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2012 2 ÉTICA. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA PRÁTICA Curso de Direito [LEH]

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1 
 
 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL 
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ÉTICA 
 
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA PRÁTICA: 
temas, conceitos, problemas e teorias. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Dr. Luís Evandro Hinrichsen 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PORTO ALEGRE / 2012 
 
 
2 
 
INTRODUÇÃO 
 
 O que é isto Filosofia? Encontramos na língua grega o sentido original e originário da palavra 
Filosofia. Trata-se de termo composto por Filos (amizade) e Sofia (sabedoria). Designa a atitude de 
amor de quem busca tornar-se amigo da Sabedoria. Segundo estudiosos, foi o pré-socrático Heráclito 
de Éfeso quem inventou a palavra Filosofia, inaugurando nova atitude, teórica e ética. Para Heráclito, 
tornar-se amigo daquilo que é Sábio [O ‘Um que é tudo’ – Realidade – Ser] exigia atitude inusitada: 
ver além das aparências, desconfiar dos sentidos e operar com a razão. Para além do fenômeno, se 
encontraria o lógos, a razão daquilo que se mostra à consciência1. A teoria [o ver da razão sobre os 
fenômenos] exigiria postura ética consequente, pois o conhecer implicaria em transformação 
pessoal. Nos seus primórdios, a Filosofia foi concebida, enfim, como teoria e atitude ética, 
envolvendo e comprometendo a totalidade da vida. 
 Se a Filosofia é tentativa permanente de indagar e compreender o sentido abrangente da 
realidade, portanto, compete ao filósofo a permanente crítica das convicções ou crenças silenciosas 
que sustentam nossas compreensões de mundo. É tarefa de quem ingressa na Filosofia, indagar pelo 
sentido de todas as coisas. Cada ser humano é convidado a perguntar pelo significado de tudo aquilo 
que é – na tentativa de ultrapassar a ingenuidade e chegar à visão judicativa ou crítica. Afirmamos, 
por isso, que a Filosofia é uma ciência de rigor, enquanto crítica radical de teorias, conceitos e 
práticas. A ciência de rigor, exercício radical, dirige seu olhar para as raízes dos fenômenos, 
descobrindo ou desvelando sua verdade [não permanece na superfície, mas se dirige aos 
fundamentos]2. 
O filósofo sabe que indaga o incontornável, que suas respostas são provisórias. Todavia, no 
meditar, reflete sobre o sentido – pensa –, pois é capaz de, no silêncio, acolher o Ser. No filosofar, 
permanecendo junto às coisas, exercendo a reverência do pensamento, no processo de revelação-
ocultamento, acolhe o que é – decifrando e testemunhando o significado das coisas, de si mesmo, do 
outro, do sagrado, da existência. 
O que é isto Filosofia? Podemos, preliminarmente, afirmar que Filosofia é visão responsável 
ou crítica, na medita em que, renunciando à parcialidade, é abrangente e criteriosa3. 
 Se a Filosofia é visão abrangente ou crítica, quais são os momentos de quem ingressa ou 
realiza o filosofar? Podemos caracterizar, didaticamente, em três momentos [interligados] o 
processo do filosofar4. 
 
1
 Ver HEIDEGGER, Martin. O que é isto Filosofia [Qu’est-ce La Philosophie]. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril 
Cultural, 1979. p.13-31. 
2
 Cf. HUSSERL, Edmund. A Filosofia como ciência de rigor. Coimbra: Atlântida. 
3
 Cf. MARÍAS, Julián. A Visão Responsável. In: Antropologia Metafísica. São Paulo: Duas Cidades, 1971. p.9-14. 
4
 Ibidem. 
3 
 
 1º Momento – Des-orientação: para filosofar é preciso romper com as nossas ingenuidades, 
por mais difícil que seja. É necessário experimentar a crise originada de nossa despreocupação para 
com o mundo. Quando nos damos conta de que as coisas não são bem assim como pensávamos, 
quando questionamos nossas crenças silenciosas [pré-conceitos ou pré-juízos] entramos em crise. 
Quem vive a crise, a des-instalação, pode, finalmente, perguntar. No perguntar se encontra a gênese 
do exercício da Filosofia. Somente quem pergunta radicalmente pelo sentido de todas as coisas, 
pode conceber as razões que sustentam nossa visão de realidade. 
 2º Momento – Des-cobrimento: mas, não basta perguntar, é necessário patentear a verdade, 
ver aquilo que se mostra/ocultando. Des-cobrir ou des-velar é retirar o véu que impossibilita 
perceber as coisas na transparência delas mesmas, é vencer os impedimentos que barram nosso 
contato com a realidade, é superar as amarras das crenças silenciosas. O momento do des-
cobrimento é ocasião de retirar o velo que oculta e encobre a realidade. Implica em sair da caverna, 
desvelando o ser que se manifesta, revelando-o como verdade ou sentido. 
 3º Momento – Dar razão: contudo, não basta ver, dar-se conta, des-cobrir o ser como 
verdade. É necessário assegurar a posse efetiva da descoberta. A Filosofia exige, além do dar-se 
conta, dar-conta, fornecer as razões da visão adquirida. O pensamento é convidado a justificar, 
demonstrar o descoberto, garantindo a posse da verdade conquistada. Nenhuma afirmação, em 
Filosofia, é gratuita. O ser, compreendido como verdade [no mostrar-se e velar-se das coisas], exige a 
elaboração teórica. Se nenhuma afirmação é gratuita em Filosofia, cumpre definir conceitos 
articulando-os, é importante justificar com argumentos a visão conquistada. Na ágora dos debates, 
somos convocados a dar razões de nossa descoberta. A teoria, portanto, procura, através de sólida 
argumentação, convencer nossos pares [ou interlocutores] da validade de nossa descoberta. 
 Desejamos, nos debates de Ética, indagar sobre importantes questões, exercitando nossa 
capacidade investigativa, perguntando – radicalmente – e justificando nossas posições. Os problemas 
éticos, por sua importância e complexidade, exigem atenção, estudo rigoroso, capacidade de 
acolher, aptidão em argumentar. Auguramos, especialmente, reaprender a perguntar, a dialogar, a 
esclarecer nossos conceitos. Aspiramos argumentar em favor de nossa posição – através das sínteses 
teóricas formuladas, provisórias, mas possíveis. Intencionamos, sobretudo, ligar teoria e vida através 
de atitude hermenêutica que possa qualificar nossas existências. 
 
 
 
 
 
4 
 
Texto Complementar 
01 
 
SERENIDADE 
[Gelassenheit] 
 
Sobre o uso prudente dos utensílios técnicos 
 
Martin Heidegger no texto Serenidade, publicado em 1959
5
, discute o impacto da técnica moderna 
sobre nossas vidas. Através do pensar, exercício humano por excelência, visitamos o mundo e significamos 
nossas existências. Entretanto, vivemos época na qual, somos, muitas vezes, pobres-em-pensamento, ficamos, 
facilmente, sem-pensamentos
6
. Qual é a causa da indigência de pensamento? Tomamos conhecimento de tudo 
pelo caminho mais rápido e mais econômico, mas, rapidamente tudo é olvidado
7
. 
Na aurora do século XXI, cidadãos de um mundo globalizado em vias de mundialização, deslumbrados 
com as conquistas das ciências aplicadas, saturados de informação, entretanto, usualmente, pobres de 
conhecimento
8
, transitamos fascinados pelo hipertexto e, encantados por imagens contidas em milhões de 
megapixels – já não habitamos o mundo, mas sua representação virtual
9
. 
O homem atual está, pois, em fuga do pensamento
10
, entrementes, paradoxalmente, nega essa fuga. 
Dirá, com plena razão, que vivemos num período de realizações formidáveis, avanços sequer sonhados pelos 
homens que nos antecederam. São tantas as pesquisas em andamento, são tantas as descobertas e aplicações 
que, apaixonadamente, somos tentados a negar a fuga do pensamento. Sem dúvida, esse dispêndio de 
sagacidade e reflexão, foi muito útil. Entretanto, não é o pensamento operativo que negamos. O pensamento 
que calcula, capaz de medir e projetar, apto em dominar preditivamente as forças ocultas da natureza – 
transformando todas as coisas em objetos úteis e mercantilizáveis – é cotidianamente louvado. Todavia, não é 
a única forma de pensar. Existe outro tipo de pensamento, o pensamento que medita e indaga pelo sentido das 
 
5
 Ver HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Lisboa: Instituo Piaget,2000 (Verlag,Günter Neske Pfullingen, 1959). Trata-se de 
oração proferida pelo filósofo suevo por ocasião de homenagem ao seu conterrâneo, o músico Conradin Kreutzer. No 
referido texto Heidegger avalia o impacto da Técnica moderna sobre nossas vidas, denunciando uma fuga do pensamento, 
mas, ao mesmo tempo, indicando caminhos para lidarmos adequadamente com os ‘utensílios técnicos’. 
6
 Cf. ibidem, p.11. 
7
 Ibidem, p.11. 
8
 Todos os dias somos estimulados por informações veiculadas por diferentes mídias e, até mesmo, nos exercícios 
escolares. Entrementes, incontáveis vezes, não analisamos essas informações, não indagamos sobre sua origem, não 
realizamos a crítica dos conceitos, não investigamos como os fenômenos veiculados são interpretados. Ora, é preciso 
destacar: informação não é conhecimento. O conhecimento é exercício crítico de investigação, exigente, reflexivo. Exercício 
que convida ao estudo, à solidão, ao trabalho interpretativo e ao debate intersubjetivo – segundo argumentos validados 
coerentemente. Necessitamos, portanto, transitar da sociedade da informação à sociedade do conhecimento. A revolução 
informática nos garantiu acesso à informação, mas como trabalhá-la, como torná-la conhecimento significativo, operativo, 
transformador? Nessa tarefa, contamos, apenas, com o esforço pessoal e intersubjetivo do pensamento reflexivo, sem o 
qual estaremos caminhando na direção da automação e não da autonomia, da autarquia e da comum responsabilidade. 
9
 Num tempo acelerado pelas mediações tecnológicas, de admiráveis avanços informáticos, já não vivemos no tempo da 
presença [kairós] e na gratuita acolhida do mundo e dos outros [ser-no-mundo-com]. A partir dessa constatação, 
legitimamente, podemos indagar: quem, de fato, somos? O resultado da adição dos papéis sociais que representamos num 
tempo que nos consome? Por que executamos tantas tarefas? Vivemos no tempo acelerado do relógio eletrônico ou no 
tempo da presença? O que significa habitar o mundo? Por que a habitação do mundo reivindica o cuidado e o cultivo desse 
mesmo mundo? Por que a técnica impede o contato com o mundo e, desse modo, a responsabilidade? 
10
 Cf. Op. Cit. , 2000, p. 12. 
5 
 
