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· I partida e o de chegada; esse fato não ocorre alhures, como na germanística ou na eslavísrica, por exemplo. Desse modo, o campo românico se torna um laboratório em que se experimenta a eficiência de novas metodologias; essa situação privilegiada levou Leo Spitzer a considerar a rornanistica como a praeceptrix linguisticae. A farta documentação disponível dispensa o recurso a hipóteses e suposições. Dispõe-se de fatos que levam o pesquisador do concreto para o abstrato, do singular para o con- junto e para o geral, ou "do microscópio para o rnacroscópio", na expressão de Schuchardt. Enfim, a Filologia Românica se rege pelos princípios da indução, que se coaduna melhor com a natureza de seu objeto. .r ')-' LÍNGUAS ROMÂNICAS ORIGEM DAS É sabido que as línguas românicas provêm do latim; o termo "latim", porém,- não é univoco.já que existem numerosas variedades. Interessa à Filologia Românica particularmente o chamado "latim vulgar", eminentemente falado e, por isso, de reconstituição árdua, mas a verdadeira fonte das línguas românicas. É preciso tam- bém saber como essa variedade do latim foi levada a todos os recantos do Império Romano, a documentação existente, além de os fatores que propiciaram o apareci- mento de várias línguas a partir desse latim vulgar. o LATIM E SUAS VARIEDADES Originariamente, o latim era apenas o dialeto de Roma, restrito à margem do rio Tibre. Língua de camponeses e pastores, era rude, concreta e sem refinamento de qualquer espécie. Pertence à família indo-européia e, dentro dela, ao grupo Kentum. Juntamente com o osco dos samnitas, o sabélico, o volsco, o umbro e o falisco, o latim forma o grupo chamado itálico (ver mapa 2, p. 354). Quando os romanos começaram a se projetar, a Itália era um mosaico de raças. Os pouco conhecidos etruscos, ao norte de Roma, atingiram elevado grau de civilização e no século VI a.C. dominaram Roma e estenderam seus domínios até Cápua, ao sul. Contudo, por volta do ano 500 a.C, Roma conseguiu expulsar os dominadores etruscos do rei Tarquínio, o Soberbo, e implantou a República. A estra- tégica posição da cidade, no coração do Lácio e de toda a península, facilitou a con- solidação da cidade como potência emergente; com hábeis alianças, como o Foedus Cassianum no princípio do século V, que estabeleceu uma aliança estreita entre Roma e os povos itálicos, e também com várias guerras, os romanos venceram as resistên- cias de povos poderosos, como os sarnnitas ao sul e os etruscos ao norte. Com a vitória sobre Pino, rei do antigo Epiro nos Balcãs, chamado contra a expansão romana pelos gregos de Taranto, vitória obtida em Benevento, em 275, depois de várias derrotas perante 20.000 mercenários, 3.000 cavaleiros e 26 elefan- tes trazidos por Pirro, encerra-se a primeira fase da expansão de Roma; seu domínio abrange a Itália desde a Sicília até a planície do rio PÓ. Ao mesmo tempo, enfrenta- va dificuldades internas com a revolta dos plebeus endividados e espoliados de seus direitos civis contra os patrícios; uma tropa armada dos plebeus ocupou o monte sagrado do Aventino, em 494, e só se retiraram depois da criação dos concilia plebis tributa, isto é, assembléias do povo por tribos, fato que constitui o primeiro tipo de greve de que se tem notícia. Mas a igualdade de direitos só foi conseguida em 287 a.C; com a admissão dos plebeus em todas as magistraturas. Datam desse época também as primeiras colônias romanas nos territórios con- quistados na Itália, importante fator de latinização da própria península. Em 272, todo o território da Itália faz parte da confederação romana e praticamente todos os povos se submetem ao direito romano, pagando impostos e obrigando-se ao serviço militar. Quando Cartago se firmou como potência naval, no século 111a.C, os roma- nos fizeram vários tratados de não agressão com os cartagineses, Subjugados os sarnnitas depois de três guerras, bem como os demais povos da Itália, lançaram-se os romanos à guerra contra Cartago. A primeira guerra púnica (269-241 a.C.) ter- minou com o estabelecimento da primeira "província", a Sicília, em 241, e logo depois as da Sardeuha e da Córsega em 238. Apesar das vitórias de Aníbal, a segun- da guerra púnica (218-201) aniquilou o poderio de Cartago depois da batalha de Zama, vencida por Cipião, o Africano. Desde então os romanos passaram a chamar o Mediterrâneo de more nos/rum. Mas só depois da terceira guerra púnica (149- 146), com a destruição de Cartago, o norte da África se torna província romana (146) (ver mapa I, p. 353). Expandindo-se em várias frentes, Roma incorpora a Hispânia em 197, o IIIyricum em 167, a Grécia, denominada Achaia, em 146, a Ásia Menor em 129, a Gália Narbonensis em 120. A Gália Cisalpina, conquistada em 191, tornou-se pro- víncia em 81, bem como a região dos vênetos, submetidos em 215. A Gália Transalpiua, denominada também Coma ta ou Melenuda, foi a grande conquista de Caio Júlio César em 51-50. O Egito tornou-se província em 30 a.C; a Récia e o Nórico em 15 aC., a Panônia em 10 d.e., a Capadócia em 17 d.C; a Britânia em43 e a Dácia em 107 d.C, sob o imperador Trajano (98-117), que faz as últimas conquis- tas, incorporando também a Arábin cio Norte, a Armêuia, a Assina e a Mesoporâmia entre 114 e 117. Com isso. o Império Romano atingiu sua extensão máxima, comum total de 301 províncias (ver mapa I, p. 353). Essas datas indicam gerallllente o início da larinização, que não teve, porém. a mesma profundidade em todas as províncias. No Oriente, a latinização foi bastan- te superficial; a Hispânia e a Sardenha exigiram dois séculos para uma romanização efetiva, enquanto outros territórios. COlllO os Agri Decuniates e a Britânia, nunca foram totalmente assimilados, embora haja marcas do latim por toda parte. Dentro desse vasto território, o latim era a língua dos dominadores. Em con- tato com tantos idiomas diversos, o latim influenciou-os e foi por eles influenciado, principalmente no léxico da variedade lingüística denominada latim vulgar, falada pelo povo, como se verá mais adiante. Além disso, o aumento da riqueza, advindo das conquistas, o crescimento populacional de Roma e o desenvolvimento da cultura refletiram-se no latim, diversificando-o em diversas normas lingüísticas, geralmente bem documentadas. Procedendo a um rápido retrospecto histórico do latim, enco •.i: .... - pruner- ro documento, a Fíbula de Preneste, aproximadamente do ano 600 a.C: MANIOS MED FHEFHAKED NVMASIOI (Manius me fecir Numerio). Ainda que seja um docu- mento isolado, essa inscrição é aceita como um ponto de referência inicial para a his- tória do latim, ao lado de outros escritos epigráficos, como os epitáfios dos Cipiões. Nessa fase das origens, o latim devia ser relativamente uniforme, tendo como foco irradiador de influência o sermo urbanus de Roma. Nas primeiras conquistas, os romanos costumavam destruir as cidades e levar seus habitantes para Roma. Depois abandonaram esse costume; assim meSIl1O, porém, a população da cidade aumentou bastante. Uma das conseqüências foi a acen- tuação das diferenças sociais entre a classe mais alta dos patrícios, oficiais militares, dirigentes etc. e a mais baixa, a plebe, fato que se refletiu na língua; essa diferença acentua-se ainda mais por volta