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Economia sem Truques

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Economia sem truques
O mundo a partir das
escolhas de cada um
Carlos Eduardo Gonçalves e
Bernardo Guimarães
 
 
Índice
 
Prólogo
1. O pobre não é burro
2. A feia fumaça e o casaco verde-chiclete
3. A lei que proíbe cobrar menos
4. A lei que aumenta o salário
5. De caçadores-coletores a guias de turismo lunar
6. E eu vos declaro marido e mulheres
7. O preço do futuro
8. Vegetarianos, preços e bois
9. As árvores da Ilha de Páscoa e as ruas de Londres
10. O mercado das almas
11. 289 dias
12. O poder mágico da cerveja
13. Casas esquisitas
14. As cigarras
15. Os ombros dos gigantes
16. O milagre da transformação do suco de laranja em vinho
17. O mercado de promessas
18. Faxineiro ou aviãozinho
19. Pedreiros e políticos
20. As leis da economágica
 
 
Índice didático
 
 
Prólogo
1. Escolhas
2. Externalidades
3. Preços
4. Salários
5. Produção e empregos
6. Restrição orcamentária
7. Taxa de juros e trocas intertemporais
8. Sistema de preços e equilíbrio
9. Falhas de Mercado
10. Desigualdade
11. Falhas de governo
12. Noções de econometria
13. Taxação
14. Previdência
15. Educação
16. Comércio
17. Crédito
18. Mercados ilícitos
19. Instituições políticas
20. As leis da economágica
 
Prólogo
 
Este é um livro que ensina economia a partir de seus princípios mais básicos, usando exemplos
lúdicos, mas voltado a questões práticas e importantes. Ao nosso ver, a ciência econômica moderna
fornece instrumentos que nos permitem compreender os fenômenos socioeconômicos e encontrar
soluções que melhoram concretamente a vida das pessoas. Contudo, talvez pelo caráter hermético
das técnicas estatísticas e matemáticas empregadas ou pelo linguajar específico dos economistas
acadêmicos, esse entendimento normalmente não chega ao público. Nós acreditamos que é possível
ensinar a todos aqueles interessados nos debates sobre políticas públicas a maneira do cientista
econômico analisar os diversos fenômenos sociais. Este livro busca justamente estabelecer esse elo
entre o economista acadêmico e a discussão cotidiana.
O livro desenvolve e aplica a questões concretas o substrato da lógica econômica, buscando
consolidar ao longo dos capítulos os pilares dessa lógica ao invés de entrar em detalhes específicos
das discussões dos jornais. Aqui, o leitor não encontrará nada sobre a reunião do Copom, nem os
últimos dados da cotação do dólar. Para ensinar economia, falamos de coisas como o colapso da
civilização que habitava a Ilha da Páscoa, a fabricação de vinho francês a partir do suco de laranja, e
as casas com janelas cobertas por tijolos. Não parece economia? Apenas por enquanto.
Em termos de estrutura, o livro está dividido em duas partes. A primeira lança as bases teóricas do
pensamento econômico moderno, enquanto a segunda se dedica a aplicar esta lógica, este arcabouço
de raciocínio, ao entendimento de temas particularmente caros ao país, como educação, comércio e
mercados de crédito. Os doze primeiros capítulos tratam dos fundamentos, enquanto os oito capítulos
restantes focam em aplicações.
O ponto de partida de toda nossa análise está nas escolhas das pessoas e em sua interação com o
mundo ao redor. Raciocinando a partir das escolhas individuais, mostraremos como são
determinados os preços, os salários, os empregos e a produção da economia. Falaremos sobre a feia
fumaça que sobe apagando as estrelas, as leis que apenas parecem aumentar os salários, o problema
do pai do Woody Allen, e muitos outros casos. Em seguida, explicaremos quando e porque o governo
deve intervir na economia e os princípios básicos que nortearão as decisões sobre políticas
públicas. Ficará claro porque o governo não deve interferir com os impactos sobre o preço do ouro
de uma charge ofensiva a Maomé feita por um cartunista dinamarquês, e porque o governo deve
intervir a fim de reduzir o congestionamento nas ruas de Londres.
Entendida a teoria, passaremos a questões ligadas ao debate corrente no Brasil, como tributação, e
instituições políticas. Não falaremos sobre as particularidades das reformas discutidas na conjuntura,
o que importa para nós é a lógica econômica por trás de cada assunto. Por exemplo, se queremos
saber sobre as políticas públicas adequadas para a previdência, vamos antes entender o problema
das cigarras e das formigas. Isso, no entanto, não significa que trataremos desses temas de maneira
abstrata. Para discutir estas questões, é necessário atentar para a realidade, e o livro está recheado
de dados reais e de histórias concretas como a de um banqueiro que ganhou o Prêmio Nobel da Paz.
Algumas passagens do livro podem parecer óbvias, mas o óbvio com freqüência desemboca no
surpreendente. Por exemplo, o fato de o traficante de drogas não emitir notas fiscais nas suas vendas
é óbvio, mas é bem menos claro que é por causa disto que há tanta violência associada ao tráfico.
O Brasil tem constantemente recorrido a truques de economágica para tentar resolver seus
problemas, implementando políticas públicas que tentam remediá-los sem tocar em suas causas
fundamentais. Claro está, os coelhos não têm saído da cartola. Ao longo deste livro, usaremos o
arcabouço econômico tanto para desvendar os truques da economágica, como para pensar e propor
soluções que de fato funcionem.
 