teorias, conceitos e práticas. O pensamento negligenciado, portanto, não é o pensamento que calcula, mas o 
pensamento que medita. 
 Existem, pois, duas formas de pensamento, igualmente importantes: o pensamento que medita e o 
pensamento que calcula. Contudo, o pensamento que calcula, efetivamente, não exerce a atividade do 
pensamento em caráter estrito, pois não pergunta pelo sentido, não permanece junto às coisas, acolhendo-as 
em sua manifestação originária. O pensamento que calcula, ao representar esquematicamente as coisas, as 
esvazia de conteúdo, obstaculizando, assim, a relação do homem com o mundo. Esse pensamento útil e 
operativo, sobretudo, é incapaz de pensar a si mesmo, de indagar a si mesmo. 
 Lá, onde o pensamento que calcula encontra seus limites e contradições, brota o pensamento que 
medita. O pensamento que medita é um pensamento que reflete, que busca dar conta das razões do existir. O 
pensamento que medita habita o mundo, acolhe o significado e pergunta, incessantemente, pelo significado de 
todas as coisas. 
 Experimentamos um des-enraizamento, pois, destituídos da capacidade de pensar autenticamente, 
transferimos à técnica a tarefa de habitar o mundo responsavelmente. Na era atômica, acreditamos que a 
ciência [ou seja, a moderna ciência da natureza] é um caminho para uma vida mais feliz do homem
11
. Mas, 
onde se assenta tal afirmação? Na pretensão de que, através do domínio de todas as regiões do ser pela 
ciência, controlaremos a vida e criaremos condições para resolver todos os enigmas e males que afligem o ser 
humano. 
 Nesse sentido, o poder oculto da técnica moderna, determina a relação do homem com tudo aquilo que 
existe. A natureza, transformada num único posto de abastecimento gigantesco, está a serviço da técnica e 
indústria moderna
12
. Exemplo da operatividade e capacidade de intervenção do pensamento que calcula, é o 
domínio da energia atômica
13
. Mas, o que realmente nos preocupa? Diante da bomba atômica, que poderia 
um dia varrer a vida humana da face da terra, é motivo de atenção nosso despreparo para lidar com a 
quantidade gigantesca de informações e possibilidades proporcionada pelos avanços tecnológicos. 
 No entanto, o que é mais inquietante, não é o fato de o mundo se tornar cada vez mais técnico. 
Extremamente preocupante é o fato de o homem não estar preparado para essa transformação do mundo, é o 
fato de ainda não conseguirmos, através do pensamento que medita, lidar com aquilo que está a emergir
14
. O 
pensamento que medita exige que não permaneçamos presos [unilateralmente] a uma representação; que não 
continuemos a correr em sentido único na direção dessa representação [do mundo e do homem] justificadora 
do poder do pensamento instrumental. O pensamento que medida exige que perguntemos pelo sentido da 
técnica e sobre a legitimidade de sua onipresença em nossas vidas. Afinal, se não podemos viver com a técnica 
e, paradoxalmente, não podemos viver sem ela, como devemos pensar um modo de relação adequado com os 
objetos técnicos? 
 
11
 Cf. HEIDEGER, 2000, p. 18. 
12
 Ibidem, p.19. 
13
 Lembremos da utilização da Bomba atômica sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, ato que encerrou a segunda 
guerra mundial. 
14
 Op. Cit., p.21. 
6 
 
 Podemos utilizar os objetos técnicos, mas, ao utilizá-los, permanecer livres deles. Podemos utilizar os 
objetos técnicos tal como devem ser utilizados. Podemos utilizá-los com liberdade, sem nos tornarmos seus 
escravos. Podemos dizer sim e não aos objetos técnicos, impedindo que nos absorvam
15
 e desconstituam 
nossa relação responsável com o mundo. Se dissermos sim e não aos objetos técnicos, usando-os 
prudentemente, nossa relação com o mundo tornar-se-á tranquila. Deixemos os objetos técnicos entrarem em 
nosso mundo cotidiano e, ao mesmo tempo, os deixemos fora, ou seja, permitamos repousarem em si 
mesmos. 
 A atitude frente os objetos técnicos [dizer sim e não] – denominemos serenidade para com as coisas
16
. 
Todavia, se ainda não compreendemos o poder oculto da técnica, é necessário indagar pelo sentido do fazer 
técnico e aprender a lidar inteligentemente com os utensílios técnicos
17
. A serenidade em relação às coisas e a 
abertura ao mistério asseguram perspectiva de novo enraizamento, que permitirá existir com 
responsabilidade, que evitará transferirmos à técnica – nossa comum tarefa habitar o mundo. 
 Permanece, entretanto, um perigo. No que consiste tal perigo? De acreditarmos que o único pensamento 
legítimo, capaz de responder às questões humanas, é o pensamento que calcula. Contudo, em todos os 
lugares, convidemos à reflexão, pois somente o pensamento que medita é capaz de dar conta do sentido, 
inclusive do significado, implicitamente aceito, de que a técnica moderna é o único lenitivo aos problemas do 
homem. Exerçamos, então, o pensamento na sua essência, insistindo e pergunta pelo sentido radical de todas 
as coisas. 
 
 
APLICAÇÃO 
1 O desenvolvimento tecnológico alterou a percepção de nós mesmos, nossa compreensão do mundo e o 
modo de nos relacionarmos com as outras pessoas? 
2 Somos capazes de utilizar os objetos técnicos adequadamente ou nos deixamos dominar por eles? 
3 Quais são os sinais positivos e os sinais negativos da onipresença da técnica em nossas vidas? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15
 HEIDEGGER, 2000, p. 23-24. 
16
 Ibidem, p.24. 
17
 Cumpre destacar que Heidegger, gradativamente, percebe que o poder da técnica é superior ao poder do Dasein 
histórico [homem] em desconstituí-lo. Mas, é tarefa intransferível realizaro ato de pensar, insistir e renovadamente 
perguntar. 
7 
 
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS À ÉTICA 
 
 
 Ao iniciarmos nosso curso de Ética, é conveniente estabelecer os conceitos fundamentais da 
disciplina, realizando distinções e oportunizando esclarecimentos básicos. Afinal, o que é Ética? Que 
relações há entre Ética e Moral? Quais são as diferenças entre os problemas éticos e os problemas 
morais? O que são dilemas éticos? De que modo os dilemas éticos incidem sobre a vida profissional? 
Existe progresso moral? Como a reflexão ética compreende a tensão entre autonomia e heteronomia 
moral? Por que é importante refletir sobre os problemas éticos fundamentais? 
 A reflexão ética é, de fato, exercício rigoroso, intransferível e enriquecedor, capaz de doar 
significados à existência humana. Especialmente em nosso tempo, quando indagamos pelo mínimo 
valorativo, quando perguntamos pela possibilidade de convivência penetrada pela paz e justiça, tal 
exercício reflexivo se revela vital. 
 
1.1 O que é Ética? 
 
 A Ética, situada no plano da Filosofia prática18, examina o agir humano. Poderíamos definir 
Ética, em consequência, como a ciência do agir humano. À Ética, segundo Aristóteles, competiria 
pensar o agir humano e o sentido ou finalidades da existência do homem. Ética deriva de Ethos, 
indicando o caráter de uma pessoa ou de um povo. Cada povo, assim como cada pessoa, teria seu 
ethos, seu modo próprio de ser. Aristóteles, no entanto, define Ética como ciência, ou seja, define-a 
como exercício rigoroso que investiga o agir humano [Episteme]. De que agir [ações] estamos 
falando? De agir específico, qualificado, nascido da reflexão e da deliberação, capaz de afetar a vida 
do agente e, sobretudo, a vida de outras pessoas. Determinar a natureza de tal agir confrontando-o 
com os fins da vida humana, seria a tarefa da Ética. 
 
18
 Segundo Aristóteles (Metafísica I, 1,2 e Ética a Nicomâco VI), as ciências podem ser classificadas considerando 
seu objeto e grau de universalidade. Às ciências poéticas [arte ou técnica] é reservada a tarefa da produção dos 
bens necessários à vida humana [abrigo, alimento, saúde, bens culturais, etc.]. À Filosofia Prática [que examina 
o agir humano: práxis] compete refletir sobre a vida individual [Ética] e a vida na cidade [Política], indicando os 
critérios pelos quais atingiremos o máximo de realização humana, consideradas todas as possibilidades de vida 
feliz na perspectiva da realização do bem individual e do bem comum. As Ciências Teóricas, gratuitas, dividem-
se em particulares [aquelas que examinam aspectos particulares do ser: como a biologia, a física, a psicologia e 
a matemática] e a Filosofia Primeira, saber abrangente que investiga os primeiros princípios da realidade. Se as 
Ciências Poéticas e a Filosofia Prática são conhecimentos aplicados, entretanto, as Ciências Teóricas são 
exercício gratuito de investigação. As Ciências Teóricas, destacamos, tratariam de aspectos particulares do ser 
[Ciências Particulares] ou do ser enquanto ser [Filosofia Primeira]. Segundo Aristóteles, participam em maior 
grau da natureza da Sabedoria – objeto da investigação das Ciências – os conhecimentos mais universais e 
gratuitos. Assim, teríamos a seguinte classificação, ascendente, quanto ao grau de dignidade e importância das 
ciências: Ciências Poéticas, Filosofia Prática, Ciências teórico-particulares e Filosofia Primeira [Metafísica]. Em 
nossa concepção, a Filosofia Prática [Política e Ética] – enquanto conhecimento aplicado – é exercício filosófico 
pleno, ação reflexiva de primeira grandeza. A Ética, reflexão prática, consequentemente, é pleno exercício 
filosófico, reflexão indispensável, Filosofia em sentido maior. 
8 
 
