os curandeiros de Canindé foram sensibilizados quanto ao 
valor terapêutico da reidratarão por via oral e passaram a cooperar, de forma recíproca, 
com o hospital de Canindé. Assim, a Universidade, o Hospital de Canindé e os 
curandeiros locais puderam somar suas competências no combate à desidratação e na 
promoção da vida. Essa pesquisa-ação em Canindé, cidade da minha infância, foi bem 
mais do que uma simples pesquisa acadêmica. Ela inscrevia-se num processo de 
reapropriação de minha própria identidade. Completava-se doze anos que eu havia 
deixado Canindé, e sentia um grande desejo de retornar para compreender meu universo 
de outrora e fazer um balanço daquilo que ainda permanecia em mim de meu Canindé. 
Hoje, Canindé tornou-se para mim um espaço de reencontro com meu primeiro 
universo, minha cultura, com os elementos que constituem minha identidade cultura. Ir 
a Canindé faz parte de um ritual de vida tão importante quanto me dirigir aos 
congressos internacionais em Paris ou Washington. Tanto em um como em outro, eu 
5 Carta de OMS 
encontro interlocutores que me interpelam e me fazem refletir sobre a prática cotidiana 
em minha existência. Eles me permitem progredir em minhas idéias e anseios. As duas 
experiências me enriquecem, tanto no aspecto pessoal quanto profissional. Elas nutrem 
em mim um vínculo vital. Oferecem-me referências de percepção do mundo, do 
homem, de uma maneira de viver. A primeira me ajuda a salvaguardar minha identidade 
cultural, a outra reforça a coerência de minha identidade profissional. 
Canindé tornou-se um desses espaços onde o afluxo das pessoas me (re)envia a 
mim mesmo, à minha história. É lá que onde me sinto em harmonia com meu povo, 
com a qual partilho tanta coisa. Em Canindé, tenho completado minha formação 
universitária, e é lá que se processa minha cura de desintoxicação, liberando meu 
espírito de suas ambições cosmopolitas. É lá que fortaleço minha esperança, minhas 
crenças, juntos aos homens que ainda crêem naquilo que nos salva. Em Canindé, eu 
descubro que São Francisco, que salvou a criança perdida no Amazonas, é o mesmo que 
continua salvando milhares de crianças, homens e mulheres que se acham perdidos na 
floresta humana, produzida por um sistema econômico e político que exclui os valores 
culturais e humanos. São Francisco é, portanto, aquele que salva, orienta, acolhe, cura e 
dá ao homem perdido o sentido do caminho a ser seguido. 
Formação para o diálogo: 
Quando decidi ser professor da Faculdade de Medicina, o fiz com o intuito de 
dar a contribuição de toda a minha reflexão e de minhas descobertas. Não queria ser o 
único nessa reflexão e nesse processo. Era necessário sensibilizar os futuros médicos, 
por um lado, quanto aos aspectos culturais da Medicina, fazê-lo conhecer o universo 
cultural das pessoas que, mais tarde, seriam recebidas em seus consultórios e nos 
hospitais, e, por outro lado, permitiu-lhes refletir sobre a riqueza de uma cultura não- 
acadêmica e os perigos de uma Medicina que exclui, não somente o universo do 
paciente, mas também o do próprio médico. 
Criamos a disciplina Antropologia da Saúde, ministrada na favela. Tal disciplina 
permite aos estudantes de Medicina vivenciar, sob o mesmo terreno, os diversos 
aspectos culturais da doença e do processo de cura. E dessa forma, desde 1983, nós 
desenvolvemos um programa de pesquisa e educação comunitária, voltado para os 
romeiros que se dirigem a Canindé. Essa experiência constitui um espaço, por 
excelência, para se estabelecer um diálogo entre os universitários e os peregrinos, 
permitindo-lhes se encontrarem e se descobrirem mutuamente. 
Essa mesma vontade de ir em direção aos “excluídos” e “perdidos”, nos levou a 
desenvolver um trabalho na favela do Pirambu, em Fortaleza: e o Projeto Quatro Varas. 
Inicialmente, recebiam, no Hospital Universitário, pacientes vítimas de conflitos de 
abandono e miséria humana, que os levavam a ter episódios de depressão e crises 
psicóticas, em que era evidente a questão da perda da identidade. Eles eram enviados 
por meu irmão, Airton Barreto, advogado e coordenador do Centro dos Direitos 
Humanos do Pirambu, também sensibilizado pela situação de abandono de pessoas que 
ainda não ascenderam aos direitos ligados à cidadania. 
5 Carta de OMS 
Diante da demanda progressiva, um dia, decidi, com meus alunos do curso de 
Psiquiatria, deixar o conforto e a segurança do consultório do Hospital Universitário 
para ver as pessoas em seu próprio contexto. Foi assim que fui à comunidade de Quatro 
Varas realizarem, com meus alunos, um trabalho de prevenção e de cuidados 
psicológicos para os excluídos de nossa sociedade, os que vivem na favela. 
Ao ir ajudar meu irmão na favela, encontrei crianças, homens e mulheres que 
também estavam em busca de suas identidades ameaçadas e perdidas. Foi aí, então, que 
decidi criar o Movimento Integrado de saúde Mental Comunitária, e, conseqüentemente, 
a Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa, que é o objeto deste livro. Desde então, 
todos esses homens, mulheres e crianças tornaram-se meus amigos, meus irmãos e 
minha família. 
Descobri que eu não era o único a desejar sobreviver neste mundo conturbado, e 
que o grande desejo que me habitava e me levava a desejar, na minha infância, salvar a 
alma dos outros e, na minha juventude, de salvar os corpos sofridos, era, ao final das 
contas, o mesmo que me possibilitava salvar a mim mesmo. É graças aos outros que eu 
me redescubro e me alegro por pertencera a uma comunidade dos que crêem numa vida 
em que tudo pode ser partilhado. 
O Choque Criativo: 
Recém-chegados da Europa, após cinco anos ausentes do Brasil, com uma 
bagagem teórica centrada no hospital, me depararam com o contexto caótico da favela. 
No início foi um grande desafio. Esse novo contexto exigia a criação de novos 
paradigmas para estimular uma ação terapêutica criativa e efetiva capaz de: 
1-perceber o homem e seu sofrimento em rede relacional; 
2-ver além do sintoma: “Quem olha para o dedo que aponta a estrela, jamais 
verá a beleza da estrela” 
3-identificar, não só a extensão da patologia, mas, também, o potencial daquele 
que sofre; 
4-fazer da prevenção uma preocupação constante e uma tarefa de todos. 
Todo o arsenal terapêutico com seus psicotrópicos, pleiteado pelo modelo 
biomédico, concentra suas ações no combate ao patológico. Não se trata de negar sua 
contribuição, mas não podemos,também, negligenciar a participação do contexto na 
gênese de sofrimentos e doenças. Não podemos plantar uma árvore na floresta da 
mesma maneira que plantamos uma árvore em ambientes hostis, que sofre a ação de 
vendavais, tempestades de areia, animais soltos, vandalismos. Esses contextos hostis 
exigem uma intervenção sistêmica. Temos que dar à árvore seu alimento para crescer, 
mas também do meio ambiente, prevenindo erosões, investindo no equilíbrio do homem 
com a natureza. Trata-se de uma ação bem mais completa, na qual devem participar 
todas as forças vivas da comunidade. 
5 Carta de OMS 
A resposta a esses desafios contextuais nos levou a levantar uma série de 
questões: 
*Como sair de um modelo que gera dependência para um modelo que nutra a 
autonomia? 
*Como rompercom a concentração da formação da informação pelo técnico e 
fazê-lo circular, para que todos possam dela se beneficiar. 
*Como resgatar o saber dos antepassados indígenas e africanos e a competência 
adquirida pela própria experiência de vida? 
*Como transformar uma prática especializada e limitada numa abordagem 
eficiente para atingir um sistema mais amplo. 
Foram necessários vários anos de prática para me dar conta de que o desafio 
crucial era desencadear uma ação transformadora significativa. Como fazer o grupo 
acreditar em si, em sua competência? Eu diria que a palavra-chave que pode 
desencadear uma transformação significativa é a palavra FÉ. Porém, tudo depende de 
como ela é utilizada. As igrejas estão sempre pedindo para seus fiéis acreditarem em seu 
Deus e seguirem seus preceitos; os governos estão sempre pedindo para a s pessoas 
acreditarem em seus programas; os técnicos estão sempre pedindo para as pessoas 
acreditarem em suas teorias; nós, médicos, estamos sempre pedindo para que os 
pacientes acreditarem em nossos remédios. Exige-se das pessoas a fé em nossos 
modelos, a fé em nossas verdades e convicções. Tudo isso desencadeia conflitos, 
competições, exclusões... Criam-se feudos de poder, intolerância e isso dificulta a 
criação de redes solidárias e transformadoras de indivíduos e realidades. Parece-me que 
os cultos das diversas igrejas agregam os sofridos e excluídos e tornam-se UTI‟S 
existenciais, que permitem ao homem sofrido reanimar a anima desanimada pela dureza 
da vida. Estes centros religiosos tornam-se fonte de esperança. Pede-se aos santos 
aquilo que não se recebe das instituições sociais. As diversas religiões ou doutrinas 
(católica, evangélica, afro-brasileira, espírita) oferecem uma carteira de identidade que 
lhes é negada pela sociedade. Neste sentido, ser devoto de um santo, filho de um orixá, 
incorporar uma entidade de luz permite aos desvinculados, aos abandonados, fazer parte 
de uma nação de luz, na qual os governantes os acolhem com respeito e afeição. Os 
cultos tornam-se espaço de reflexão para tomada de consciência das implicações 
históricas e humanas na gênese do mal e do sofrimento. 
A submissão sectária reforça o sentimento de dependência. Alguns cultos neo-
evangélicos agridem as crenças culturais, destruindo o referencial identitário 
interiorizado há gerações, substituídas por um falso Ego, construídas sobre uma religião 
da qual se deve esperar tudo e que se afirma pela negação da alteridade. 
A origem do mal é atribuída aos maus espíritos que devem ser exorcizados. Sob 
o pretexto de exorcizar o mal, exorciza-se o homem de si mesmo, de suas crenças de 
seus valores ancestrais, do senso crítico. O que resta de um homem se o impedirem de 
5 Carta de OMS 
ter acesso aos recursos de sua cultura? Estes cultos catárticos não estariam esvaziando o 
homem de sua identidade cultural? Já outros cultos, como a Umbanda, são mais 
respeitosos quanto à diversidade cultural e já oferecem a possibilidade de inserção em 
uma nova família, na qual co-habitam múltiplas imagens identificadoras e facilitam a 
apropriação de um modelo mais comunitário e mais tolerante. 
Geralmente, nos esquecemos de que, sejam quais forem os programas 
governamentais, as religiões praticadas e as técnicas e teorias elaboradas, todas elas, 
sem nenhuma exceção, devem ser instrumentos, meios de ajudar indivíduos, famílias e 
comunidades a acreditarem naquilo que Deus já lhes deu e que está adormecido em cada 
um de nós. 
No dia em que todo conhecimento científico, toda a prática política e toda 
profissão de fé caminhar no sentido de ajudar as pessoas a acreditar nelas, em seus 
recursos culturais, o mundo será diferente, porque ajudaremos o ser humano a sair de 
toda a forma de dependência e submissão, para atingir a liberdade e a autonomia que 
nos tornam cidadãos do mundo. Somente assim, passaremos a exorcizar tudo aquilo que 
impede a tomada de consciência das implicações humanas na gênese da miséria e do 
sofrimento humano para, enfim, poder nascer o desejo de ser solidário ao outro. 
 