do século IV comum crescente refinamento cultural das classes altas. Delineiam-se então duas normas lingüísticas: o sermo urbanus, a linguagem do estrato social mais culto, e o sermo plebeius da massa popular inculta, designação genérica, na qual se distinguem o sermo rusticus, a fala descuidada dos camponeses pastores, o sermo castrensis do importante segmento militar e o sermo peregrinus, usado pelos estrangeiros em geral, cada vez mais numerosos, e aprendi- do de ouvido, por isso também a mais alterada. Aprendeste, pois, que nós não podemos ser semelhantes a Amafinio ou a Rabírio, que sem arte algu- ma discutem sobre as coisas que Ihes caem sobos olhos numa linguagem vulgar. ---> Português ---> Galego ---> Castelhano ---> Catalão -> Provençal -> Francês ---> Rético ---> Sardo ---> Italiano ---> Oalmático ---> Romeno ·-=''31~; ----. __ o i Com a conquista da chamada Magna Graecia, que compreendia boa parte do sul da Itália, muitos gregos foram levados para Roma em 272 a.C; entre eles Livio Andrônico, que viria a ser o iniciador da literatura latina. Em 240, Livio apresentou em Roma sua primeira peça teatral, provavelmente uma tragédia segundo Cícero (Bruf/ls, 72) e Titus Pomponius Atticus (110-32 a.C.) em Liber Annalis; ambos se basearam nas pesquisas de Varrão, pois a peça se perdeu. Livio fez também lima adaptação da Odisséia de Homero ao mundo romano, sob o nome de Odissia. Nasceu assim a literatura latina, que conta ainda com Névio (poesia épica e dramática), Ênio (épica, dramática e lírica com a introdução do hexâmetro dactilico), Lucílio (sátira), Marcus Publius Cato (prosa) e Plauto (comédia). Desse modo, embora com grande influência grega, começou a formação de outra norma lingüística, escrita e sempre mais estilizada, o sermo litterarius ou classicus. O período áureo do latim literário vai de 81 a.C, com o primeiro discurso de Cícero que cbegou até nós, Pro Quintio, a 14 d.e., ano da morte do imperador Augusro. Essa norma conservou-se uniforme por oito séculos aproximadamente e só com dificuldade se encontram particularida- des regionais, como a patavinitas do historiador Tiro Lívio. Essas diversas normas lingüísticas não eram desconhecidas pelos autores lati- nos. Cícero (106-43 a.C.] e Quintiliauo (30-95 d.C.) distinguem claramente a urbe- nitas da rusticitas, respectivamente em De Ora/ore 111, 11, 42 e em Institntio Oratoriae, XI, 3, 10. Profundo conhecedor do latim, Cícero menciona também em outras passagens essas variedades, com em Ad Familiares, IX, 2 I: terarius. Mas é claro que Cícero distingue bem duas modalidades lingüísticas: a usada costumeira mente nas conversas das pessoas cultas, como o próprio Cícero e os dois autores citados por ele no texto, e a outra. na qual se deve usar arte. A língua coloquial das classes cultas denomina-se sermo urbanus Oll nrbanitas, sertno usuolis ou IIS/lS. sermo cotidianus ou cotidionitas, sermo consnetudinarins ou consuetudo, ou ainda, sermo vulgaris. manuda por vários romanistas como sinônimo dos anteriores, que não deve. porém, ser confundido com o que normalmente se entende por latim vulgar. Os dois textos não aludem ao latim falado pela grande massa popular. aliás. ignorado por gramáticos e escritores de modo sistemático. Certamente não se encon- trarão no sermo "li/garis das cartas de Cícero ou nos escritos de Arnafinio e Rabino as formas rejeitadas superlex (por suppel/ex), im!ifllenullIs (por e!lefninullIs), fi cela (porfi'igida) e tantas outras documentadas pelo Appendix Probi ou conservadas nas tabellae defixionum, nas inscrições tumulares etc. Essa variedade denomina-se sermo plebeius ou nisticus (rusticitosi, peregrinus (peregrinitasv e castrensis ou tnilituris. Modernameute, a designação mais aceita é latim vulgar. O seguinte gráfico sintetiza a história e os desdobramentos dessas três varie- dades do latim: Que apreço eu a ti nas cartas? N50 pareço tratar contigo na língua do povo .. Pois costumamos tecer as cartas com as palavras do dia a d:.-;'. Fíbula de Preneste 600a.C Quid tibi cgo in cpistulis videor? Nonne ptebeio sennone agere teeum .. Epistulas vcro cotidiauis verbis texere solcmus. Ou ainda com mais clareza em Academica, I, 2: 5 e r m o tJ'> séc. IV a.C.~'Qo 1J1eó eius Oidicisti enim non posse 1l0S Amafinii aut Rabirii similes esse, qui nulla arte adhibirn de rebus ante oculos positis vulgari sermone disputam [ ...] N30 se pode supor que Cícero, no primeiro texto, afirmasse estar usando a norma gramaticalmente incorreta da massa inculta; também n30 afirma que Amafinio (filósofo estóico) e Rabino (poeta épico) do segundo texto se expressassem na norma popular: diz apenas faltar-lhes aquela forma artística esmerada, própria do sermo /il- Resumindo, segundo esse esquema "cacto deitado", a partir de meados do século 111 a.c., distinguem-se três normas no latim de Roma: a. o sermo classicus ou/iflerarius: burilado, artístico, sintético, só escrito, que atin- giu o ápice estilístico no período áureo da literatura latina entre 81 a.C. e 14 d.C.. tanto na prosa com Cícero, César e Salústio, como no verso com Virgilio, Horácio, Ovidio, Lucrécio e Catulo, É uma estilização do sermo urbanus. b. O sermo urbanus: a língua falada pelas classes cultas de Roma, certamente cor- reto do ponto de vista gramatical, mas sem os refinamentos e a estilizacão da variedade literária, denominada vulgaris por Cícero. Os falantes dessa norma eram também os principais detentores da norma literária. c. O sermo plebeius: essencialmente falado, era a norma da grande massa popular menos favorecida, analfabeta. Foi metodicamente ignorada pelos gramáticos e escritores romanos, mas era viva e real; apresenta variantes sobretudo no léxico, segundo o modo de vida dos falantes, distinguindo-se o sertno rusticus, o castren- sis e o peregrinus. Quanto aos numerais, o latim vulgar conhece apenas os cardinais, com os quais expressa todas as relações de número. Dos outros três tipos ~ ordinais iprinms, seX/IIS. vicesimus, octingentesiniusi, elistributivos (singu/i, seni, viceni, duceni) e multiplicativos iseme}. secies, vicies. ducentiesi - encontram-se poucos vestígios apenas das primeiras formas dos ordinais. Mesmo com os cardinais ocorre uma uni- formização pela troca da subtraçào. C0l110 em duodeviginti (18), undeviginti (19), pela adição. resultando detem (el ou (fe) octo, decein tet ou ae) novem: o mesmo pro- cesso foi depois aplicado também aos outros números, como decem (er) scx, decetn leI) se;;/1'.1I1 ele .. simplificação atestada pelas línguas românicas. O gênero neutro, herança do indo-europeu. em uma complicação, já que semanticamente não se distinguia do masculino e a diferenciação formal era muito pequena: assim os neutros singulares passaram para o masculino, eliminando-se um problema antigo de palavras de gênero flutuante, como aevus e aevutn ("época"), caseus e caseuiu ("queijo"), collus e CO//1I111 ("pescoço") etc. Os plurais neutros da 2". declinação em -(/ foram considerados nominativo singular da I"., couvsiotio. ligno, piiu etc. O gênero neutro, entre as línguas românicas, só se encontra no romeno e em escassos vestígios em outras. Considerável simplificação deu-se nos pronomes demonstrativos e indefini- dos principalmente. Dos seis demonstrativos (is, hic, iste, ille, ipse e idem) permane- ceram