1.2 Ética e Moral: aproximações e definições 
 
 Podemos, igualmente, definir Ética como ciência da moral, ou melhor, como teoria ou ciência 
do comportamento moral dos homens em sociedade19. A Ética, enquanto teoria, pretende ser 
conhecimento rigoroso sobre o comportamento qualificável como moral. Moral20, por sua vez, deriva 
de mos, mores: costume, costumes [uso, caráter, comportamento]. Por moral, entendemos o 
conjunto de normas aceito e vivido por indivíduos concretos em determinada sociedade. O objeto da 
Ética é, por conseguinte, o comportamento caracterizado como moral21, ou seja, nascido da reflexão 
e da consciência, orientado por normas admitidas e realizadas livremente por indivíduos que 
compartilham suas vidas em determinada sociedade. É conveniente recordar: esse comportamento, 
caracterizado por moral, afeta a vida de outras pessoas. Na realização da moral, salientamos, o grau 
de autonomia e liberdade varia entre indivíduos, culturas e épocas da história. Entretanto, quanto 
maior o grau de autonomia presente na vida moral dos indivíduos e sociedades, tanto mais 
qualificada e plena será essa dimensão da existência. 
 
 
 
 
 
 
19
 Cf. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 22. ed. RJ: Civilização Brasileira, 2002. p. 23. 
20
 Mos, mores é a tentativa dos latinos traduzirem ethos, daí as palavras ethikós e moralis [Cf. SARAIVA, F.R. dos Santos. 
Novíssimo Dicionário Latino-Português. Rio de Janeiro: Garnier, 1993. p.435/754]. Aquilo que a tradição grega denominava 
ética, portanto, passou a ser designado pelos latinos por moral. Ética [do grego ethos] indica: costume, condução de vida, 
regras de comportamento, caráter de uma pessoa ou de um povo. Moral [do latim mos, mores] designa: costumes, conduta 
de vida, regras de comportamento, remete ao agir humano. Ética e Moral, portanto, numa primeira compreensão, podem 
ser consideradas sinônimas, pois as palavras coincidem na indicação de comportamento justificado por normas. 
Entrementes, embora as línguas ocidentais tenham usado esses vocábulos como sinônimos, é interessante diferenciá-los. 
Nessa perspectiva, convencionamos, considerando a evolução do uso das palavras, indicar por Ética a dimensão teórica, 
reservando a palavra Moral para sinalizar a instância dos costumes e normas. Em nosso estudo, destacamos, por questões 
metodológicas e epistemológicas [em acordo com a tradição inaugurada por Aristóteles], por Ética indicaremos o momento 
teórico e por Moral a dimensão normativa e os costumes. 
21
 Se o objeto da Ética é o comportamento moral, é conveniente entendê-lo. a) Em primeiro lugar, os animais, altamente 
especializados, estão rigidamente ligados ao meio ambiente. O ser humano, ao contrário, plástico [moldável] recebe da 
cultura uma segunda natureza que permitirá sua sobrevivência. Essa segunda natureza, a cultura, situa o homem no 
mundo, destacando-o do cosmo. Ser gregário, racional e portador de linguagem, o homem buscará na cultura respostas às 
diferentes necessidades. Nessa direção, precisará descobrir interiorizar e realizar normas, pois sua plasticidade, seu 
comportamento não-fixado instintivamente, ao mesmo tempo que lhe abre ao mundo, exige novo suporte. Esse processo 
de interiorização das normas é mediado pela educação, realizando as várias etapas de socialização incorporadoras do 
indivíduo ao tecido social. Os animais, destacamos, recebem do rígido aparato instintivo a direção do seu comportamento. 
O homem, frisamos, encontrará na moral [nas normas] efetiva orientação e adequada compensação cultural. b) Em 
segundo lugar, somente poderá ser caracterizável como moral, o ato que, tendo realizado ou não a norma, afeta positiva 
ou negativamente a vida de outras pessoas. c) Em terceiro lugar, a ação moral supõe a capacidade de antecipar os 
resultados, nascendo de livre deliberação, sendo avaliável segundo suas conseqüências. d) Em quarto lugar, o 
comportamento moral supõe a capacidade de resistir à coerção externa ou interna na direção do agir voluntário. e) Em 
quinto lugar, à voluntariedade segue-se racionalidade compartilhável intersubjetivamente, capaz de conceber e reivindicar 
a norma,adequando-a, realizando-a, avaliando-a. A Ética procurará compreender e significar o comportamento que 
denominamos como moral. 
9 
 
1.3 Problemas éticos e problemas morais 
 
 Efetuada a distinção entre Ética e Moral, podemos esclarecer e diferenciar o âmbito dos 
problemas morais e dos problemas éticos. Enquanto os problemas morais são factuais, práticos, 
concretos; os problemas éticos são gerais e teóricos. 
 O indivíduo, agente moral, procura auxílio nas normas morais, pois, cotidianamente vê-se 
desafiado pelos dilemas do dever e de sua realização. O agente ético precisará indagar sobre o modo 
de aplicação da norma em cada situação. Se a norma, em sua universalidade, é precioso auxílio, 
todavia, como aplicá-la nos casos singulares e nos diferentes contextos? Como realizá-la, 
salvaguardando o bem dos indivíduos envolvidos em cada situação? A norma, em sua generalidade, 
em conclusão, precisa ser adequada às singulares exigências que a reivindicam. Destarte, poderá 
orientar a ação na direção do bem visado, permitindo posterior avaliação das conseqüências 
positivas ou negativas alcançadas através da ação. Os problemas morais, assim sendo, tratam dos 
conflitos inerentes à vida moral, essencialmente práxica. 
 Dizíamos que os problemas éticos são gerais e teóricos. Então, quais são os problemas 
tratados pela Ética? Competirá à Ética estudar o comportamento moral, indicando seus elementos 
constituintes, explicitando as teorias que podem garantir sua racionalidade, justificando sua 
possibilidade. Cumprirá a Ética julgar os códigos morais e suas normas, indagando sobre sua 
aplicabilidade, questionando sua realização. A Ética perguntará pelos critérios da avaliação moral, 
investigando a contribuição das diversas escolas éticas. Estudará a relação entre a vida moral e seus 
fundamentos antropológicos, questionando a ligação entre valor e norma, indagando sobre a 
dialética entre indivíduo22 e sociedade23. Questionará a relação entre liberdade e obrigatoriedade24. 
Sobretudo, a Ética avaliará o conteúdo de racionalidade da norma, sua exequibilidade e alcance. A 
norma [em seu caráter incondicional] realmente se justifica? Através de quais procedimentos a 
norma poderá ser convenientemente adequada e prudentemente realizada? Cabe à Ética, 
finalmente, a tarefa de fornecer, argumentativamente, as razões de possibilidade do mínimo ético25, 
 
22
 Dimensão subjetiva da vida moral. 
23
 Dimensão objetiva da vida moral. 
24
 Quais são as condições e os pressupostos da livre adesão do agente moral ao obrigatório [ao dever]? Por que 
e como o agente ético livremente realiza o obrigatório proposto pelo dever? 
25
 O que é o Mínimo Ético? Através de um exercício racional-comunicativo podemos indagar: quais são os valores e 
princípios que permitiriam a convivência entre os humanos em sociedade? Esses valores e princípios, por sua validade 
intersubjetiva, por seu caráter transcultural, por seu conteúdo de racionalidade, forneceriam as bases dessa convivência 
num mundo em crescente globalização e mundialização. O respeito à vida em geral e às pessoas, o exercício da 
solidariedade, a promoção dos direitos e liberdades fundamentais, encontrariam no Mínimo Ético sua referência e 
fundamento. Nesse sentido: quais são as coisas mais importantes em minha vida? Quais são os valores pelos quais oriento 
minha existência? Incluo as outras pessoas e seres vivos no meu projeto de vida? Como minhas escolhas axiológicas são, de 
fato, vividas? 
10 
 
capaz de orientar a vida em sociedade. À Ética, em resumo, é indicada a tarefa de validar racional e 
intersubjetivamente o horizonte sobre o qual se estabelece a vida em comum. 
 
1.4 Relações entre Ética e Moral 
 
 Do exposto, é conveniente, em termos didáticos e metodológicos, diferenciar Ética de Moral, 
pois, comumente, usamos os dois termos como sinônimos. Assim, não agimos eticamente, mas 
agimos segundo normas morais, procurando realizá-las. A Ética, em conseqüência, avalia o conteúdo 
da ação moral, reflete sobre essas ações, indaga, teoricamente, sobre o significado dessas ações. 
Agimos moralmente e avaliamos o conteúdo dessa ação observando suas conseqüências. Através da 
reflexão ética poder-se-á averiguar se, atendendo as normas de determinada moral vigente, 
indagando sobre as conseqüências da ação, atuamos com correção, se afetamos positiva ou 
negativamente outras pessoas. Agimos moralmente e refletimos sobre o significado de nossas ações. 
Ética, enquanto ciência do comportamento moral, enquanto exercício teórico compete examinar o 
conteúdo dessa ação, na busca de compreendê-la. 
 Ética, compreendida como ciência da moral, inquirirá sobre a relação entre o normativo e o 
factual, entre a norma [ou lei moral] e as ações morais, entre moral [geral] e moralidade [realização 
do geral]. Interrogará sobre a correspondência entre o Ideal [normativo] e a vida moral concreta. E, 
se as normas morais procuram expressar aqueles valores que a humanidade vem descobrindo como 
fundamentais, a Ética examinará como tais valores são traduzidos nas normas vigentes e, sobretudo, 
como são vividos26. 
 Refletiremos, a seguir, brevemente, sobre os dilemas éticos vivenciados pelos profissionais 
nas suas diversas áreas de atuação. 
 