1. O pobre não é burro
 
Bangladesh é um país muito pobre, bem mais pobre que o Brasil. É também um dos maiores
exportadores do mundo no setor têxtil, onde se empregam mais de um milhão de pessoas. Em 1992,
mais de 50 mil destes empregados eram crianças de até 14 anos, meninas em sua maioria. Crianças
que não estavam estudando nem brincando, crianças cuja infância se resumia a produzir roupas que
seriam vestidas por estrangeiros, e cujo salário mensal não era suficiente para pagar a conta de
alguns jantares dos estrangeiros que vestiam as roupas por elas produzidas. O trabalho infantil era
proibido por lei em Bangladesh, mas a lei não pegou.
Foi então que uma lei americana proibiu a importação para os Estados Unidos de produtos que
utilizavam trabalho infantil. A lei americana pegou e, consequentemente, o trabalho infantil nas
indústrias têxteis de Bangladesh foi drasticamente reduzido. Cerca de 50 mil crianças foram
dispensadas da dura vida nas fábricas.
Mas por que será que as crianças estavam trabalhando nas fábricas? Seria essa uma escolha de pais
cruéis, imposta às crianças indefesas? Bem, pais normalmente se importam com os filhos, e ainda
que alguns não se importem, é difícil imaginar que 50 mil crianças estivessem sendo escravizadas
pelos seus pais. O que estava motivando esta escolha? 
Na nossa vida, estamos sempre buscando escolher o que é melhor para nós. O processo decisório
não é fácil, simples ou indolor, e o ato da escolha não raro causa angústias, suscita dúvidas e é
penoso para quem decide. Mas, apesar disto, a verdade é que nós, você e a população pobre de
Bangladesh estamos todos sempre escolhendo, tentando buscar o melhor para nossas vidas. Até
mesmo quando optamos por delegar nossas escolhas a alguém, estamos decidindo não escolher, e
arcando com os custos e benefícios desta opção.
Mas estas escolhas não são totalmente livres. Inúmeras restrições as condicionam, delimitam e
influenciam, como, por exemplo: (i) as limitações de ordem financeira que todos enfrentamos (o
salário de professor universitário não nos permite escolher viajar para o exterior de primeira
classe); (ii) os impedimentos de natureza jurídico-legal que nos cercam (podemos acabar presos se,
para comprarmos o ticket de primeira classe, resolvemos assaltar um banqueiro em sua mansão); (iii)
a nossa falta de informação sobre diversos temas (quanto dinheiro será que o banqueiro guarda em
sua casa? Ela é fortemente vigiada por câmeras de segurança?), (iv) as normas morais que regem
nosso padrão de comportamento social (mesmo se a mansão estiver desprotegida e a probabilidade
de sermos pegos pela polícia for muito baixa, nãoachamos correta a escolha de assaltar o
banqueiro); etc.
Em resumo, as escolhas são em larga medida determinadas pelo conjunto de restrições. Entretanto,
estar restrito em suas opções não é o mesmo que não ter opção, é analiticamente diferente de não
escolher. As crianças e seus pais em Bangladesh não escolheram o infeliz destino de trabalharem em
tenra idade e sob condições ruins por mera ignorância. O pobre não é burro. Se eles assim o fizeram
foi por ser esta sua melhor opção disponível entre as várias e péssimas alternativas possíveis.
O problema das crianças em Bangladesh era o conjunto de alternativas disponíveis, e não a escolha
de trabalhar na fábrica em si. Mas por que esta distinção importa?
Em 1992 mais de 50 mil crianças estavam escolhendo trabalhar para a indústria têxtil de Bangladesh,
escolha esta que a lei americana as impediu de manter. As conseqüências da lei foram trágicas para
as crianças. Elas não deixaram o trabalho para ingressar na escola, nem tampouco passaram a curtir
as tardes brincando nos parques. A realidade mostrou-se menos idílica: elas se tornaram prostitutas,
trombadinhas, ou foram trabalhar quebrando pedras na pedreira. Em suma, saíram da fábrica para se
envolver em atividades ainda piores. Além disto, algumas mães tiveram que abandonar seus
empregos para cuidar dos filhos, acentuando o problema de pobreza destas famílias.
Se os propositores da lei proibindo a importação de produtos que utilizam trabalho infantil tivessem
pensado que a escolha prévia das crianças era fruto de um restrito conjunto de alternativas
disponíveis e não de burrice, eles não teriam se surpreendido com o fiasco que se mostrou a lei.
Afinal de contas, se fosse uma opção viável para as famílias pobres de Bangladesh mandarem seus
filhos para as escolas e parques, elas o estariam fazendo antes da entrada em vigor da lei norte-
americana.
Não demorou para que as conseqüências negativas da lei fossem percebidas e, em 1995, após dois
anos de penosa negociação, um novo e melhor acordo foi firmado entre a associação das industrias
têxteis de Bangladesh e a UNICEF. Este acordo tinha como ponto principal prover melhores
alternativas às crianças. O documento explicitamente solicitava que, para o bem das próprias
crianças, as fábricas não as demitissem até que estas tivessem disponível uma alternativa melhor.
Com o apoio financeiro internacional e trabalho das organizações locais, alternativas começaram a
ser desenvolvidas. A boa noticia é que já se detectam melhoras.[1]
A todo instante, dezenas de indivíduos escolhem ser assaltantes, entrar na prostituição, trabalhar
incontáveis horas no canavial sob sol inclemente, ou em condições precárias na indústria têxtil.
Nenhuma destas escolhas nos soam como minimamente desejáveis. A muitos de nós elas causarão,
com plenitude de razão, indignação e revolta contra o grau de injustiça social que refletem. Quais as
escolhas que se apresentam, por exemplo, a um indivíduo nascido em uma favela violenta de uma
grande metrópole ou no interior de um estado pobre do Nordeste brasileiro?
Saber que ele tentará escolher da melhor maneira possível dentre suas opções, todas muito ruins, não
soa nada animador, mas é importante ter em conta que o problema de fundo não se resolverá atacando
as escolhas em si, e sim melhorando o leque de opções disponíveis para os mais desprovidos.
Alterar forçosamente as escolhas destas pessoas, ao invés de focar na melhora das possíveis
alternativas, nada resolve e provavelmente apenas piorará uma situação que já é em si ruim. 
Semelhante idéia se aplica ao caso da prostituição voluntária de adultos. Todo ano vários turistas
desembarcam no Brasil motivados pelo clima, pelas praias e pelo turismo sexual. Ao mesmo tempo,
há inúmeras campanhas contra o turismo sexual em várias cidades onde a atividade turística é parte
relevante da economia local.
A escolha da prostituição como profissão está, de acordo com alguns especialistas, ligada a
complicados fatores familiares e psicológicos. Mas, como no exemplo anterior, parte da explicação
para a decisão de vender o corpo decorre da falta de alternativas melhores e não de ignorância sobre
o fardo da profissão. Sendo assim, proibir a prostituição de adultos pode agradar aos que querem
uma cidade livre de prostitutas, mas não vai contribuir para melhorar a vida delas. Por quê? Porque a
proibição não cria magicamente postos de trabalho em outros lugares, não aumenta o nível
educacional da prostituta, e nem transfere renda para ela poder alimentar seus filhos. Como
anteriormente, entender que uma escolha que julgamos ruim decorre, com alta probabilidade, das
alternativas ainda piores a que uma pessoa tem acesso, é primordial para desenhar estratégias de
políticas públicas que gerem bons resultados.
Neste livro, estaremos sempre raciocinando a partir das escolhas individuais. A lógica empregada
pela ciência econômica moderna para analisar os diversos fenômenos que nos cercam centra-se nas
escolhas dos indivíduos e nas restrições que afetam e limitam estas escolhas. O que motiva esta
abordagem metodológica?
Em um plano mais teórico, são dois os motivos que nos levam a partir do pressuposto que o
indivíduo escolhe o que é melhor pra si. A primeira é mais filosófica e tem a ver com a ideia
primária de respeito às preferências e liberdades individuais. Os nossos pais gostam mais de
picadinho com jiló do que de sashimi de salmão. Esta preferência nos soa estranha, esquisita, mas
forçá-los a comer o sashimi não vai ajudá-los, não vai torná-los mais felizes.
A segunda é mais prática e está relacionada ao fato de os indivíduos terem melhor informação a
respeito de suas alternativas e de toda sorte de restrições que os acometem, do que o têm governante,
o político e o estudioso. O trabalhador de Bangladesh e a prostituta brasileira conhecem melhor do
