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UNIEVANGÉLICA CENTRO UNIVERSITÁRIO ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA REEDUCATIVA AGIVANDA SOARES DE ANDRADE A INFLUÊNCIA DA AFETIVIDADE NA APRENDIZAGEM Brasília – DF 2007 AGIVANDA SOARES DE ANDRADE A INFLUÊNCIA DA AFETIVIDADE NA APRENDIZAGEM Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Psicopedagogia Clínica junto à Unievangélica Centro Universitário Orientadora: Profa Irene Paulino de Medeiros Brasília – DF 2007 Para Marcello e Amanda, meus grandes amores. AGRADECIMENTOS A Deus por sua imensa generosidade para comigo e me tem disponibilizado pessoas sábias e compreensivas que me ajudam sempre em minhas jornadas. "... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! Eça de Queiroz, O Primo Basílio RESUMO Este trabalho apresenta uma revisão das teorias de aprendizagem de Piaget, Vygotsky, Freud e alguns seguidores correlacionando-as com o desenvolvimento da afetividade e sua influência na aprendizagem. Os conceitos de aprendizagem da atualidade não fazem a dicotomia entre cérebro (cognição) e corpo (organismo) e inserem a motivação e o desejo como instrumentos de apropriação da inteligência. As diversas abordagens atribuem à afetividade imprescindível valor para o desenvolvimento psíquico do ser humano. Os vínculos emocionais que se estabelecem desde o nascimento influenciam na construção da personalidade, do autoconceito e da auto-estima do sujeito, propiciando-lhe ferramentas necessárias à aquisição da aprendizagem e sua conservação. Palavras-chaves: aprendizagem, desenvolvimento, afetividade, autoconceito, auto- estima. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................1 1. AFETIVIDADE.........................................................................................................4 1.1 O vínculo afetivo na relação parental ................................................................6 1.2 A importância da relação parental no desenvolvimento do autoconceito e da auto-estima..............................................................................................................8 2. A Aprendizagem e a Educação .............................................................................17 3. A INFLUÊNCIA DA AFETIVIDADE NA APRENDIZAGEM....................................25 4. A ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA NOS CONFLITOS AFETIVOS...............33 4.1 O professor como mediador do processo........................................................34 4.2 A família e sua influência na escola.................................................................36 4.3 Os conflitos que podem surgir com as novas tecnologias da informação e da comunicação .............................................................................................................37 CONCLUSÃO............................................................................................................40 REFERÊNCIAS.........................................................................................................42 1 INTRODUÇÃO Quando nos referimos à inteligência ou à capacidade cognitiva do ser humano, quase sempre estamos nos indagando sobre a capacidade de aprendizagem do indivíduo diante de um determinado objeto do conhecimento. Os conceitos epistemológicos da aprendizagem são muitos e vão desde a teoria piagetiana da inteligência à teoria psicanalítica de Freud. A teoria de Piaget busca a dimensão biológica do processo de aprendizagem e, neste contexto afirma que toda informação adquirida desde o exterior, o é sempre em função de um marco ou esquema interno; assim teríamos então três tipos de conhecimento, segundo Pain (1992, p.16): O das formas hereditárias programadas definitivamente de antemão, junto ao conteúdo informativo relacionado ao meio no qual o individuo atuará; o das formas lógico-matemáticas que se constroem progressivamente segundo estádios de equilibração crescente e por coordenação progressiva das ações que cumprem com os objetos, dispensando os objetos como tais; e em terceiro lugar o das formas adquiridas em função da experiência, que fornecem ao sujeito informação sobre o objeto e suas propriedades. Seguindo esta linha de raciocínio, Sara Pain apresenta duas condições de aprendizagem, as externas e as internas, que serão enfocadas apenas no sentido descritivo, para facilitar a abordagem, já que tal dicotomia seria impossível estabelecer na prática. As condições externas são adquiridas pelo estímulo dado pelo meio em que o sujeito está inserido e as internas são definidas pelo sujeito, ou o corpo como mediador da ação. Ainda nesta linha teórica, Alicia Fernandez prossegue que, o ser humano para aprender deve pôr em jogo seu organismo individual herdado, seu corpo construído especularmente, sua inteligência autoconstruída interacionalmente e a arquitetura do desejo, desejo que é sempre desejo do desejo do outro. Sara Pain elucida que o organismo poderia ser comparado a um aparelho de recepção programado, que possui transmissores (células nervosas), capazes de registrar certos tipos de associações, de fluxos elétricos, e reproduzi-los quando necessário sendo o corpo o instrumento do organismo. O corpo coordena e a coordenação resulta em prazer, prazer de domínio. (Fernandez, 1991). Do século XVII até o início do século XX, a aprendizagem estava ligada ao condicionamento, metodologia que visava enquadrar o comportamento de todos os 2 organismos num sistema unificado de leis. Ivan Pavlov, médico russo, publicou em 1903 os resultados de sua pesquisa digestiva com cães de laboratórios quando casualmente descobriu que certos sinais provocavam a salivação e a secreção estomacal no animal, uma reação que deveria ocorrer apenas quando houvesse ingestão de alimento. A estes resultados chamou reflexo condicionado, que podia ser adquirido por experiência, e ao processo chamou “condicionamento”. Pavlov avançou a idéia de que o reflexo poderia ter um papel importante no comportamento humano e na educação. Esta descoberta tornou-se a base para uma corrente psicológica, o behaviorismo, fundado por John Watson, em 1913. Na teoria de Lev Semionovitch Vygotsky, psicólogo russo, um dos conceitos mais importantes é o de Zona de Desenvolvimento Proximal que se relaciona com a diferença entre o que a criança consegue aprender sozinha, ou seja, adquirir em termos intelectuais e aquilo que consegue aprender quando lhe é dado o suporte educacional devido por parte de um adulto. Para Vygotsky, o que nos torna humanos é a capacidade de utilizar instrumentos simbólicos para complementar nossa atividade, que tem bases biológicas.A linguagem tem este papel de construtor e de propulsor do pensamento. O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. O pensamento é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Conclui-se, portanto, que existem dois tipos de condições de aprendizagem: as externas, referindo-se ao aspecto social, cultural em que o sujeito está imerso e as internas, ligadas ao corpo como organismo mediador da ação. Correlacionando as duas condições de aprendizagem, Sara Pain (1992, p.22) observa: É em função do corpo, que se é harmônico ou rígido, compulsivo ou abúlico, ágil ou lerdo, bonito ou feio, e com esse corpo se fala, se escreve, se tece, se dança, resumindo, é como o corpo que se aprende. As condições do mesmo sejam constitucionais, herdadas ou adquiridas, favorecem ou atrasam os processos cognitivos e, em especial, os de aprendizagem. Na teoria de Piaget, a afetividade cumpre o papel de fonte de energia para o funcionamento da inteligência. O termo construtivismo elaborado por Piaget, que se 3 refere às formas de conhecimento elaboradas pelas crianças, inspirou as teorias construtivistas, que em sua maioria tem a afetividade e o desenvolvimento da linguagem como temas centrais. Diante do exposto e para a elucidação da importância da afetividade nas dificuldades de aprendizagem, são discorridos no primeiro capitulo deste trabalho os conceitos da afetividade sob a perspectiva de Freud, Piaget, Wallon, Erickson e Klein e os fatores que intervêm no estabelecimento de um laço afetivo seguro nas relações parentais, a importância desta relação no desenvolvimento do autoconceito e da auto-estima. O capitulo II discorre sobre como se processa a aprendizagem e sua correlação com a educação, segundo alguns autores mencionados anteriormente. O capítulo III refere-se a influência da afetividade na aprendizagem, enquanto o capítulo IV apresenta a abordagem psicopedagógica nos conflitos da afetividade. 