1.5 Os dilemas éticos e os desafios profissionais 
 
 Os dilemas éticos acompanham os seres humanos ao longo da história e encontram sua raiz 
nas ações morais. O que caracteriza uma ação moral? Uma ação moral, recordamos, realiza uma 
norma, apresentando conseqüências constatáveis, positivas ou negativas, não somente para o 
agente, mas para outras pessoas. Ora, como a norma é prescritiva e anunciadora do dever ser, 
 
26
 Como devemos compreender a instância normativa moral na sua relação com a lei? As normas morais traduzem valores e 
princípios que orientam a vida em sociedade. Ligam-se ao costume, se enraízam na consciência do indivíduo e são 
livremente cumpridas ou violadas. Essas normas podem, com o tempo, receber explicitação em forma de lei positiva 
[escrita]. A lei, em sua positividade, traduz, antecipa ou contraria a norma moral, exercendo sob as pessoas poder 
coercitivo. Se as normas morais regulam, com certo grau de espontaneidade a vida dos indivíduos, a lei ordena por seu 
caráter coercitivo. Daí as diferenças entre o moral e o legal, e os consequentes conflitos. Cumpre à Ética indagar se 
determinado dispositivo legal é, de fato, moralmente válido e eticamente justificável. 
11 
 
cotidianamente, diante de exigências práxicas, o agente moral precisa decidir pelo cumprimento, 
adequação e realização dessa norma. Como conciliar a pretensão de universalidade da norma e cada 
situação? Motivado pela realização do fim, decidido em alcançá-lo, o agente ético elege os meios e 
atua na direção do bem visado. Norma realizada, ação concluída, o agente e pessoas envolvidas 
avaliam o resultado alcançado. Nessa avaliação, perguntam pelo bem ou possível prejuízo resultante 
da ação. Nesse jogo, que envolve decisão e escolhas, destacamos, é importante eleger mediações 
adequadas e eticamente justificáveis, pois os meios se fazem presentes nos fins alcançados 
denunciando o agente, tornando-o merecedor de mérito ou reprovação. 
 No exercício profissional somos, igualmente, cotidianamente desafiados pelos dilemas éticos, 
convocados a refletir, dialogar e decidir, em cada caso, pelo modo da aplicação da norma segundo o 
bem visado na ação. O enfrentamento dos dilemas éticos no âmbito do cumprimento do dever, a 
interpretação, adequação e aplicação das normas, códigos deontológicos e prescrições legais é, 
portanto, tarefa reflexiva intransferível, considerando os resultados de nossas ações e a 
responsabilidade consequente27. 
 
1.6 A pergunta pela existência do progresso moral 
 
 As transformações histórico-sociais implicam, necessariamente,em progresso moral? Existe 
progresso moral? Quais são as evidências desse progresso? 
 As transformações econômico-sociais e o desenvolvimento técnico-científico não implicam 
em efetivo progresso moral. Todavia, tais transformações geram crises capazes de estimular a 
reflexão ética e impulsionar modificações enriquecedoras da vida moral. A razão ética, diante do 
novo e frente a inusitados dilemas, encontra motivos capazes de impulsionar e enriquecer a vida 
moral. Mas quais são os sinais ou evidências do progresso moral? 
 
 
27
 As ações humanas são passíveis de avaliação moral e jurídica. Julgamos e somos julgados segundo valores, princípios e 
normas socialmente compartilhados. Julgamos, inclusive, a nós mesmos. No campo legal, o descumprimento voluntário da 
lei implica em penalização, conforme culpa ou dolo. Nessa direção, na vida profissional, a negligência ou imperícia 
compromete o agente. A diferenciação entre ignorância voluntária e ignorância involuntária [existem coisas que não posso 
não saber e coisas que não poderia prever], a observância das prescrições legais, o cumprimento das normas dos códigos 
profissionais, a cotidiana reflexão, o empenho em realizar eticamente as tarefas determinadas: possibilita segurança, 
satisfação e realização na vida profissional. Em conseqüência, a reflexão ética, a justificativa do cumprimento da norma, o 
atento desempenho das obrigações [deveres] envia o profissional à dimensão dos seus direitos, permitindo alcançar 
realização profissional e humana. Nessa direção, os valores e princípios, os códigos, leis e reflexão ética tornam-se 
indispensável auxílio, revelando vital significado, pois em cada ação – o profissional é convocado a justificar suas escolhas e 
partilhar racionalmente suas decisões. Os profissionais de todas as áreas, enquanto seres humanos e agentes éticos, 
enquanto responsáveis, precisam decidir prudentemente e na direção do bem das pessoas afetadas por suas decisões e 
escolhas. 
12 
 
 As evidências de progresso moral, segundo Vázquez28, poderão ser encontradas: a) pela 
ampliação da esfera moral na vida social29; b) pela elevação do comportamento consciente e livre 
dos indivíduos e grupos30; c) pelo grau de articulação e coordenação existente entre os interesses 
pessoais e coletivos; d) pelo progresso ascensional na direção da afirmação e preservação de valores 
considerados fundamentais, ao longo da história, à convivência e continuidade da vida humana31. 
 Embora as morais se transformem ao longo do tempo, segundo Adolfo Sánchez Vázquez, 
importa destacar, não estamos diante de relativismo moral extremo, pois valores fundamentais têm 
sido descobertos e preservados. Esses valores, consagrados ao longo da história por sua relevância, 
podem ajudar-nos no enfrentamento dos desafios contemporâneos. Frente a desafios planetários, 
num mundo globalizado e multiculturalizado, valores, como paz e solidariedade estimulam reflexão e 
ação. O conceito de responsabilidade planetária, nascido no contexto de mundialização, procura 
efetivar a paz através da solidariedade, vinculando os seres humanos nessa empreitada tão 
importante. Em resumo, valores preservados ao longo da História humana, por seu significado e 
importância, podem auxiliar-nos diante dos desafios planetários, nos vinculando aos outros seres 
humanos, às outras espécies, ao planeta. 
 Vázquez argumenta em favor do progresso moral, descrevendo a substituição de paradigmas 
morais ao longo da história do Ocidente. Assim, se a vingança de sangue, presente nas comunidades 
primais foi substituída pela moral aristocrática da polis grega; se a moral aristocrática grega deu lugar 
à afirmação da dignidade formal e universal da pessoa na idade média, se na modernidade, 
descobrimos o trabalho como fonte de riqueza e percebemos no trabalhador papel fundamental na 
constituição da sociedade; em nossos dias, nossa contribuição [acréscimo], no conceito de 
Responsabilidade Planetária, na gradativa aproximação dos interesses pessoais e coletivos, há novo 
ponto de partida à vida moral. 
 Orientados pela Responsabilidade Planetária e por princípios éticos racionalmente 
compartilhados, poderemos inspirar nossas ações na procura da superação da exclusão, da 
discriminação, do uso predatório do meio-ambiente, enfim, de todas as formas geradoras de 
conflitos e violência. 
 Há, em nossos dias, inúmeras declarações [formais] promotoras e defensoras da pessoa, da 
liberdade, da vida em geral, evidente sinal de progresso ético e moral. Qual é o desafio que tais 
declarações despertam? É preciso, gradativamente, atualizar os princípios enunciados. Não basta, 
portanto, propugnar os direitos da pessoa, do Idoso, das crianças, defender o meio ambiente, etc. 
 
28
 VÁZQUEZ, 2002, p.50-52. 
29
 A vida moral orientada por normas exteriores ligadas ao direito e ao costume – torna-se vida moral 
interiorizada, vivida desde convicções íntimas e partilhadas com outros membros da sociedade. 
30
 Ou seja, pelo crescimento da responsabilidade desses indivíduos e grupos em seu comportamento moral. 
31
 Valores como: solidariedade, amizade, lealdade, honradez, veracidade, senso de justiça. 
13 
 
Não é suficiente haver declarações consignadas pelas nações. É prioritário transitar do plano formal 
dessas declarações à vida e suas reivindicações; é urgente realizá-las, dar-lhes sentido práxico. 
 
1.7 Ética: entre a autonomia e a heteronomia 
 
 Finalmente, se a vida moral implica numa relação livre e consciente com a norma e sua 
realização, é preciso pensar o problema da autonomia e heteronomia moral. Quando agimos, 
recebemos, de fato, influências da sociedade, da cultura e da época da qual fazemos parte. 
Entretanto, sempre agimos com algum grau de liberdade. O contexto, ao incidir sobre nossas ações, 
salientamos, não elimina nossa capacidade de escolher e decidir. Escolhemos, decidimos e agimos 
num mundo que, ao nos acolher, condiciona e possibilita nossas existências. Logo, se valores e 
normas sempre traduzem o ambiente donde brotam, ainda assim, podemos interpretá-los e decidir 
realizá-los segundo grau de autonomia capaz de fundar a responsabilidade. Do exposto, porque 
capazes de autonomia, somos responsáveis. Dizendo de outra maneira: se, quando agimos, atuamos 
segundo os valores e normas recebidos de nossa sociedade, cultura, época, entrementes, ainda 
assim, agimos com algum grau de liberdade. Verificando que a pessoa é liberdade finita, o agir 
humano implica num grau de heteronomia ou determinação exterior. Entretanto, o conteúdo 
recebido [norma] precisa ser interiorizado, refletido, avaliado, assumindo como meu. Assim, o agir 
humano torna o heterônomo [a lei recebida do exterior] norma assumida autonomamente [aceita 
interior e livremente]. E, frisamos, tanto mais consciente a realização da norma, tanto mais autêntica 
a vida moral. Seria oportuno, em conseqüência, investigar o processo de amadurecimento para a 
vida moral32. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
32
 Ver, nesse sentido, o resumo de Bárbara Freitag (cf. “Moralidade e educação Moral”. In: _______ . Itinerário 
de Antígona. A questão da moralidade. SP, Campinas: Papirus, 1997. p.192-207) referente ao estudo 
transcultural realizada pelo psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg sobre os estágios do 
desenvolvimento da moralidade [descrição das seis etapas do desenvolvimento moral ou da gradativa 
passagem da heteronomia à autonomia na esfera da vida moral]. 
14 
 
Conclusão Preliminar 
 
 A vida moral implica numa relação livre e consciente entre os indivíduos e entre esses e a 
sociedade, visando o bem de cada um e de todos. A reflexão ética, ao estudar o comportamento 
moral, poderá, efetivamente, contribuir ao enriquecimento da existência humana. Para além dos 
condicionamentos,na esfera da intimidade, na descoberta do si mesmo e na afirmação da 
responsabilidade, descobriremos no outro um parceiro na edificação e cuidado do mundo. 
 A reflexão ética – estudando o comportamento moral, indagando sobre os elementos 
constitutivos da ação moral, discorrendo sobre responsabilidade e dispensa moral, refletindo sobre a 
dialética entre liberdade e obrigatoriedade, indagando sobre os modos efetivos de realização da 
moral, inquirindo sobre os estágios do desenvolvimento moral, e examinado as principais escolas 
éticas – contribuirá ao despertar, desejado por cada ser humano, de vida sempre mais autárquica e 
autêntica. Finalmente, se visar à vida boa em sociedades justas supõe a práxis, a reflexão ética é 
condição dessa ação transformadora. 
Desejamos, em nossos encontros de Ética, pesquisar e refletir sobre os assuntos, indicados 
na presente introdução, caminhando para a aplicação dos temas de Ética geral em nossos estudos de 
Ética aplicada e de Ética profissional. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
2 A ESSÊNCIA DA MORAL [Investigação da natureza da moral: O que é a moral?] 
 