apenas três iiste, ipse e ille), que expressam de modo simples e claro as mes- mas funções das formas amigas, ainda que com o auxílio de partículas ele reforço, como ecc 'isle ou ecell 'iste, também accu'ille. inetipse ou metipsimus (> porto mesmo. cast. niistno, fr. nieme, it. medesimo ete.). Nos pronomes indefinidos, cujo conteúdo, signi ficativo era vago por natureza, distinções tênues não podiam se manter e muitos foram eliminados; perdeu-se a distinção entre alteri e olius; uter e quis, uterque e quisoue. entre outros. Na sintaxe, o latim vulgar não faz mais as distinções entre 11011e ne nas nega- ções, generalizando o non; o uso da preposição de generalizou-se e substituiu ab e ex, de dificil distinção sob o aspecto semântico. A maior simplicidade na sintaxe veri- fica-se também na ordem das palavras na oração e na construção do período, até certo ponto conseqüência da perda dos casos e das declinações. -=~: CARACTERÍSTICAS DO LATINl VULGAR C0l110 as línguas românicas provêm do latim vulgar, obviamente é essa norma lingüística que interessa particularmente à Filologia Românica. Para caracterizar o latim vulgar é prático e concludente compará-lo com o literário, muito bem caracte- rizado pelos grarnáticose escritores. Desse cotejo conclui-se que o latim vulgar, em relação ao literário, é: y.e>v.. C\ ~ I.," .-,-- ,.. ,~v. o W,.vY,. t». I", ..l/'_~\·c•..- b. Mais ANALíTICO De acordo com sua origem indo-européia, o latim era uma língua essencial- mente sintética, rica em recursos flexionais, com os quais expressava muitas funções e relações entre os termos da oração. As deficiências desse sistema flexional eram supridas por torneios analíticos. A perda sempre crescente das flexões no latim vul- gar tornou-o cada mais analítico pelo uso de preposições, advérbios, pronomes e ver- bos auxiliares para expressar funções e relações entre os termos. As preposições a. Mais SIMPLES em todos os níveis Na fonética, a perda da quantidade vocálica e sua substituição pelo acento intensivo, por exemplo, trouxe como conseqüência, entre outras, a redução das dez vogais (as cinco longas e as cinco breves) a sete, seis ou cinco apenas, segundo as diversas regiões da Rornânia, com específicas evoluções posteriores. Na morfologia, as sutis e pouco claras distinções flexionais das declinações foram reduzidas; as semelhanças fizeram com que a 2".' declinação absorvesse a 4"., que acabou desaparecendo. A 5". declinação detinha um número relativamente peque- no de palavras e se confundia facilmente com a 3". ou teve a flexão -ie substituída por -ia e incorporada à I"., fato de que há muitos exemplos, como materies e materia, luxuries e luxuria.facies efacia, dies e dia, variações encontradas no uso vulgar desde época antiga. Em conseqüência, uma parte das línguas românicas herdou a distribui- ção do léxico nominal em três grupos, decorrentes das três "declinações" do latim vul- gar, como o português, por exemplo, que da I'. declinação tem nomes em -a imensa > mesa), da 2". em -o (libru > livro) e da 3'. em -e ou consoante (occiden/e > ociden- te; imagine> imagemiferoce >/eroz;facile >/ácil). substituem as flexões casuais. O futuro passa a ser expresso por perífrase com ver- bos auxiliares, como cantare habeo ali cantare v%; emprega-se o indicativo onde o clássico usava o subjuntivo: Quid debeo dicere? por Quid dicam? Muito clara é a tendência analítica do latim vulgar ao eliminar as formas sin- téticas da voz passiva dos verbos 110 infectum, através da generalização do modelo analítico do perfectuut, amor ("sou amado"), aniabar ("era amado") e amabor ("serei amado") foram substituídas por amatus S/l17/, amatus eram e amatus era, criando-se as formas, inexistentes na norma culta, GI1JClIusfui, amatus fueram. amatus [uero. Com isso, eliminou-se a dualidade de formas na expressão da voz passiva, prevalecendo o processo analítico, que foi conservado pelas línguas românicas em todas as formas passivas, formadas pelo particípio + aux ser « esse), ressalvando-se apenas o rome- no, que emprega afi «fieri) em lugar de esse. Um tipo particular de forma sintética observa-se nos chamados verbos depoentes, como ulciscor ("vingar-se"), obliviscor ("esquecer-se"), patior ("sofrer"), que tinham forma passiva, mas sentido ativo. Causavam muitas confusões e por isso desapareceram bastante cedo, sendo substituídos por formas ativas, como se pode ver na Carta do soldado Rustius Barbarus a seu amigo Pompeu (início do século" d.C.): ~ c. Mais CONCRETO O caráter concreto do latim vulgar é uma decorrência ciomodo de Vida ele seus falantes e de sua mundividência, voltada sobretudo para os problemas materiais. Esse aspecto tem reflexos em todos os aspectos da lingua, sendo porém mais evidente no léxico e na sintaxe. Assim, termos abstratos, denotativos de qualidades e de atividades intelec- tuais Oll de generalizações, que pressupõem trabalho de abstração, são praticamente desconhecidos, ao passo que os nomes ele coisas concretas são muito numerosos . .A busca dessa concretude se faz sentir no modo claro, analítico e objetivo de expressar os pensamentos através do uso cle artigos. pronomes pessoais, possessivos etc. A necessidade ele lima melhor caracterização e identificação elos substantivos levou à criação dos artigos definidos e indefinidos, inexistenres no latim literário. embora haja, desde a fase arcaica, ocorrências de ille e ipse (ou a variante ipsus) com função e significação de artigo definido e de 111111.1', indefinido, como o conhecido: SiClItllJlIIS parcr familins his de rcbus loquor, (Cícero. De Onnore, I, 132) Falo sobre essas coisas como um pai de familiu. Si 1<111[sie] cito virdia mi 1101l mines, stati amicitiam (liam obliscere debio? Na VII/gata, os exemplos são ainda mais claros, como o encontrado em Mateus 26.29: Acccssit ud CIII1l lI11a uncillu. Se não me envias tão logo as verduras, devo jit esquecer tua amizade? Aproximou-se dele uma empregada. O latim literário expressava o comparativo de superioridade e o superlativo dos adjetivos por sufixos próprios em formas sintéticas: altus - a/tior ("alto" - "mais alto") e altissimus; em casos especiais, como com os adjetivos em -eus, -ius, e -U1lS (magis idoneus, magis dubius e magis arduusi ou por motivos estilísticos, o latim literário lançava mão das formas analíticas com magis ou maxime. O latim vulgar, porém, simplificou o sistema, usando sempre a forma analítica no compara- tivo de superioridade, certamente influenciado analogicamente pelo de igualdade e de inferioridade ("tamquam" e "rninus - quam"), e formando o superlativo analiti- camente C0111 advérbios de intensidade (va/de, maxime). Certo número de compara- tivos sintéticos foi conservado nas línguas românicas, provenientes de maior, minoi, melior e peior. As formas do superlativo absoluto sintético hoje encontradas nas lín- guas românicas, menos no romeno, foram reintroduzidas na época do Re- nascimento, sendo portanto eruditas. Note-se que as formas comparativas conserva- das são muitas vezes confundidas com o superlativo, já nas Glossas de Reichenau: optintos: meliores. É certo que os artigos se firmaram como tais na fase romance. O fato, porém, de que todas as línguas românicas os têm, permite afirmar a existência deles no latim vulgar. No léxico, o latim vulgar conservou