4 1. AFETIVIDADE Para a psicanálise, afetividade é o conjunto de fenômenos psíquicos manifestados sob a forma de emoções ou sentimentos e acompanhados da impressão de prazer ou dor, satisfação ou insatisfação, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza; e afeto, o termo que a psicanálise foi buscar na terminologia psicológica alemã, exprime qualquer estado afetivo, penoso ou desagradável, vago ou qualificado, quer se apresente sob a forma de uma descarga maciça, quer como tonalidade geral. Segundo Freud, toda pulsão se exprime nos dois registros, do afeto e da representação. O afeto é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional e das suas variações. Freud, em 1920, diz que uma pulsão é um impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas, impulso que a entidade viva foi obrigada a abandonar sob a pressão de forças perturbadoras externas, fazendo um paralelo com a teoria de Melanie Klein encontramos o que seriam a pressão de forças perturbadoras. Para esta psicanalista, o desenvolvimento psíquico ocorre por intermédio da elaboração de experiências emocionais desde o nascimento. O bebê compartilha com a mãe do mesmo ego, e essa idéia de unidade com a mãe que o bebê tem ao mamar no seio lhe proporciona fantasias inconscientes. Se o bebê experimenta sensações físicas de conforto a fantasia é de bem-estar, satisfação e consequentemente prazer; se as sensações físicas são de desconforto, a sensação é de desconforto, perseguição e rejeição. As sensações de prazer ou desprazer fazem com que o ego se quebre, dando lugar ao mecanismo primitivo de defesa, onde de um lado fica o que é mau – medo, ansiedade e frustração – e de outro, o que é bom – gratificação ao carinho recebido. A angústia nasce neste momento por saber que precisa de outras pessoas para satisfazer suas necessidades e que o outro, diferente do eu, não poderá satisfazê-lo de acordo com seu desejo. A busca pelo seio ideal, aquele que lhe transmite amor e a angústia que este mesmo objeto lhe traz forma a base para o ideal do ego e do superego e impede, ainda na primeira infância, que o mal prevaleça. Ortiz et al. (2004) analisam as origens da vida social e emocional e os fatores que intervêm no estabelecimento de um laço afetivo seguro ou inseguro. Para eles, o vínculo emocional mais importante na primeira infância, é o apego que a criança 5 estabelece com uma ou várias pessoas do sistema familiar. Três componentes básicos são distintos neste vínculo: a) condutas de apego (de proximidade e interação privilegiada com essas pessoas); b) representação mental (as crianças constroem uma idéia de como são essas pessoas, o que podem esperar delas) e c) sentimentos (de bem–estar com sua presença ou ansiedade por sua ausência). O objetivo do apego, que tem a função adaptativa para a criança inserida em seu contexto, é favorecer-lhe a sobrevivência, buscando a proximidade de seus cuidadores e de proporcionar-lhe segurança emocional, transmitindo-lhe aceitação incondicional, proteção e bem-estar. A ausência ou perda das figuras de apego é percebida como ameaça, sinalizada como situação de risco, de desproteção e desamparo. Quando a criança nasce e até aproximadamente o terceiro mês de vida, demonstra claras preferências pelos estímulos sociais da própria espécie (rosto, voz e temperatura humanas) e logo estabelecem associações entre eles. Porém é o estimulo recorrente de algum elemento, como traços do rosto da mãe, maneira de acalentar, ou da associação entre estes estímulos que a faz sentir-se adaptada. São os ritmos biológicos que ditam a adaptação do adulto à criança. Entre o terceiro e o quinto mês, a criança demonstra preferência pela interação com os adultos que normalmente cuidam dela e apresenta-se mais adaptada, flexível quanto aos seus ritmos biológicos, mas ainda não rejeita aos cuidados oferecidos por desconhecidos, portanto, ainda não “avaliam” perigos potenciais. Na segunda metade do primeiro ano de vida, percebe-se que o sistema de apego está formado quando as crianças manifestam clara preferência por suas figuras significativas e repelem os desconhecidos. Neste momento, podem até mesmo evocar as figuras de apego, graças às capacidades de representação, de permanência da pessoa e de memória. Demonstra reações de protesto e ansiedade nas separações e de alegria e tranqüilidade nos reencontros, assim como apresenta condutas para procurar ou manter a proximidade destas pessoas, que usa como base para explorar o mundo físico e social. As novas capacidades de locomoção, verbais e intelectuais promovem um grau de independência das figuras de apego, e baseadas na própria experiência de retorno destas, as separações breves são melhores aceitas. Não exige mais o contato físico tão estreito e contínuo e tornam-se mais independentes na conduta 6 exploratória. Todos estes ganhos podem ativar as condutas exploratórias em momentos de aflição, reagindo de forma similar a como se fazia nos primeiros anos de vida. As situações de separação, o desejo de participar da intimidade dos pais e as rivalidades fraternas produzem os conflitos afetivos mais importantes neste período, que devem ser contornadas com a demonstração de disponibilidade e acessibilidade das figuras de apego, sempre que a criança apresentar fragilidade. O modelo interno de relações afetivas é o conjunto de experiências de apego estabelecidas na primeira infância e servem de base para as relações afetivas posteriores, quando a forma de interpretar e de organizar guia a própria conduta. 1.1 O vínculo afetivo na relação parental O tipo de relação mãe-filho ou pai-filho não dependesomente da sensibilidade materna entendida como traço de personalidade, mas também da sensibilidade como padrão de conduta no contexto desta relação. A sensibilidade da figura de apego aqui é entendida como a disposição de prestar atenção aos sinais da criança, interpretá-los adequadamente e responder a eles rápida e apropriadamente. Reconhecendo as características dos padrões de apego, é possível identificar o tipo de interação mãe-filho desta relação. São estes os padrões de apego citados por Ainsworth (1978): a) Apego seguro: caracteriza-se por uma exploração ativa em presença da figura de apego, ansiedade (não necessariamente intensa) nos episódios de separação, encontro com a mãe caracterizado por busca de contato e proximidade e facilidade para ser reconfortada por ela. b) Apego ansioso-ambivalente: caracteriza-se pela exploração mínima ou nula em presença da mãe, uma reação muito intensa de ansiedade pela separação, comportamento ambivalentes nos reencontros (busca de proximidade combinada com oposição e cólera) e grande dificuldade para ser consolada pela figura de apego; c) Apego ansioso-evitativo: Se caracteriza por uma escassa ou nula ansiedade diante da separação, pela ausência de uma clara preferência pela mãe frente aos estranhos e pela evitação da mesma no reencontro (distanciando-se dela, passando longe ou evitando contato visual); d) Apego ansioso-desorganizado: caracteriza-se pela desorientação que as crianças apresentam nos reencontros. Estas crianças aproximam-se da figura de apego evitando o olhar, podem mostrar busca de proximidade para, repentinamente, fugir e evitar a interação, manifestando movimentos incompletos ou não-dirigidos a nenhuma meta e condutas estereotipadas. Crianças que foram vítimas de episódios de negligência e maus-tratos 7 físicos podem apresentar tal conduta, que se evidenciada quando a criança experimenta ciclos de proteção e ao mesmo tempo de rejeição e agressão. As mães das crianças com apego-seguro apresentam-se eficazes na hora de regular a atividade emocional da criança, interpretar seus sinais, responder de modo contingente, sem intrusividade, e na manutenção da interação. São aquelas que avaliam positivamente suas próprias relações de apego infantis, sentem-se aceitas por seus pais e conscientes tanto das relações positivas como das negativas de sua infância, não sentem rancor de seus pais, nem os idealizam. A criança neste tipo de relação forma um modelo interno que lhe permite antecipar e confiar na disponibilidade e na eficácia materna e em sua própria capacidade para promover e para controlar as interações, além de sentir prazer com estas. As mães das crianças qualificadas como ansiosos-ambivalentes são afetuosas e se interessam pela criança, mas tem dificuldades para interpretar os sinais dos bebês e para estabelecer sincronias interativas com elas. A ambivalência surge da incoerência que às vezes demonstram: em alguns momentos reagem positivamente e em outros insensivelmente, assim desenvolve nas crianças ansiedade que ativa intensamente o sistema de apego e inibe a exploração, pois estas ficam em dúvidas quanto à proteção que podem realmente contar, além de demonstrarem raiva intensa e persistente diante da frustração que sentem pela indisponibilidade da mãe. As mães das crianças evitativas se caracterizam pela irresponsabilidade, impaciência e rejeição. São pouco pacientes e tolerantes com os sinais de necessidade de seus filhos, ao ponto de impedir que as crianças se aproximem delas. As mães de filhos ansiosos-desorganizados podem ser aquelas que não tiveram resolvidos o luto pela morte de um ente-querido ou afastamento deste e expressam um grau de ansiedade que gera temor na criança. Podem praticar maus- tratos e/ou rejeitarem seus filhos, produzindo assim uma vinculação de aproximação/evitação tornando a base de segurança também uma fonte de alarme e inquietação. O vínculo emocional que os pais estabelecem com seus filhos serve como modelo para seus relacionamentos futuros, seja no convívio familiar ou extra familiar. Crianças com conduta de apego-seguro mostram maior capacidade para compreender as suas próprias emoções, apresentam conduta amigável e maior 8 disposição em expressar estado de ânimo positivo frente às frustrações que surgem nas relações sociais. As interações que surgem da conduta apego-seguro é a reciprocidade, a compreensão e a empatia e por intermédio destas relações, “acaba-se interiorizando uma idéia sobre si mesmo, uma auto-estima, uma capacidade de iniciativa, de curiosidade e de entusiasmo que são muito valorizadas pelos iguais” (Coll, et. al., 2004, p.227) 1.2 A importância da relação parental no desenvolvimento do autoconceito e da auto-estima A personalidade de cada indivíduo se desenvolve sofrendo influências genéticas e ambientais, o que torna cada pessoa diferente. Entendendo que cada ser participa