 Se a Ética é a ciência do comportamento moral ou Filosofia Moral [enquanto Moral pensada] 
é importante indagar pelo significado dessa dimensão da existência humana. Admitida a 
historicidade da moral, cumpre, também, indagar pelos elementos que, ao longo do tempo, unem as 
diversas morais. Estamos, ao realizar tal questionamento, tratando da essência da moral. Como 
referir o normativo e o fatual, moral e moralidade? Como pensar a relação entre o pólo subjetivo 
[indivíduo] e o pólo objetivo [sociedade – cultura] da moral? Quais são as tarefas que a moral 
efetiva? No que consiste um ato moral? Quais são os critérios caracterizadores de uma ação moral? 
Quais são os elementos constitutivos de um ato moral? Por que o ato moral é singular? 
 Partiremos, nessa empreitada, de preliminar definição que afirma: “a moral é um conjunto 
de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos 
homens33”. Três são as referências presentes na definição: normatividade (a), liberdade e consciência 
(b), comportamento individual e social (c). A definição nos convida a pensar na moral enquanto 
empreendimento pessoal e coletivo, baseado no cumprimento de normas ou deveres por um sujeito 
livre e capaz de refletir. No transcorrer do estudo, procuraremos aprofundar essas constatações 
inicialmente propostas. 
 
2.1 O normativo e o fatual 
 
 O comportamento moral gira em torno de duas regiões: entre o conjunto de normas e regras 
de ação [a] e o plano constituído por certos atos humanos realizadores dessas regras [b]. Os valores 
precisam ser traduzidos em princípios ou regras de ação. Essas regras de ação, por outro lado, 
oferecem o horizonte de orientação e se efetivam no plano das ações. As normas referem-se ao 
dever ser, já o fatual refere-se à realização da norma. Cotidianamente, somos convocados à 
efetivação de normas, tais quais: ama teu próximo, respeita teus pais, diga a verdade. Em cada 
situação, na efetuação de cada ato, realizamos ou rejeitamos a norma orientadora. O plano 
normativo se refere ao dever ser, encontrando correspondência positiva ou negativa nos atos 
realizados. 
 A Ética avalia como atos morais positivos, os que ao realizarem a norma se apresentam como 
valiosos e capazes de produzir consequências afirmativas em favor das pessoas envolvidas. Os atos 
moralmente negativos, de outro lado, implicam em violação ou não cumprimento da norma, e 
importam em conseqüências prejudiciais aos indivíduos implicados. Entretanto, o não cumprimento 
da norma não destitui a norma de valor, não esvazia ou anula seu conteúdo. Se o normativo exige, 
 
33
 Cf. VÁZQUEZ, A Essência da Moral (cap. III), 2002, p. 63. 
16 
 
nas situações correspondentes, a realização da norma segundo o dever ser reclamado, entrementes, 
o descumprimento da norma, não anula sua positividade: a norma continua valendo34. Embora 
possamos diferenciar o normativo do fatual, importa destacar, esses planos estão inevitavelmente 
intrincados, nunca se encontram totalmente separados, devem ser pensados, assim, em sua mútua 
implicação. 
 
2.1.1 Moral e moralidade 
 
 A distinção entre moral e moralidade corresponde à diferenciação entre o normativo e o 
fatual. Assim como a norma ganha concreção nos atos humanos, a moral, devido inerentes 
exigências de realização, tende a tornar-se moralidade, vida efetiva, dimensão concreta da vida 
humana. Deparamo-nos, simultaneamente, com o normativo ou prescritivo e com o prático-efetivo, 
dois aspectos presentes na vida moral. A existência moral, em conseqüência, movimenta-se entre o 
normativo ou prescritivo e o prático-efetivo, procurando integrar essas dimensões nas diversas 
circunstâncias e atos correspondentes. 
 
2.2 Caráter social da moral 
 
 Na realização da vida moral, encontramos interação dialética entre indivíduo e sociedade. A 
vida moral nasce das relações estabelecidas entre pessoas, na sociedade, e encontra-se implicada em 
cada ato de todo indivíduo humano. Não devemos, todavia, substantivar a sociedade, ou seja, pensá-
la como entidade autônoma, independente dos seres humanos. Os indivíduos em relação – ao 
criarem instituições, ao estabelecerem conexões econômicas, ao justificarem suas visões de mundo – 
fazem a sociedade acontecer. Entretanto, também é incorreto pensar indivíduos concretos 
ignorando sua pertença temporal, cultural e social. 
 
 
 
34
 Resume Vázquez (A essência da moral, cap. III, p. 65): “As normas existem e valem independentemente da 
medida em que se cumpram ou se violem. O normativo e o fatual não coincidem; todavia, como já 
assinalamos, encontram-se em relação mútua: o normativo exige ser realizado e, por isso, orienta-se no 
sentido do fatual; o realizado (o fatual) só ganha significado moral na medida em que pode ser referido 
(positiva ou negativamente) a uma norma. Não há normas que sejam indiferentes à sua realização; nem há, 
tampouco, fatos na esfera moral (ou da realização da moral) que não se vinculem com normas. Assim, 
portanto, o normativo e o fatual no terreno moral (a norma e o fato) são dois planos que podem ser 
distinguidos, mas não completamente separados”. 
17 
 
 O comportamento moral, assim, implica na dialética interação entre os indivíduos e a 
sociedade da qual fazem parte35. Nessa direção, três aspectos regulam a vida moral36: 
 
 I) O indivíduo não inventa princípios ou normas de acordo com suas exigências pessoais, pois 
nasce inserido num tempo, numa cultura, em determinada sociedade; 
 II) O comportamento moral é tanto comportamento de indivíduos como de grupos sociais 
humanos, cujas ações têm caráter coletivo, mas deliberado, livre e consciente; 
 III) As idéias, normas e relações sociais nascem e se desenvolvem em correspondência às 
necessidades sociais. 
 
 Quais são, então, os atos que podem ser caracterizados ou classificados como morais? São 
aqueles que apresentam consequências, não apenas para o agente, mas para outras pessoas. Dessa 
maneira, ir ou não ir ao cinema numa tarde de sábado não implica em conseqüências para a vida de 
outras pessoas. Mas, descumprir promessa, romper a palavra empenhada injustificadamente, resulta 
em ação moral e responsabilidade consequente. 
 A moral, ao regular a vida dos membros de uma sociedade, importa num caráter social, 
supõe a intervenção dessa sociedade no comportamento de seus participantes, pois fornece quadro 
normativo apto a orientar a vida das pessoas. Todavia, quanto mais consciente seja o individuo, 
quanto mais presente se faça nas suas ações, quanto mais aja por reflexão e menos por imposição, 
tanto mais plena e livre será sua existência moral37. Na consciência, finalmente,decide-se a vida 
moral – na direção do cumprimento ou desobediência da norma, observadas as circunstâncias e 
dilemas presentes em cada situação. 
 
35
 Importa perguntar: até que ponto nós somos agentes ou pacientes da cultura, enquanto membros de determinada 
sociedade. É inegável a existência de condicionamentos que envolvem nossas vidas e limitam a liberdade em assumir regras 
orientadoras de nosso comportamento. Entretanto, há instância de reflexão e liberdade segundo a qual agimos e pela qual 
nos tornamos responsáveis por nossos atos, por nossa vida. Não importa o que fizeram de nós, o importante é saber o que 
fazer com o que fizeram de nós. A afirmação precedente indica: somos responsáveis, apesar dos condicionamentos 
existentes, por nossas ações. A vida moral, assim, em sua maturidade, consiste na capacidade de assumir as conseqüências 
de nossas ações, considerada a conquista dessa esfera de reflexão e liberdade capaz de nos tornar mais plenos porque 
responsáveis. 
36
 Cf. VÁZQUEZ, A essência da moral (cap. III), 2002, p. 67-69. 
37
 Afirma Adolfo Vázquez (A essência da moral, cap. III, 2002, p. 73): “O sujeito do comportamento moral [...] é uma pessoa 
singular. Por mais fortes que sejam os elementos objetivos e coletivos, a decisão e o ato respectivo emanam de um 
indivíduo que age livre e conscientemente e, portanto, assumindo uma responsabilidade social. O peso dos fatores 
objetivos – costumes, tradição, sistema de normas já estabelecidas, função social deste sistema etc. – não nos pode fazer 
esquecer o papel dos fatores subjetivos, dos elementos individuais (decisão e responsabilidade pessoal), ainda que a 
importância deste papel varie historicamente de acordo com a estrutura social existente. Mas, inclusive quando o indivíduo 
pensa que age em obediência exclusiva à sua consciência, uma suposta voz interior, que em cada caso lhe indica o que 
fazer, isto é, inclusive quando pensa que decide sozinho no santo recesso de sua consciência, o individuo não deixa de 
acusar a influência do meio social de que é parte e, a partir de sua interioridade, tampouco deixa de falar à comunidade 
social à qual pertence”. Vázquez insiste na dialética entre o individual e o coletivo, indicando, na instância interior, a 
presença das vozes da sociedade; mas, ao mesmo tempo, reconhece que, em última instância, contra os 
condicionamentos ou, até, a favor das normas recebidas, quem decide é o indivíduo, portador da possibilidade da reflexão, 
agente livre e consciente. 
18 
 