Introdução: 
Os Alicerces Teóricos da Terapia comunitária: 
Apresentamos uma síntese da proposta da Terapia Comunitária como 
instrumento de construção de redes solidárias. 
1-Métodos e fundamentos: 
A Terapia Comunitária tem construído sua identidade alicerçada em cinco 
grandes eixos teóricos: 
1.1. O pensamento Sistêmico 
1.2. A Teoria da Comunicação 
1.3. A Antropologia Cultural 
1.4. A Pedagogia de Paulo Freire 
1.5. A Resiliência 
 
1.1. Pensamento Sistêmico: 
O pensamento sistêmico nos diz que as crises e os problemas só podem ser 
entendidos e resolvidos se o percebemos como partes integradas de uma rede 
complexam, cheia de ramificações, que ligam e relacionam as pessoas num todo que 
envolve o biológico (corpo), o psicológico (a mente e as emoções) e a sociedade. Tudo 
está ligado, cada parte depende da outra. Somos um todo, em que cada parte influencia e 
5 Carta de OMS 
interfere na outra parte. Para enfrentar a vida com prazer e buscar a solução para os 
nossos problemas pessoais, familiares, comunitários e sócias precisamos estar 
conscientes de que fazemos parte desse todo. Precisamos estar conscientes da 
globalidade em que estamos inseridos, sem perder de vista a relação entre várias partes 
do conjunto a que pertencemos. Só assim, poderemos compreender os mecanismos de 
auto-regulação, proteção e crescimento dos sistemas sociais, e passaremos a vivenciar a 
noção de co-responsabilidade. 
1.2. A Teoria da Comunicação: 
Essa Teoria nos aponta para o fato de que a comunicação entre as pessoas é o 
elemento que une os indivíduos, a família e a sociedade. Ela nos permite compreender 
que todo o comportamento, todo ato, verbal ou não, individual ou grupal tem valor de 
comunicação num processo, sempre desafiante, e de entendimento das múltiplas 
possibilidades de significados e sentidos que podem estar ligados ao comportamento 
humano. A riqueza e a variedade das possibilidades de significados e sentidos que 
podem estar ligados ao comportamento humano. A riqueza e a variedade das 
possibilidades de comunicação entre as pessoas nos convidam a ir além das palavras, 
para entender a busca desesperada de cada ser humano pela consciência de existir e 
pertencer, de ser confirmado e reconhecido como sujeito e cidadão. Além disso, nos 
alertam para os riscos e efeitos nocivos de uma comunicação usada de forma ambígua, 
ensinando-nos, assim, a valorizar a clareza e a sinceridade ao nos comunicar, ato que 
pode ser um verdadeiro instrumento de crescimento e transformação pessoal e coletiva. 
 