que ninguém o seu mundo e as suas opções
Apesar de na grande maioria dos casos ter mais opções é melhor do que ter menos, existem certas
circunstâncias onde restringir seu próprio campo de escolha pode acabar sendo benéfico. Em geral,
isto é verdade nas situações onde é difícil resistir ao que chamaremos genericamente de “tentações”,
mesmo sabendo que ceder a elas pode gerar perdas significativas para o indivíduo. 
Ulisses, o navegador da Odisséia de Homero, mostrou ter entendido bem esta questão. Ao navegar
por mares povoados por sereias, sedutoras porém mortais, e sabendo que não poderia resistir a seu
chamado uma vez escutada a doce melodia de seu canto, ele pede a seus auxiliares que amarrem suas
próprias mãos à haste do navio. Basicamente, ele pede, para seu próprio bem, que lhe retirem uma
opção: a de mergulhar para encontrar as sereias. Ao amarrar as próprias mãos, Ulisses sai ileso da
aventura.
Da mesma forma, em casa de diabético, é melhor não entrar doce. Pode ser difícil resistir à tentação
de comer um bombom, mas é extremamente importante que o diabético não os saboreie. Alguns
diabéticos mais racionais e controlados não vão comer doce mesmo que haja uma caixa de
deliciosos chocolates na estante da sala. Mas retirar esta opção do alcance do diabético pode ajuda-
lo a não ceder a esta tentação. Um dos autores deste livro tem dificuldades enormes de não comprar
livros ao entrar em uma boa livraria. Uma saída que ele encontrou para evitar gastar parte importante
do seu orçamento com esta compulsão foi buscar passar bem longe da livraria - amarrando as
próprias mãos (pés?) como Ulisses. O nó não está se mostrando dos mais firmes, contudo, pois uma
vez no shopping center onde se encontra a dita livraria, é quase impossível para ele manter o
compromisso de não entrar (e é impossível entrar livraria e sair sem livros!). Sua próxima tentativa é
abolir os jantares de fim de semana em restaurantes do shopping onde se acha a famigerada livraria.
Mas mesmo nos poucos casos onde o individuo escolhe em prejuízo próprio, é importante analisar os
fenômenos socioeconômicosa partir de sua decisão individual. Quando levamos a sério a ideia de
que trabalhadores, consumidores, empresários, cidadãos e governantes estão sempre escolhendo e
reagindo aos incentivos, fica muito mais fácil entender o funcionamento da economia e analisar o
impacto de políticas públicas. Por outro lado, quando se abandona este pressuposto, descamba-se
para o que apelidamos aqui de economágica, com sérias consequências adversas para a economia.
Nossas escolhas se alteram de acordo com as condições do ambiente que nos cerca, ou mais
precisamente, com as diversas variáveis que afetam os custos e os benefícios de cada uma de nossas
possíveis escolhas. Essas mudanças em face de modificações no ambiente estão na raiz do
entendimento do funcionamento de uma economia de mercado.
O exemplo mais típico e usual de reação a mudanças no ambiente tem a ver com o impacto de
variações dos preços dos bens que consumimos. Quando sobe o preço da manteiga, por exemplo, os
consumidores aumentam a procura por margarinas, um substituto razoavelmente próximo para muitos.
Já quando o pãozinho francês fica mais caro na padaria e as pessoas passam a consumi-lo em menor
escala, cai também a demanda por manteiga, dado que ambos são em geral consumidos em conjunto.
Além de escolher o que compramos, escolhemos trabalhar ou não, como e onde.
Em um feriado prolongado de muito calor, quando a volta de milhares de carros do litoral
congestiona as estradas, rapidamente aparecem, como que surgidos do nada, grupos de vendedores
ambulantes de água e refrigerante. Essas pessoas estão escolhendo trabalhar no feriado, reagindo à
oportunidade temporária de ganhos mais altos propiciada pela combinação de calor e
engarrafamento. 
Nossas opções de trabalho dependem de nossa formação, que também é fruto de uma escolha. Todos
os anos, entre 800 e 1500 alunos saídos dos cursos de graduação em economia prestam uma espécie
de vestibular para ingressar nos programas de mestrado de economia oferecidos pelas diversas
escolas do país. Em anos em que o mercado de trabalho para economistas juniores encontra-se
aquecido, muitos deles deixam de lado a escolha de estudar para a prova de ingresso no mestrado e
decidem entrar no mercado de trabalho. Nestes anos, os candidatos inscritos para a prova nacional
do mestrado em economia raramente passam de 1000. Mas quando a economia do país vai mal, e o
mercado de trabalho por conseqüência torna-se temporariamente menos atraente para os formandos
da graduação em economia, a demanda pelos cursos de mestrado cresce vigorosamente, podendo
alcançar o teto do intervalo acima sugerido. Os recém formados estão escolhendo de acordo com as
condições do ambiente que os cerca, adiando a entrada no mercado de trabalho para um momento
mais propício, e aproveitando o interregno para aprimorar suas habilidades no curso de mestrado.
Produtores e vendedores escolhem produzir e vender de acordo com as características da demanda.
Ambulantes e pequenos comerciantes encontrados nas calçadas das grandes ruas e avenidas, que
costumeiramente ofertam ao público passante múltiplas bijuterias, capas de celular, e até funcionam
como intermediários financeiros comprando tickets refeição, rapidamente reaparecem nas esquinas
com pencas de guarda-chuvas, de R$ 5 e R$ 10, quando a chuva pega o transeunte no contra-pé
oferecendo uma boa oportunidade de lucro para os vendedores. A decisão do que ofertar dos
ambulantes não é, portanto, rígida: ela muda quando muda o ambiente.
O inchaço dos departamentos financeiros das empresas em países que vivenciam períodos de
inflações altas e crônicas é outro exemplo de reação às condições do ambiente. Quando a inflação é
muito alta, tão ou mais importante que produzir com qualidade, ter uma boa estratégia de marketing,
selecionar com cuidado os fornecedores, ou desenvolver novos produtos, é ter um departamento de
finanças que seja bastante eficiente em proteger as receitas da firma da erosão inflacionária,
utilizando para tal os mais diversos instrumentos financeiros disponíveis. Mas quando a inflação cai,
o tamanho e a importância estratégica dos departamentos de finanças nas empresas diminui a olhos
vistos. Mais recursos (humanos e financeiros) passam então a ser alocados para os departamentos de
criação de novos produtos, ou para os de vendas. Empresários e acionistas estão constantemente
decidindo em que departamento focar mais recursos em função da alteração do entorno
macroeconômico.
Nos Estados Unidos, um país de muitos obesos, existe uma quantidade enorme de lojas ofertando
roupas apenas para pessoas que pesam mais de uma tonelada; no Brasil, onde o ambiente é outro –
com menos obesos – estas lojas são muito mais raras. A decisão sobre o que produzir depende das
características dos consumidores.
Os políticos, representantes do povo, também estão escolhendo. Nas democracias do início do
século XIX, apenas os ricos e os instruídos votavam. As escolhas das plataformas de campanha dos
políticos levavam isto em consideração e, consequentemente eram ainda muito incipientes programas
de transferência de renda aos pobres, ou escolas públicas gratuitas. Mas então se deu uma mudança
de ambiente: os pobres passaram a votar também. O que aconteceu com as escolhas dos políticos?
Elas mudaram de acordo com a mudança dos incentivos. Se o pobre vota, os olhos do político a ele
se voltam. E com a extensão do sufrágio, os governos começaram a financiar escolas, hospitais
públicos e programas de transferência direta de renda com impostos (majoritariamente pagos pelos
mais ricos).
De maneira similar, o aumento da longevidade das pessoas aumentou ao longo do século XX a
participação de idosos na população total. Apoiar programas de transferência de renda para um
grupo amplo de eleitores – os idosos – foi-se tornando cada vez mais uma escolha interessante para
os políticos, e deu-se como consequência um aumento dos gastos públicos com pensões na segunda
metade do século XX.
Em resumo, as pessoas estão escolhendo a todo instante. No entanto, como vivemos em sociedade,
decisões individuais frequentemente geram consequências que não se limitam a quem as toma,
afetando outros no seu entorno de maneira negativa ou positiva. Este fato gera importantes
consequências econômicas e é o tema do nosso próximo capítulo.
 