as tendências das origens, quando as acepções abstratas tinham por base sempre um termo designativo de algo concreto: pulare significava erirnologicamente "podar" e só posteriormente "julgar" (pois para "podar" de modo correto é preciso "julgar" os ramos <1 fim de selecionar os mais viçosos); rivalis era aquele que repartia as águas do rio (rivlIs) para irrigação ou para o gado e depois "competidor", pela insuficiência da água disponível; versus era o sulco deixado pelo arado e posteriormente "linha de escrita"; altus, "alimentado" (part. pass. de afere) e depois "que cresceu pela alimentação", "alto"; sapere, "sabo- rear", "ter gosto", depois "saber", "ser entendido". Na sintaxe, a ausência do hábito da abstração leva os falantes do latim vulgar a preferir as frases não ligadas entre si, sem expressar explicitamente as relações ele dependência. Predomina a justaposição, inexistindo a complicada correlação dos tempos. São comuns os torneios assi ndéticos do tipo Volofacias ("Quero que faças"), Cave ardas ('Tome cuidado para que não caias"). As inscrições fornecem muitos exemplos de periodos assindéticos, como os seguintes: Sarra, non belle facis solum me relinquis. (CIL, IV, 1951) Sarra, não ages amavelmente, tu me deixas sozinho. I Vineis: gaudcs, perdis: pioras. (lnscnptiones l.atinoe Selectae, 9453) Vences: ficas contente, perdes: choras. Bene labes oze, a (ssem) des: eras graus. (CIL, 8244) Toma um bom banho hoje, pngn um vintém; amanhã é grátis. Do mesmo modo, poucas são as conjunções empregadas; das coordenativas, apenas o et é encontrado: das várias alternativas (an, aut, sive ou seu, vel) só aut era usada, ao passo que das adversativas, explicativas e conclusivas (sed, ar, inuno, verUIII, quin. en ini , natn, ergo, itaquei não se conservou nenhuma no romance. Essesaspectos são suficientes para se concluir que de L1tOa língua é um refle- xo da cultura ele seus falantes, uma manifestação ele seu modo de viela regido pelas imposições concretas das necessidades imediatas. d. Mais EXPRESSIVO Considerando-se o caráter eminentemente falado do latim vulgar, deve-se supor nessa comunicação a ênfase, a espontaneidade e a afetividade, antigas tendên- cias do latim. Essa característica explica as consoantes gemi nadas em nomes bem populares, como "ptippa ali "atta, "pai", mamma, "mãe", nassus depois l1aS1IS, "nariz", bucca, "boca", guttur, "garganta", braccüúium Oll bracchiuni, "braço", lip- pus, "ramelento", gibbus, "corcunda",jlacc/ls, "caído", "de orelhas compridas", sic- CUJ', "seco" e outros. Em muitos desses \ ocábulos, a etimologia não explica as gemi- nadas, a não ser em razão da expressividade popular em tais termos correntes de conteúdo concreto>. O mesmo se observa nos nomes de animais domésticos, como vacca (mas sânscr. vaçã), "vaca",.gaflllll1, "galo" e caballus, "cavalo". A reduplicação é outro recurso expressivo de origem popular: gurgulio ou curculio, "caruncho", populus, de origem itálica (cf. umbro popiuv; "povo", excep- cional em relação ao tipo indo-europeu. Alguns sufixos verbais e nominais de origem popnlar são carregados de expressividade; assim os verbos de sentido inicialmente freqüentativo em -tare, for- mados à base do supino do verbo originário, como *specio - spectare; cano - can- 29. Para outros exemplos e maiores aprofundamentos, vejam-se Meillet. Esquisse dune histoíre de {a JauguC' latine, p. 166 SS. e Maurer. O Problelllll do Lalilll VlIlgar, p. 184 SS. .1 _--==r-- I tere, e em -itare - vivo·- victitare. Produtivo foi o sufixo formador de nomes de agen- te em -a, designando pessoa de nível social inferior, como verna ("escravo nascido na casa do senhor"). vopp« ("vinho estragado", "patife"), scurra Ccivil" e "parasi- ta") e o nome próprio Agrippa. Note-se ainda a gemi nada dos três últimos e a cono- ração pejorativa dos três primeiros. ,)( A afetividade transparece de modo particular através de palavras com sufixos diminutivos, bastante numerosas no latim vulgar, que deram origem a corresponden- tes romànicos, embora com perda do caráter~ill1inut~. Desse modo. de vetus ("velho") formou-se o diminutivo afetivo vetulus, registrado no n". 5 do Appendix Probi sob a forma popular veclus ivetnlns flori vecluss. donde port. velho. casto viejo. cato vell, provo "iel/I, fI'. vieil, eng. I'egl, friul. viel), it. vecchio, log. vettsu. vegl. vie- klo, rOI11. l'echil/. A expressividade está em innicuta por auris, também panrornâni- ca: port. arelha. cast. oreju, cat. orella, provo unrelha, fr, oreil!e (> ír anr. oreg!ia), eng ural 'a, friul. OI'e/ 'e, log. oriva, it. orecchio, vegl. orakla, rem. ureche. O mesmo se verifica em acus > acucutc Cagulha"), apis > opicula ("abell18"), ({gnu.\' > ognet- 11/.1' ("cordeiro"). age: > agcllns ("campo cultivado"), sigl1l/l11 > sigithnn ("sinal"), pedi.\' > pedullwfus ("piolho"). O gosto pela forma diminutiva é uma característica da linguagem familiar do povo romano, encontrando-se algumas ocorrências mesmo nos escritos mais populares de Cícero e de Horácio. H{I os de caráter realmente dimi- nutivo, denotando mais a pequenez elo objeto, como acucula por acus j"'I',:!ulha"), lenticulu por lens ("lentilha"); mas é evidente a afetividade eml1epliClfí.! por neptis Cneta" e "sobrinha"), U/I/IW/lI por anus l"velha"). Também o sufixo -0/1-, uma das origens do nosso -ão, foi muito produtivo no latim vulgar, designando geralmente qualidades pouco recomendáveis, como aleo - aleonem ("jogador") de a/ea Co dado"). Outras vezes, tem sentido aurnentativo de reforço, nas duas raizes indo-européias designativas de "homem", guerreiro e macho. "ner- e "wiro-: no emprego corrente, o latim conservou só vir, que: se encontra na Ibéria "virone > porto burào > varão, cast. boron; ner- ficou na forma sufixada no sobrenome Nem, Neronis. Em nomes de objetos, -0/1- tinha primitivamente sentido pejorativo ou aumentativo como em talum > taloneni ("calcanhar"), conservado no it. tallone, friul. talon, fr. talon, provoe cal. tulo, porto raleio; bostum > bastoneni (port. bastào, fr. báton, it. bastone. prov, basIOJ1,cal. e casto baston). Outros exemplos são cap(p)ol1eJ1l por capum ("capiio"), coleonem por coleum ("testículo"), ericionem por ericium ("ouriço"), corduum > cardum > cardonem ("cardo"), em que também a supressão do hiato !