 
1.3. A Antropologia Cultural: 
Os Conhecimentos dessa ciência chamam a nossa atenção para a importância da 
cultura, esse grande conjunto de realizações de um povo ou de grupos sociais, como o 
referencial a partir do qual cada membro de um grupo se baseia, retira sua habilidade 
para pensar, avaliar e discernir valores, e fazer suas opções no cotidiano. Vista dessa 
maneira, a cultura é um elemento de referência fundamental na construção de nossa 
identidade de pessoal e grupal, interferindo, de forma direta, na definição do quem sou 
eu, quem somos nós. 
E é, a partir dessa referencia, que podemos nos afirmar, nos aceitar e nos amar, 
para então podermos amar os outros e assumir nossa identidade como pessoa e cidadão. 
E é a partir dessa referência, que podemos nos afirmar, nos aceitar e nos amar, para 
então podermos amar os outros e assumir nossa identidade como pessoa e cidadão. 
Dessa forma, podemos romper com a dominação e com a exclusão social que, muitas 
vezes, nos impõem uma identidade negativa ou baseada nos valores de outra cultura que 
nãorespeita a nossa. Quando reconhecemos que, mesmo num único país, convivem 
várias culturas e aprendemos a respeitá-las, descobrimos que a diversidade cultural é 
5 Carta de OMS 
boa para todos e verdadeira fonte de riqueza de um povo e de uma nação. Se a cultura 
for vista como um valor, um recurso que deve ser reconhecido, valorizado, mobilizado e 
articulado de forma complementar com outros conhecimentos, poderá ver que este 
recurso nos permitirá somar, multiplicar nossos potenciais de crescimento e de 
resolução de nossos problemas sociais e construir uma sociedade mais fraterna e mais 
justa. 
1.4. A Pedagogia de Paulo Freire 
Paulo freire nos lembra que ensinar não é apenas uma transferências de 
conhecimentos acumulados por um educador (a) experiente e que sabe tudo pra um 
educando(a) inexperiente que não sabe nada. Ensinar é o exercício do diálogo, da troca, 
da reciprocidade, ou seja, de um tempo para falar e de um tempo para escutar, de um 
tempo para aprender e de um tempo para ensinar. Freire (1983:95), nesse sentido, 
afirma que: 
“A auto-suficiência com o diálogo. Os homens que não têm humildade, ou a perdem, 
não podem se aproximar do povo. Não podem ser companheiros de pronúncia do 
mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e souber-se-se tão homem quanto aos 
outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar ao lugar de encontro com eles. Nesse 
lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que 
em comunhão buscam saber mais.” 
Outro aspecto fundamental na teoria de Paulo é a associação entre teoria e 
realidade, mostrando que no ato de aprender é preciso se ter um espaço de expressão 
dos problemas vivenciados pelos educando nos seus diferentes contextos (família, 
comunidade, igreja, escola, clube) vinculado ao conteúdo programático, pois a história 
de vida também é fonte de saber e funciona como estímulo para que, tantos os 
professores quanto os alunos, assumam-se como sujeitos sócio-histórico-culturais. 
A prática educativa que não possibilita ao educador, nem ao educando, 
assumirem-se como seres sociais, ou seja, seres que pensam, criam, têm emoções, 
transformam com humildade, maturidade e respeito mútuo é um ato de dominação, 
controle. Para Paulo Freire o conhecimento não está separado do contexto de vida. O 
respeito e a aceitação da adversidade sem discriminação e preconceitos também se 
fazem presentes na teoria de Paulo Freire. E para lidar e aceitar a pluralidade cultural, o 
educador precisa estar aberto ao novo, ao diferente, entendendo o ser humano numa 
perspectiva de inacabamento ou inclusão. A consciência de que o ser humano é 
inacabado possibilita ao educador e ao educando o exercício de indagar, comparar, 
duvidar, do despertar da curiosidade sem invadir a privacidade dos outros, da busca de 
novos conhecimentos, não para constatar os erros, mas, a ajudar a encontrar soluções (o 
que podemos fazer por está realidade?) promovendo transformações no universo em que 
vivem, (Freire “2001: 79) afirma: “ninguém nasce feito. “Vamos aos fazendo aos 
poucos, na prática social de que tomamos parte”. 
5 Carta de OMS 
Outro ponto a mencionar sobre o método de Paulo Freire é que nenhum 
educador pode assumir a prática de sua missão se não tiver por ela um mínimo de 
carinho, apreço, identificação. Isso é válido também no trabalho do terapeuta 
comunitário. Se não houver envolvimento e identificação nosso trabalho fica 
prejudicado. Para educar não basta ter tempo livre fazendo da missão um bico ou um 
passatempo enquanto não chegar outro “trabalho” mais rentável. Da mesma forma que o 
educador não pode jamais esquecer que a sua missão é com a formação dos seres 
humanos – crianças, adolescentes e adultos que têm sonhos, ideais, indagações, 
interrogações, acerca de si próprio e do mundo que os cerca, o terapeuta comunitário 
deve sempre ter uma visão contextual e compreender que não está lá somente para 
realizar uma tarefa para os outros, mas, sobretudo, para si mesmo. Portanto, nesse 
sentido, a natureza do trabalho pedagógico é política, pois envolve valores acerca da 
cidadania. E para ser cidadão não basta não basta saber reconhecer o mundo das 
palavras mas, perceber-se como o ser humano histórico que produz cultura. Enfim, o 
método de Paulo Freire é um chamado coletivo a todos os membros da raça humana 
para criar e recriar, fazer e refazer através da ação e reflexão. Descobrindo novos 
conhecimentos e, conseqüentemente, novas formas de intervir na realidade, os 
indivíduos tornam-se sujeitos da história e não meros objetos. 
O perfil indicado para o terapeuta comunitário é semelhante ao papel do 
educador que está muito bem definido na pedagogia de Paulo Freire. 
1.6. A Resiliência 
 Outra fonte importante do conhecimento, que contribui para a construção de 
nossa proposta de trabalho, nasce da própria história pessoal e familiar de cada 
participante. As crises, os sofrimentos e as vitórias de cada um, expostos ao grupo, são 
utilizados como matéria-prima em um trabalho de criação gradual de consciência social, 
para que os indivíduos descubram as implicações sociais da Gênese da miséria e do 
sofrimento humano. O enfrentamento das dificuldades produz um saber que tem 
permitido aos pobres e oprimidos sobreviverem através dos tempos. Tudo isso revela 
um espírito criativo e construtivo, construindo historicamente, através de uma interação 
entre o indivíduo e o seu meio ambiente. Precisamos encorajá-los e estimulá-los. É 
evidente que esse esforço coletivo não deve substituir as políticas sociais, mas inspirá-
las e até mesmo reorientá-las. Não buscamos identificar as fraquezas e as carências. Não 
tentamos diagnosticar os problemas, nem os meios de compensá-los, pelo contrário, a 
meta fundamental da Terapia Comunitária e identificar e suscitar as forças e as 
capacidades dos indivíduos, das famílias e das comunidades para que, através desses 
recursos, possam encontrar as suas próprias soluções e superar as dificuldades impostas 
pelo meio e pela sociedade. 
A formação proposta, baseada nas linhas teóricas acima descritas e na 
valorização das vivências, permite aos terapeutas comunitários sentirem-se mais 
confiantes em suas competências e menos dependentes de teorias gerais e 
especializadas. Eles são orientados para assumirem as ações básicas em saúde mental 
5 Carta de OMS 
comunitária, voltadas para a prevenção, mediação das crises e promoção da inserção 
social dos indivíduos. 
Em nossa proposta de trabalho, procuramos adaptar conceitos teóricos a uma 
linguagem coerente com as necessidades e realidades culturais de nossas comunidades, 
tornando-se acessíveis às lideranças comunitárias que recebem a formação para se 
tornarem terapeutas comunitários. Esses elementos teóricos que fundamentam nossa 
proposta definem o espaço de intervenção em que cada terapeuta comunitário poderá, 
também, desenvolver sua criatividade, descobrir novas técnicas e produzir novos 
conhecimentos. 
2. Princípios, Conceitos e Metodologia 
A Terapia Comunitária é um espaço de promoção de encontros interpessoais e inter 
comunitários, objetivando a valorização das histórias de vida dos participantes, o 
resgate da identidade, a restauração da auto-estima e da confiança em si, a ampliação da 
percepção dos problemas e possibilidades de resolução a partir das competências locais. 
Tem como base de sustentação o estímulo para a construção de vínculos solidários e 
promoção de vida. 
Esta forma de trabalho permite que se avance do modelo centrado na patologia ao 
modelo da promoção da saúde, das redes de solidariedade e da inclusão social. 
A Terapia Comunitária não se define como um processo psicoterapêutico, mas, 
sim, comoum ato terapêutico de grupo que pode ser realizado com qualquer número de 
pessoas e de qualquer nível socioeconômico. É uma prática de intervenção simples, mas 
não simplista, requerendo uma capacitação. Ela é dirigida por facilitadores, 
devidamente treinados, sem nenhuma exigência de formação acadêmica anterior. 
A intervenção se dá nas diversas redes que compõem o sistema de relações 
humanas, incluindo a família, os vizinhos, os amigos e a coletividade para apoiar os 
indivíduos e as famílias mais vulneráveis da comunidade que estão vivendo uma 
situação de crise. 
No campo da sua intervenção, o terapeuta comunitário tenta articular a dimensão 
biológica, social e política dos problemas. Ele tem, como ponto de partida, uma 
situação- problema (alcoolismo, insônia...), apresenta por alguém da comunidade e 
escolhida pelo grupo. É a partir dessa situação que a equipe terapêutica passa a 
estimular e favorecer o crescimento do indivíduo e das pessoas mais próximas a ele, 
para adquirir um maior grau de autonomia, consciência e co-responsabilidade. Tudo 
isso acontece através de um processo de questionamentos em todos os níveis: biológico, 
psicológico, social e político. 
Nós nos apoiamos na competência dos indivíduos e das famílias e, jamais, nas 
carências que são prerrogativas dos especialistas. 
3.A comunidade: 
5 Carta de OMS 
São pessoas ou grupo de pessoas em relação que tem alguém comum como 
exclusão, desemprego, sofrimento, migração... 
4.População-alvo: 
São os grupos de pessoas que vivem em contextos de desagregação e exclusão 
social, muitas vezes, agravado pelas migrações forçadas. Nesses contextos, encontramos 
não somente a pobreza econômica, mas a pobreza cultural, a fragilidade de laços 
sociais, a incapacidade de se organizar de forma mais democrática e, sobretudo, a auto-
imagem desvalorizada, a baixa auto-estima que, muitas vezes, culmina na perda da 
própria identidade e dignidade. Embora esta proposta terapêutica esteja mais voltada 
para grupos que vivem em condição social vulnerável, em termos de sua saúde mental e 
autonomia individual e comunitária, nossa experiência tem mostrado que ela pode ser 
aplicada em qualquer grupo de pessoas, pertencentes às mais diferentes classes sociais, 
idades, situações socioeconômicas e profissionais. 
5.Orientação: 
A Terapia Comunitária parte do pressuposto de que o sofrimento humano, 
decorrente do macro-contexto socioeconômico e social, fere a dignidade da pessoa, 
atinge seus direitos como cidadão, gerando extremos de patologia social e adoecimento. 
Estamos convencidos de que toda a sociedade humana dispõe de mecanismos 
terapêuticos válidos e culturalmente relevantes, que reforçam e valorizam a trajetória de 
vida e a identidade de seus membros. 
As possibilidades de prevenção das doenças mentais, bem como as formas de 
cura são tantas quantas são as distintas realidades, sociedades e culturas presentes na 
humanidade. 
As sessões de Terapia Comunitária se propõem a: 
a) Reforçar os vínculos entre as pessoas, respeitando a cultura de cada um; 
mobilizar os recursos e competências culturais locais, para promover a saúde 
mental comunitária; e construir uma rede social de proteção e inserção, 
promovendo uma cultura de paz. 
A comunidade deve funcionar como agente terapêutico no processo de inserção 
social, evitando a alienação da própria cultura, a perda da identidade, ajudando 
os indivíduos a se sentirem membros efetivos de sua comunidade. 
b) Criar, gradualmente, uma nova consciência social, para que os indivíduos 
tomem consciência da origem e das implicações sociais sobretudo, para que, 
em meio a tantas dificuldades, descubram suas potencialidades terapêuticas e 
capacidades transformadoras. 
Nossa proposta rompe, portanto, com o pensamento dominante que considera 
que: 
5 Carta de OMS 
- o povo é ignorante, e nós precisamos educá-lo; 
- a tradição é um obstáculo ao progresso e não é possível colaborar; 
- só existe um modelo de intervenção válido – o científico. 
Trata-se, pois, de uma terapia para a prevenção, uma vez que permite ao 
excluído e marginalizado enfrentar a realidade que ameaça distanciá-lo de sua cultura e 
destruir sua identidade. Integrado em sua cultura e em sua comunidade, ele se torna 
consciente de seus direitos e deveres individuais e sociais, o que lhe permite uma 
existência cidadã, digna e plena. Nesse sentido, prevenir é, sobretudo, estimular o grupo 
a usar a sua criatividade e construir o seu presente e o seu futuro a partir de seus 
próprios recursos. 
6. Ética: 
A ética que orienta a proposta da Terapia Comunitária busca: 
a) Romper o isolamento entre o saber científico e o saber popular, fazendo um 
esforço no sentido do exigir um respeito mútuo entre as duas formas de 
saber, em uma perspectiva de complementaridade, sem rupturas com a 
tradição, e sem negar as contribuições da ciência moderna; 
b) Alcançar a solidariedade e o respeito ao processo de libertação do homem 
que sofre, centrando sua ação no encontro com outras pessoas que vivem na 
mesma situação, para que vivencie juntos, na comunidade, o acolhimento, a 
partilha de suas descobertas, a cura e a libertação. 
c) Considerar a ecologia do espírito que se manifesta em respeito à diversidade 
cultural e a seus sistemas de representação. 
 