 
2. A feia fumaça e o casaco verde-chiclete
 
É da escritora americana Fran Lebowitz a frase: “o seu direito de usar um casaco de poliéster verde-
chiclete termina onde começam os direitos do meu olho”. Se ela fosse economista, provavelmente
exporia o mesmo pensamento de maneira diferente, ressaltando que nossas escolhas podem afetar os
outros. No caso específico, que a roupa que escolhemos propicia uma visão agradável ou não aos
olhos daqueles que nos vêem passar. Sim, a frase não soaria muito divertida, mas chamaria atenção
para o fato de que embora estejamos sempre escolhendo o que preferimos, não necessariamente
estamos escolhendo o que é o melhor levando-se em conta todas as pessoas envolvidas e afetadas
pela nossa decisão.
Caetano Veloso, na música Sampa, apresenta queixa contra “a feia fumaça que sobe apagando as
estrelas”. Quando as fábricas poluentes e os donos de automóveis velhos escolhem lançar no ar
enormes nuvens de fumaça negra, o nosso céu fica mais triste e o ar menos saudável. No capítulo 1,
argumentamos que interferir diretamente nas escolhas dos indivíduos lhes era prejudicial. Mas e
neste caso, devemos respeitar a decisão individual das empresas de poluir o ar?
Nosso bom senso nos diz que não, e ele está correto. Mas é importante entender exatamente porque.
O diferente aqui em relação aos exemplos do capítulo anterior é que a emissão de fumaça gera um
dano para os outros que não é ressarcido pelos agentes poluidores.
Quando decidimos, comparamos os custos e os benefícios que obteremos em cada uma das
alternativas que se nos apresentam. Entretanto, como estamos interagindo o tempotodo em
sociedade, às vezes os custos e benefícios das nossas escolhas recaem sobre outros, seja de maneira
positiva, ou de maneira negativa. A estes impactos da escolha individual, que transcendem os limites
do indivíduo, os economistas dão o nome de “externalidades”.
Nossa escolha de sujar ou limpar nossa casa deve ser respeitada, pois arcamos com todos os custos e
conseqüências desta opção. A nossa decisão de sujar o mundo, poluindo o ar, não. Ela não pode
receber o mesmo tratamento, pois os custos de um mundo mais poluído não incidem apenas sobre
quem decide poluir.
Quando uma empresa produtora de papel lança dejetos tóxicos oriundos do processo de produção em
um rio, matando seus peixes e contaminando sua água, sua ação gera prejuízos para a população
ribeirinha que nele costuma pescar, recolher água doce, ou banhar-se, e até mesmo para o cidadão
que fica desagradado ao presenciar a triste cena de dejetos ou espuma química navegando rio abaixo.
O ato da empresa prejudica pessoas não envolvidas na decisão de poluir. Ele gera externalidades
negativas.
Também há uma externalidade negativa quando um proprietário de terras do Mato Grosso promove
uma queimada em seu terreno com vistas a abrir espaço para futuras plantações. Ao fazê-lo, ele lança
no ar uma quantidade de gás carbônico que leva a uma deterioração da qualidade de vida de outras
pessoas. É verdade que a pior qualidade do ar também afeta o proprietário, mas isto não constitui
uma externalidade negativa. Externalidade é apenas a parte do impacto que incide sobre os outros.
E os exemplos não param por aí: jogar bituca de cigarro pela janela; não desligar o celular no
cinema; andar no ônibus lotado sem usar desodorante; dirigir perigosamente; sair de carro em um
horário de trânsito intenso (aumentando o tráfego para os que já estão tentando chegar no trabalho);
entrar no elevador e apertar o sétimo quando alguém no elevador se dirige ao décimo andar (e,
portanto, é “atrasado” pela sua parada no sétimo); roubar; conversar alto na biblioteca; buzinar no
trânsito; fumar em lugar fechado, são todos casos de externalidades negativas. São instâncias onde a
ação privada afeta adversamente o bem-estar de outros.
O fato de uma ação provocar externalidades negativas não significa que ela não deva ser tomada. Por
exemplo, a ambulância que passa correndo na minha frente para chegar um pouco antes ao seu
destino atrasa a minha viagem em alguns segundos. Mas os segundos para a pessoa que precisa de
atendimento médico são mais importantes do que para mim. Então, a ação do motorista da
ambulância não deve ser coibida porque seus benefícios compensam suas externalidades negativas.
Da mesma maneira, aviões poluem o ar, mas a viagem de avião deve ser evitada apenas se os custos
para todos provenientes da externalidade negativa – a poluição – superarem os benefícios líquidos
diretos da ação para os passageiros – ou seja, o benefício do transporte menos os outros custos da
viagem.
Um exemplo sério e bastante importante de externalidade negativa, que recebe a alcunha de “tragédia
dos comuns”, ocorre quando a ação privada e desarticulada de vários indivíduos exaure,
rapidamente, algum precioso recurso que é comum a todos.
Imaginemos o caso de um pasto público, onde todos os criadores de gado de uma certa região podem
levar seus bezerros para engorda. Se o pedaço de terra em questão fosse propriedade de um único
fazendeiro, ele procuraria economizar um pouco dos recursos do pasto para o futuro, e decidiria
quantos bezerros a ele levar tendo em conta que um número excessivo de bezerros hoje exauriria os
recursos disponíveis para os bezerros de amanhã. Mas se outros fazendeiros podem também ali
alimentar seus respectivos rebanhos, a economia feita por um dado fazendeiro pode ser facilmente
apropriada pelos bezerros dos outros. Em vista disto, se o fazendeiro considera apenas os custos e
benefícios que recaem sobre si mesmo, ele optará por levar o máximo possível de bezerros ao pasto,
antes que o capim disponível seja consumido por outros rebanhos.
Onde exatamente encontra-se a externalidade negativa neste exemplo? No fato de que cada bezerro a
mais que um certo fazendeiro opta por levar ao pasto se traduz em menor quantidade de grama
disponível para os outros rebanhos, prejudicando assim os outros fazendeiros.
Se todos fazendeiros desconsideram as externalidades na sua tomada de decisão, todos tentarão
extrair o máximo possível do pasto no curtíssimo prazo. O resultado desta falta de coordenação entre
os fazendeiros é que os recursos do pasto se deterioram muito rapidamente.
O problema da tragédia dos comuns, exemplificado no parágrafo precedente é, em muitos casos
concretos, extremamente sério, podendo levar países ao caos econômico-social e a guerras civis. É o
caso, por exemplo, de muitas nações que possuem grande quantidade de preciosos recursos naturais.
A guerra dos diamantes em paises africanos como Serra Leoa é uma triste ilustração de como os
incentivos e escolhas individuais (ou de grupos) – que tentam vorazmente se apropriar dos diamantes
que jazem nas minas do país – podem levar a um rompimento completo do tecido social. Para os
habitantes de Serra Leoa, os diamantes são uma maldição, não uma benção.
Mas os reflexos das ações privadas que ultrapassam os limites do indivíduo também podem ser
positivos.
De fato, muitas decisões pessoais podem aumentar o bem-estar de pessoas alheias ao processo de
escolha privado. Por exemplo, a decisão individual de se educar é um dos mais citados atos
geradores de externalidades positivas. Pessoas mais educadas (no sentido amplo da palavra)
convivem melhor em sociedade, votam melhor nas eleições onde se escolhem os representantes que
tomarão decisões afetando a todos, disseminam parte de seus novos conhecimentos a seus colegas de
trabalho, criam filhos mais educados, respeitam mais as leis de trânsito, etc.
Outros exemplos de externalidade positiva são: cuidar do quintal, ou enfeitá-lo para a semana de
Natal, propiciando uma visão agradável aos transeuntes; organizar a comunidade para realização de
tarefas coletivas; convidar os amigos para desfrutar de um saboroso jantar na sua casa, etc. 
Uma vez estabelecido o conceito de externalidades negativas e positivas, a pergunta que se segue
naturalmente é se levamos estes impactos sobre os outros em consideração quando estamos
decidindo. Quando não levamos, a escolha privada difere da escolha que seria ideal para a
sociedade como um todo.
Conta a Bíblia que Jesus Cristo aconselhava ao ser humano “amar o próximo como a si mesmo”. Em
linguagem mais mundana, o conselho era considerar os custos e benefícios de suas ações nos outros
como se estes incidissem sobre si mesmo. 500 anos antes de Cristo, Confúcio ensinava a “jamais
impor aos outros o que você não escolheria para si”.[2] No linguajar do economista, o mandamento
cristão e a filosofia de Confúcio poderiam ser expressos como: “atribua às externalidades de seus
atos o mesmo valor que você atribui aos efeitos de suas ações sobre si mesmo”.
Os exemplos pouco animadores citados acima deixam claro que o conselho cristão não é seguido à
risca. Claro, não somos todos inveterados egoístas que pensamos sempre, e exclusivamente, em nós
mesmos. Considerações altruístas explicam em alguma medida o cuidado de muitas pessoas em
preservar o meio-ambiente, e a realização de doações financeiras de variadas naturezas. Mas
tampouco levamos sempre em conta na sua integridade os efeitos de nossas escolhas sobre os outros.
Caso contrário, como explicar a ação do motorista que lança guimba de cigarro pela janela e dirige
de modo irresponsável, a poluição dos rios pelas fábricas, pessoas roubando as outras, a guerra por
diamantes em alguns países da África ou os 1000 assassinatos que ocorrem semanalmente no Brasil?
Como veremos em capítulo futuro, quando os efeitos de uma dada externalidade forem de fato
relevantes, torna-se necessária e desejávela intervenção do ente governamental para coibi-la. Dito
de outro modo, confiar no bom coração dos donos das fábricas para deter a poluição do ar não é boa
solução. Cabe ao governo tentar fazer com que o dono da fábrica leve em conta nas suas decisões os
efeitos indesejáveis da poluição no ar.
Levando a definição de externalidades ao pé da letra, a verdade é que a grande maioria de nossas
ações afeta o bem-estar das outras pessoas, ainda que apenas superficialmente. Em vista disto, e
como veremos em capítulo futuro, para que a intervenção governamental faça sentido na prática, os
efeitos das ações de alguém sobre o bem-estar dos outros precisam ser significativos. Poluição
encaixa-se nesta definição prática, roubar e fumar em espaço fechado também, mas e casacos verde-
chiclete? Não entendemos muito de moda, mas somos contra o governo interferir na decisão de
alguém vestir uma roupa mais exótica porque ela não agrada o transeunte que se veste mais
conservadoramente. De uma maneira geral, quando a intervenção do Estado depende de um juízo de
valor deste tipo, nossa primeira reação é desaprová-la. Voltando à música de Caetano, é preciso
distinguir a feia fumaça que sobe apagando as estrelas da deselegância discreta das meninas de
Sampa.
 