-l\ll-! revela a origem vulgar do termo. A língua clássica é muito sóbria no emprego de formas expressivas e afetivas. mantendo sempre um caráter aristocrático e solene. A língua popular, porém, mante- ve os recursos expressivos do latim arcaico, alguns dos quais foram apontados acima. Com a evolução normal da língua, muitos termos expressivos substituíram os primi- tivos e com isso perderam a conotação característica, como se verifica na maioria dos correspondentes românicos. e. Mais PERMEÁVEL A ELEMENTOS ESTRANGEIROS São inevitáveis as influências recíprocas entre os idiomas, sobretudo os empréstimos léxicos. A norma culta latina era refratária a empréstimos, admitindo apenas termos designativos de algo novo ou técnico. A atitude dos detentores da norma culta nos é indicada por Cícero em De Officiis, 21: Ut enim sermone eo debemus uti qui notus est nobis ne, ut quidam, Graeca verba inculcan- tcs, iure optimo irridenmur. Assim, pois, devemos lisa r aquela linguagem que IlOS e conhecida, para que. como alguns que introduzem palavras gregas, não sejamos ridicularizados com toda razão. Cícero cita a maior fonte de empréstimos léxicos em todos os níveis, o grego, A cultura grega, mais elevada que a latina e atuante pela presença de muitos gregos em Roma, desde a conquista da Magna Grécia, em 240 a.C.. de fato forneceu o maior contingente de vocábulo (10 léxico latino, mesmo ao literário. Na língua popular, esses empréstimos são muito numerosos, pois não havia entre seus usuários nenhu- ma preocupação purista. Entre os empréstimos gregos melhor representados nas línguas românicas citam-se: petra por lapis (port. pedra, cast. piedra, cal. pedra, provopeira, fr. pier- re, eng. peidra, friul. piere, log. pedra, it. pietra, vegl. pitra, rorn. piatrã ; (REW 6445); chorda porfunis ("corda"), colaphus por ictus ("golpe"), spatha por giadius ("espada"), culamus por harundo ("caniço"), cyma por cacumen ("pico") etc. Há ainda muitos empréstimos ou decalques antigos, como [lei' ("ar"), apotheca ("des- pensa"), ba/(i)newIJ ("b(1nllO"), comera ("abóboda"), c(h)a/are (ficou em "calado" do navio - "ceder"), corona ("círculo"), ctapula ("bebedeira"), grabatus ("catre"), gubernare ("dirigir"), lampas ("lâmpada"), machina ("invenção", "instrumento"), macellum ("açougue", mercado de carnes e de peixes), oleum ("óleo"), phalanga ("estaca "), poena ("castigo"), punire ("punir"), striga ("feiticeira"); outros são mais tardios, como bursa ("bolsa"), cara ("cabeça", "rosto" - século VI, suplantan- do VU/tu5), encaustum ("tinta", usado por atramentunii, cata ("cad(1"), podium ("estrado", "balcão"), tumba ("túmulo") e outros. Muito antigos são os empréstimos itálicos, sobretudo ascos e umbros, como bos ("boi"), lupus ("lobo"), scrofa ("porca"); influências dialetais explicam formas diver- gentes como bubalus e bufalus ("búfalo", panrornânico), bubulcus e bufuicus ("vaquei- ro" - it. bifolco, "lavrador"), i/ex e elex ("azinheira"),Pllmex epotnex ("pedra pomes"), sibilare e sifitare, das quais há representantes nas línguas românicas: sibilare > rom. )t-'.L1....>-- r ~~'v CY' ;:: ~. ,}---v- C' . siuera, mac.vrom. siura esniru, lriul. sivil«, provosiuku: cal. siular e xiulor. cast, si/bar: de si/i/are> Ir. .vi{ller e c1ri{ller, provosi/lar e siblar, cast. chillar, cato xiltar e chiilar, campo suloi e suilai; também tuber e tu/à ("cogumelo comestível"). Destaque-se o caráter concretoe cotidiano do conteúdo semântico desses empréstimos. Através da Gália Cisalpina, conquistada em 81 a.C; muitos termos celtas entraram no latim vulgar, por exemplo: carrus ("carro", panromânico), aluda (> fr. alouette, provo aiausu. cat. 0/01'0 - "cotovia"), betullo ("vidoeiro" - árvore), cervi- si« ("cerveja"), carpentiun CcruTuagem"), marg« ("calcário"), sapo ("sabào"), bec- cus ("bico" - substituiu iustrun: > porto rostov. CrlIII/lJil1l1S ("fogão"), cambiore ("tro- car"), leuca ("légua"), bracue ("calç~"), cuniisiu ("camisa", panromânico), scortun: ("como"). Esses empréstimos celtas foram incorporados pelo latim vulgar antes da grande expansão do Império: não poucos ascenderam à norma culta, sendo encon- trados na literatura. sobretudo em obras de caráter mais popular. Os empréstimos ibéricos são mais regiolnis e apenas alguns tiveram difusão mais ampla, como glll'dlls ("grosseiro", "gordo"). baia (cal. badia, casr. e port. buia, fr, baic e it. baia). Os gel'l11anismos só se encontram nas línguas românicas ocidentais, menos os que vieram atraves cio celta, como os citados sapo, bracac e camisia. Fontes latinas documentam alguns, como (J/'jl1gllS ("arenque" - século 111),burgus ("castelo" _ século IV), brutes ("noiva") Do século 111em diante, quando os germanos se torna- ram mais numerosos nas legiões, entram outros empréstimos ou decalques referentes à atividade militar, como werra ("guerra"), he/III ("capacete"), +wamyan ("guarnir", "guarnecer"), wartlttn ("guardar"), suppu ("sopa", panrornânico, menos romeno); de gah/aiba (gah ["vivo", "alegre"] + laibo ["gr~nde pào"]) formou-se companio [CU/I: +, jJlIl1(is) + io] Ccompanheiro", o que come do mesmo pão). De outros termos correntes no latim vulgar não se conhece com certeza a ori- gem, corno cattus ("gato", ibérico ou africano), caballus ("cavalo", celta, asiático ou b(1lcânico), sappinus ("abeto"), busiuni ("beijo"), rocca ("rocha"). O fato de se encontrar certo número desses empréstimos léxicos também em outras obras literárias mostra que as rliversas normas do latim não eram estanques e que havia influências mútuas. Por outro lado, fica muito clara a permeabilidade do latim vulgar às influências estrangeiras em toda a sua história; assinale-se ainda o caráter concreto dessa norma: todos os empréstimos designam objetos, animais, plantas, vestes, ações etc. ~ A LATINIZAÇÀO A história da língua latina, particularmente do latim vulgar, está intimamente ligada à do Império Romano. À medida que se expandiam as fronteiras do Império i» OJo ." 11 r O I-c (j) 1) por meio de conquistas e de hábeis alianças, alargava-se também o espaço territorial do latim. Crescendo com o Império, decaiu com ele, mas não morreu: em situações geográficas e em condições sociais, econômicas e culturais diferentes, do latim vul- gar, falado pelas populações deixadas pelo refluxo político de Roma, nasceram as línguas românicas, que o perpetuam. Como já se viu, toda a Peninsula Itálica, com exceção apenas da parte ao norte dos rios Macra e Rubicão, fazia parte do Império de Roma. Etnicamente, porém, era um conglomerado de raças, destacando-se: a. Os etruscos, entre os rios Arno e Tibre e conhecidos por Tusci, donde o nome de Toscana para o território ocupado, e também por Tyrrheni, daí Tirreno, o mar ao oeste. Possuidores de elevada civilização no séculovt a.c., chegaram a dominar Roma e a ocupar a costa tirrena ao sul, até a Campanha, fixando-se em Cápua, Nola e Pompéia e, ao norte, até a Emilia e a Valpadana. Dos etruscos vêm prova- velmente os nomes da própria Roma (RlIIlla) e do rio Tibre (etr. Thepre, Iat. Tiberis); o alfabeto latino foi inspirado pelo etrusco, que se baseou, por sua vez, no alfabeto grego. Quanto li origem, discute-se se a língua etrusca era autóctone ou asiática, ligada ao indo-europeu; as muitas inscrições conhecidas, C0l110 a "telha" de Cápua, a placa de chumbo de Magliano, o cipo de Perúgia, são em geral breves e de natureza funerária e por isso só com nomes próprios; as mais longas são poucas e de interpretação difícil. Os romanos adotaram dos etruscos o uso dos três nomes (praenomen, nomel!. cognomen), como Marcus Tullius Cicero por exemplo, diversamente de todos os outros povos indo-europeus; também alguns nomes romanos correspondem exatamente a semelhantes etruscos, como etr, Aule = lat. Aulus, etr, Fapi = lat. Fabius, etr. Petrumi = lat, Petronis e outros. Na toponímia, são de origem etrusca Chianti < etr. Clante, Modena < etr. 171 11ta- na ("túmulo"), Vai/e/Ta < etr. Velathri, Todi < etr. tular ("cipo", "coluna com ins- crições"), lat. Tuder. O sufixo -na, com as variantes -ena, -enna, -ina, identificam nomes etruscos como Ravenna, Porse(n)no, Caecina, Maecenas. b. Os chamados povos itálicos incluíam os umbros, os oscos, os sarnnitas, os volscos, os sabinos, os auruncos e os picenos. Lingüisticamente, dividiam-se em dois gru- pos: latino-falisco, ou seja, o latim e o dialeto de Falerii, cidade situada no territó- rio etrusco, onde hoje se encontra Cività Castellana, na província de Viterbo; e o osco-umbro (ou umbro-sabélico ou itálico propriamente dito) compreendia os seguintes dialetos: I. O asco dos antigos samnitas, falada no Samniurn, Campanha, palie da Lucânia e do Abruzo e em Messina, na Sicília. É conhecido através de aproximadamente 200 inscrições, das quais as mais importantes são a Tabula Bantina e o Cippus Abellanus; 2. Os dialetos sabélicos, pouco conhecidos, eram falados no território entre o Samnium e a Úrnbria; o pelinho, o matrucino, o vesti- C:'~..' .... ~...