CAP I 
 
A Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa: definição, objetivos e 
pressupostos. 
 
 1- Por que Terapia Comunitária? 
 Terapia (do grego: therapeia) é uma palavra de origem grega que significa 
acolher, ser caloroso, servir, atender. Portanto, o terapeuta é aquele que acolhe e cuida 
dos outros de forma calorosa. 
5 Carta de OMS 
 Comunidade: a palavra comunidade é composta de duas outras palavras: 
COMUM + UNIDADE, ou seja, o que as pessoas têm em comum. Entre outras 
afinidades têm sofrimentos, exclusão, buscam soluções e superação das dificuldades. 
 Porque Sistêmica? O pensamento sistêmico nos diz que as crises e problemas 
só podem ser entendidos e resolvidos se os percebemos como partes integradas de uma 
rede complexam que ligam e interligam as pessoas num todo. Somos um todo, em que 
cada parte influencia e interfere na outra parte. 
 Portanto, o sofrimento humano é decorrente do macro-contexto socioeconômico 
político e social, as respostas devem ser também sistêmica, mobilizando recursos da 
multicultura brasileira. 
 Porque Integrativa? Na promoção da saúde, todas as forças vivas fda 
comunidade devem ter um papel ativo, integrando saberes oriundos dos mais diferentes 
contextos socioculturais e ampliando as redes solidárias de promoção da saúde e da 
cidadania. Neste sentido, a cultura é vista como um recurso que deve ser reconhecido, 
valorizado, mobilizado e articulado de forma complementar com outros conhecimentos. 
Somente assim podemos somar, multiplicar nossos potenciais de crescimento e 
resolução de nossos problemas sociais e construir uma sociedade mais justa e 
democrática. 
 
 1.1- Terapias Comunitárias 
 
 É um espaço comunitário onde se procura partilhar experiências de vida e 
sabedorias de forma horizontal e circular. Cada um torna-se terapeuta de si mesmo, a 
partir da escuta das histórias de vida que ali são relatadas. Todos se tornam co-
responsáveis na busca de soluções e superação dos desafios do cotidiano, em um 
ambiente acolhedor e caloroso. 
 É um momento de transformação, transmutação do KAOS, da crise, do 
sofrimento para o KYROS, espaço sagrado onde cada um reorganiza seu discurso e 
resignifica seu sofrimento dando origem a uma nova leitura dos elementos que o faziam 
sofrer. É esta dimensão sagrada de transformar o sofrimento em crescimento, a carênciaem competência que faz da Terapia Comunitária um espaço sagrado. 
 
 1.2- A ação terapêutica da comunidade 
 
 Assim como a etapa da história do universo é marcada pela invenção do homem 
de criar uma nova forma, de lutar contra o esfriamento devido a sua expansão, a Terapia 
5 Carta de OMS 
Comunitária se propõe ser um instrumento de aquecimento e fortalecimento das 
relações humanas na construção de rede de apoio social, em um mundo cada vez mais 
individualista, privatizado e conflitivo. 
 A comunidade age onde a família e as políticas sociais falham. Nós afirmamos 
que a solução está no coletivo e em suas interações, no compartilhar, nas identificações 
com o outro e no respeito às diferenças. Os profissionais devem ser parte dessa 
construção. Ambos se beneficiam: a comunidade gerando autonomia e inserção social e 
os profissionais se curando de seu autismo institucional e profissional, bem como de sua 
alienação universitária. 
 