3. A lei que proíbe cobrar menos
 
Em 1992, transitou pela Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei que obrigava
cinemas, teatros, circos e casas de espetáculo a cobrarem o dobro do preço do ingresso de todas
pessoas que não tivessem a carteirinha de estudante. Cobrar mais barato, qualquer valor inferior ao
dobro do preço cobrado aos estudantes, seria ilegal.
Esta lei da entrada-dobrada para os não portadores de carteirinha foi aprovada no dia 13/05/1992 e
vigora até os dias de hoje, sendo mais conhecida pelo nome de lei da meia-entrada. O texto da lei
coloca que todo estudante tem direito a pagar metade do preço cobrado às demais pessoas em
cinemas, circos, espetáculos teatrais, esportivos, musicais e de lazer. Para entendermos porque a lei
da meia-entrada tem impactos idênticos a uma lei que estabelecesse entrada dobrada para os não
estudantes, precisamos antes entender como os preços são formados em uma economia de mercado,
quais são os fatores que os afetam.
Os preços dos bens em uma economia de mercado são uma escolha das firmas. Lembrando que as
escolhas variam com as condições do ambiente, neste capítulo focaremos nossa análise nas variáveis
que jogam papel fundamental na determinação dos preços.
O principal objetivo de qualquer empresa é a obtenção de lucro. Às vezes, porém, elas tomam
decisões que parecem não estar diretamente ligadas a este objetivo. Por exemplo, algumas ações
visam estabelecer reputação de longo prazo e ampliar a fatia de mercado da empresa. Uma maneira
de fazê-lo é vender temporariamente o bem a preço inferior ao seu custo de produção. Esta ação de
fato prejudica a lucratividade da empresa no momento presente, mas ao mesmo tempo, contribui para
maior lucro no futuro, pois atrai mais clientes, alguns dos quais continuarão comprando o bem
quando seu preço voltar ao normal.
A decisão sobre o preço de venda, assim como as outras escolhas importantes da empresa, se pautará
pelo objetivo de obter os maiores ganhos possíveis.
Mas se em uma economia de mercado, as empresas são livres para escolher o preço de seus bens e
têm em vista somente o lucro, não é natural esperar que elas escolham preços excessivamente altos,
prejudicando o bem-estar do consumidor final?
Vejamos. Quanto mais alto o preço de um bem, maior é a receita obtida por unidade vendida do
mesmo. Mas como os consumidores reagem a um preço mais alto escolhendo outro bem substituto, ou
simplesmente escolhendo comprar o mesmo bem em menor quantidade, menor será também o número
de unidades vendidas. O resultado líquido de uma elevação de preços sobre o lucro é, portanto, em
princípio, incerto. Assim um aumento exagerado do preço não acarretará em lucro maior para a firma
porque a queda nas vendas mais que compensará a elevação do ganho por unidade vendida. Portanto,
a empresa nunca escolherá preços excessivamente alto que não maximizam seu lucro.
Um exemplo concreto relacionando o preço da entrada no cinema com o lucro dos donos do cinema
ilustra este ponto. Se o preço do ingresso cobrado for muito baixo, digamos de R$ 2, o faturamento
será pequeno mesmo que o cinema fique cheio. Já se o valor do ticket for de R$ 100, o cinema ficará
vazio e a receita também será pífia. Nenhuma das duas estratégias levam a um bom lucro. Para
maximizá-lo, a empresa escolhe um preço intermediário que gera uma boa receita por unidade
vendida e é ao mesmo tempo capaz de atrair uma boa clientela. Este preço no Brasil gira hoje em
torno de R$ 30 para não-estudantes, e R$ 15 para estudantes.
Mas dizer que a empresa escolhe o preço para maximizar seu lucro não nos esclarece lá muita coisa.
É importante entender que condições do ambiente afetam esta relação entre preço e lucro porque
mudanças nestas condições são a base da explicação para as diferenças nos preços escolhidos pelas
empresas. De uma maneira geral, o preço escolhido pela empresa dependerá crucialmente de dois
fatores: (i) o custo do produto para a empresa e (ii) a sensibilidade da demanda dos consumidores
aos preços.
Vejamos primeiro o impacto do componente custo. Custos mais altos comprimem o lucro por
unidade, e à medida que este diminui, torna-se mais interessante para a empresa aumentar o preço,
ainda que isso implique em alguma redução da quantidade vendida.
Um exemplo numérico ajuda a entender este ponto. Pensemos em uma empresa cogitando elevar seu
preço de R$20 para R$21. Ela considera que este aumento causará uma redução de 20% na demanda
pelo seu bem. Vale a pena então aumentar o preço?
A resposta depende do custo unitário de produção. Se este, por exemplo, é de R$19, o lucro por
unidade é R$1 ao preço de R$20. Se o preço sobe para R$21, o lucro por unidade passa a ser R$2.
Portanto, com a elevação, o lucro por unidade dobra e a quantidade vendida se reduz em 20%: neste
caso vale a pena subir o preço para R$21.
Agora, suponha que o custo unitário de produção é R$10. Sendo o preço R$20, o lucro por unidade
vendida é R$10. Com o preço de R$21, o lucro por unidade vendida é R$11. Assim, ao preço de
R$21 a quantidade vendida é 20% menor e o lucro por unidade é 10% maior que no caso do preço a
R$20. Com o custo mais baixo, portanto, não vale a pena subir o preço. 
O ponto ressaltado pelo exemplo acima vale em geral: dado um certo comportamento da demanda,
custos maiores fazem com que seja interessante para a empresa cobrar preços maiores.
A empresa não repassa a variação dos custos aos consumidores porque considera “justo” que eles
paguem pelo aumento, ou, no caso simétrico, porque elas vêem como “coerente” que eles
compartilhem dos benefícios de uma redução dos custos. Nada disso foi levado em conta no exemplo
acima. A relação positiva entre preços e custos não depende dos sentimentos da empresa por seus
clientes. Uma empresa que apenas objetiva maximizar o lucro cobra preços mais altos quando os
custos são maiores.
Um importante fator que afeta o custo do bem é a produtividade da empresa - a medida de quanto ela
produz por unidade de insumo empregado.
Há algumas décadas, dizia o Barão de Itararé que “pobre, quando come frango, um dos dois está
doente”. O frango, antes caro e inacessível ao pobre, hoje é a carne mais barata à disposição dos
consumidores. O motivo? Não a benevolência do avicultor, mas os fortes ganhos de produtividade
vivenciados no setor.
Da mesma maneira, os avanços tecnológicos têm aumentado a produtividade na fabricação de
aparelhos eletrônicos. Isto reduz custos e, consequentemente, o preço dos produtos. Por exemplo,
televisores com tela plana, que antes não eram viáveis comercialmente, hoje já são encontrados nas
lojas e, no futuro, provavelmente, custarão ainda menos.
Avanços tecnológicosnão são a única maneira que as empresas encontram para reduzir custos. Por
exemplo, grandes redes de supermercado, como Carrefour e Wal Mart, têm alto poder de barganha
com seus fornecedores e assim conseguem comprar destes a preços mais baixos. É por isto que seus
preços aos consumidores tendem a ser menores que os dos pequenos armazéns.
Além do custo, o outro fator que determina os preços é a chamada elasticidade-preço da demanda.
Diz-se que a demanda pelo bem é “elástica” quando um aumento do preço acarreta forte redução de
vendas, e “inelástica” no caso oposto. Quanto maior a elasticidade, menor será o preço de venda
escolhido pela empresa.
Um exemplo numérico ilustra este ponto. Consideremos novamente uma empresa cogitando elevar o
preço do seu bem de R$20 para R$21. O custo de produzir uma unidade do bem é igual a R$19,
independentemente da quantidade produzida. Note que a mudança aumentará o lucro por unidade de
R$1 para R$2. Vale a pena então aumentar o preço?
A resposta depende da elasticidade, ou seja, de quanto a demanda reage a uma mudança no preço. Se
com o preço a R$21, a demanda se reduz em 20%, vale a pena cobrar mais caro. Neste caso, o lucro
por unidade dobra, mais do que compensando a queda de 20% nas unidades vendidas.
Por outro lado, se o aumento do preço derruba a demanda para um terço do seu valor inicial, cobrar
mais barato, R$ 20, é mais lucrativo. Com a demanda mais elástica, apesar de o lucro por unidade
dobrar, as vendas caem para menos da metade e, portanto, o lucro total se reduz.
Novamente, o ponto estabelecido pelo exemplo é geral: quanto menor o impacto dos preços na
demanda, maiores serão os preços que maximizam o lucro. Se aumentos de preço acarretam grande
perda de vendas, é melhor para a empresa cobrar preços baixos.
Um fator muito importante para determinar a elasticidade da demanda de um determinado bem é o
grau de concorrência enfrentado pela empresa. Se a concorrência é acirrada, um pequeno aumento de
preços leva a grande queda na demanda e uma queda dos preços atrai grande numero de
compradores. Neste caso, as empresas escolherão vender seus produtos a preços próximos dos seus
custos.
Quando a concorrência é acirrada, as empresas que não conseguirem produzir a um custo próximo do
das empresas mais eficientes acabarão sendo varridas do mercado. Por quê? Sendo o preço de venda
próximo ao custo de produção, as empresas com custos menores venderão seus produtos a preços
inferiores aos custos de produção das empresas menos eficientes. Para que estas obtenham um lucro
por unidade vendida razoável, o preço de venda precisaria ser significativamente mais alto que o das
mais eficientes, implicando, portanto, em uma quantidade vendida muito baixa.
Em alguns casos, a concorrência é tão grande que a escolha da empresa é praticamente ditada pelo
mercado. Isto geralmente ocorre quando muitos produtores fabricam bens praticamente idênticos. Por
exemplo, um exportador de laranjas pode vender grandes quantidades de seu produto ao preço
vigente no mercado, mas não conseguirá vender quase nada se tentar cobrar preços um pouco
maiores porque laranja é laranja mesmo.
Já se há pouca concorrência, seja porque os consumidores não têm boas informações sobre opções
alternativas, seja porque os concorrentes estão localizados geograficamente muito longe, seja porque
não há outros produtores de um certo bem, os preços serão significativamente mais altos que os
custos.
Produtos difíceis de serem substituídos devido a alguma característica específica que os tornam
únicos sob os olhos do consumidor são mais caros justamente porque mudanças de preço têm menor
impacto sobre as vendas. Se o preço de um prato especial que só aquele restaurante francês de seu
bairro serve se eleva, suas idas ao restaurante, caso você goste muito de comida francesa, diminuem
pouco. Porque o prazer de uma refeição lá é praticamente insubstituível, a elasticidade aos preços é
baixa, e a comida é cara. Note que restaurantes não são escassos em um determinado bairro, mas
bons restaurantes franceses sim. E é justamente esta escassez no quesito qualidade que lhe confere o
poder de cobrar bem acima do custo do prato.
De um modo geral, as empresas tentam diferenciar seus produtos, seja por meio de inovações
tecnológicas que dão características especiais ao produto, seja via anúncios publicitários que
valorizam a marca, justamente para convencer os seus clientes que o que oferecem é um bem ou
serviço diferente da concorrência. Esta diferenciação faz com que aumentos de preços não causem
grandes quedas na demanda e, portanto, possibilita à empresa cobrar mais caro e lucrar mais.
O grau de concorrência também é influenciado pelo comportamento dos consumidores. Se as pessoas
procuram bastante antes de comprar, as vendas serão mais afetadas pelo preço e, portanto, as lojas
cobrarão preços mais baixos. O advento da internet tornou mais fácil, rápido e barato comparar
preços, aumentando a concorrência e reduzindo o nível dos preços de alguns produtos.
Se vários consumidores procuram bastante, de loja em loja, antes de comprar, os preços serão mais
baixos para todos os consumidores – mesmo aqueles que não se dedicam a encontrar boas barganhas.
De fato, o executivo que entra na livraria com pressa querendo um exemplar de “Economia sem
Truques” para o amigo secreto da empresa que começa em 15 minutos está disposto a pagar pelo
livro mais do que um aposentado que já passou em 8 lojas pesquisando o melhor preço. A busca do
aposentado pelo preço mais baixo gera uma externalidade positiva para o executivo, que pagaria
mais pelo livro se todos fossem como ele. Se o mundo tem muito aposentado, o preço do livro é
menor; se ele é habitado por muito executivo apressado, o preço é mais alto.
Mas a externalidade positiva que o aposentado gera para o executivo só se materializa porque em
geral as empresas não podem discriminar preço, ou seja, não podem cobrar mais do executivo do que
do aposentado pelo mesmo livro.
Em algumas ocasiões, no entanto, as empresas cobram mesmo preços diferentes dependendo do
cliente ou, pelo menos, arrumam artifícios indiretos para cobrar mais de quem tem mais disposição