ativamente de seu mundo social e que obtém seus conceitos mediante as suas relações socioculturais e as influências que sofrem destas relações, entendemos que o ambiente familiar, o escolar e os outros cenários sociais participam na configuração de nossa individualidade, sejam nos traços psicológicos como nos aspectos afetivos emocionais. O desenvolvimento da personalidade, segundo Freud, está ligado ao curso das pulsões sexuais e a forma como cada um resolve os conflitos que devem ser enfrentados nas fases oral, anal e fálica entre as pulsões libidinais as expectativas e normas sociais implicará o aparecimento e a fixação de determinados traços de personalidade que acompanharão o sujeito até sua etapa adulta (Coll et al., 2004). A descoberta no plano psíquico do prazer obtido mediante a exploração e manipulação dos próprios genitais que se dá na fase fálica, provoca sentimentos de angústia e medo da castração no caso dos meninos e o complexo da castração no caso das meninas, denominados respectivamente como complexo de Édipo e de Electra. Os conflitos deste período surgem, essencialmente, devido ao desejo que as crianças experimentam pelo progenitor do outro gênero que fazem com que estes procurem conseguir uma relação privilegiada com um em detrimento do outro, provocando desta forma tensões e hostilidades na relação com o outro progenitor. O medo do castigo e o principio da realidade faz desaparecer esses conflitos e os desejos edipianos são substituídos pela identificação com o progenitor do mesmo gênero, adotando as características e os valores predominantes destes. Com a 9 interiorização das normas e dos valores socais predominantes no ambiente forma- se o superego. A personalidade de cada individuo é determinado pelas relações que forem estabelecidas entre o id, o ego e o superego. Erickson por sua vez dava maior ênfase aos fatores culturais e sociais que às pulsões libidinais defendidas por Freud. Para este nas experiências sociais vividas desde o nascimento até a morte reside um conflito psicossocial básico que deve ser resolvido entre dois pólos opostos, que são: no primeiro ano, confiança básica e a desconfiança básica nos demais; no segundo e no terceiro, entre a autonomia e a vergonha ou a dúvida; entre os três e seis anos, a iniciativa versus a culpa; dos 6 aos 12 anos surge a laboriosidade e inferioridade; dos 12 aos 20 anos, a tensão se dá entre a identidade e a confusão da identidade; dos 20 aos 40 anos, a tensão se dá entre a intimidade e isolamento; na etapa dos 40 aos 65 anos, entre produtividade e inatividade e na última parte do ciclo vital, entre integridade e desespero. A autonomia obtida na etapa entre o segundo e o terceiro ano leva a criança a experimentar novas capacidades e destrezas e na exploração do mundo que as rodeia constatam os limites que o ambiente social põe as suas condutas. Os pais que favorecemessas iniciativas podem desenvolver nas crianças um verdadeiro sentimento de autonomia, mesmo estabelecendo certos limites. As restrições e as exigências de autocontrole excessivas desenvolvem o outro pólo que é o da culpa, podendo minguar o sentimento de autonomia e, portanto de iniciativa da criança o que poderá dificultar a aquisição dos pólos positivos das etapas seguintes. O estágio do personalismo descrito por Wallon (1934) surge entre os três e os seis anos de idade quando a criança está voltada para a construção do eu. A crise de oposição ou teimosia dá início a este estágio quando esta ao tentar afirmar seu eu, opondo-se aos demais, procura fazer prevalecer sempre a sua vontade. Esta oposição e negativismo que surgem destas atitudes fazem com que os adultos não demonstrem o carinho e a aceitação e, caso esta criança conte com um eu mais fortalecido, procura encontrar estratégias que lhe permitam assegurar esse afeto e a aprovação dos demais. Então, em torno dos quatro anos, surge o período da graça, quando as crianças tentam atrair a atenção dos demais e ganhar seu aplauso e reconhecimento, mostrando suas habilidades e destrezas que sentem ser admiradas pelos outros. 10 Quando as “graças” já não chamam a atenção a estratégia usada é a da imitação dos demais. Imitando o pai ou a mãe, em seus traços mais externos ou em seus aspectos mais psicológicos e internos as crianças garantem a aprovação dessas pessoas e do seu afeto. O processo final é o de identificação com os adultos mais próximos. Victoria Hidalgo e Jesús Palácios (2004, p.184) concluem que em todas estas teorias apresentadas há uma coincidência unânime em assinalar os pais e o contexto familiar como modeladores do desenvolvimento da personalidade infantil: A forma como os pais manejam a satisfação ou a restrição dos desejos de seus filhos (Freud), a forma como respondem a suas condutas exploratórias e as suas iniciativas (Erickson), a forma como agem diante de sua teimosia ou suas graças (Wallon), a forma como moldam com reforços diferenciais a s condutas sociais de seus filhos (aprendizagem social) são consideradas essenciais no desenvolvimento de um caráter mais acanhado ou mais onipotente, mais seguro de si mesmo ou mais cauteloso, com mais confiança ou mais inseguro. Desta forma percebe-se a importância dos pais e/ou cuidadores na formação e no desenvolvimento do autoconceito e auto-estima das crianças. Uma pessoa que não possui um autoconceito adequado pode não estar aberta as suas próprias experiências afetivas, assim como uma pessoa com baixa auto-estima demonstra dificuldade em sua auto-aceitação e procura representar papéis que considera oportuno em cada momento desejando sentir-se aceita pelos demais. A autodeterminação e a independência afetiva são afetadas negativamente pela falta de um autoconceito bem desenvolvido. O autoconceito não é algo inato, é construído ao longo do tempo, se desenvolve e evolui com características distintas em cada fase da vida do ser humano e sofre influências das pessoas significativas do ambiente familiar, escolar e social, e das próprias experiências de sucesso e de fracasso. Apresentaremos duas teorias principais sobre a formação e o desenvolvimento do autoconceito. O Simbolismo Interativo ou a teoria do espelho e a Aprendizagem Social. Segundo a teoria elaborada por Cooley (1902) e Mead (1934), o simbolismo Interativo, o individuo se vê refletido na imagem que os outros lhe oferecem de si mesmo, como se eles fossem um espelho, e assim, o individuo acaba sendo como os outros pensam que ele é. Por esta teoria, os pais e os familiares são os que 11 transmitem quase que exclusivamente, as informações que as crianças têm de si mesmo nos primeiros anos de vida e, na medida em que crescem apropriam-se das informações das outras pessoas, como professores e amigos. Por esta teoria a criança se limitaria a receber influencias e avaliações passivamente e não leva em consideração a criança como ser ativo e experimentador que usa suas próprias ações e experiências como critério na formação de seu auto-conceito. Na teoria da Aprendizagem Social, de Wallon e Vygotsky, a criança adquire o autoconceito por meio de imitação. A criança identifica-se com alguém, imita-a e absorve as características que lhes pertencem, formando um conceito parecido com o das pessoas que a cercam. Em ambas as teorias, os pais desempenham um papel extremamente importante na formação do autoconceito de seus filhos. A auto-estima que as crianças desenvolvem depende das atitudes de seus pais para com elas. Filhos de pais carinhosos e afetivos costumam ter um grau maior de auto-estima do que os filhos de pais afetivamente frios e desinteressados (Sánchez e Escribano, 1999, p.19). A evolução do autoconceito no enfoque ontogênico ou evolutivo se forma nas diferentes etapas do desenvolvimento, com características específicas para cada uma delas. L’Ecuyer (1985) propõe seis etapas ou pontos de referencia. São estas: de 0 a 2 anos, de 2 a 5 anos, de 5 a 10-12 anos, a adolescência (de 12 a 15-18 anos), a vida adulta (de 20 a 60 anos) e as pessoas de idade avançada (acima de 60 anos). As características de cada etapa foram assim definidas: • De 0 a 2 anos – O eu começa a desenvolver desde o nascimento, porém a criança inicialmente não tem consciência de uma existência separada e diferenciada de sua mãe. Por meio do processo de diferenciação entre aquilo que é “si mesmo” e o que é “o outro” emerge o autoconceito. Por meio das sensações corporais que experimenta e os contatos com a mãe a criança aprende a distinguir seu corpo daquilo que não é seu corpo. Nesta etapa, são importantes no surgimento do autoconceito, as relações sociais e afetivas que se estabelecem com as pessoas do ambiente, como as trocas vocais e as mímicas que ocorrem entre adultos e a criança. 