 2- A Terapia: 
 
 A Terapia Comunitária apresenta três características básicas: 
 Primeira. A discussão e a realização de um trabalho de saúde mental, 
preventiva e curativa, procurando engajar todos os elementos culturais e sociais ativos 
da comunidade: agentes de saúde, educadores, artistas populares, curandeiros, entre 
outros. 
 Segunda: A ênfase no trabalho de grupo, promovendo a formação de grupos de 
mulheres, jovens, pessoas de terceira idade, para que, juntos, busquem soluções para os 
problemas cotidianos e possam funcionar como escudo protetor para os mais frágeis, 
sendo instrumentos de agregação social. 
 Terceira: A criação gradual da consciência social, para que os indivíduos 
tomem consciência da origem e das implicações sociais da miséria e do sofrimento 
humano e, sobretudo, para que descubram suas potencialidades terapêuticas 
transformadoras. 
 
 3- Os objetivos: 
 
 A Terapia Comunitária tem os seguintes objetivos: 
 1- Reforçar a dinâmica interna de cada indivíduo, para que este possa descobrir 
seus valores, suas potencialidades e tornar-se mais autônomo e menos dependente. 
 2- Reforçar a auto-estima individual e coletiva. 
 3- Redescobrir e reforçar a confiança em cada indivíduo, diante de sua 
capacidade de evoluir e de se desenvolver como pessoas. 
5 Carta de OMS 
 4- valorizar o papel da família e da rede de relações que ela estabelece com o seu 
meio. 
 5- Suscitar, em cada pessoa, família e grupo social, seu sentimento de união e 
identificação com seus valores culturais. 
 6- Favorecer o desenvolvimento comunitário, prevenindo e combatendo as 
situações de desintegração dos indivíduos e das famílias, através da restauração e 
fortalecimento dos laços sociais. 
 7- Promover e valorizar as instituições e práticas culturais tradicionais que são 
detentoras do saber fazer e guardiãs da identidade cultural. 
 8- Tornar possível a comunicação entre as diferentes formas do saber popular e 
saber científico. 
 9- Estimular a participação como requisito fundamental para dinamizar as 
relações sociais, promovendo a conscientização e estimulando o grupo, através do 
diálogo e da reflexão, a tomar iniciativas e ser agente de sua própria transformação. 
 
 A construção das teias: 
 
 A teia de aranha é um símbolo. Os Índios Tremembé que habitam o Nordeste 
brasileiro dançam o torem, uma dança em ritmo de xote, através da qual invocam e 
imitam os animais com os quais, no passado, aprenderam uma lição. Dentre os animais 
revenreciados temos a aranha. Com a dança das aranhas os índios nos lembram que ela 
sem a teia é como o índio sem a terra. A aranha sem teia é como uma comunidade sem 
vínculos. 
 As terapias comunitárias são semelhantes ao trabalho da aranha que tece teias 
invisíveis, porém, fortíssimas. Esse tipo de trabalho terapêutico tem se tornado 
referência para os excluídos da sociedade, tem permitido agregar os sem-rumo e 
perdidos, tem aberto um espaço de expressão para os que sofrem, tem sido suporte e 
apoio que permite, a muitos, nutrirem-se do que ali se constrói. 
 A Terapia Comunitária (abreviada TC) resgata, também, a participação dos 
valores culturais de um grupo social e dos vínculos interpessoais e sociais que unem, 
fortalecem e fazem o homem desse grupo descobrir o sentido de pertencimento à 
humanidade. 
 A cultura é como uma teia invisível que integra e une os indivíduos. Portanto, 
podemos acreditar qual a melhor prevenção é manter o indivíduo ligado a seu universo 
cultural e relacional, a sua teia, pois é através de sua identificação com os valores 
5 Carta de OMS 
culturais de seu grupo que ele se nutre e constrói a sua identidade. A cultura para o 
indivíduo é como a teia para a aranha. 
 
 5- A escolha do terapeuta: 
 
 Para selecionar os candidatos, sugerimos uma palestra se sensibilização aberta 
ao publico para apresentar a TC, seus objetivos, referencial teórico e o papel do 
terapeuta comunitário. Esta palestra de sensibilização permite esclarecer dúvidas e uma 
melhor escolha de quem deseja fazer formação evitando, assim, desistências posteriores 
e mal entendidas. Sugerimos convidar representantes de ONG, lideranças civis e 
religiosas, profissionais da saúde, do serviço social, da educação... 
 É muito importante a etapa da escolha do terapeuta comunitário. A comunidade 
deve seguir alguns parâmetros que garantam a realização de um bom trabalho. Se já 
existe comunidade organizada e consciente da importância da Terapia Comunitária, 
torna-se mais fácil a escolha do terapeuta. 
 Aqui, apresentamos alguns critérios que devem nortear a escolha do terapeuta 
comunitário: 
 1- Ser escolhido pela comunidade e que haja uma explicação sobre o trabalho do 
terapeuta comunitário. Esse trabalho deve ser discutido com as pessoas da comunidade, 
para que elas sugiram nomes que correspondem ao perfil exigido. O ideal seria 
promover uma votação, ou seja, uma indicação pelo voto dos futuros terapeutas 
comunitária. Esse processo democrático consolida o papel do terapeuta comunitário e 
nos garante que o eleito seja alguém que tem o respeito e a confiança da comunidade. 
 2-Ser alguém já engajado em trabalho comunitário, pois a experiência como 
líder que organiza reuniões será muito útil ao trabalho. 
 3-Estar consciente de que o trabalho realizado não traz nenhuma renumeração 
financeira, já que se inscreve dentro de um voluntariado e exige disponibilidade de, no 
mínimo, três horas de trabalho semanal, a menos que se trate de alguém já vinculado a 
um trabalho institucional, por exemplo, um Agente Comunitário de Saúde, ou outros 
profissionais inseridos em programas como PSF (Programa de Saúde da Família). 
 4- Ter mente aberta para participar das práticas vivenciadas durante o curso. É 
preciso querer se conhecer, aceitar rever seus esquemas mentais, para que, haja 
crescimento humano e profissional. 
 5- Não ser adolescente, nem pessoa imatura, super-rígida ou preconceituosa. 
 6-Não ser pessoa com situação-problema mal resolvida, uma vez que lidará com 
a formação de pessoas para atuarem como mediadores sociais do sofrimento humano. O 
5 Carta de OMS 
curso para formação do terapeuta comunitário não é para tratar pessoas complicadas. 
Exige-se, portanto, um mínimo de equilíbrio emocional. 
 7-não ser pessoa que não possa se dedicar, por já estar envolvida com outras 
atividades. 
 8-Saber que esta formação exige afastar-se de sua família e de suas atividades, 
por período de quatro dias, em intervalos de dois à três meses. (O curso ocorre em 
quatro módulos, dos quais, dois são de quatro dias e dois, de três dias). 
 9- Conhecer as diversas atividades que seu município desenvolve, para a Terapia 
Comunitária venha dar apoio àsoutras atividades, e não funcione de forma isolada das 
outras ações. 
 10- Ter disponibilidade de duas horas semanais para realizar as rodas de Terapia 
Comunitária. Caso a pessoa faça parte de uma instituição, solicita-se que, no ato da 
inscrição, apresente declaração confirmando sua liberação para realizar as TC, conforme 
planejado. Essa providência evita contratempos e desistências por falta de condições 
mínimas que compreendem as práticas. 
 11- Em locais onde já existe a TC, propor aos candidatos que participem de, pelo 
menos, três rodas de Terapia Comunitária. Isso lhes permitirá entender melhor a 
proposta e observar se identificam com ela. 
 12- Realizar entrevistas individuais com os candidatos, para melhor 
compreender a sua motivação para a formação proposta, bem como analisar se o(s) 
interessado(s) atende(m) aos critérios exigidos. Entrevistar os candidatos é a melhor 
maneira de garantir a permanência do grupo de formação e evitar altos índices de 
desistência. 
 Devem ainda ser escolhidas duas ou três pessoas por comunidade ou instituição, 
a fim de que seja constituída uma equipe para coordenar a Terapia Comunitária. 
 Não é exigida nenhuma capacitação anterior: O mais importante é que o 
escolhido deseje adquirir novos conhecimentos que lhe permitam fazer melhor o 
trabalho que já desenvolvem na comunidade. 
 O escolhido deve estar a serviço da dinâmica do grupo, e não o contrário: 
colocar o grupo a serviço da sua dinâmica individual, de seu projeto pessoal, querer 
crescer sozinho ou sozinho realizar, empreender. Esta é a diferença entre o terapeuta 
comunitário e outras lideranças político-partidárias e cooperativas. 
 