-:._~~..-- . .....,....-- :~~i;: I_., 1 C!L (" Q....---\...-f"-0. (' 1·- ~)_ 0-/',--'-. .....' c.. --------------~ 110, o mársic» e o sabino são variedades dialetais sabélicos. O volsco, falado ao sul da Úmbria na I·egiào costeira. aproxima-se mais do umbro, e é conhecido especial- mente pela inscrição da faliu/a Vellilema: e 3. O umbro era falado na Úrnbria anti- ga, menor que a atual, situada entre os rios Tibre e Nem, sendo o dialeto mais ao norte dos dialetos itálicos. É bem conhecido graças às famosas "Tábuas lguvinas". c . Japigios e messápios habitavam nas regiões elo Abruzo e da Apúlia, até 8 Península Salentina. Sua língua, o niessúpico. é indo-européia. próxima do iliri- co: foi implantada nas regiões citadas, ao que tuelo indica, por volta do início do primeiro milênio a.c.: um número considerável de inscrições elo messápico foi recolhido e publicado por F Ribezzo (1875-1925) em Corpus Inscriptionwn Messapiconnn. Encontram-se traços na roponimia (ver mapa 2, p. 354). d. Os gregos fundaram muitas colônias nas regiões do sul da Itália: segundo Eusébio de Cesaréia. a fundação de Cuma data de 1050 a.C. A colonização mais intensa é elo século VIII a.C. atingindo maior extensão nos dois séculos seguintes. abran- uendo também a Sicilia segundo Tiro LíVIO e Esrrabâo. O conjunto das cidades ~regas é conhecido por Graccia Mllgl/o ou Graecia Motor. em grego MEYcX"-11 'EÀ,,-éu;, nome mencionado pela primeira vez por Políbio (11,39, I). OS dialetos falados na tvlagna Grécia eram dóricos: ainda que sejam encontrn.k. "lllprésti- mos antigos ao latim, a latinização do território foi mais lenta e difn:d por causa da superioridade da cultura grega; o grego persistiu ali até época tardia. Ainda nos tempos de Tácito (55-120 d.C}, Nápolis era considerada urbs quosi Graeca. Ainda hoje se fala grego na região de Bova, ao sul da Calábria, e na "Terra d'Otrauto" ao sul da cidade de Lecce. Discutem os pesquisadores se essas duas' ilhas do grego são continuaçào da antiga língua da Magna Grécia ou conseqüên- cia da dominação bizantina de 535 a t071. Muitos dos já mencionados emprésti- mos gregos mais antigos vieram da Magna Grécia. e. Na Sicilia, habitavam dois povos, os sicanos na parte ocidental e os síCII/OS na oriental, dos quais se encontram vestígios na topouimia. Sobre a língua dos sica- nos há divergências quantoà origem: poderia ter vindo da lbéria e não ser indo- européia, ou pertencer ao grupo itálico. A dos siculos, na qual existem algumas inscrições, glossas e nomes próprios, tem características indo-européias Também um povo lígure teria ocupado parte da Sicilia em época muito antiga. Entretanto, as pesquisas elo substrato levaram a supor uma língua ainda mais anti- ga, chamada J/ledilerrâ/lea, comum à Sicilia, à Sardenha, e á Córsega, como tam- bém ao sul da Itália, territórios em que se encontram os íonemas cacuminais e a tendência a passar -11-> - dd- (por exemplo: lat, cabal/li> log . kaddu "cavalo") (ver mapa 2, p. 354). A latinização desses povos, localizados aproximadamente ao sul da linha La Spezia-Rimini, iniciou-se assim no século III a.C. A posição estratégica de Roma, no coração do Lácio.junto à foz do rio Tibre, transformou-a no centro de irradia- ção da Península, facilitando a consolidação das conquistas. Internamente, em 509 a.C, foi expulso Tarquinio, o Soberbo, o último rei etrusco, e estabelecida a República. Em 390 a.C; Roma foi saqueada pelos gauleses, mas a cidade se refez com bastante rapidez. Enfrentou depois as lutas internas entre patrícios e plebeus, que só terminaram com a admissão dos plebeus em todos os cargos em 287 a.C .. Para consolidar seu domínio sobre os povos da Itál ia conquistada, os romanos concederam-lhes a cidadania, ficando assim submetidos ao direito romano e à obrigação do serviço militar. Com o surgimento de Cartago como potência econômica e militar, empenharam- se os romanos nas chamadas guerras púnicas; a primeira (269-241) terminou com a criação da primeira província romana, a Sicília, em 241, seguidas pela da Sardenha e pela da Córsega, em 238. Com a vitória de Cipião, o Africano, em Zana (202), termina a segunda guerra púnica (218-20 I) C0111 a capitulação de Cartago e <1 cessão elo território ele Siracusa a Roma. Mas só depois da terceira guerra púnica (149-146), Cartago é destruida por Cipião Emiliano, cognominado por isso Africanus Minor; o norte da África torna-se província romana e o Mediterrâneo é chamado niare nostrum pelos romanos. Bem organizada internamente e dominando o Mediterrâneo, depois das guerras púnicas, Roma expandiu rapidamente seus domínios. Desse modo, quando da morte de Trajano em 117, o Império Romano havia atingido sua extensão máxi- ma com 301 províncias e estados confederados, abrangendo praticamente o mundo então conhecido, com exceção do extremo Oriente e dos povos gerrnâni- cos de alem do Reno (ver mapa I, p. 353). Neste vasto território, foi implantado o latim. Algumas regiões, porém, não che- garam a ser latinizadas, CO:,10 a Grécia, o Egito, a Ásia Menor e os territórios mais orientais do Império; outras só foram superficialmente, como a Britânia e os Agri Decuntates. Em geral, o processo de latinização foi lento, como a Hispânia, por exemplo, cuja conquista teve início em 218, durante a segunda guerra púni- ca, com desembarque em Ampurias e a posterior ocupação de Sagunto (215), Cartagena (208) e a região da atual Andaluzia; a tomada de Jaca (197) consoli- dou a conquista. Contudo, apenas em 19 d.C. a região dos Montes Cantábricos, ao norte, foi efetivamente romanizada. Outro exemplo é a Sardenha que, embora incorporada em 238 a.e., somente em meados do século I d.e. estava de fato romanizada. Sobre as características dos idiomas dos povos incorporados ao Império Romano, será dito o necessário em tópicos específicos, já que o grau de importância entre eles, como substrato de uma língua ou de um dialeto români- cos, varia consideravelmente. FATORES DA LATlNrZAÇAO Lntinizaçâo ou rornanizaçáo é a assimilação cultural e lingüística dos povos incorporados ao universo da civilização latina. O fato de tantos povos de língua, raça e cultura diferentes terem adotado a língua e, pelo menos em parte, a civilização dos ven- cedores é um fenômeno único na história da humanidade. Essa aceitação. porém, não se deveu a imposições diretas. As conquistas romanas tinham caráter político e econô- mico: não houve por parte de Roma pretensão de impor aos conquistados sua língua ou sua religião: ao contrário, considerava o uso da língua latina como uma honra. Se os druidas foram perseguidos na G~lia. isso aconteceu porque o uso de vítimas humanas nos sacrifícios