12 • De 2 a 5 anos – É caracterizada pela elaboração das bases do autoconceito que se formam a partir das aquisições da linguagem, quando inicia o termo “eu” e “meu”, indicando que reconhece o si mesmo e o outro, do surgimento da fase de negação, quando procura um sentimento de autonomia na manifestação de sua individualidade e da diferenciação das pessoas significativas ou importantes e do sentimento de valor pessoal que a criança vai formando a partir das reações destas pessoas. “A forma como as crianças concebem e expressam seu autoconceito varia notavelmente de uma idade a outra em função tanto do nível de desenvolvimento cognitivo alcançado em cada momento como das experiências sociais” (Hidalgo e Palacios, p.187). • De 5 a 10/12 anos – É denominado período de expansão de si mesmo. A criança amplia seus contatos sociais com o ingresso na escola e as experiências que surgem com estes contatos. As imagens que adquire sobre si mesmo repercutem sobre seu sentimento de identidade. • Adolescência, dos 10/12 anos aos 15/18 anos – Se caracteriza pela conquista da autonomia pessoal. São muitas as transformações físicas que surgem nesta fase e a integração da nova imagem corporal contribui para a valorização de si mesmo e para a afirmação do sentimento de identidade. O adolescente procura se diferenciar de seus pais e na procura de identidade pessoal, identifica-se com um grupo e por um tempo determinado veste-se e age como o grupo de iguais, até que busca também a diferenciação deste grupo e à elaboração de um autoconceito mais coerente e seguro, porém não imutável. A maturidade adulta: dos 20 aos 60 anos – O autoconceito evolui e é submetido a reformulações periódicas em função dos acontecimentos que surgem durante este período da vida, desde o início da vida profissional, as experiências de sucesso ou de fracasso no trabalho, de casamentos, maternidade ou paternidade, das realizações socioeconômicase culturais, entre outras. • A idade avançada: 60 anos e mais – A evolução do autoconceito nesta fase tende a ser, em geral, negativa. A percepção que a pessoa tem da diminuição de suas capacidades físicas, a doença, a aposentadoria, a perda da identidade social e profissional influi em seu autoconceito e seu valor pessoal. 13 O autoconceito, portanto, está ligado à imagem que temos de nós mesmos e se refere ao conjunto de características ou de atributos que utilizamos para nos definir como indivíduo e para nos diferenciar dos demais (Hidalgo e Palácios, 2004). A dimensão valorativa e julgadora do eu, dentro do conhecimento de si mesmo ou autoconceito, denomina-se auto-estima. A auto-estima é um produto psicológico, determinado por nossa subjetividade e, que, assim como o autoconceito, muda de acordo com a idade, os interesses, os aspectos socioeconômicos e culturais envolvidos. Na etapa entre os quatro e sete anos, o instrumento elaborado por Harter e Pike para avaliar a auto-estima, cita quatro domínios distintos e relevantes nessas idades: competência física, competência cognitivo-acadêmica, aceitação por parte dos iguais e aceitação por parte dos pais. As crianças parecem ser capazes de descrever como são competentes e hábeis em cada fase destas dimensões citadas e podem variar sua auto-estima de forma diferenciada em cada uma delas. Por exemplo, a criança que apresenta alta auto-estima na competência cognitivo-acadêmica pode apresentar baixa auto- estima na competência física ou na aceitação por parte dos iguais. As crianças além de poderem se auto-avaliar em uma série de facetas diferentes, vão desenvolvendo uma avaliação geral de si mesmas, não-ligada a nenhuma área de competência específica. Somente a partir do momento em que as crianças conseguem se auto-avaliar de forma mais desligada e independente de sua atuação em situações concretas. O desenvolvimento da personalidade e das emoções entre os dois e os seis anos estão relacionados com os processos educativos e socializadores que ocorrem no interior da família; compreendendo que, as influencias na família não devem ser analisados como um processo unidirecional do adulto para com a criança, mas como um conjunto de influências bi e multidirecionais. A análise deve partir de uma concepção sistêmica e ecológica na qual se entende a família como um sistema que, além disso, não está isolado do ambiente que o rodeia, mas que mantém relações com outros contextos importantes para o desenvolvimento de seus membros ( o trabalho dos pais, as experiências escolares dos filhos) ao mesmo tempo em que uns e outros se encontram enquadrados dentro de contextos de influencia superiores (como o contexto cultural) submetidos a mudanças sociais e históricas (Palacios e Rodrigo, 1998, p.137). 14 Quanto aos estilos educativos familiares, Maccoby e Martin (1983) ressaltam duas dimensões básicas do comportamento de pais e mães: • Afeto e comunicação: Pais que mantém relações acolhedoras e estreitas com seus filhos, mostrando uma grande sensibilidade diante das necessidades das crianças e também as incentivam a expressar e a verbalizar essas necessidades e pais que não demonstram expressões de afeto, apresentam frieza, hostilidade podendo chegar até a rejeição e a falta de trocas comunicativas. • Controle e exigências: Pais que são mais ou menos exigentes na hora de propor situações que suponham um desafio para as crianças e requeiram certa dose de esforço e pais que controlam em maior ou menor medida a conduta da criança, se estabelecem ou não normas, se exigem seu cumprimento de forma firme e coerente. Com a combinação destas duas dimensões apresenta-se a tipologia dos estilos educativos familiar, descrita por Baumirind (1971): • Estilo democrático: caracteriza-se por níveis elevados tanto de afeto e comunicação como de controle e exigência. Possuem este estilo pais e mães que mantêm uma relação acolhedora, afetuosa e comunicativa com seus filhos, mas que, ao mesmo tempo, são firmes e exigentes com eles. Com diálogo e sensibilidade em relação às possibilidades de cada criança, esses pais costumam estabelecer normas que são mantidas de forma coerente, embora não-rígida; na hora de exercer o controle, preferem as técnicas indutivas, baseadas no bom senso e na explicação. Esses pais também incentivam os filhos para que se superem continuamente, estimulando-os a enfrentar situações que exigem deles um certo nível de esforço, mas que estão dentro de suas capacidades. • Estilo autoritário: caracteriza-se por valores elevados em controle e exigência, mais baixos em afeto e comunicação. Pais com este estilo autoritário não costumam expressar abertamente seu afeto a seus filhos e não consideram muito seus interesses e necessidades. Seu excessivo controle pode manifestar-se em algumas ocasiões como uma afirmação de poder, pois as normas costumam ser impostas sem que haja nenhuma explicação. São pais exigentes e propensos a 15 utilizar práticas coercivas (baseadas no castigo ou na ameaça) para eliminar as condutas que não toleram em seus filhos. • Estilo permissivo: caracteriza-se por elevados níveis de afeto e comunicação, unidos à ausência de controle e de exigências de maturidade. Nesse caso, são os interesses e os desejos da criança que parecem dirigir as interações adulto-criança, pois os pais são pouco propensos a estabelecer normas, fazer exigências ou exercer controle sobre a conduta das crianças; procuram se adaptar a suas necessidades, intervindo o menos possível com atuações que suponham exigências e pedido de esforços. • Estilo indiferente ou negligente: caracteriza-se pelos níveis mais baixos em ambas as dimensões, dando lugar a pais com pouco envolvimento nas tarefas de crianças e educação. Suas relações com os filhos se caracterizam pela frieza e pelo distanciamento, mostram pouca sensibilidade com as necessidades das crianças, algumas vezes não atendendo sequer às questões básicas. Geralmente esses pais apresentam uma ausência de normas e exigências, mas algumas vezes exercem um controle excessivo, não-justificado e incoerente. As conseqüências de as crianças crescerem em famílias exigentes caracterizadas por um ou outro estilo foram descritas de forma sintética por Moreno e Cubero (1990) e Palacios e Moreno (1994): • Filhos de pais democráticos: elevada auto-estima, enfrentam novas situações com confiança e são persistentes nas tarefas que empreendem; se destacam por sua competência social, seu autocontrole e pela interiorização de valores sociais e morais. • Filhos de pais autoritários: costumam ter baixa auto-estima e pouco controle, embora se mostrem obedientes e submissos quando o controle é externo. • Filhos de pais permissivos: se mostram, a primeira vista, como os mais alegres e vitais; no entanto, também são imaturos, incapazes de controlar seus impulsos e pouco persistentes nas tarefas. 16 • Filhos de pais negligentes: têm problemas de identidade e de baixa auto- estima; não costumam acatar as normas e são pouco sensíveis às necessidades dos demais; e em geral, são crianças especialmente vulneráveis e propensas a experimentar conflitos pessoais e sociais. É importante observar que as mesmas práticas educativas podem produzir efeitos distintos em crianças de características distintas, pois a individualidade psicológica de cada criança influencia com toda probabilidade nas práticas educativas que seus pais utilizam. As práticas educativas realizadas pelas famílias sofrem influência de diversas fontes de determinação, tanto intra como extrafamiliares, e devem ser compreendidas considerando as características específicas da situação e dos participantes envolvidos. 17 2. A Aprendizagem e a Educação Com aintenção de entender como se dá a construção da auto-estima no contexto da aprendizagem faz-se necessário saber o que é aprendizagem, como os seres humanos a elaboram e qual o vínculo que o sujeito faz com a aprendizagem. Visca (1987) considera que a aprendizagem normal é como um processo de adaptação ativa através do qual o sujeito, frente a uma determinada situação, recebe os estímulos que se lhe apresentam e os incorporam a esquemas de conduta que resultaram efetivos em situações similares, modificando tais esquemas com o fim de produzir uma conduta adequada a situações presentes. Sara Pain faz uma análise do processo de aprendizagem na intersecção da teoria piagetiana da inteligência e a teoria psicanalítica de Freud onde a aprendizagem se dá através de quatro dimensões: 1. A dimensão biológica do processo de aprendizagem, assinalado por Piaget, como duas funções à vida e ao conhecimento: a conservação da informação e antecipação. A conservação da informação refere-se à noção de “memória” em cujo processo pode-se verificar a aquisição da aprendizagem e a conservação desta. A antecipação refere-se à formação de reflexos condicionados e a dos condicionamentos instrumentais cujas relações são resultado de uma ação sobre a realidade, “que é orientada pela coordenação de esquema nascidos por um processo de diferenciação dos dados sobre os quais estes esquemas se aplicam e os quais se acomodam”. 