 6- A Capacitação: 
 
5 Carta de OMS 
 Depois da seleção, feita com base nos critérios apontados, os escolhidos devem 
fazer a formação. Trata-se de um curso de capacitação profissional com 360 h/a, assim 
distribuídas: 80 h/a são dedicadas aos aspectos teóricos; 80h/a às vivências terapêuticas, 
quando serão utilizadas técnicas de relaxamento e autoconhecimento, e 120 h/a 
dedicadas à realização de práticas em Terapia Comunitária, equivalentes à condução de 
quarenta e oito terapias como terapeuta ou co-terapeuta realizadas em sua comunidade e 
ou instituição, com 80h?a de intervenção. 
 Este curso, geralmente, ocorre em quatro módulos de 40h/a cada, sendo dois de 
quatro dias, com intervalo de dois meses e outros dois módulos de três dias, com 
intervalo de três meses. Sugere-se que, durante os dias de curso, os participantes fiquem 
em regime de internato, pois a convivência com o grupo, nesses dias é fundamental para 
a formação, sobretudo para consolidar a rede interpessoal. 
 Durante toda a formação, os terapeutas comunitários serão acompanhados, de 
perto, por uma equipe de formadores reconhecidos pela ABRATECOM 
(WWW.abratecom.org.br). 
 Após o primeiro módulo, os participantes já devem iniciar o estágio em equipes 
de duas ou três pessoas. Até o segundo módulo, cada equipe deverá ter realizado pelo 
menos dez rodas terapêuticas. 
 No final do curso é conferido um certificado, desde que o participante tenha 
cumprido as exigências do curso que ocorre, no máximo, dentro de dois anos. 
 7- Os Terapeutas Comunitários: 
 7.1- O perfil do terapeuta. 
 O Terapeuta Comunitário é uma pessoa que pode proporcionar às mães e aos 
pais de família alívio as suas ansiedades, as suas angústias, as suas frustrações, aos seus 
estresses e aos seus sofrimentos, e também possibilita partilharem seus recursos e suas 
descobertas, através da troca de experiências na Terapia Comunitária. 
 Embora o sofrimento passe pelo corpo, não é uma dor só do corpo. Não diz 
respeito somente à Medicina. Trata-se da dor de pessoas humanas que estão vivendo um 
drama, uma dificuldade e precisam de apoio e suporte da comunidade. São mães e pais 
que precisam ser escutados e apoiados. 
 A essas pessoas são impostas obrigações e mais obrigações , desafios e mais 
desafios e, muitas vezes, não sabem mais o que fazer ou para quem apelar. Falta-lhes 
espaço de escuta e de apoio. Tanto precisam ser amadas, como precisam compreender o 
comportamento de filhos, familiares e vizinhos. 
 Antes não existiam as ameaças que existem hoje, a violência urbana e as drogas. 
Nossas famílias precisam entender esse quadro social e a forma como ele altera suas 
5 Carta de OMS 
vidas. Como elas podem compreender, senão refletindo e aprofundando suas 
observações sobre a realidade? 
 Se quisermos transformar as comunidades de excluídos, fazendo com que se 
integre que descubram seus valores como pessoas, os valores que a cultura oferece 
como recursos que foram destruídos pelo colonizador e continuam sendo por outras 
formas de colonização, temos que ajudá-las nesta descoberta; temos que ajudá-las a 
verbalizar suas sensações e suas emoções, transformando-as em pensamento 
transformador. A partir daí, os excluídos poderão ser sujeitos da história e, não mais, 
meras vítimas e espectadores. 
 Tomemos, para melhor compreensão, o exemplo evangélico da multiplicação 
dos pães: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 A grande preocupação dos discípulos era não confiar em suas capacidades para 
resolver aquela situação-problema. Jesus, contudo, mandou que eles acreditassem neles 
mesmos, que acreditassem na capacidade do povo. 
 Quando cada um colocou em comum a sua “espiga de milho”, o seu “tomate”, o 
seu “peixe”, a sua “farinha”, a sua “tapioca”, a sua “rapadura”, todos comeram, e ainda 
sobrou foi muito!!! 
 O verdadeiro milagre da multiplicação acontece quando cada um coloca em 
comum a sua contribuição, mesmo que seja a única migalha que lhe reste. Esse esforço 
conjunto vai resultar em algo que é maior do que a soma das partes. É aqui que 
De lá, voltou Jesus, à margem do lago da Galiléia, e, subindo a 
montanha, sentou-se. Muita gente aproximou-se dele, trazendo consigo 
coxos, estropiados, cegos, mudos e muitos outros. E colocaram-nos aos 
seus pés. 
Chamou Jesus a seus discípulos e lhes disse: “Tenho compaixão deste 
povo, pois há três dias que está comigo e não tem o que comer. Não 
quero despedi-los com fome; poderiam desfalecer no caminho”. 
Disseram-lhe os discípulos: “Onde podemos conseguir, num deserto, 
pães suficientes para alimentar tanta gente”? Disse-lhes Jesus: “ 
Quantos pães tendes?” Responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois 
peixes”. Então, ordenou ao povo que se acomodasse no chão; depois, 
tomou os pães e os peixes, deu graças, partiu-os e pôs-se a distribuí-los 
aos discípulos ao povo. Todos comeram que mataram a fome,e 
encheram doze cestas com as sobras. Os que haviam comido eram 
cerca de quatro mil homens, sem contar mulheres e as crianças. 
Despedido o povo, entrou na barca e foi para o território de Magadan. 
 ( Mateus 15: 32-39) 
5 Carta de OMS 
ultrapassamos a lógica cartesiana que faz com que 2+2 sejam sempre quatro. Nesses 
casos, 2+2 resultam em 12. É aí onde está o milagre da transformação. 
 O terapeuta comunitário deve ter esta crença no outro. É como disse Jesus, em 
outra ocasião: “Homem, tua fé te salvou!” Jesus Cristo foi Aquele que veio suscitar a 
capacidade de auto cura. 
 O terapeuta é um instrumento a serviço do crescimento humano e comunitário; 
não precisa ser sabido, letrado, estudado. Não precisa, para ajudar o povo, andar com 
livro debaixo do braço, ou de óculos querendo mostrar que é intelectual. Basta que seja 
uma pessoa verdadeira e comprometida. 
 O terapeuta comunitário não pode ser aquele que vê em cada falha um pecado; 
em cada erro, a presença de um espírito do outro mundo. E, sim, ser aquele que enxergaem cada falha um apelo, um sinal de necessidade, de carência e de ajuda. Ele precisa ter 
a sensibilidade bastante aguçada, para poder compreender o outro. 
 É importante que o terapeuta comunitário tenha aprendido na escola da vida; que 
saiba amar o próxima, que saiba situar os problemas, escutar o outro com paciência, que 
não queira se promover ou se auto-afirmar apoiando na carência do outro. 
7.2 O papel do terapeuta: 
 O terapeuta comunitário deve estar bem consciente dos objetivos da terapia e 
dos limites de sua intervenção para não extrapolar sua função. A função da Terapia 
Comunitária não é resolver os problemas das pessoas e, sim, suscitar uma dinâmica que 
possibilite a partilha das experiências e criar uma rede de apoio aos que sofrem. 
 O terapeuta comunitário não deve assumir o papel de especialistas (psicólogos, 
psiquiatra), fazendo interpretações ou análises. Os especialistas desenvolvem 
habilidades e sabem lidar com os traumas profundos, com as doenças. O terapeuta 
comunitário vai trabalhar o sofrimento das pessoas, estimularem a partilha e possibilitar 
a construção de uma rede de apoio. 
 O terapeuta deve trabalhar a competência das pessoas, procurando, sempre 
através de perguntas, garimparem o saber produzido pela vivência do outro. Deve, pois, 
resgatar e valorizar o saber produzido pela experiência, pela vivência de cada um. 
 O terapeuta não deve colocar suas idéias na terapia, mas suscitar idéias do 
próprio grupo, como por exemplo: “Quem já vivenciou algo parecido e o que fez para 
superá-lo. 
 O terapeuta deve provocar perguntas para ser “ como um parteiro que facilita o 
nascimento da criança”, que faz suscitar a vida que está ali. Ajudar o outro a nascer é 
conhecê-lo capaz de fazer opções, de ser livre, para continuar o seu caminho de vida. 
 Através das perguntas, da qualidade da escuta, o terapeuta vai ajudando a pessoa 
a tornar mais claras suas questões, no sentido de fazer suas próprias descobertas. 
5 Carta de OMS 
 O terapeuta comunitário deve agir como o maestro de uma orquestra, fazendo 
com que todos os músicos usem bem seus instrumentos. Precisa saber que a riqueza do 
grupo não está fora, mas dentro dele. 
 O terapeuta deve provocar, nas pessoas e no grupo, a vontade de sempre 
construir vínculos que confiram segurança e pertença. 
 A legitimidade do terapeuta comunitário vem do compromisso dele com os 
outros: da sua capacidade de estar atento ao sofrimento e ao potencial do indivíduo, 
família e comunidade. 
 O terapeuta deve criar e estimular uma dinâmica interativa, marcada pela 
verbalização e pela escuta, através dos motes (temas, palavra-chave). Deve estimular os 
laços afetivos entre as pessoas e procurar intervir como um comunicador, preocupado 
em clarear as mensagens, explicitar os “não-ditos”. 
 O terapeuta deve interagir em igualdade e falar de seus sentimentos. A terapia é 
uma ocasião para o terapeuta crescer com o grupo, já que todo processo educativo tem 
mão dupla: ensinamos me aprendemos. O terapeuta é, desse modo, um com o grupo e 
não um para o grupo. 
 O terapeuta comunitário deve estar convencido de que existe uma dinâmica 
social, na qual ele pense e afirme: “Eu vou colocar a minha competência, da mesma 
maneira que cada participante colocará a sua a serviço dessa dinâmica. Sei que o 
produto é do grupo, e não meu”. 
 É importante estar motivado, animado. Muitas vezes, o desânimo do grupo é 
reflexo da desmotivação do terapeuta. 
 O papel central do terapeuta é, pois, ajudar na descoberta dos recursos 
individuais e comunitários e mobilizar o possível em cada um, evitando a busca do 
consenso, pois ele desencadeia a luta pelo poder. 
 8- A intervenção terapêutica: 
 Podemos exemplificar a intervenção do terapeuta comunitário da seguinte 
forma: 
 Em um grupo terapêutico, uma mãe chega e diz que está com insônia. Tem cinco 
filhos e o marido morreu. O desespero não a deixa dormir. Além disso, tem medo de 
perder o emprego, única fonte de alimento para sua família. Teme enlouquecer se não 
voltar a dormir. Pensa: “ o que vou fazer da minha vida, agora que perdi meu marido?” 
E acrescenta: “ Doutor, me dê um remédio, mas vou logo lhe dizendo, não me dê receita 
que eu não tenho dinheiro nem para comprar comida, quanto mais para comprar 
remédio” e começa a chorar. 
 Nesse momento, o terapeuta, ou qualquer outra pessoa, propõe fazer uma 
corrente em que todos dêem as mãos e então começam a cantar uma música, que pode 
5 Carta de OMS 
ser: “Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora,/ e conta logo tuas mágoas todas para 
mim,/ quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora,/ que não vai embora/ 
porque gosta de mim...” ( Paulo Borges) 
 Essa música, ao mesmo tempo em que permite às pessoas trabalharem o 
conteúdo do sofrimento, (re)significar sua dor, uma vez que a letra traduz o sentimento 
de quem já passou por aquela situação, permite também trabalhar o continente humano, 
formando simbolicamente pela corrente de mãos dadas. Esta tem sido uma forma 
exitosa de consolidar o grupo na hora em que as emoções fortes emergem as histórias 
contadas. 
 Quando se canta, toca-se o coração, mexe-se com a sensibilidade, cria-se um 
movimento, uma energia que circula, dirige-se a emoção. A música cria-se um espaço 
medi ativo e permite ao indivíduo entrar em contato consigo mesmo, com suas 
emoções. A música permite a eclosão da emoção subjacente que permeia o grupo ao 
ouvir a história de dor do outro. 
 A corrente criada com as mãos dadas, a música e o movimento de balanço criam 
um movimento solidário, partilhando, dando confiança, apoio e servindo de suporte 
para eliminar a ansiedade. Assim, o recurso musical facilita a construção da 
comunidade. 
 Não podemos esquecer que o ponto de partida da terapia é fazer um apelo ao 
saber que cada pessoa tem: a herança dos índios, a herança dos africanos ou o saber 
produzido durante a sua vida. Nós fazemos apelo a este saber produzido pela vivência 
pessoal e herança ancestral. 
 O terapeuta, então pergunta ao grupo: “Quem de vocês já vivenciou uma 
situação parecida e o que fez para superá-la?” E poderá ouvir respostas, como: 
 