feria o direito romano, ao qual se dava grande valor e importância. O Novo Testamento mostra que os romanos não eliminavam instituições políticas, religio- sas ou juridicas, obviamente desde que não conilitantes, dos povos incorporados: o povo judeu manteve a religiào, o sinéclrio, o sumo sacerdote, os levitas e os saduceus: ate a casa real de I-1erodes continuou a existir. Deviam pagar os impostos, enquanto as legiões cuidavam da segurança e ,10 governador romano era reservada a palavra final em questões Jurídicas específicas, como no caso da condenação <i morte. De modo geral, a política foi de aproximação a Roma dos povos conquista- dos. Depois da destruição de Alba Longa, os romanos compreenderam que o sistema de arrasar as cidades e levar seus habitantes para Roma não podia continuar; passa- ram então a deixar que as comunidades subjugadas continuassem a existir. Habil- mente procuraram fórmulas jurídicas que lisonjeavam o amor próprio e patriótico dos vencidos, embora tais fórmulas sempre fossem mais favoráveis a Roma, quer pro-; pondo-Ihes alianças de diversos tipos, como o Foedus Cassianum (século V a.C.), que uniu estreitamente a Roma os povos itálicos, quer pela concessão da tão cobiça- da cidadania romana, mas raramente a "plena" (com iura. honores e 1II//lIem) e, com certa facilidade, a "menor", ciuitas sine .\·/tffi-agio, a cidadania sem direito a voto. Se Roma não impunha sua língua nem cerceava o livre uso dos idiomas nati- vos, a latinização só poderia concretizar-se indiretamente. Os principais fatores desse processo são descritos a seguir. EXÉRCITO ROMANO As legiões foram, sem dúvida, a base do Império e de sua expansão. Como ponta de lança, o exercito era o primeiro a entrar em contato com os outros povos, tanto na conquista como na subseqüente ocupação. O exército era composto por legiões de 6.000 homens, com várias subdivisões, C0l110 os II/Wlipllli (Césnr, De Betlo Gallico, 2,25,2), a trigésima parte de uma legião ou cerca de 200 homens, e as cenruriae (Livio, 1,13,8),60 por legião com 100 soldados cada, sob o comando de um centurião. Com isso, a latinização da Dácia foi tão rápida e profunda que em aproximadamen- te cinqüenta anos estava definitivamente integrada ao Império, conservando a latini- dade mesmo quando abandonada por Roma e invadida pelos bárbaros. O peso e a importância das colônias civis no processo de latinizaçâo é eviden- te; eram milhares e milhares de pessoas falando o latim em contato direto e constau- O soldado era inicialmente recrutado na Itália, dentre a plebe; com a expansão, porém, a Península não dispunha de contingentes suficientes para suprir todas as necessidades do serviço militar. Por isso passou a ser recrutado nas províncias já rornanizadas, cuja língua usual era obviamente o latim vulgar. Políbio nos dó uma idéia da movimentação de soldados ao citar um documento de 22S aC.. que conta para aquela época, antes da segunda guerra púuica, 423.000 soldados aliados para 325.000 de cidadãos romanos. Dadas as crescentes necessidades, o serviço militar passou a ser obrigatório para todos os itálicos em 89 a.e.. Antes da guerra civil, César e Pornpeu passaram a recrutar provincianos não cidadãos; César recrutou sobretudo nas Gálias Cisalpiua e Transalpina. O imperador Augusto (63 a.C-14 d.C.) dava preferência ao soldado da Itália, mas permitia o recrutamento nas províncias mais romanizadas, prin- cipalmente nas cidades. As tropas ditas "auxiliares" (auxilia) eram constituídas só de estrangeiros, muitas vezes homens incultos do campo; constituíam metade de um exército de aproximadamente300.000 homens no inicio do século 1 d.e.. No fim desse século, a Itália não fornece mais legionários, como se deduz da ausência de nomes itálicos no cemitério de Carnuntuiu, na Panônia; eles provêm de fato das pro- víncias mais romanizadas e as tropas auxiliares, das menos integradas. Esses dados mostram a importância do exército como fator de difusão do latim vulgar sob a forma usada nas províncias de origem ou aprendida no exército, o sermo militaris ou castrensis, variante do latim vulgar. Em contato permanente com a população subjuga da, eram milhares de indivíduos latinizando, difundindo a cultu- ra e a língua latinas, sem que o percebessem. zavam profundamente, sob o comando de oficiais que certamente usavam o sermo urbanus, Quanto ao número desses veteranos. qualquer estimativa é difícil, mas sabe- se que, apenas durante os anos da guerra civil. receberam terra nesse tipo de colônia cerca de 500.000. ESShS considerações mostram bem a importância das colônias de veteranos como um ponderável fator de latinização (ver mapa 3, p 355). COLÔNIAS CIVIS COLÔNIAS lUTARES Desde as primeiras conquistas. quando os romanos removiam a população venci da, eram instaladas colônias civis para atender às demandas de terras por parte dos plebeus. Com a expansão do Império, essas colônias se multiplicaram em todas as províncias. Podiam ser "romanas", constituídas por cidadãos com todos os direi- tos (ius sl/{fj-agii e ius /1O/10rl1ll1) ou "latinas", daqueles que só tinham o ius latinuni. As colônias romanas eram menores, constituídas por cerca de 300 pessoas, isentas dos tributos pelo ius itulicum, enquanto as latinas chegavam a vários milhares. Eram estabelecidas em territórios subjugados paru garantir a ordem, !mp? f:liões e, obviamente, produzir alimentos e outros bens: quando sua finalidade 1,1·~upua era a produção de bens de consumo, denominavam-se "colônias agrárias" e foram instituí- das pelos Gracos (séculos 111-11 a.C.). Como recurso pam manter a paz e a coesão do Império, as colônias civis esta- vam espalhadas por todas as províncias, sobretudo na África, Península Ibérica, Gáli~l, Panônia, Nórico e Dácia. Suetônio, em De Vira Caesarutn (flllills Caesur. 42), relata que César assentou 80.000 cidadãos em colônias transmariuns, ao mesmo tempo em que proibia a saída da Itália de qualquer cidadão entre vinte e sessenta anos, a não ser em casos especificos, revelando que todo o processo era bem controlado. Conhecido é o caso da Dácia conquistada, segundo relata o historiador Eutrópio (século IV de.):O imperador Augusto, no ano 16 a.e., fixou o tempo de serviço militar em 16 campanhas; no ano 5 d.C; elevou esse tempo para 20; cumprido esse regulamento, os soldados eram aposentados. Augusto regulamentou esse costume já antigo; na época de Mário (157-86 a.C.) e Silas (138-78 a.e.) foram estabeleci das as colônias militares. Generais e magistrados recompensavam seus soldados, após a aposentado- ria, com terras produtivas, confiscadas a seus proprietários. Formavam-se, assim, colônias de militares veteranos, localizadas em todo o Império à escolha dos interes- sados; freqüentemente situavam-se as colônias militares nas proximidades das fron- teiras, buscando reforçar a defesa com a presença desses ex-ccmbatentes. Recrutados muito cedo, ao término do serviço militar eram adultos; caso ainda não a tivessem, recebiam a cidadania romana. Nas colônias, contraíam matrimônio com mulheres autóctones e a família falava latim. Mesmo os que tivessem vindo das províncias, permaneciam tantos anos no ambiente romano do exército que se rornani- Traianus, vicia Dacia, cx toto orbe Romano infinitas co copias hominum transtulcrut ad agros ct urbes