2. A dimensão cognitiva do processo de aprendizagem que, para P.Gréco (apud Pain, 1992) pode ser diferenciado em três tipos de aprendizagem: a) Do ensaio e erro que seria aquele no qual o sujeito adquire uma conduta nova, adaptada a uma situação anteriormente desconhecida e surgida dos sancionamentos trazidos pela experiência aos ensaios mais ou menos arbitrários do sujeito, não são completamente aleatórios, e para que a experiência seja proveitosa, o ensaio deve ser dirigido e o erro ou o êxito assumido em função da organização prévia, que como tal, demonstra ser incompetente ou correta. b) Da regulação que rege as transformações dos objetos e suas relações mútuas, onde a experiência tem por função confirmar ou corrigir as hipóteses ou antecipações que surgem da manipulação interna dos objetos. Os procedimentos 18 chamados de realimentação podem ser compreendidos, incluindo na própria definição dos esquemas de assimilação, os mecanismos de antecipação e retro- ação capazes de corrigir a aplicação do esquema e promover a acomodação necessária. c) Da aprendizagem estrutural vinculada ao nascimento das estruturas lógicas do pensamento, através das quais é possível organizar uma realidade inteligível e cada vez mais equilibrada. Ainda que não possamos considerar tais estruturas como aprendidas, pois elas próprias se constroem na condição de toda aprendizagem, a experiência cumpre, no entanto, a função relevante e necessária de pôr em cheque os esquemas anteriormente constituídos e que demonstram em alguns momentos sua incompetência para dar conta de certas transformações. 3. A dimensão social do processo de aprendizagem que compreende todos os comportamentos dedicados à transmissão da cultura, inclusive os objetivados como instituições que, específica (escola) ou secundariamente (família) promovem a educação. 4. A dimensão psíquica em que o processo de aprendizagem é visto como função do eu (yo), e para compreendê-la recordaremos sobre o princípio do prazer e da realidade, sob as quais se consolida tal dimensão. Para Freud o individuo é dotado de dois instintos: Eros, o instinto da vida que se manifesta como libido e tem como função unir os indivíduos e Tânatus, o instinto de morte que age contra a civilização na medida em que busca a volta ao estado inorgânico, através das manifestações de agressividade. Estes instintos garantem a preservação e o funcionamento do organismo por meio de impulsos, denominados por Freud, de pulsão, entendido como um processo dinâmico que consiste numa pressão ou força que faz tender o organismo para o alvo. Ao encontrar o objeto de satisfação há uma diminuição da tensão, em estado de relaxamento denominado “prazer”. Em “O Mal Estar na Civilização” Freud (1930) relata que o que decide o propósito da vida é simplesmente o programa do principio do prazer que domina o funcionamento do aparelho psíquico desde o inicio. O homem procura obter a felicidade, que significa a experiência de intensos sentimentos de prazer, ou seja, a satisfação de necessidades represadas em alto grau, e, portanto, possível apenas como manifestação episódica. 19 Civilização, é a soma integral das realizações e regulamentos que distinguem nossas vidas das de nossos antepassados animais, e que servem a dois instintos, a saber: o de proteger os homens contra a natureza e de ajustar os seus relacionamentos mútuos (Freud, 1930). Através da educação a civilização pretende manter a pulsão em seus trilhos, e aproveitar sua energia em obras culturais (Pain, 1992). W. Bion (apud Pain, 1992, p.19) considera que o ego (yo) é uma estrutura cujo objetivo é estabelecer contato entre a realidade psíquica e a realidade externa, e postula uma função alfa capaz de transformar os dados sensoriais em elementos utilizáveis para ser pensados, rememorados e sonhados. Estes elementos se agrupam numa barreira que permite proteger a emoção da realidade, e a realidade da emoção, não permitindo intromissões mútuas que possam alterar o devaneio, ou a compreensão de uma situação precisa. Os elementos alfa são captados numa experiência emocional e integrados ao conhecimento como partes da pessoa, enquanto outros elementos, como os betas entrariam no sujeito como “coisas” não digeridas, formando assim um lastro não utilizável nem pela imaginação, nem pela inteligência, formalizando assim a distinção entre o pré-consciente, de representações por um lado, e de objetos inconscientes não verbalizados pelo outro. A função sintética do ego (yo) tem a função do real perante o princípio do prazer por ser capaz de pensar e, portanto de adiar o cumprimento de um ato e de antecipar as condições em que este ato é possível. “A aprendizagem então reúne num só processo a educação e o pensamento, já que ambos se possibilitam mutuamente no cumprimento do princípio de realidade” (Pain, 1992, p.24). Os conceitos de aprendizagem acima relatados podem ser inseridos nas condições internas de aprendizagem, citados apenas no sentido descritivo, já que o sujeito e o objeto não são dados como instâncias originariamente separadas. Às condições internas da aprendizagem atribui-se três planos estreitamente inter- relacionados: O corpo como infra-estrutura neurofisiológica ou organismo, cuja integridade anátomo-funcional garante a conservação dos esquemas e suas coordenações; a dinâmica da disponibilidade deste corpo na situação e o corpo como mediador da ação e como base do eu (yo) formal. 20 A condição cognitiva da aprendizagem, referindo-se a presença de estruturas capazes de organizar os estímulos do conhecimento. A dinâmica do comportamento que apresenta a aprendizagem como um processo dinâmico que determina mudança no sujeito e aumento qualitativo na sua possibilidade de atuar sobre ela. As condições externas da aprendizagem são apresentadas como o estímulo que o meio propicia por meio das condições afetivas, sociais, econômicas e culturais a que o sujeito está inserido. A teoria genética aborda o estudo da aprendizagem de forma diferente da problemática, da metodologia e do enfoque dos estudos clássicos da aprendizagem, no contexto da psicologia genética e mais amplamente da epistemologia genética, Piaget elabora a teoria psicogenética e define a epistemologia genética como a disciplina que estuda os mecanismos e os processos mediante os quais se passa “dos estados de menor conhecimentoaos estados de conhecimento mais avançados” (Piaget, 1979, p.16). A psicologia genética junto com a análise formalizante, que se ocupa do estudo do conhecimento do ponto de vista de sua validade formal, e a análise histórico-crítica, que estuda a evolução do conhecimento científico em seus aspectos históricos e culturais, torna-se um dos métodos mais característico da epistemologia genética. O nível de competência intelectual de uma pessoa em um determinado momento de seu desenvolvimento depende da natureza de seus esquemas, do número deles e da maneira como se combinam e se coordenam entre si. Piaget concebe o desenvolvimento cognitivo como uma sucessão de estágios e subestágios caracterizados pela forma particular de como os esquemas – de ação ou conceitual - se organizam e se combinam entre si formando estruturas, sendo desta forma, uma visão estrutural e inseparável da análise formalizante. A psicologia genética identificou três estágios ou períodos evolutivos no desenvolvimento cognitivo: um estágio sensório-motor, que vai do nascimento até os 18 ou 24 meses aproximadamente e que culmina com a construção da primeira estrutura intelectual, o grupo dos deslocamentos; um estágio de inteligência representativa ou conceitual, que vai dos 2 aos 10 ou 11 anos aproximadamente e que culmina com a construção das estruturas operatórias concretas; um estágio de 21 operações formais que se dirige para a construção das estruturas intelectuais próprias do raciocínio hipotético-dedutivo aos 15 ou 16 anos. Cada estágio marca o aparecimento de uma etapa de equilíbrio, uma etapa de organização das ações e das operações do sujeito, descrita mediante uma estrutura lógico-matemática. Para que se possa ser considerado estágios é necessário, segundo Piaget, que se cumpram três condições: a ordem de sucessão destes deve ser constante para todos os sujeitos, embora as idades médias correspondentes a cada um possam variar de uma população para a outra; tem de ser caracterizado por uma forma de organização (estrutura de conjunto) e as estruturas que os correspondem integram-se nas estruturas do estágio seguinte como caso particular. O fenômeno das “defasagens horizontais”, onde noções que se baseiam em estruturas operatórias idênticas, mas que se aplicam a conteúdos diferentes, não sejam adquiridas simultaneamente, segundo Piaget, indicam que as transições de um estágio para outro são complexas. As competências cognitivas de cada estágio indicam as possibilidades que os sujeitos têm de aprender, desta