para pagar. As montadoras de automóveis, por exemplo, encontraram uma maneira interessante de
fazê-lo, que é vender carros novos com e sem acessórios adicionais (teto solar, pára-choques
diferenciado, etc) e cobrar bem mais pelo carro com acessórios. Deste modo, a concessionária além
de vender o carro básico para grande número de compradores também consegue extrair mais dos
consumidores mais ricos, dispostos a pagar caro pelo automóvel da marca escolhida com os
acessórios desejados. Os acessórios servem para a empresa diferenciar os clientes mais sensíveis a
preço (que levam o carro sem acessório), dos menos sensíveis a preço (que optam pelo carro com
acessório). O lucro dela assim é mais alto que no caso onde ela só vendesse carros sem acessórios
(sem explorar a disposição a pagar mais dos menos sensíveis a preço), e que no caso onde ela
ofertasse somente carros com acessórios (espantando os clientes mais sensíveis a preço).
Empresas áreas fornecem outro exemplo de discriminação de preços quando vendem tickets para a
classe executiva que custam mais que o dobro do preço do ticket da classe econômica. Alguns
clientes estão dispostos a pagar caro para viajar com mais luxo. Outros preferem preços mais baixos
a maior conforto. Para a companhia aérea interessa ter as duas classes, uma para cada tipo de cliente.
Acontece que, neste caso, a empresa concorre com ela mesma ou, melhor dizendo, a viagem na classe
executiva concorre com a passagem na classe econômica. Assim, se a viagem do passageiro da
classe econômica é desconfortável, a opção de viajar de executiva se torna mais atraente. Não é à toa
que na classe econômica a cadeira reclina pouco e seu joelho fica apertado contra as costas do
passageiro que viaja na fila da frente. Se a classe econômicafosse confortável, como o avião cumpre
basicamente a função de levar o cliente de um ponto a outro, mesmo os menos sensíveis a preço não
se disporiam a pagar tanto a mais apenas para usufruir algumas regalias, como uma comida melhor ou
um vinho caro. Não seria muito custoso melhorar o assento da classe econômica, mas a companhia
aérea precisa que o passageiro da econômica tenha pouco conforto para conseguir vender assentos
mais caros na executiva, discriminando preços e extraindo um lucro maior daqueles com maior
capacidade de pagar.
Se a concorrência no mercado de passagens aéreas fosse tão acirrada quanto no mercado de laranjas,
uma companhia aérea não conseguiria discriminar preços dessa maneira, pois uma empresa
concorrente teria incentivos para criar aviões apenas com a classe econômica e com poltronas mais
confortáveis, e assim atrair a clientela disposta a pagar um pouquinho a mais pelo conforto extra.
A concorrência é menos acirrada no mercado de viagens aéreas do que no mercado de laranjas por
motivos inerentes ao tipo de atividade e por conta da legislação. De fato, é complicado e demorado
entrar no ramo de transporte aéreo, demora-se para estabelecer uma reputação com a clientela e para
montar a estrutura necessária para operar, e os ganhos de escala fazem com que empresas maiores
sejam mais eficientes. Portanto, há poucas companhias em operação. Mas aspectos da legislação
colaboram para reduzir a competição ao estabelecer que a maior parte dos vôos entre dois países só
possam ser operados por companhias com base em um dos dois países – por exemplo, vôos diretos
entre Brasil e Inglaterra só podem ser operados por empresas brasileiras ou britânicas.
Há alguns anos, a União Européia aboliu este tipo de restrição para vôos entre países membros. A
partir desta liberalização, novas empresas entraram no mercado de transporte aéreo e hoje se paga
muito menos para viajar de avião pela Europa. Como dissemos anteriormente, maior competição
leva a menores preços.
Em outras ocasiões, as empresas são obrigadas por lei a cobrar diferenciado dos seus clientes, como
é o caso dos cinemas, teatros e casas de espetáculos no Brasil. Estes estabelecimentos são obrigados
a discriminar preço entre os que têm e os que não têm carteirinha de estudante. De acordo com a lei
brasileira, a meia-entrada em cinemas, circos, espetáculos teatrais, esportivos, musicais e de lazer é
um direito garantido a todo estudante e, portanto, ao escolher o preço, os estabelecimentos vão levar
em conta: os seus custos, a relação entre o preço e a demanda dos dois grupos – com e sem
carteirinha – e a obrigatoriedade de o preço dos com carteirinha ser metade do preço dos sem
carteirinha.
A escolha do preço se dará seguindo a mesma linha de raciocínio desenvolvida acima, com a única
diferença que a empresa escolherá um preço para estudantes e outro preço para os não-estudantes,
sendo este obrigatoriamente o dobro daquele.
Dadas as elasticidades das demandas dos dois grupos e os custos, adicionar uma condição adicional
que a empresa precisa respeitar do tipo “preço dos estudantes deve ser metade do dos outros” gera o
mesmo resultado final que adicionar um condição do tipo “preço dos outros deve ser o dobro do dos
estudantes”. O impacto nos preços da lei da meia-entrada para os estudantes é idêntico ao impacto da
lei da entrada-dobrada para os outros.
Seguindo o mesmo raciocínio, estipular meia-entrada para todos é o mesmo que abolir a meia-
entrada, e de fato a UNE tem se mostrado veementemente contra qualquer iniciativa de meia-entrada
para todos.
Tomando um exemplo concreto: um ingresso na pista do show da Ivete Sangalo, realizado em São
Paulo no dia 30/10/2006 custava R$60 para estudantes e R$120 para os outros. Se não houvesse a lei
da meia-entrada, a casa de shows escolheria um preço apenas, a ser cobrado igualmente de todos. A
R$60, o faturamento seria pequeno porque muita gente querendo entrar não encontraria ingresso, e a
R$120 para todos haveria pouco público. O preço escolhido no dia após a abolição da lei da
carteirinha estaria entre R$60 e R$120.
Qual a lógica por trás da lei da meia-entrada? A justificativa comumente apresentada é que os
eventos culturais complementam a educação dos estudantes. Seria benéfico, portanto, que os
estudantes pudessem frequentar mais eventos deste tipo. Entretanto, a lei não cria os eventos culturais
num passe de economágica, não reduz custos, nem cria recursos para os estabelecimentos que
proveem estes serviços. O que ela faz é simplesmente transferir parte do custo dos estudantes para os
outros consumidores. Ou, colocado de outro modo, os não portadores da carteirinha subsidiam a
entrada dos que a possuem.
Portanto, para decidirmos sobre a propriedade ou não da lei da meia-entrada para estudantes (ou,
equivalentemente, lei da entrada-dobrada para os outros), temos que pensar se julgamos correta ou
não essa transferência de custos que aumenta o acesso de estudantes a eventos culturais às custas do
afastamento de não estudantes destes mesmos eventos.
No Brasil, uma pequena parte da população tem acesso à educação superior. Com a lei da meia-
entrada, essa pequena parte da população paga em shows, teatros e cinemas metade do preço pago
pelos que já se formaram (e não falsificaram a carteira de estudante) e pelos que nunca tiveram
acesso à educação superior. A maior parte daqueles que não tiveram a oportunidade de fazer um
curso universitário – que em geral estão em estratos de renda menos favorecidos – vão achar difícil
desembolsar de R$ 120 a R$ 200 para assistir a Ivete Sangalo. Mais ainda, os poucos que o fizerem
estarão de fato pagando parte da conta dos estudantes que assistem a Ivete de camarote por R$ 100.
Faz sentido uma política pública que implementa este tipo de transferência?
Muitos dos que nunca entraram na universidade escolhem não ir ao cinema assistir a um bom filme
por conta do preço do ingresso. Alguns reais a menos no preço do cinema trariam um pouco mais
educação, cultura e divertimento justamente àqueles que menos recursos tem. Por conta disto, não nos
agrada uma lei que obriga os cinemas, teatros e casas de espetáculos a transferir parte do preço do
lazer dos estudantes aos que nunca tiveram a chance de estudar.
É um erro comum achar que uma lei estabelecendo que os estudantes portadores de carteirinha
pagarão metade do preço do ingresso não alterará o preço para os outros. Os defensores de tal
política parecem raciocinar erroneamente da seguinte maneira: a medida baratearia a entrada para os
estudantes sem piorar a situação dos não-estudantes, que pagariam o mesmo que antes. Mas os preços
não estão fixos! São as empresas que escolhem os preços e as quantidades dos seus produtos em uma
economia de mercado, não o governo. Se uma lei obriga a empresa a cobrar menos de certo grupo,
ela se ajustará cobrando mais de outro.
Há várias “leis de carteirinha de estudante” por aí. Outras propostas de políticas públicas também
parecem se basear na ideia de que as empresas não reagirão a elas. Por exemplo, as leis que
congelam os preços dos produtos não mudam os custos de produção nem as demandas dos
consumidores, mas proíbem as empresas de vender seus produtos a um preço mais alto. Se a empresa
decide respeitar a lei, ela reagirá produzindo menos, o que gerará racionamento e filas. Um litro de
leite que custaria R$2,20, custará, por exemplo, R$1,90 mais trinta minutos na fila para os que
conseguirem comprar.
Se para não deixar muitas famílias sem acesso ao leite a compra de mais de um litro por família é
proibida, ou seja, se há racionamento, a primeira unidade custará R$2,20 e a segunda não poderá ser
comprada (o que é o mesmo que dizer que seu preço é infinitamente elevado). Como no caso dos
cinemas, as leis podem regular o preço do leite, mas não dão origem a mais vacas, não criam leite do
além.
Além destes transtornos, o congelamento afetará as decisões futuras sobre preços, investimentos,quantidade produzida, etc, que refletirão os medos de um próximo congelamento.
Como já dito, as empresas escolhem o preço de acordo com seus custos e com a demanda dos
consumidores. Assim, leis que aumentam os custos das empresas encarecerão seus produtos. Por
exemplo, uma lei que efetivamente proíba as fábricas de autopeças de utilizar uma tecnologia que
polui o ar tem como resultado um mundo mais limpo e carros mais caros. Talvez queiramos como
sociedade que esta lei seja implementada, mas é preciso ficar claro que ela não traz benefícios de
graça.
O estatuto do idoso fornece um outro exemplo. Ele permite que certas pessoas viajem gratuitamente
em ônibus interestaduais, mas visto que a lei não cria ônibus nem reduz o preço do petróleo nos
mercados internacionais, os outros passageiros acabam arcando com a maior parte dos custos,
subsidiando assim a passagem mais barata do idoso. Novamente, não estamos neste caso tecendo
juízo de valor, mas é importante ter em mente que o preço para os outros passageiros não está fixo,
não é imune à lei.
Por outro lado, algumas leis contribuem para reduzir preços. As leis que obrigam restaurantes a
exibirem os preços de seus pratos na porta, ou postos de gasolina a apresentarem seus preços em
lugar visível e letras garrafais, facilitam a aquisição de informação pelo consumidor. Sendo mais
fácil obter informação sobre a concorrência, o consumidor reage mais a preços e, portanto, passa a
ser mais lucrativo para as empresas cobrar preços menores.
As leis que impedem a empresa de vender “gato” por “lebre” através de manipulação de informação,
além de importantes em si, também estimulam a concorrência. Ao reduzir a quantidade de informação
falsa divulgada pelas empresas, a lei permite que o consumidor experimente produtos de outras
marcas não estabelecidas e não precise ficar preso a uma única empresa em que confia. É um
importante papel do governo, portanto, assegurar a transmissão de informações relevantes nas
relações comerciais e garantir o cumprimento dos contratos. Desta maneira, o consumidor pode
escolher com menos receio, forçando indiretamente um aumento da competição entre as empresas.
Em resumo, para entender a formação de preços é preciso centrar a atenção em custos e na relação
entre demanda e preços. Impostos sobre os produtos têm impactos em custos e, portanto, afetam os
preços. Não é à toa que a empresa que sonega impostos pode escolher cobrar menos pelo seu
produto para ganhar um cliente que busca preços mais baixos – alguém já ouviu falar de algum
médico ou dentista que cobra preços diferentes “com recibo” e “sem recibo”? Já o custo de um
escova de dente na farmácia do aeroporto em São Paulo custa muito mais que na farmácia da esquina
não porque os custos são mais altos naquela, mas porque a falta de alternativas para quem se
encontra prestes a embarcar sem uma escova de dente torna a demanda pouco sensível ao preço. Leis
ou mudanças no ambiente afetando alguma destas duas variáveis afetarão, pois, os preços. O resto é
economágica.
 