 
 
 
 
 
 E assim vão surgindo do grupo pistas, idéias, soluções possíveis. Uma senhora 
com insônia chegam com uma demanda específica -quer um remédio – e sai com várias 
possibilidades. A história dela permite a cada um falar também da sua dor, do seu 
sofrimento e socializar toda a produção de saber elaborado ao longo da vida. 
 A senhora que pede o remédio ao doutor comporta-se como a maioria dos 
presentes: vai à terapia em busca de um remédio “material”. Como se só o doutor fosse 
“Ah, eu já passei por isso, eu só faltei ficar doida, mas eu fiquei boa da minha insônia, 
tomando o suco do capim santo” (e passa a dar a receita de como preparar), ou “ O meu 
caso foi terrível. Eu sei o que é isso, fiquei várias noites sem dormir. Para mim os chás 
não resolveram, o que resolveu foi umas massagens que tomei com um senhor que mora 
na rua Santa Elisa. Ele tem umas mãos abençoadas,” ou “Eu resolvi minha insônia foi 
rezando na igreja, entregando a Jesus. Depois que entreguei minha vida a Jesus, não sei 
mais o que é insônia.”, ou ainda “Eu curei minha insônia cansando o meu corpo. Todo 
dia depois de cuidar da casa eu saio, dou uma voltinha e quando chego tomo um banho e 
o sono é uma beleza.” 
5 Carta de OMS 
capaz de trazer soluções. Na Terapia Comunitária é a comunidade quem oferece 
alternativas de soluções e cura. Isso não impede que, no final da terapia, as pessoas que 
precisam de uma consulta especializada sejam encaminhadas aos especialistas. 
 À medida que a terapia avança, vão se aprofundando a situação-problematrazida. O problema não será mais visto de forma isolada, mas fazendo parte de um 
todo. Alguém pode alertar: 
 