forma será necessário identificar seu nível cognitivo antes de iniciar as sessões de aprendizagem. Os papéis desempenhados pelo sujeito e pelo objeto no processo de conhecimento são fundamentalmente interativos. Portanto, para Piaget, a objetividade não é um dado imediato, mas exige um trabalho de elaboração por parte do sujeito. O interacionismo de Piaget aponta a herança e a maturação, sem a experiência não suficiente para explicar o conhecimento e seu desenvolvimento. Assim, o conhecimento como fruto de interação entre sujeito e objeto será essencialmente uma construção. Além dos três fatores imprescindíveis para explicar o desenvolvimento, a maturação, a experiência com os objetos e a experiência com as pessoas existe um quarto fator, endógeno, a equilibração. A equilibração é um fator interno, não programado geneticamente de auto- regulação, ou seja, uma série de compensações ativas do sujeito em relação a perturbações externas. Todos os organismos vivos mantêm um certo estado de equilíbrio nas trocas com o meio, tendo em vista a conservação de sua organização interna dentro de limites que marcam a fronteira entre a vida e a morte. Para compensar as perturbações externas que rompem momentaneamente o equilíbrio, o organismo possui mecanismos reguladores, encarregados de manter um certo 22 equilíbrio nas trocas funcionais ou comportamentais que se produzem entre as pessoas e seu meio físico e social. Nos níveis inferiores do desenvolvimento intelectual, os mecanismos reguladores só permitem compensações pontuais diante das perturbações externas. O desenvolvimento intelectual consistirá precisamente na construção de mecanismos reguladores que assegurem formas de equilíbrio cada vez mais móveis, estáveis e capazes de compensar um número crescente de perturbações. Nos níveis superiores do desenvolvimento intelectual, no estágio das operações formais, os mecanismos reguladores permitem não apenas compensar as perturbações reais, mas também antecipar e compensar perturbações possíveis, portanto mais estáveis. O sistema cognitivo dos seres humanos participa da tendência de todos os organismos vivos de restabelecer o equilíbrio perdido – equilibração simples. A equilibração majorante se dá quando o sistema cognitivo mostra uma tendência a reagir diante das perturbações externas, introduzindo modificações em sua organização que assegurem um equilíbrio que lhe permita antecipar e compensar um número cada vez maior de perturbações possíveis. Das diversas formulações pedagógicas que surgiram junto com o construtivismo genético duas interpretações tiveram uma ampla difusão: a interpretação construtivista em sentido estrito e a interpretação do desajuste ótimo que apresenta pontos de contato com outros enfoques como a teoria da aprendizagem verbal significativa. A interpretação construtivista em sentido estrito enfatiza os processos individuais e endógenos de construção do conhecimento como atividade auto- estruturante do aluno. Partindo desse pressuposto, a ação pedagógica terá como criar um ambiente rico e estimulante no qual o aluno possa se desenvolver sem limitações à sua atividade auto-estruturante. Esta interpretação inspirou muitos programas pedagógicos dirigidos à educação pré-escolar e aos primeiros anos do ensino fundamental. Porém nos níveis de ensino nos quais a aprendizagem de conteúdo específicos são mais complexas em que os alunos necessitam de uma ajuda mais direta e focalizada tal ação pedagógica não se desenvolveu. A interpretação do desajuste ótimo dá ênfase à natureza interativa do processo de construção do conhecimento em que se procura provocar com os conteúdos um desequilíbrio manejável pelas possibilidades de compreensão do 23 aluno, sem que estes conteúdos não estejam excessivamente distantes das possibilidades de compreensão, pois desta forma ou se produzirá um desequilíbrio que qualquer possibilidade de mudança ficará bloqueada ou não se produzirá desequilíbrio nenhum em seus esquemas, em ambos os casos, a aprendizagem será nula ou muito limitada. Das teorias de aprendizagem surgiu a necessidade de elaborar uma teoria do ensino e alguns autores como David P. Ausubel, J.D. Novak, D.B. Gowin analisaram as características dos diversos tipos de aprendizagem que se produzem especificamente no contexto escolar a partir de sua potencialidade para construir conhecimentos com significado para os alunos. Duas dimensões de análise foram postuladas: aprendizagem significativa e aprendizagem por recepção. Na aprendizagem significativa a nova informação se relaciona de maneira significativa com os conhecimentos que o aluno já tem, produzindo assim uma transformação, tanto no conteúdo assimilado quanto naquele que o estudante já sabia. Na aprendizagem repetitiva os alunos recebem os conteúdos que fazem associações arbitrárias, literais e não-substantivas entre seus conhecimentos prévios, de forma mais ou menos memorística. Em ambos os casos o aluno poderá alcançar um grau de significado no processo de aprendizagem. Os conteúdos podem ser apresentados em dois pólos diferentes: a aprendizagem por descoberta, quando o aluno tem de descobrir o conteúdo antes mesmo de ser assimilado à estrutura cognitiva e a aprendizagem por recepção, quando o conteúdo é apresentadoao aluno em sua forma final, acabado, sem que exija uma descoberta prévia à compreensão. “Esses dois tipos de aprendizagem fazem parte de um contínuo, desde conhecimentos que se expõem a processos guiados de descobertas até aprendizagens por descoberta autônoma” (Martín e Solé, 2004, p.61). Importante salientar que uma situação de aprendizagem não tem maior ou menor importância que a outra, pois, alguns conteúdos se apresentam melhor para o aluno de maneira memorística enquanto alguns devem ser apresentados por ensaio e erro para que façam parte da estrutura cognitiva deste. Encerrando este capítulo aproprio-me das idéias dos autores que resumem o que acredito ser o aspecto mais importante em todas as situações de aprendizagem; eles relatam que na teoria da assimilação identificam-se três condições imprescindíveis para que o aluno possa realizar aprendizagens 24 significativas: a necessidade de que o material novo a ser aprendido seja potencialmente significativo do ponto de vista lógico, tenha estrutura e organização internas e que não seja arbitrário; o aluno deve contar com conhecimentos prévios pertinentes que possa relacionar de forma substancial com o novo que tem de aprender e por último, é necessário que o aluno queira aprender de modo significativo. Tal desejo poderá ser desencadeado pelas condições relativas ao material que é objeto de conhecimento e dos conhecimentos já existentes na estrutura cognitiva do aluno. A aprendizagem significativa se produzirá na proporção em que esses dois aspectos se ajustem entre si. É neste contexto que localizamos o professor como mediador para uma aprendizagem significativa, que será influenciada pela afetividade em todo processo de apropriação do conhecimento. 25 3. A INFLUÊNCIA DA AFETIVIDADE NA APRENDIZAGEM Muitos dos estudos feitos sobre aprendizagem ignoraram as questões afetivas nos processos cognitivos do indivíduo ou trataram a afetividade como fazendo parte da socialização deste (Sisto e Martinelli, 2006). Atualmente, existe grande interesse em estudar o afeto e sua influência no processo de aprendizagem. Piaget em 1954 afirma que a afetividade não modifica a estrutura no funcionamento da inteligência, porém é a energia que impulsiona a ação de aprender. “A ação, seja ela qual for, necessita de instrumentos fornecidos pela inteligência para alcançar um objetivo, uma meta, mas é necessário o desejo, ou seja, algo que mobiliza o sujeito em direção a este objetivo e isso corresponde à afetividade” (Dell’Agli e Brenelli, 2006, p.32). A afetividade não modifica a estrutura no funcionamento da inteligência, porém, poderá acelerar ou retardar o desenvolvimento dos indivíduos, podendo até interferir no funcionamento das estruturas da inteligência. Wallon em sua teoria fez a distinção entre emoção e afetividade: afetividade é um conceito amplo, que inclui um componente orgânico, corporal, motor, plástico (emoção), um componente cognitivo, representacional (sentimentos) e um componente expressivo (comunicação). Segundo Coll (2004), os sentimentos, as emoções e os desejos correspondem à afetividade, que dá sustentação às ações do sujeito. Centraremos- nos na análise de alguns aspectos da afetividade que podem influenciar no processo de desenvolvimento da aprendizagem. Autores como Piaget, Wallon, Vygotsky e Erickson reafirmam a influência do meio escolar na construção da individualidade da criança ou no desenvolvimento de toda a personalidade. Segundo Martinelli (2006), nos estudos de Erickson são atribuídos a essa primeira fase do processo de escolarização os conflitos básicos de esforço versus inferioridade, tornando-se a escola e os amigos, nesse momento, o centro das relações mais importantes da vida da criança. Tais interações podem resultar para a criança sentimentos como de competência ou de frustração, inferioridade, fracasso e incompetência. Nas 26 relações sociais que se estabelecem na escola, cabe ao professor um papel de destaque. O professor que acredita no potencial de seu aluno, dispensa-lhe maior atenção, demandando maior expectativa acadêmica. O professor que tem comportamento contrário poderá promover em seu aluno, baixa expectativa, o que poderá influenciar negativamente seu autoconceito e auto-estima. Martinelli afirma ainda que, o que se