 O homem; ser-de-cultura, animal não-especializado, herdeiro de características somáticas, 
mas, sobremaneira, de traços culturais, portador de comportamento não-programado, encontra na 
moral resposta às exigências de convivência. Ser gregário, busca nas normas socialmente 
estabelecidas e intimamente validadas, solução aos dilemas da convivência. Se nem sempre é fácil 
viver com [conviver], pois o ser humano não existe isolado, precisa de seus semelhantes, necessita 
trabalhar, cultivar o mundo, torná-lo habitável, entretanto, é preciso encontrar modo inteligente de 
responder às necessidades desse existir gregário. Na comum tarefa de coabitar o mundo, o homem, 
ser-de-cultura, encontra nas morais historicamente estabelecidas possibilidade de continuação da 
vida individual, familiar, social e temporal na compartilhada casa planetária. A moral, ao regular a 
vida dos indivíduos na família e na sociedade, responde, por conseguinte, aos dilemas da 
sobrevivência e manutenção da vida da espécie humana. Ao articular e aprofundar os interesses de 
indivíduos, grupos e sociedades, permite, igualmente, o aperfeiçoamento espiritual dos seres 
humanos. Aperfeiçoamento revelado nos diversos graus de solidariedade e realização material e 
espiritual dos homens no espaço e no tempo. 
 
2.3 O individual e o coletivo na moral 
 
 O indivíduo pode agir moralmente somente em sociedade. Ao crescer, a pessoa interioriza 
normas, percebe-se envolvida numa atmosfera moral na qual lhe são oferecidas regras de ação. Em 
parte, a vida moral manifesta-se através de hábitos e costumes38. O costume manifesta o dever ser, 
mesclando o normativo e o fatual. A vida moral sempre mais autêntica e autônoma, entretanto, 
encaminha o ser humano, via reflexão ética, à compreensão e crítica das normas e de suas 
exigências. 
 O sujeito de comportamento propriamente moral, entrementes, quanto mais aumente sua 
capacidade de reflexão e liberdade, é pessoa singular capaz de decidir pelo cumprimento da norma 
proposta. As decisões morais, portanto, supõem um sujeito singular e consciente, situado num 
determinado contexto histórico e social e capaz de decidir e realizar a norma. Esse contexto não 
anula, mas, ao contrário, possibilita o acontecer da vida moral. Dito de outra maneira: se o mundo é 
o conteúdo concreto da consciência, sou livre, porque sou capaz de atos morais nascidos nesse 
mundo ao qual estou integrado. Mundo que acolhi, questiono e modifico através de minhas ações. 
Mundo do qual participo. Seria interessante investigar o processo de amadurecimento da vida moral, 
 
38
 Não devemos confundir vida moral com etiqueta. Se, de fato, nas relações cotidianas necessitamos de orientação à 
convivência [regras de postura], todavia, a vida moral traduz em normas e comportamentos valores vitais à sobrevivência, 
bem-estar, progresso social e espiritual dos membros de uma sociedade. 
19 
 
da vida infantil à vida adulta, verificando os respectivos graus de heteronomia e autonomia em cada 
etapa da existência do homem39. 
 
2.4 A estrutura do ato40 moral 
 
 A moral envolve dois planos: o normativo e o fatual. A realização da moral supõe individuo 
capaz de interiorizar e realizá-la em cada situação específica. Portanto, encontramos normas que 
regulam a conduta humana e um conjunto de ações realizadas por indivíduos concretos. 
 Mas, como podemos caracterizar o ato moral? O ato moral é ato de indivíduo humano 
concreto (a), nascido na consciência, com reflexão e liberdade (b), capaz de afetar a vida de outras 
pessoas (c), e apto de aprovação ou reprovação (d), consideradas as consequências (e). O ato moral, 
desse modo, afeta não apenas o agente, mas outros indivíduos e a comunidade na qual estão 
inseridos. Um ato moral é passível de responsabilização (f), pois o agente é capaz de antecipar 
idealmente as consequências de sua ação (h), verificadas as circunstâncias, os dilemas humanos 
presentes, as escolhas realizadas, os meios escolhidos e os resultados decorrentes. Quais são, nessa 
perspectiva, os elementos constitutivos de um ato moral? 
 Primeiramente, uma ação moral presume um motivo (a) capaz de impulsionar o agir na 
direção de determinado fim (b). Um mesmo ato pode ser iluminado por diversos motivos. Por que 
denunciar uma injustiça? Pela comoção gerada, pelo senso de justiça ferido, pela indignação diante 
de ação prejudicial a outrem ou pelo desejo de projeção pessoal? Denunciar uma injustiça, logo, 
poderá ter como motivo o altruísmo ou egoísmo conforme possibilidades listadas. Não estamos 
falando, aqui, de motivos inconscientes, mas de motivações derivadas de reflexão e fundadas em 
grau mínimo de distanciamento e liberdade. É preciso, entretanto, existir a consciência do fim visado. 
A consciência do fim visado é garantida pela antecipação reflexiva e ideal do resultado da ação. 
Antecipado idealmente o resultado da ação, a seguir, é preciso decidir na direção do fim visado. 
Encontramos na decisão necessário elemento constituinte de uma ação moral (c). A consciência do 
fim e a decisão em alcançá-lo, enfim, dão ao ato moral o qualificativo de voluntário. Efetuada a 
decisão na direção do fim visado, é preciso escolher os meios capazes de fazê-lo acontecer (d). Se as 
mediações devem adequar-se aos fins, destaquemos, que nem todos os meios são legítimos.Meios 
ilegítimos, questionáveis e instrumentalizadores da vida humana, contaminam e comprometem os 
resultados, alterando o caráter dos atos e dos fins. Os fins, assim, não justificam os meios. Os meios 
precisam ser justificados e penetrados pela vida ética. Após decisão em favor do fim (ou fins), eleitos 
 
39
 Ver FREITAG, Barbara. “Moralidade e educação moral”. In: _______ . Itinerário de Antígona. A questão da 
moralidade. SP Campinas: Papirus, 1997. p.192-207. 
40
 Ato [de actus no latim] é o mesmo que Ação. 
20 
 
os meios adequado, cumpre realizar o ato (e). A realização efetiva a decisão de realizar os fins – 
segundo mediações adequadas e eticamente aceitáveis. Realizado o ato [executada a ação], 
acontece a avaliação, pois ele afeta outros sujeitos, sendo motivo de elogio ou reprovação (f). Essa 
avaliação tem dimensão social e individual, é necessária à vida moral da pessoa e da coletividade. No 
dizer de Vázquez: 
 
 o ato moral supõe um sujeito real dotado de consciência moral, isto é, da capacidade de 
interiorizar normas ou regras de ação estabelecidas pela comunidade e de atuar de acordo 
com elas. A consciência moral é, por outro lado, consciência do fim desejado, dos meios 
adequados para realizá-lo e do resultado possível; mas é, ao mesmo tempo, decisão de 
realizar o fim escolhido, pois sua realização se apresenta como uma exigência ou dever
41
 
 
 
 O ato moral, enquanto totalidade ou unidade indissolúvel de aspectos, em resumo, 
compreende: motivo, fim, decisão, eleição dos meios, resultados, conseqüências objetivamente 
avaliáveis. A ação moral é penetrada tanto pela dimensão subjetiva quanto pela face objetiva da vida 
moral. Os atos morais, em sua positividade promotora da vida humana, incorporados à vida de cada 
pessoa e das sociedades, qualificam relações interpessoais, indivíduos e sociedades. Esses atos não 
consistem, apenas, na intenção e não dependem, em sua positividade, exclusivamente dos meios, 
mas, sobretudo, da antecipação e efetivação de resultados promotores da vida dos envolvidos, e tal 
na direção de vida moral sempre mais plena e autêntica. 
 
 2.5 Breve conclusão: a singularidade dos atos morais 
 
 A norma é um auxílio precioso, pois diante de conflitos morais, necessitamos decidir na 
direção de bons resultados. Entretanto, refletindo eticamente, constatamos que a norma é universal, 
e cada ato efetivado responde a questões e circunstâncias irrepetíveis. Por que a ação moral, 
indagamos, é singular? Porque é irrepetível. Realizada a decisão pelo cumprimento da norma, 
adequada às circunstâncias, consumada a norma no ato, esse não tornará a acontecer, por ser único 
(completo). Cumpre somente avaliar o ato na consideração dos resultados alcançados e 
objetivamente verificáveis. 
 A Ética, enquanto analisa o comportamento moral, não deve confundir-se com tratado de 
casuística, como se fosse possível antecipar descritiva e prescritivamente as inúmeras situações que 
envolvem a regra em sua universalidade e a vida em sua concretude. A Ética oferece critérios para 
pensar a norma, para justificá-la e adequá-la aos diversos casos que poderá orientar. Através da 
 
41
 Cf. VÁZQUES, A essência da moral, cap. III, 2002, p. 78. 
21 
 
prudência, essa capacidade racional prática, o ser humano intencionará a melhor resposta, 
adequando o preceito [a norma]42 em cada ato, observados desafios e dilemas morais enfrentados. 
 Cada ação moral, conseqüentemente, em sua singularidade não repetível, é ocasião de 
assumir a vida como tarefa intransferível. Cada ato de cada ser humano, visto na unidade da 
totalidade dos atos que o formam, é oportunidade de realização, plenificação, sentido. Por isso, 
refletir e imprimir positividade ética aos atos é tarefa inalienável de personalização, realização e 
enriquecimento da vida de cada pessoa e de todos os seres humanos, pois nos tornamos donos de 
nós mesmos, autônomos e autárquicos, através da totalidade positiva de nossas ações. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
42
 A norma [ou preceito] é uma regra de ação que atualiza valores e princípios. 
22 
 