 
 
 
 O que fazer então? 
 A comunidade deve se organizar para reivindicar luz elétrica, mais segurança, 
mais ruas pavimentadas. A Terapia Comunitária, que se orienta pela abordagem 
sistêmica, busca soluções a partir do próprio grupo. Portanto, a Terapia Comunitária, 
permite construção de diálogos, não se trata de querer convencer as pessoas, mas apenas 
de comunicar, oferecendo a chance de se fazer uma opção e de se construir laços de 
afetividade entre as pessoas que reforçam a trajetória identitária de seus membros. É 
preciso, pois, que o terapeuta apóie o dinamismo interno do grupo, para que este 
descubra seus valores, suas potencialidades, e se torne mais autônomo e menos 
dependente. 
 O modelo que nós experimentamos é construído no cruzamento dos caminhos do 
tradicional e do moderno. Na terapia tradicional (popular), a cura passa pela pertença 
aos valores culturais. O processo de cura não implica prescrever medicamentos, mas, 
sobretudo, estabelecer laços, não necessariamente com o grupo, mas com os valores de 
sua própria cultura. Toda a sociedade humana dispõe de seus mecanismos terapêuticos. 
 Quando falamos em cura, entendemos que o curar passa pelo suscitar o 
sentimento de adesão e de pertença aos valores culturais. Não somos nós, terapeutas, 
que definimos o que é cura, e, sim, o indivíduo integrado no seu tecido cultural e social. 
A cura recobre tantas realidades, quantas sociedades, culturas e subculturas. 
 O terapeuta é catalisador que acelera, modera e orquestra o trabalho terapêutico 
do grupo. Sua função terapêutica compreende, apenas, suscitar questionamentos, 
provocar discussões, trazer elementos clarificadores, para que o gripo desenvolva a sua 
vocação terapêutica. 
 Trata-se, sobretudo, de uma terapia com vocação preventiva que permite ao 
homem da favela enfrentar a nova realidade que o ameaça, uma terapia que o leva a não 
se alienar de sua própria cultura e perder-se de sua própria identidade; que o ajuda a 
sentir-se membro de uma comunidade que tenha reconhecido o seu jeito de existir. 
“Nós dormimos mal nas favelas porque nos falta 
segurança, luz elétrica...”. 
5 Carta de OMS 
 A Terapia Comunitária é muito mais centralizada nos “laços” do que nos 
“espaços”. Laço é, sobretudo, a relação estável e dinâmica com a terra, a religião, os 
sistemas simbólicos e os vizinhos. Com a migração, os favelados perdem suas raízes, 
perdem seus laços e suas referências identitárias. Com a noção de laços, define-se uma 
outra visão do sofrimento e do processo terapêutico. A Terapia favorece uma tomada de 
consciência das implicações humanas, na gênese das crises e conflitos, para que a 
própria comunidade possa sentir-se implicada e co-participe dos acontecimentos. 
 Na Terapia Comunitária não existe a diferença provocada pela verticalidade de 
uma instituição terapêutica entre pacientes e terapeutas, mas, sim, uma horizontalidade. 
Assim, o poder fica diluído e é circulante, pois ninguém paga a ninguém e não se marca 
consulta. 
 Na Terapia Comunitária ocorre uma partilha de experiências de vida e saberes 
de forma horizontal e circular. Cada um torna-se terapeuta de si mesmo, a partir da 
escuta das histórias de vida. Todos são co-responsáveis na busca de soluções e 
superação dos desafios do cotidiano em um ambiente caloroso. A comunidade torna-se 
espaço de acolhimento e cuidado, sempre atentos às regras: fazer silêncio, não dar 
conselhos, não julgar, falar de si, propor músicas, poemas ou histórias apropriadas. 
 Essa proposta terapêutica busca intervir no sentido de criar condições para 
transformar um grupo impessoal em uma comunidade dinâmica, solidária, onde o 
indivíduo não sofra apenas as injunções punitivas ou discriminativas do grupo, mas que 
receba, também, seu apoio, seu suporte e sua força. Busca, ainda, aumentar o grau de 
coesão do grupo, para que ele sirva de escudo, de apoio emocional, e permita, também, 
avaliar, com os pés no chão, as projeções e intrujices de cada um. O grupo terapêutico 
permite, a cada um, reconstruir uma nova identidade, sem perder a solução de 
continuidade de sua história. Ele passa a ser visto como uma pessoa, participando de 
uma comunidade, que se interessa e se preocupa consigo. Dessa forma, a comunidade 
passa a servir de escudo contra as ameaças fragmentárias da nova sociedade. 
 
 9- A importância da diversidade: 
 É bom que o terapeuta comunitário não somente tenha visão sistêmica da 
sociedade, como também a noção de que para ser bem sucedido no seu trabalho precisa 
entender que a diversidade é outro elemento importante. Ele deve defender a idéia de 
que SER diferente não quer dizer ser doente e poder afirmar que, na cultura, não existe 
hierarquia, pois todo indivíduo tem seu lugar e sua contribuição, e que não existe um 
centro do saber – o saber de tal ou qual país – por exemplo, o saber dos Estados Unidos, 
o saber da Europa – uma vez que toda a cultura, todas as pessoas têm sua forma de 
conhecer, fazer e celebrar. 
 O terapeuta comunitário precisa entender que nem toda a cultura, nem todo o 
saber têm sido valorizados como deveriam. Ele só será um bom terapeuta se conseguir 
5 Carta de OMS 
lidar com a diferença sem querer “colonizá-la”. É preciso admitir que a riqueza esteja na 
diferença. Cada um é rico naquilo que o outro é pobre. 
 A Terapia Comunitária, nesta perspectiva, injeta pensamentos positivos sobre a 
pessoa e sobre a sua relação com o mundo, revitalizando a sua capacidade de reação e 
mobilização das energias vitais, em função de uma transformação integral ( física, 
mental, emocional, espiritual e social), nos aspectos pessoal e social. 
 A Ecologia do Espírito permite entender as diversas expressões da cultura 
brasileira, com sua diversidade de crenças e religiões. A pessoa pode ser católica, 
umbandista, ateu, espírita, curandeiro, não importa. A ela não deve ser imposta 
nenhuma hierarquia nessa diversidade, nenhuma exclusão. Daí porque o terapeuta 
comunitário precisa ser uma pessoa aberta. O próprio nome já está dizendo: terapeuta 
comunitário, uma pessoa aberta para a comunidade, para acolher diferenças, como 
valores dignos de serem levados em consideração. Faz parte de o crescimento aprender 
a ver a pessoa humana como filho de Deus, como irmão, e não de acordo com uma 
religião, uma raça, cor ou classe social. 
 Tudo isso só será possível se o terapeuta tiver fé na comunidade, acreditar na 
comunidade como um sistema, com possibilidades próprias de superação e de resolução 
dos problemas. 
 A conduta do terapeuta deve seguir uma ética que se baseia no respeito ao outro 
e na importância de uma escuta que permite ao outro explicitar suas motivações 
profundas, suas dúvidas e verdades. 
 A condição de dirigente da terapia o impede de “fazer média” ou de condenar 
atitudes contrárias aos seus valores pessoais. O conhecimento de que ele dispõe deve 
estar a serviço do crescimento do grupo, e não em benefício de um poder pessoal. É 
importante que fique claro que o que nos une na terapia é o forte desejo de juntos, 
buscarmos soluções pára nossos problemas, consolidarmos os vínculos interpessoais, 
resgatarmos a capacidade terapêutica do grupo e mobilizá-lo na construção da 
cidadania. 
10- O reconhecimento do valor de cada participante: 
Na Terapia Comunitária, em que se fazem presentes vários indivíduos, o 
cimento da relação grupal é a socialização da informação. O indivíduo que se expõe, 
quando fala de seu sofrimento, revela suas fantasias e expressa suas emoções, ao mesmo 
tempo em que se libera daquilo que o oprime. Este indivíduo permite ao

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