observa com mais freqüência é o fato de que o aluno admirado ou valorizado pelo professor tem suas características valorizadas, cada vez mais acentuadas e, conseqüentemente, demonstra-as com mais freqüência, o que o torna cada vez mais valorizado, enquanto o aluno rejeitado ou discriminado passa a se afastar do professor e, conseqüentemente, se identifica cada vez menos com aquela situação que o discrimina e rejeita. Alguns estudos (Badami & Badami, 1975; Coben & Zigmond, 1986; Chen, Li & Li, 1994) afirmavam que as crianças que tem dificuldades de aprendizagem são menos populares que seus pares sem dificuldades. Segundo Sisto (2001) a importância dos aspectos afetivos e cognitivos na construção também foi analisada por Piaget (1981), sendo necessário um desejo, revelando um querer, que se encontra circunscrito na afetividade. Dolores Avia (1995) relacionou emoções positivas como alegria e coragem ao afeto positivo, que gera motivação para manter o estado de felicidade, enquanto a tristeza e o medo relacionou ao afeto negativo. Na alegria, segundo esta autora, a pessoa intensifica a confiança, tentando formar vínculos sociais mediante o contato com sensações positivas e, na tristeza, a pessoa reduz a sua atividade, tentando restaurar a sua energia, na procura de despertar simpatia e atenção. “A tristeza é uma forma de desprazer relacionada a retirada de qualquer desejo, sendo que este último é impossível de satisfazer, e manifesta-se de forma característica, como estar indefeso” (Frijda, 1995). O medo, ainda para Frijda (1995), revela-se em uma mescla de expressões evitadoras, autoprotetoras e atenciosas. O medo paralisa e toda ação, mesmo de fuga, furta-se um pouco a ele; a coragem triunfa sobre o medo, pelo menos tenta triunfar, e já é corajoso tentar. Na conclusão da pesquisa de Basi & Sisto (2001) que relaciona as dificuldades de aprendizagem na escrita às emoções alegria e tristeza, medo e coragem foram mencionadas como hipóteses que crianças com altos níveis de dificuldade de aprendizagem na escrita apresentariam baixos níveis de alegria, 27 ocorrendo o inverso com as crianças mais tristes, e também que apresentariam maiores níveis de medo, ocorrendo o contrário com os sujeitos com altos níveis na pontuação de coragem. Para Oliveira (2003, p. 47),”o desenvolvimento de uma criança é o resultado da interação de seu corpo com os objetos de seu meio, com as pessoas com quem convive e com o mundo onde estabelece ligações afetivas e emocionais”. Oliveira (2006, p. 78) afirmou que uma pessoa com dificuldades emocionais pode apresentar, por exemplo, olhos semicerrados, isto é, para evitar olhar nos olhos dos interlocutores quando se sente ameaçada e outras mensagens como lábios muito contraídos, tronco curvo, diminuição da qualidade do gesto, movimentos inseguros, grande tensão muscular que se verifica no pescoço, nas mãos e nas posturas rígidas. Contrariamente, quando uma pessoa esta em harmonia com o ambiente, expressa por meio de seu corpo, sentimentos de alegria, de autovalorização, de sucesso, de confiança em si mesmo e no mundo e consegue interagir com o outro, com a sociedade, com a cultura. Suas atitudes se tornam mais descontraídas, com sorriso fácil, olhar direto, ventre sem bloqueios, adequada tensão muscular nos braços e mãos, revelando qualidade do gesto. Wechsler (1993, p.101) afirmou que existem muitas barreiras ou bloqueios emocionais que impedem a manifestação da realização criativa e do comportamento.Entre as barreiras estão medo do fracasso, do desconhecido e da frustração, imaginação empobrecida, necessidade de equilíbrio, medo de exercer influencia, medo de perder o controle. Esses bloqueios vão sendo enraizados ao longo das experiências de sucesso e fracasso vivenciadas na vida. Oliveira (2006), afirmou que alguns sinais emocionais são muito evidentes e alguns desses sentimentos transmitidos pelas crianças podem prejudicar a aprendizagem. São estes: A raiva, a agressividade, o medo, a timidez excessiva, a ansiedade e a insegurança revelada pela baixa auto-estima. A raiva e a agressividade surgem da frustração, que ocorre quando alguém se vê impedido por outro ou por ele mesmo de satisfazer uma exigência pulsional. Quando uma pessoa se sente ameaçada pode exteriorizar sua frustração pela palavra, por ataques verbais, gestos, agressão física, mímicas pejorativas, falta de ação e olhar, entre outras formas. Crianças que acumulam experiências de 28 frustrações, de falta de amor, em ambientes opressivos e agressivos podem adotar a agressividade como maneira de se proteger. Pais autoritários, agressivos e abusivos que tendem a humilhar os filhos com castigos, gritos, críticas e agressões podem ter filhos agressivos. Estas crianças revelam sua agressividade, na escola, depreciando seus colegas, com apelidos pejorativos, quando mostram todo o sentimento de revolta e ressentimento. Em geral são sensíveis às criticas, indisciplinados, não se comprometem com o ensino e procuram fazer barulho para irritar ou chamar atenção dos professores. A compreensão das necessidades destas crianças e a confiança em sua capacidade de melhora, assim como a orientação em vez de castigo, explicações em vez de ordens se traduzem no melhor método de disciplinar as crianças agressivas. “O medo é o estado afetivo suscitado pela consciência do perigo ou que, ao contrário, suscita esta consciência; temor, ansiedade irracional ou fundamentada” (Houaiss, p.1879, 2001). Este sentimento de medo acompanha o ser humano desde o nascimento e para as crianças o medo pode ser suscitado pela falta de informação em um mundo que, para ela, parece ser misterioso, confuso e imprevisível. O medo pode ser desencadeado por traumas, como quedas de lugares altos ou em piscinas, mordidas de bichos, separações dos pais ou em relatos de experiências negativas dos adultos, ou ainda transmitidas por adultos que repassam seus próprios medos. A criança por não entender alguns fatos da vida pode criar diferentes interpretações em sua imaginação e algumas destas podem desencadear estado de medo e ansiedade. Alguns tipos de medo estão ligados às experiências de aprendizagem: de ser ridicularizado, de fracassar, de ser observado, de que alguém perceba seu problema e o medo da novidade das experiências. O medo pode ser demonstrado pelos alunos na falta de confiança em si mesmo, ao responderem a perguntas com “eu não sei fazer”. Nesta resposta podemos encontrar o medo do fracasso, quando a tarefa aparenta ser muito difícil, e a possibilidade de fuga da situação, pois é melhor dizer que não sabe fazer do que mostrar isso na prática. 29 Os mecanismos de defesa mais freqüentemente usados para o medo são apatia, agressividade ou retração. Nestes momentos o corpo denuncia este estado: os músculos ficam tensos, o batimento cardíaco se altera, apresenta sudorese, distúrbio gastro-intestinal, rubores na face, paralisação corporal, choro, risos descontrolados ou dores no estômago. O medo pode prejudicar a aprendizagem do aluno quando este não se sente motivado a superar este sentimento, portanto, cabe ao professor encontrar mecanismos de motivação, como: não rir de suas demonstrações de medo, mas compreendê-las e procurar manter a criança informada sobre os assuntos que desconhece e que estejam gerando todo esse medo; propiciando meios à criança de obter sucesso em pequenas coisas, para que aumente sua segurança e perca o medo de ser ridicularizado e paulatinamente, ir introduzindo desafios mais concretos. As crianças demonstram sentimento de inibição e timidez geralmente em atitudes de vergonha e insegurança: não olham nos olhos de seus interlocutores, mantêm o corpo curvado quando andam, falam pouco e baixo, não ousam brincar, correr ou falar livremente, receiam questionar os professores, mesmo quando não entendem as instruções destes. Tais atitudes acabam por prejudicá-las no desenvolvimento da aprendizagem, pois são muitas vezes influenciáveis ao formar sua opinião, preferindo não expor seus verdadeiros sentimentos por medo de serem mal compreendidas ou fracassarem. Desta forma acabam se tornando acomodadas e tendem a ser humildes e acanhadas, o que as traduz em pessoas covardes e pouco vitais. Os fatores que normalmente desencadeiam o estresse infantil são: condições precárias de moradia, de alimentação, de trabalho desgastante ou de uma educação rigorosa, com castigos corporais, ou ainda, em casos de insegurança como divórcio dos pais, morte de pessoas significativas ou obrigação de sucesso na escola. As crianças que possuem muitas obrigações diárias, também podem demonstrar estresse. Solter (1993) afirmou que o estresse pode provocar uma forma de ansiedade que se manifesta por agitação, irritabilidade, comportamento desagradável e incapacidade de se concentrar. 