Texto-Complementar 02 
TEORIA DA AÇÃO 
 
 A ação humana inaugura o novo. Supõe engajamento da inteligência e da liberdade, pois é série 
temporal planejada na qual o agente é capaz de prever as consequências. Diante do possível, no aberto da 
existência, a Pessoa pensa naquilo que realizará. Dentre as opções, elegerá o conveniente, a mediação 
adequada que ultimará [concretizará] o bem. No presente contexto, bem deve ser compreendido como aquilo 
que convém, respondendo às exigências de realização do indivíduo humano. A ação acontece no mundo, em 
meio à teia de relações: envolvendo mediações e outras pessoas. Sendo consequente, não afetará – apenas – o 
executante, mas outros indivíduos humanos. A ação realiza valores que, traduzidos em princípios éticos ou 
preceitos morais, importam em interpretação e adequação. A ação é irrepetível, pois encontra termo no tempo 
(a) e as circunstâncias e pessoas envolvidas são únicas (b). Poderá ser objeto de avaliação e reparação, mas, 
como já aconteceu, é irrepetível. As mediações escolhidas estão presentes no resultado, sendo avaliáveis 
[aprovação ou reprovação ética e moral]. Mediações injustas, por exemplo, tornam a ação injusta e seus 
resultados reprováveis. Pessoas [seres relacionais / ser-com], efetivamos nossa natureza na ação
43
. 
Dependemos em nosso ser de um agir que, positivamente, consolide a dimensão relacional do existir pela 
atualização do bem comum. O bem do indivíduo, perseguido na ação, é, pois, inseparável do bem comunitário. 
Escolhidas, segundo orientação valorativa, as mediações adequadas – o agente ético decidirá. Decisão, ação 
consumada, avaliará e será avaliado segundo as consequências positivas [bem do indivíduo e da comunidade] e 
negativas [prejuízos para o indivíduo e comunidade]. As consequências da ação, assim, constituem o objeto 
avaliado. A razão prática [prudência] é a faculdade que, atuada e educada pelo hábito, assegurará 
racionalidade à ação. Ação eticamente valiosa é ação prudente, racional e moderada na qual escolhas, 
mediações e decisões alcançam o bem individual e coletivo. Na ação prudente a previsão [antevisão] dos 
possíveis resultados permite traçar caminhos pelos quais nos humanizamos. O hábito não deve ser 
compreendido como resposta mecânica, isto sim, como disposição de um sujeito racional em agir conforme a 
prudência [racional e moderadamente]. O hábito atualiza a faculdade [capacidade] da prudência, 
encaminhando o indivíduo humano à vida excelente. Não nascemos, por exemplo, temperantes ou justos, nos 
tornamos temperantes ou justos pela repetição consciente de atos de temperança e justiça. Aprendemos, logo, 
desde pequenos – pelo exercício da razão prática – a incorporar racionalidade às nossas ações. Nessa 
perspectiva, somos a soma de todas as nossas ações, ou seja, de nossas escolhas, decisões e realizações. 
Deveríamos, assim, reavalizar constantemente ‘o projeto de vida’, indicando adequação entre o horizonte 
visado e nossas ações cotidianas. Num mundo no qual a reflexão perde espaço à automatização dos processos 
vitais, é preciso estar presente, desenvolver a atenção profunda, estar consciente do que esperamos e de como 
agimos na concretização de nossas aspirações. E como somos finitos, portanto, capazes falhar, rever escolhas, 
reafirmar decisões vitais, repensar nossos atos cotidianos é condição da vida boa com os outros em 
comunidades justas [Paul Ricouer]. A atenção profunda, estar presente – efetivamente – em tudo aquilo 
 
43
 Nascemos potencialmente pessoas, mas, nossa natureza racional e livre é atualizadanas relações que 
estabelecemos na vida em comum. 
23 
 
fazemos confere à ação humanidade. A ação, enfim, diferencia o ser humano de outros animais, tornando-o 
responsável. Aliás, racionalidade e liberdade encontram expressão na responsabilidade. Responsabilidade, aqui 
e agora, de cada pessoa, em cada um de seus atos, por tudo e por todos. Somos responsáveis, através de 
nossas ações, por cada pessoa e por todos os seres vivos. Em cada ação acontecida no tempo, através de nossa 
escolha e realização, todos os seres humanos e todas as expressões da vida estão presentes. Num mundo em 
transformações aceleradas, responderemos positivamente à possibilidade de futuro testemunhando 
responsabilidade. A responsabilidade é, ressaltamos, a qualidade positiva da ação humana pela qual nos 
tornamos pessoas e justificamos nossa esperança. 
 
Destaque: 
 
 A AÇÃO
44
 
 
 Nas reflexões anteriores tratamos da relação da conduta ética com as faculdades de conhecer e decidir 
livremente e vimos que aquela não pode dissociar-se destas. Quando não existe o verdadeiro conhecimento, isto é, quando 
não se chega a captar a essência e sentido do existente em sua autentica vigência, independentemente de sua importância 
para determinados fins físico-psíquicos do conhecente –, não há conduta ética. Tampouco quando não há liberdade: em 
outras palavras, quando falta possibilidade de comandar no início da ação e, conseguintemente, de que o próprio eu se 
reconheça nela. 
 Agora vamos dar um passo a mais. A conduta ética tem uma relação também necessária com a ação, já que, por 
natureza, tem que passar pela realidade. 
 Esquematicamente: com o conhecimento atraio a realidade ao âmbito da consciência e me aproprio de seu 
significado. Com o ato da vontade livre tomo postura interiormente frente ao conhecido e me decido por uma conduta. O 
terceiro ato do esquema da ação, ou seja: sobre a base do conhecimento e da decisão retorno a realidade, a capto, 
disponho dela e lhe dou forma. 
 Também esse ato é essencial na conduta ética. É verdade que o centro se encontra no que chamamos de 
consciência. É interior; mas desemboca na realidade exterior. Entretanto, a consciência ética permanece no âmbito da 
interioridade, está em estado de suspensão. É revogável. Não passou, ainda, pela prova que consiste em ver-se objetivada 
através da ação. O simples ato de consciência pode redefinir-se sempre. Mas, enquanto diz <<está é minha ideia>>, o 
sentido muda. E, quando passa a ação, se converte em <<coisa de fato>>: então adquire o caráter daquilo que não se pode 
mais anular-se e passa a prova objetiva das coisas. A ação pode apelar retroativamente à consciência (<<é que eu não 
pensava isto ou aquilo>>), mas, a coisa de fato é um testemunho dificilmente refutável. Nela (na coisa de fato) se revela a 
consciência. O observador pode decifrá-la. É certo que pode equivocar-se, e com facilidade. De outra parte, a consciência 
também pode errar e inclusive enganar a si mesma; e é possível que a ação, com sua completude e sua expressividade, 
traduza a consciência melhor do que ela mesma seria capaz. Na ação, a consciência se converte em história. A interioridade 
é trans-histórica ou pré-histórica, ainda que ela decida-se na história. É na ação que a consciência submete-se a esse juízo 
que chamamos história [...]. 
 
 Ação, pois, significa sair do âmbito interior do conhecimento e da decisão, e passar ao realmente existente. Suas 
formas básicas são as seguintes: a) a expressão: uma opinião, uma impressão, um propósito abandonam o reservado da 
intimidade e saltam a luz pública, nos gestos e resultados observáveis. Então, já aqui podemos interpretá-la, cobra eficácia, 
tem consequências e provoca reações. b) A palavra: por ela não apenas se expressa uma opinião ou um sentimento, isto 
sim que se abre outro significado que antes era conhecido, mas mantinha-se oculto, no interior. A palavra é por fim o que 
define, direciona, toma postura. E, ademais, reclama a palavra do outro: palavra e palavra-resposta [diálogo]. c) A 
elaboração: eu capto coisas, materiais, energias, e as dou uma forma determinada: uma comida, um vestuário, um 
dispositivo de segurança, uma ferramenta, etc. 
 
 
 Também, por outro lado, a instauração e ordenação das reações humanas. As diferentes maneiras através das 
quais os homens se relacionam uns com os outros sobre a base do conhecimento e da decisão: desde uma simples 
saudação, passando por diferentes tipos de encontro, a comunidade [...] até formas mais complicadas de unidades sociais, 
leis. A obra, o produto: nela a ideia fica plasmada e dura [permanece], o configurar, o criar.] 
 
 
44
 Cf. Roma Guardini. Ética. Lecciones en La Universidad de Múnich. Trad. Daniel Romero e Carlos Dias. Madrid: BAC, 2010. 
p.121-122. 
24 
 
 
 
APLICAÇÃO 
1 O que é uma ação humana? 
2 Estou – efetivamente – presente em cada uma de minhas ações? 
3 Quais são as relações existentes entre hábito, educação e personalização? 
4 O que é responsabilidade no contexto de uma teoria da ação? 
5 O que caracteriza uma ação [humana]? 
6 O que aprendemos com o texto de Romano Guardini? 
7 Que exemplos poderiam ser dados para melhor compreendermos a descrição da Ação realizada por 
Guardini? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
 
3 RESPONSABILIDADE, DETERMINISMO E LIBERDADE 
 
 O ser humano, ser racional e livre, realiza a si mesmo através de seus atos. Atos precedidos 
de reflexão, deliberados, decididos, realizados livremente e, portanto, capazes de responsabilização. 
As ações morais, especificamente, não afetam, sublinhamos, somente a vida do agente, mas, 
também, a vida de outras pessoas. Quando as ações morais são avaliadas, é possível averiguar 
consequências positivas ou negativas resultantes, seu impacto sobre a vida individual, familiar e 
social. Desejamos, presentemente, entender o significado do que seja responsabilidade moral, 
cotejando a relação entre liberdade e responsabilidade, indicando as situações nas quais o agente é 
dispensado de responsabilização e, finalmente, analisaremos algumas teorias sobre a liberdade. 
 