4. A lei que aumenta o salário
 
A Constituição Brasileira, promulgada em 1988, menciona como um direito dos trabalhadores
urbanos e rurais, o gozo de férias anuais remuneradas com um terço a mais do que o salário mensal
normal (artigo 7º, inciso XVII). Os trabalhadores já tinham direito a férias remuneradas antes de
1988, mas sem receber o adicional de um terço do seu salário mensal. Passados aproximadamente
vinte anos da promulgação da lei, qual o seu impacto sobre os nossos salários? Estamos ganhando
anualmente equivalente a um terço de um salário mensal a mais?
O salário é um preço, o preço do trabalho. No capitulo anterior, examinamos como as empresas
escolhem os preços dos bens que vendem. Neste capítulo, é a vez de nos perguntarmos como é
determinado este preço especial chamado salário. A lógica é similar a da determinação dos preços
dos bens.
Salários dependem da interação entre empresas e trabalhadores. E são três os fatores jogando papel
importante nesta interação, a saber: (1) as escolhas das empresas que demandam trabalhadores; (2)
as escolhas dos trabalhadores, que vendem seu trabalho; e (3) o processo de barganha entre empresas
e trabalhadores.
A demanda das empresas por mão-de-obra depende do balanço entre custos e benefícios trazidos
pelos empregados, de seu efeito líquido sobre o lucro da empresa. Para ela, o custo de um
trabalhador a mais é o seu salário acrescido de todos os impostos atrelados ao pagamento do
funcionário e demais custos indiretos (custos de contratação, administrativos, etc). Já o beneficio de
um trabalhador adicional na empresa depende de quanto ele ajuda a empresa produzir mais, ou
reduzir os custos de produção, melhorar a distribuição e o marketing, etc. Se os benefícios de
contratar esse trabalhador superarem os custos, a empresa escolhe contratá-lo.
Para analisar o que se passa do outro lado, o da oferta de mão-de-obra, temos que entender as
escolhas dos trabalhadores, dado que as pessoas escolhem se querem trabalhar ou não e, também,
quanto querem trabalhar. O que está por trás desta decisão?
O benefício fundamental do trabalho é o salário, mas há outros, como o aprendizado que o trabalho
proporciona - e que pode ser útil no futuro - a satisfação pessoal, etc. O custo de trabalhar para uma
empresa é o tempo que se gasta no emprego e que poderia ser utilizado em outras atividades, como:
desfrutar do lazer (ir a praia, ler um livro, namorar, jogar futebol); trabalhar para a família (cuidar
das crianças, cuidar da casa e da horta); ou trabalhar por conta própria (fazer mapa astral, vender
pão de mel, realizar projetos de arquitetura). Estas atividades compõem o que é chamado de “custo
de oportunidade” do emprego e é com elas que as pessoas comparam a opção de trabalhar para uma
empresa. Assim, uma pessoa decide ofertar sua mão-de-obra às firmas apenas se os benefícios do
emprego superam o custo de oportunidade, ou seja, os benefícios da mais atraente destas opções
alternativas.
O terceiro elemento que entra na determinação do trabalho é a barganha que se desenrola entre
empresas e trabalhadores. Empresas querem pagar menos, trabalhadores querem receber mais. Como
no caso dos produtos, um importante elemento para se definir o preço do trabalho (o salário) é a
competição: empresas competem entre si pelos trabalhadores e trabalhadores competem entre si
pelos empregos. A competição entre as empresas tende a elevar os salários, enquanto a por empregos
tende a reduzi-los.
Em situações em que o poder de barganha das empresas é alto, por exemplo, porque não existem
alternativas disponíveis interessantes aos trabalhadores, os salários tenderão a ser mais baixos. Já
em situação reversa, por exemplo, no caso de existirem várias empresas em busca de um certo tipo
de trabalhador, os salários tenderão a ser mais elevados. Um dos papéis dos sindicatos de
trabalhadores e patronais é justamente o de reduzir a competição entre seus membros para assim
aumentar o poder de barganha do grupo como um todo.
Um dos fatores que aumenta o poder de barganha dos trabalhadores é sua capacidade de migrar entre
empresas ou abrir seu próprio negócio. Alguns economistas consideram que mudanças ocorridas na
economia mundial a partir dos anos 70 alteraram a relação de barganha levando a um aumento na
renda dos trabalhadores mais qualificados.
A ideia é a seguinte: no mundo inteiro, vicejavam no período entre o pós-guerra e os anos 70,
empresas muito grandes onde eram desenvolvidas inúmeras tarefas relativas ao processo de
produção (as empresas eram ditas verticalizadas). Devido a menor pressão competitiva e também ao
menor fluxo de tecnologia e de comércio, cada empresa tocava suas operações de maneira bastante
própria, não havendo como hoje tanta convergência dos processos produtivos em direção ao mais
eficiente. Os trabalhadores, portanto, eram muito familiarizados com o processo produtivo dos seus
locaisde trabalho, mas sabiam menos dos processos das outras empresas. Por serem suas
habilidades mais específicas à empresa a que pertencia, era mais difícil mudar de emprego.
Sair e abrir um novo negócio também não era geralmente uma alternativa viável. Os mercados de
capitais eram menos desenvolvidos, sendo mais difícil levantar recursos suficientes para se abrir
uma nova empresa.
Em resumo, os trabalhadores qualificados nesta época tinham oportunidades mais restritas fora da
grande empresa e isto enfraquecia o seu poder de barganha, o que afetava adversamente seu salário e
as condições de trabalho.
Com o passar do tempo, desenvolveram-se novas tecnologias flexíveis que tornaram a empresa
pequena mais eficiente; o mercado financeiro se desenvolveu e aprofundou suas operações de
financiamento, possibilitando o trabalhador insatisfeito com a firma sair e abrir um novo negócio; e
cresceu o fluxo de tecnologia entre setores e países, levando a certa convergência do processo
produtivo que aumentou a capacidade de migração do trabalhador de uma empresa para outra.
Todos estes fatores contribuíram para aumentar o poder de barganha dos trabalhadores qualificados,
o que em parte explica a melhora em seus salários e condições de trabalho vivenciadas desde então.
Similarmente ao caso dos preços, apenas mudanças que afetem o interesse das firmas pelos
trabalhadores, o destes em ofertar trabalho, ou a barganha entre ambos é que levarão a alterações de
longo prazo, concretas, nos salários.
A lei que estabelece a remuneração de um terço a mais que o salário normal no mês de férias dos
trabalhadores não mudou a produtividade do trabalhador, e não alterou os benefícios que ele traz à
empresa. Tampouco afetou o custo de oportunidade do trabalhador, ou o jogo de barganha entre
firmas e trabalhadores. Cheira, portanto, a truque.
No curto prazo, a lei deu sim aos trabalhadores uma remuneração real extra, mas como nenhum dos
três determinantes do salário se alterou, com o passar do tempo, e à medida que empresas e
trabalhadores foram se adaptando ao novo ambiente e assinando novos contratos de trabalho, este
ganho foi sumindo. O ajuste se deu no salário mensal pago pela empresa, agora menor no montante
necessário para compensar a obrigatoriedade de se pagar um terço a mais por ano.
Em uma economia de mercado, os salários mensais, assim como os preços, não estão fixos. Portanto,
vinte anos depois, nada mudou por conta da lei obrigando as empresas a pagar este um terço a mais
nas férias. Esta insignificância econômica da lei, após alguma reflexão, não é surpreendente: ao
tomar suas decisões de contratar ou não trabalhadores, as empresas estão considerando o custo total
de contratação. Da mesma forma, trabalhadores também consideram em suas escolhas não apenas o
salário mensal, mas sim todos os ganhos do trabalho, incluindo a remuneração das férias, o décimo
terceiro salário e demais benefícios.
Para a empresa, não faz diferença alguma pagar, digamos, 12 salários de R$ 1.300 reais ou 13
salários de R$ 1.200 reais, ou ainda 6 salários de R$ 2.600, pois o custo anual é o mesmo para ela
em qualquer destes arranjos. A empresa vai escolher contratar o trabalhador se esperar um benefício
proveniente do trabalho dele superior a esse custo total, e ponto final. Se uma lei obriga a pagar um
número maior de salários, após algum tempo o salário mensal ajusta-se para baixo.
Da mesma maneira, para o trabalhador, o que importa é o bolo total, e não somente o salário mensal.
Isto ajuda a explicar porque, por exemplo, um funcionário público que ganha por mês menos que seu
par do mercado privado não necessariamente deixa o setor estatal pela iniciativa privada. Os outros
benefícios que o trabalhador estatal tem compensam o salário mensal menor, como, por exemplo,
menor risco de desemprego e aposentadoria mais elevada. É por uma lógica similar que, para um
mesmo nível de qualificação, pessoas que desenvolvem tarefas mais arriscadas ou mais
desagradáveis, como ser mergulhador de plataforma de petróleo, ou trabalhar no turno da madrugada,
recebem salários mais elevados.
Usando nosso arcabouço básico, podemos analisar os efeitos de um imposto sobre o salário. Neste
caso, a empresa leva a taxação em conta na hora de escolher contratar ou não um outro trabalhador,
já que para ela o que importa é o custo total de contratação e não apenas o salário. Por outro lado, o
imposto pago pela empresa não altera a remuneração do funcionário e, portanto, não afeta os
incentivos do trabalhador a ofertar sua mão-de-obra.
Assim, do lado das firmas o imposto gera uma menor procura por trabalho, mas do lado dos
trabalhadores ele não gera menor oferta. Esta combinação leva inicialmente a um aumento do
desemprego e, posteriormente, a diminuição dos salários. O primeiro impacto é no desemprego
porque existem impedimentos a ajustes automáticos dos salários (por exemplo, é necessário aguardar
a próxima renegociação salarial, dado que os contratos fixam o valor nominal dos pagamentos por
um certo prazo). Estando as empresas impedidas, por algum tempo, de ajustar os salários para baixo,
a taxação impactará mais pesadamente a quantidade de empregados contratados, e o lucro, ambos
agora menores. No longo prazo, após os ajustes à nova situação, o impacto negativo sobre os salários
passa a ser a consequência mais importante do novo imposto sobre o trabalho.
As empresas consideram em suas escolhas não apenas os custos presentes, mas também os futuros.