30 O corpo demonstra o estresse na tensão muscular, na constante rigidez de movimentos e àquelas crianças que não conseguem liberar o estresse por meio do riso, do choro e da raiva podem queixar-se de dores estomacais e cefaléia. Os professores podem proporcionar a estas crianças atividades em que possam liberar suas emoções e energias acumuladas ao longo das atividades, assim como demonstrarem ser dignos de confiança para que estas possam ter segurança em lhes contar o que verdadeiramente possam estar lhes incomodando. Ansiedade – estado afetivo penoso, caracterizado pela expectativa de algum perigo que se revela indeterminado e impreciso, e diante do qual o indivíduo se julga indefeso (Houaiss, 2001). Os sinais mais evidentes da ansiedade nas crianças são muitas vezes verificados por insônia, nervosismo, dor de cabeça constante, aperto do tórax, sudorese, taquicardia, irritabilidade, indisposição estomacal, tiques, dificuldade de concentração, problemas estes de origem psicossomática (Oliveira, 2006, p.80). As crianças ansiosas podem ter seu desenvolvimento de aprendizagem comprometido por ficarem mais desatentas e com baixa concentração, e, como tem dificuldades em controlar suas emoções podem ter suas percepções distorcidas. A ansiedade pode ser gerada por fatores externos como insegurança diante de algo que não tem domínio, dificuldade de entender ou executar tarefas ou quando são muito exigidas frente às expectativas dos adultos. Auto-estima baixa – o autoconceito e a auto-estima referem-se à representação da avaliação afetiva que a pessoa tem de suas características em um determinado momento (Miras, 2004, p. 211). A esse conceito soma-se a noção de ‘eus possíveis” proposta por Markus e Nurius (1986) que, inspirado em trabalhos de autores como James, Freud ou Rogers define uma variedade de eus possíveis; o eu que a pessoa espera ser, o eu que a pessoa acredita que deveria ser, o eu que a pessoa acredita que deveria ser, o eu que a pessoa desejaria ser e o eu que a pessoa teme chegar a ser. Com estas definições os autores procuram superar o caráter excessivamente estático do conceito de auto-estima e propõem considerar também a representação que a pessoa tem de si no futuro. O conteúdo psicológico multidimensional que caracteriza a auto-estima refere-se à possibilidade que tem o ser humano em ter diferentes valorações em diferentes domínios. Essas dimensões vão mudando com a idade, de acordo com os pontos de interessesde cada uma delas. Assim, a auto-estima está menos 31 diferenciada nas idades mais precoces e vai se tornando mais complexa e diversificada à medida que o desenvolvimento avança. A título de esclarecimento, podemos considerar desta forma as dimensões da auto-estima: Auto-estima global compreendida em física, que se refere aos aspectos físicos e às destrezas físicas; auto-estima acadêmica que se diversifica em função dos conteúdos escolares (português, matemática, idiomas e outras matérias) e auto-estima social identificada pelas relações que são estabelecidas e desenvolvidas com os pais e com seus iguais. Enquanto a criança baseia suas auto-avaliações em situações concretas, até por volta dos sete ou oito anos, a auto-estima global não costuma ser encontrada. A partir desta idade, o grupo de iguais (âmbito social da auto-estima) se transforma em uma fonte de comparação constante e no espelho que permite a cada um contrastar e tomar consciência de suas próprias capacidades e limitações e conforme se aproxima da adolescência as opiniões e avaliações dos companheiros influencia seu autoconceito e auto-estima. As características individuais de cada sujeito podem ser um fator determinante na aquisição e elaboração da auto-estima. Uma criança tímida poderá sofrer mais influência em seu autoconceito que outra criança que não apresenta timidez, bem como, aquela que tenha pouca destreza física poderá não apresentar auto-estima global negativa, caso para ela, as práticas esportivas não sejam importantes. Ao adquirir cada vez maior competência cognitiva a criança vai sendo capaz de elaborar sua auto-estima, sendo menos influenciado pela opinião dos outros, em função dos seus próprios resultados e conquistas. A auto-estima é caracterizada em função do caráter positivo ou negativo; considera- se que uma pessoa tenha auto-estima positiva quando esta tende a se valorizar e sentir-se bem consigo mesma e possui auto-estima negativa quando se valoriza pouco e se sente mal consigo mesma. O vínculo afetivo que foi estabelecido na relação parental e o padrão de apego nas interações mãe-filho, assim como o estilo educativo a que foi submetido contribuem na construção da auto-estima e interfere quanto ao seu caráter. A relação que os pais estabelecem com seus filhos é de extrema importância na construção da auto-estima. A criança com auto-estima global baixa ou negativa terá maior dificuldade em estabelecer relações com seus pares. Pais que 32 supervalorizam as dificuldades apresentadas por seus filhos ou as miniminizam impossibilitam-lhes avaliar as situações vividas de forma realista ou a aprender a lidar com suas próprias frustrações. Estas crianças poderão sempre esperar pelos pais para que estes possam resolver seus próprios conflitos e com isto, desenvolver uma idéia de incapacidade. Uma criança que é constantemente criticada por seus pais pode perder a confiança em seus impulsos e em seu critério, bem como, caso esta não seja criticada nem disciplinada carecerá de controle, pois poderá ter esta atitude como descaso ou falta de amor, para com ela. Na pesquisa realizada por Wens-Gross e Siperstein em 1997 destacou-se a importância da família no desenvolvimento da aprendizagem. Esta pesquisa investigou crianças com e sem dificuldades de aprendizagem, estabelecendo comparações com a rede de interações sociais, suporte social, amizades e ajustamento e constataram que crianças com problemas de aprendizagem procuram menos sua família, bem como seus pares para obter suporte na solução de problemas. Em 1979, a pesquisa de Watts com crianças deficientes sugeriu que os problemas de aprendizagem podem estar relacionados a problemas afetivos que advêm das dificuldades de comunicação dessas crianças, destacando desta forma a importância de um bom ambiente familiar e de uma boa relação professor aluno como variáveis significativas nesse processo. A criança traz para o ambiente escolar toda a carga afetiva de seu desenvolvimento com seus familiares, os problemas emocionais surgirão nos contatos que se estabelecerá e, as crianças que tenham desenvolvido a inteligência emocional saberão lidar com as frustrações que este ambiente e suas relações lhes proporcionarão. Cabe ao professor e aos profissionais envolvidos nesta relação propiciar um ambiente acolhedor e de compreensão para que as crianças possam desenvolver suas potencialidades amplamente, 33 4. A ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA NOS CONFLITOS AFETIVOS No contexto ensino-aprendizagem, a criança que apresenta dificuldades emocionais, como aquelas relatadas no capítulo anterior, poderá sofrer conseqüências que dificultarão o desempenho de suas atividades acadêmicas. A interação social que se estabelece no ambiente escolar contribui para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo, pois este passa a ser constantemente confrontado com diferentes pontos e passa a ser influenciado pela escala de valores que o grupo adota. Destas interações sociais se determinará o papel que cada um desempenhará socialmente. Por tais colocações faz-se necessário analisar quais tipos de conflitos afetivos poderá ser desencadeado nestas relações e quais as conseqüências para o desenvolvimento da aprendizagem do sujeito. No trabalho de Coben e Zigmond (1986) que investigou o status sociométrico de crianças com e sem dificuldades de aprendizagem, as análises mostraram que os sujeitos com dificuldades de aprendizagem são menos aceitos e mais rejeitados do que seus colegas sem dificuldades de aprendizagem. Nos estudos de Miller (1984) onde foi verificada a aceitabilidade social dos estudantes com dificuldades de aprendizagem, os resultados indicaram que os sujeitos sem dificuldades de aprendizagem tendem a aceitar, primeiramente, os colegas sem dificuldades de aprendizagem; depois aqueles com dificuldades de aprendizagem; em seguida, os surdos; depois os cegos; em quinto lugar os deficientes físicos e em sexto lugar os colegas com retardo mental. Ainda observando a aceitação social dos estudantes, alguns estudos (Cantrell & Prinz, 1985; Bierman, 1987; Sabornie, 1987) averiguaram se a baixa popularidade está associada a comportamentos agressivos e os resultados indicaram que os sujeitos classificados como rejeitados no teste sociométrico apresentavam problemas de comportamento na escola. As pesquisas também indicaram que, quanto maior a aceitação social, menor será a dificuldade de aprendizagem e o baixo desempenho, e quanto maior a rejeição, maior será a dificuldade e o baixo desempenho e que as reações agressivas também se encontram diretamente ligadas a essa aceitação (Sisto & Martinelli, 2006, p. 26). 34 Os resultados dessas pesquisas deixam clara a importância das relações sociais e afetivas no contexto da aprendizagem e serão trazidas algumas reflexões sobre alguns pontos que norteiam essas relações e contribuem para o sucesso ou fracasso do aluno em seu processo de desenvolvimento acadêmico. 4.1 O professor como mediador do processo Cabe ao professor um importante papel nas inter-relações escolares. As características individuais dos professores (autoritário, permissivo, organizado) e seus traços de personalidade são apontadas como responsáveis por maior ou menor eficiência como docentes, assim como a predisposição deste indivíduo para o magistério. O professor precisa estabelecer uma relação afetiva com os alunos e que perceba que como indivíduo, seus alunos também têm algo a oferecer e que a aprendizagem se faz por intermédio das interações que são estabelecidas. O professor oferece por meio de suas atitudes, uma série de informações ao aluno que irão contribuir na formação de seu autoconceito. Portanto, as expectativas que o professor tem para com seu aluno poderão contribuir sobre seu desempenho. O aluno
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