3.1 Condições da responsabilidade moral 
 
 O enriquecimento da vida moral, segundo Vázquez, supõe a conciliação entre os interesses 
individuais e coletivos, bem como, a consequente ampliação da responsabilização pessoal45. Nessa 
perspectiva, atos propriamente morais não implicam, apenas, na intenção, mas nas consequências 
verificáveis através de sua efetivação. O agente, circunstancialmente situado, livremente decide pelo 
cumprimento ou desconsideração da norma, assumindo as conseqüências de sua escolha e decisão 
presentes na ação efetuada. 
 Quando julgamos uma ação moral, entretanto, verificadas as circunstâncias que a 
envolveram, devemos inquirir – também – sobre a existência de fatores capazes de inibir ou anular a 
liberdade do agente. Quais são, então, as condições suficientes capazes de caracterizar um ato como 
moral e, portanto, capaz de responsabilização? O indivíduo, primeiramente, não pode ignorar as 
circunstâncias motivadoras de sua ação ou as possíveis consequências decorrentes. Seu 
comportamento, em suma, precisa ser consciente. O ato deve encontrar, em segundo lugar, sua 
causa principal no próprio indivíduo, na sua vontade, e não noutro agente ou, até mesmo, em fatores 
internos perturbadores do seu estado consciente e livre46. 
 
45
 Cf. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética (Responsabilidade Moral, determinismo e liberdade). 22. ed. RJ: Civilização Brasileira, 
2002. Cap. III. p.109. 
46
 Se circunstâncias podem inibir ou possibilitar atos livres, é importante, pois, indagar: em que situações o indivíduo é 
responsável por seus atos? Ou, quando o indivíduo é isento [dispensado] de responsabilização? Declara Vázquez (2002, 
p.110) que, já desde os tempos de Aristóteles,contamos com uma velha resposta a essas perguntas, observadas duas 
condições fundamentais: “a) que o sujeito não ignore nem as circunstâncias nem as conseqüências de sua ação; ou seja, 
que seu comportamento possua um caráter consciente. b) que a causa dos seus atos esteja nele próprio (ou causa interior), 
e não em outro agente (exterior) que o force a agir de certa maneira, contrariando a sua vontade; ou seja, que a sua 
conduta seja livre”. 
26 
 
 Se o conhecimento e a liberdade, em resumo, fundamentam a responsabilidade moral, 
entretanto, a ignorância involuntária (a) e a privação da liberdade (c) eximem o sujeito ético de 
responsabilidade47. 
 Estudaremos, tendo em vista o exposto, as possíveis situações nas quais o agente é isento de 
responsabilidade: a ignorância involuntária [a], a coação externa [b] e a coação interna [c]. Todavia, 
antecipamos, na maioria dos casos, o agente é responsável, pois é capaz de superar tanto a 
ignorância involuntária, quanto a coação interna e externa. 
 
3.1.1 A Ignorância e a responsabilidade moral 
 
 O sujeito ético, apto a escolher, decidir e atualizar a norma – ao agir conscientemente – é 
responsável pelas consequências advindas dos seus atos. Entrementes, a ignorância das 
circunstâncias, da natureza e das conseqüências de uma ação isenta [ou dispensa] o indivíduo de 
responsabilidade moral48. 
 Mas, que tipo de ignorância dispensa o agente de responsabilização? Se um motorista 
pretende, conduzindo seu automóvel, realizar viagem de Porto Alegre a Caxias, deve checar as 
condições do seu veículo. No caso de os faróis apresentarem defeito, é preciso consertá-los. Existem, 
logo, fatores que devem ser conhecidos e não podem ser ignorados. Há, igualmente, possíveis 
acontecimentos ligados a esses fatores [estado do veículo]49 que podem ser antecipados e precisam 
ser previstos. Consequência negativa resultante de imprevisão, no caso examinado, é de exclusiva 
responsabilidade do proprietário e condutor do veículo. Devemos, também, indagar sobre a 
existência de fatores imponderáveis e imprevisíveis, incapazes de antecipação. Uma criança, em 
precoce fase de desenvolvimento cognitivo e moral50, poderá, eventualmente, machucar um 
cachorrinho [ser vivo] confundindo-o com um bichinho de pelúcia [ente inanimado / brinquedo]. Ela 
aprenderá, paulatinamente, que o animalzinho é um ser vivo, pois sente e reage aos possíveis maus 
tratos sofridos. No primeiro caso, estamos diante da ignorância voluntária, passível de 
 
47
 Afirma Vázquez (2002, p.110): “Tão-somente o conhecimento, de um lado, e a liberdade de outro permitem falar 
legitimamente de responsabilidade. Pelo contrário, a ignorância, de uma parte, e a falta de liberdade de outra (coerção) 
permite eximir o sujeito da responsabilidade moral”. 
48
 Conforme Vázquez (2002, p.111), “a ignorância neste sentido amplo se apresenta, portanto, como uma condição que 
exime da responsabilidade moral”. 
49
 Conhecidos os fatores [condição do carro: estado dos pneus, faróis, amortecedores, equipamentos de seguranças, freios, 
etc.] fatos [ou acontecimentos] podem e devem ser antecipados e evitados. Um motorista é ciente de que dirigir um 
veículo em condições precárias é imprudente. A capacidade de previsão, no referido exemplo, permite antecipar 
consequências [positivas ou negativas], bem como, prevenir acidentes. 
50
 Uma criança, em fase precoce de desenvolvimento cognitivo e moral, é incapaz de entender o real significado de suas 
ações. É preciso explicar o significado de seus atos para que possa, então, avaliar o alcance desses atos. 
27 
 
responsabilização. Já, no segundo caso, estamos diante da ignorância involuntária51. Somente a 
ignorância involuntária, que envolve fatores ignorados e desencadeadores de fatos negativos 
imprevisíveis, isenta o agente ético de responsabilidade52. 
 Existem, em conseqüência, coisas que devo prever e não posso ignorar. De outro lado, 
existem coisas que não posso prever e estou impossibilitado de antecipadamente conhecer. 
Somente a ignorância involuntária, frisamos, dispensa o sujeito moral de responsabilização53. 
 
3.1.2 Coação externa e responsabilidade moral 
 
 Uma pessoa pode ser responsabilizada por um ato se, e somente se, a causa desse ato esteja 
dentro dela e não provenha de fora, ou seja, não tenha sua origem em algo ou alguém que a force 
contra a sua vontade. A coação externa, por conseguinte, anula a responsabilidade, pois, se o agente 
sofre coação ou pressão externa, perde controle sobre si mesmo e seus atos. A causa, estando fora 
do agente, em conclusão, isenta-o de responsabilidade54. Um condutor que, dirigindo sóbria e 
prudentemente, para evitar acidente vê-se, ocasionalmente, envolvido numa colisão com um 
terceiro veículo, pelo imponderável da situação, é isento de responsabilidade. Se num regime de 
exceção, uma pessoa premida pela tortura denuncia companheiros inocentes, igualmente, pela forte 
coação [violência física e psicológica] é isenta de responsabilidade. 
 Quando a coação é tão forte e irresistível, quando a violência perpetrada inibe a capacidade 
de reação do indivíduo, nesse caso, ocorre dispensa de responsabilidade55. Adolfo Sánchez Vázquez, 
entrementes, ressalva: 
 
 
51
 A ignorância involuntária [ou não voluntária] supõe que o indivíduo não apenas desconhecia as circunstâncias e natureza 
de seu ato, mas, sobretudo, não tinha obrigação de conhecê-las. Uma pessoa que – ignorando a situação clínica de um 
amigo portador de uma neurose – lhe oferece objeto capaz de desencadear reação patológica [por exemplo: cólera], está 
dispensada de responsabilidade. Já, os parentes do ‘neurótico’ deveriam ter prevenido a pessoa em questão sobre o 
problema de seu familiar. O estado de desenvolvimento intelectual e emocional de cada pessoa, destacamos, 
corresponderá à proporcional responsabilidade correspondente. 
52
 Vázquez (2002, p.113) esclarece: “Em resumo: a ignorância das circunstâncias, da natureza ou das conseqüências dos 
atos humanos autoriza eximir um indivíduo de sua responsabilidade pessoal, mas essa isenção estará justificada somente, 
quando, por sua vez, o indivíduo em questão não for responsável por sua ignorância; ou seja, quando se encontra na 
impossibilidade subjetiva (por motivos pessoais) ou objetiva (por motivos históricos e sociais) de ser consciente do seu ato 
pessoal”. Aproveitando a explicação de Vázquez, ampliando reflexão, o nível de desenvolvimento espiritual de determinada 
sociedade, por exemplo, exime o individuo de responsabilização. Aristóteles, v. g., envolvido no clima espiritual de seu 
tempo, considerava a escravidão expediente aceitável. Entre os gregos a escravidão, ligada à guerra, era amplamente 
legitimada. Entretanto, embora a matriz cultural de Aristóteles o dispense de responsabilidade sobre sua posição frente à 
escravidão; tal isenção não nos autoriza a concordar com esse costume. A escravidão, ou qualquer forma de violação da 
dignidade humana, em qualquer cultura ou época, é reprovável. 
53
 O direito examina a responsabilidade [legal] segundo o dolo ou culpa. Um delito doloso, por exemplo, acarreta grau 
maior de responsabilização do que infração culposa. 
54
 De outro modo: se a causa foge ao poder e controle do indivíduo, elimina sua capacidade de escolha e decisão. 
55 Lembramos, por exemplo, que confissões colhidas através de tortura não têm valor jurídico, devendo ser contestadas. 
28 
 
 vemos, portanto, que a coação externa pode anular a vontade do agente moral e eximi-lo 
de sua responsabilidade pessoal, mas isso não pode ser tomado em sentido absoluto, 
porque há casos em que, apesar de suas formas extremas, sobra-lhe certa margem de 
opção e, por conseguinte, de responsabilidade moral. Quando, portanto, Aristóteles 
assinala a falta de coação externa como condição necessária de responsabilidade

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