Por exemplo, leis que aumentam os custos de demitir funcionários influenciam não apenas as
escolhas das empresas sobre demissões, mas também suas decisões sobre contratações.
Até aqui, viemos tratando o salário como algo homogêneo, comum a um grupo que denominamos
genericamente de trabalhadores. Mas as diferenças salariais entre as pessoas são grandes, há
trabalhadores e trabalhadores. No Brasil então, estas disparidades salariais são enormes, entre as
maiores do mundo. O gerente de informática de uma grande empresa ganha mais de 10 vezes que o
faxineiro. De modo geral, na base da questão da desigualdade de renda está o fato de que
profissionais qualificados ganham salários bem maiores que profissionais pouco qualificados. Mas
além disso, há também diferenças expressivas de salários entre profissionais com qualificação
similar, mas que residem em países diferentes: a faxineira na Inglaterra ganha substancialmente mais
que a faxineira no Brasil. Por quê?
Focando na escolha das empresas, um fator chave para entender os salários é a produtividade do
trabalhador. As empresas querem profissionais que rendam bastante, que gerem lucros maiores. A
concorrência entre empresas por trabalhadores mais qualificados fará com que os salários desses
profissionais sejam altos. Por exemplo, um engenheiro que garante alta produtividade para a fábrica,
um gerente de marketing que inventa uma boa maneira de vender cigarros, um médico especialista em
remover tumores serão certamente muito bem remunerados. Em média, quanto mais qualificado for
um profissional de certa área de atuação, maior será seu salário.
Infelizmente, muitos brasileiros, em diversas profissões, possuem baixo nível educacional e pouca
qualificação. Isto implica em salários baixos, por dois motivos. Em primeiro lugar, sendo menos
qualificados, estes trabalhadores não serão capazes de executar trabalhos que trazem alto retorno
para a empresa. Em segundo, como no Brasil a quantidade de profissionais pouco qualificados é
muito grande, seu salário é adicionalmente deprimido pelo fato de este grupo numeroso competir
pelas mesmas vagas.
Vejamos então a questão da diferença salarial entre profissionais similares de países diferentes. A
faxineira na Inglaterra ganha muito mais do que a brasileira não por limpar melhor a casa ou por ser
mais produtiva, mas sim porque há menos pessoas na Inglaterra que escolhem esse tipo de trabalho.
Menos gente oferta o serviço de faxineira e, portanto, seurendimento, é maior. Além disto, como os
salários nos outros setores da economia são mais altos lá do que aqui, a faxineira só aceita exercer
esta profissão por um ganho mais alto. Em termos do nosso arcabouço básico, o custo de
oportunidade da faxineira – dado pelo salário em outras atividades que ela poderia escolher exercer
– é mais alto na Inglaterra do que no Brasil. Aqui há muitas pessoas dispostas a trabalhar como
faxineiras porque há muitas pessoas sem qualificação suficiente para almejar outros tipos de
trabalho. A grande oferta de faxineiras reduz o rendimento obtido por cada uma e não é por outro
motivo que mesmo famílias com poder aquisitivo não muito alto contratam faxineiras para limpar
suas casas. O custo – seu salário – é baixo.
Analisemos agora os possíveis impactos de uma intervenção do governo no rendimento de faxineiras.
Como uma lei garantindo um preço mínimo por um dia de faxina afetaria este mercado? A lei não
muda os incentivos para as escolhas dos patrões, nem para as das faxineiras, ela só altera a barganha
entre eles: não tendo como pagar menos que este salário mínimo legal, algumas famílias limparão sua
própria casa e algumas faxineiras vão amargar o desemprego. Portanto, a lei vai beneficiar as
faxineiras que continuarem trabalhando e estavam ganhando menos que o preço mínimo agora
imposto aos patrões. No entanto, a lei tem um efeito colateral: ela é prejudicial para o grupo das ex-
faxineiras agora desempregadas, dado que ao novo preço menos famílias contratarão faxineiras.
Leis que estabelecem um salário mínimo têm, portanto, dois efeitos: elas aumentam o salário das
pessoas que continuam com seus empregos, mas tendem a gerar desemprego. No Brasil, o debate
sobre o salário mínimo é muito contagiado pelo impacto deste sobre as aposentadorias e sobre as
contas do governo. Isto é uma particularidade brasileira, que se deve ao fato de os benefícios
previdenciários de muitos aposentados estarem, por lei, vinculados ao mínimo. Em princípio,
contudo, aposentadoria e salário mínimo são tópicos bem diferentes.
Recentemente no Brasil, foi aprovada uma proposta de lei que aumentou o período da licença
maternidade das mulheres que dão à luz, de quatro para seis meses. A intenção de possibilitar que as
recém mamães fiquem mais tempo com os filhos é louvável, mas como no caso do salário mínimo
das faxineiras, esta proposta também tem efeitos colaterais. Aumentar o período de licença
maternidade significa, para as empresas, um aumento do custo de contratar mulheres em idade onde a
probabilidade de gravidez é mais alta. Como são as empresas que escolhem quem contratar, elas
terão menos incentivos para empregar mulheres nessa idade.
Se leis como a de um terço a mais nas férias não geram efeito nenhum no longo prazo e a imposição
de um salário mínimo elevado beneficia alguns mas prejudica outros, o que se pode fazer para
aumentar de fato a remuneração das pessoas menos qualificadas, que passam necessidades por conta
de um rendimento insuficiente?
Como vimos no capítulo 3, as empresas procuram estimular a demanda por seus produtos para poder
assim cobrar preços mais altos. Da mesma maneira, para aumentar o salário dos trabalhadores, nada
melhor que estimular o interesse das empresas em contratá-los Para isso, a melhor solução é torná-
los mais produtivos.
E uma política pública eficaz para torná-los mais produtivos é investir em sua qualificação,
aprimorando seu nível educacional. Isso traz benefícios em duas frentes: em primeiro lugar, o
profissional mais qualificado executará trabalhos mais rentáveis para a empresa (e que, portanto
pagam mais). Em segundo lugar, ao diminuir o número de pessoas com menor qualificação, diminui-
se o contingente de pessoas dispostas a trabalhar em empregos como o de faxineira ou lixeiro, e
aumenta-se consequentemente a remuneração daquelas que seguem nestas profissões.
Outras políticas públicas têm impactos nos salários não por modificar a escolha das firmas, mas por
afetar as decisões dos trabalhadores. Por exemplo, quando o programa bolsa-escola foi
implementado no distrito federal em meados da década de 90, algumas mães de família contempladas
pela ajuda financeira deixaram de trabalhar para outras famílias. Optaram por largar as profissões de
passadeira, faxineira, empregada, etc.
O programa bolsa-escola foi suspenso no governo seguinte. A então secretária da educação havia
dito em entrevista a um programa de televisão de Brasília que “pelo menos cinco amigas minhas
perderam suas passadeiras quando seus filhos começaram a receber a bolsa-escola. Ganhou o peixe,
não precisa mais pescar”.[3]
Trabalhar como passadeira é uma escolha. Sem o auxílio proveniente do bolsa-escola, a estas
mulheres restam poucas opções além de trabalhar pelo pagamento que for possível obter para ajudar
no orçamento familiar. Mas, com o bolsa-escola abre-se outra possibilidade: elas podem escolher
ficar em casa e cuidar dos filhos. Ao dar essa opção às mães de famílias pobres, esses programas
assistenciais reduzem o contingente de passadeiras dispostas a trabalhar pelo salário vigente.
Sobram donas de casa querendo passadeiras e, assim, a remuneração da passadeira sobe.
Consequentemente, menos donas de casa vão querer passadeiras. Contudo, algumas passadeiras
decidem seguir no ramo até porque o salário agora está mais alto (ou porque não tem filhos) e após o
ajuste à nova situação, quando não estão sobrando nem passadeiras, nem donas de casa, o salário da
passadeira para de subir.
Vejamos detalhadamente o que faz o preço da passadeira subir. A dona de casa que ficou sem
passadeira ao preço antigo (por conta do bolsa-escola), mas que está disposta a pagar um pouco mais
para ter suas roupas passadas, consegue manter a antiga passadeira ou contratar uma nova, pagando
um pouco mais. Simultaneamente, a passadeira que quer continuar trabalhando começa a notar a
mudança na demanda por seu trabalho: com a falta de passadeiras no mercado, as passadeiras
começam a ser mais requisitadas. O processo não é instantâneo, mas passadeiras e donas de casa
percebem logo a nova situação e não tardam a se adaptar. O resultado final é menos passadeiras
ganhando mais e mais ex-passadeiras cuidando dos filhos.
É importante notar que o bolsa-escola melhora também a vida de mulheres pobres que não têm filhos,
ao aumentar o salário das passadeiras que continuam na profissão. Esse efeito é similar ao impacto
da busca do aposentado pelo preço mais baixo no preço do livro pago pelo executivo, discutido no
capítulo anterior.
O efeito do bolsa-escola é bastante diferente do efeito do salário mínimo: no caso do bolsa-escola,
algumas pessoas passam a escolher cuidar de suas famílias ou de seus afazeres ao invés de trabalhar
para outras famílias; no caso do salário mínimo, pessoas que gostariam de estar trabalhando e
recebendo o salário vigente não conseguem mais arrumar trabalho. O primeiro amplia o leque de
escolhas do trabalhador, o segundo o reduz.
Portanto, o bolsa-escola reduz os incentivos dos que ganham pouco a trabalhar. Assim, os salários
sobem e o número de pessoas trabalhando cai. Essa é uma boa política pública? A importante
discussão sobre quais políticas públicas devem ser implementadas será retomada em capítulo futuro.
Por que algumas profissões pagam tanto? Ídolos do futebol e da música são extremamente bem
remunerados porque muitas pessoas estão dispostas a pagar para assistir suas performances. Basta
um clique no controle da televisão e lá está o Neymar fazendo suas acrobacias nos gramados da
Europa. A tecnologia moderna permite que milhões de pessoas possam ver o Neymar nas suas TVs, e
isto explica porque os clubes estão dispostos a pagar tão caro por ele.
A vontade, o sonho de se tornar um Neymar, ou uma Ivete Sangalo, explica porque muitas pessoas
estão suando as camisas nas equipes juvenis de futebol e cantando nos bares por cachês módicos.
Elas não estão ali só pelo dinheiro que

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