colcndas. (Breviarium ub urhe COlidi/li, Vtll, 6) vcncidaa Dúci •.,. Trajuno havia transferido para lú imensas quanridadcs de homens de todo o mundo romano, paru que habitassem os campos c as cidades. te com a população autóctone. A rede de relações, que inevitavelmente se estabele- ciam, levava a uma uniformização lingüística e cultural (ver mapa 3, p. 355). ADMINISTRAÇÃO ROMA A Concluída a conquista, distribuíam-se adequada e estrategicamente as legiões e instalava-se a administração romana. Foi nesse contexto que surgiu a "província", de início o território que um magistrado com imperium administrava; impenum era o supremo poder administrativo, com o comando na guerra, a interpretação e a apli- cação das leis, até a pena de morte. No início de cada ano, normalmente as provín- cias eram atribuídas aos cônsules pelo senado. Até a primeira guerra púnica, todas as províncias estavam na Itália; fora da Península, as primeiras foram, como já se notou acima, a Sicília (24J a.c.) e a Sardenha (238 a.c.); em 197 a.C., criou-se a da Hispânia, logo dividida em duas, a Hispânia Citerior e a Hispânia Ulterior, governa- das por dois pretores adrede criados, com imperium especial: essas duas serviriam de modelo para as subseqüentes. A administração das províncias evoluiu bastante com o tempo. Incumbia-lhe mantê-Ias fiéis a Roma, promover sua defesa interna e externa, coletar os impostos (como o tributum soli, espécie de imposto territorial, o tributum capitis, soma fixa, denominado também stipendium, ou um dizimo em espécie, as decumae, muitas vezes coletado pelo publicani por delegação dos censores), e ministrar os serviços de aten- dimento jurídico, encargo geralmente exercido pelo praetor. Com algumas alterações, esse sistema foi aplicado a todas as províncias. Pelo ano 14 d.C., entretanto, as provín- cias foram classificadas em dois tipos: as senatoriais e as imperiais. As senatoriais (Narbonensis, Baetica, Numídia, África Proconsularis, Cyrene, Macedônia, Epirus, Achaia, Bithinia, Pontus) eram mais antigas e mais romanizadas, nas quais o exército se fazia menos necessário; as imperiais (Aquitânia, Gália Lugdunensis, Lusitânia, Tarraconensis, Dácia, Illyricurn) foram instituídas por Augusto. O Egito foi a primei- ra província a ser declarada "sujeita ao Povo Romano", com exclusão da ingerência dos senadores e governada por um prefeito eqüesrre, comandante também do exérci- to. Províncias menores, como a Judéia e o Nórico, eram entregues a prefeitos e, pos- teriormente, a procuradores, apenas com um destacamento, mas sem exército. Por essas resumidas informações sobre a organização da administração das províncias, percebe-se que os responsáveis pela gerência dos territórios pertenciam à aristocracia romana; conseqüentemente, falavam o sermo urbanus, como também os funcionários mais graduados. Os contatos permanentes com Roma e a duração rela- tivamente curta das gestões da alta burocracia favoreciam a unidade lingüística do sermo urbanus por toda parte. Por outro lado, com o relacionamento constante com i -----::;.--!--.- !J. I a comunidade da região, pode-se supor uma influência considerável da norma falada culta, ele maior prestígio. dos administradores sobre o latim vulgar. Esse contato per- manente era um obstáculo a que a norma vulgar se modificasse de maneira mais rápi- da regionalmente, mantendo-se mais ou menos uniforme nas diversas províncias. Algo semelhante devia acontecer também com o sermo castrensis, pelo relaciona- mento dos oficiais com os legionários. Contudo. ~ certo que o latim usado pela administraçâo das províncias foi um ponderável fator ele lnrinização, já que era veículo de comunicação nos contatos com a população. latina e nâo-larina, e a língua de todos os documentos. Acentue-se que o prestígio do idioma dos vencedores se impunha e atraia sobretudo as elites conquista- das, os que buscavam títulos e cargos e todos quantos quisessem prestar serviço de qualquer espécie à administração, como os publicani por exemplo. Começavam apren- dendo latim, tendo como primeiro pon to de referência o idioma da administração. OBRAS PÚBLlC;.\S Com o exercito, com as colônias civis e militares e a administração, os roma- nosespalhavam pelas províncias sua cultura, sua língua e seu estilo de vida. Buscando integração e coesão entre as panes do Império, construíam obras' públicas que serviam a seus intentos, mas beneficiavam a toda a população. Dentre essas obras, destacam-se: J. Estradas Como instrumento de acesso rápido entre as regiões pelo exército, pelos men- sageiros, comerciantes e pela população em geral, as estradas tiveram grande impor- tância na consolidação do Império e no processo de larinização. Conhece-se bem a história de dezenove viae. algo realmente excepcional para a época, como a famosa ViaAppia, que data de 312 a.C. principal ligação pavimentada com o sul da Itália até Brundisium, com 234 milhas (337 km): a Aemiliu. construida em 187 a.c. e fator fundamental da rápida romnnização da Gália Cisalpina; a Aemilia Scauri (107 a.C}: a Annia (153 a.c.), no norte da Itália; a Aurélin, na Etrúria, rumo ao norte; a Cássio e a Clodio, ambas na Etrúria: a Domitia, do Ródano na Gália até a Hispânia; a Egnatia (130 a.C), da costa do Adriático até Bizâucio; a Flaminia (220 a.C.), de Roma ao mar Adriático com várias ramificações; ,I Latina, antiga via irradiadora em direção ao sul da Itália; a Popilia, norte e sul até Rhegiurn; a Postumia (148 a.c.), direção norte da Iralia ,1Ié Gênova e Provença atual e para o leste até Aquilea e Bálcãs: a Clodia Augustu , na Raetia e na Germânia, e outras. As estradas sempre merecem muita atenção de imperadores, cônsules, censo- res e questores, que as pavimentavam com pedras e mantinham um serviço constan- te de manutenção tanto que trechos delas ainda hoje existem. b. Abastecimento de água Os aquedutos são com justiça considerados a principal contribuição de Roma para a arquitetura e a higiene. Os primeiros serviços de água foram os de Aquae Appia de 312 a.C. e de Anio Véflls de 272 a.c.. Os romanos acumularam considerável acervo técnico, desde a captação até a distribuição da água através de canais, túneis, pontes, sifões invertidos etc. Gastavam somas enormes nesse serviço. como no de Aqua Marcia, em Roma, em que foram aplicados 180 milhões de sestércios e no de Nicomedia, na Bitínia, 3 229 000. A distribuição era feita através de reservatórios tcastella) para fontes públicas, termas, banhos, saunas e consumidores particulares. Não se cobravam taxas e a manutenção era da responsabilidade da comunidade. Na República, esses serviços eram encargo dos censores ou edis, que tinham a "cura urbis"; Augusto instituiu os car- gos de "curatores aquarum" sob o comando geral de um cônsul (ver mapa 3, p. 355). Os principais centros urbanos de todo o Império dispunham desse serviço, encontrado até em regiões onde a latinização não chegou a ser profunda, como na Britânia (Aquae Sulis, Londinium e Ci/UrI7l1171bem ao norte) e na Síria (Dora-Europus, na fronteira com a Mesopotâmia). Obviamente, esse benefício público captava a simpa- tia da população, dispondo-a a assimilar a cultura romana e com ela a língua latina. c. Teatros O conhecido interesse dos romanos pelo teatro e representações levou-os a construir prédios para esse fim em todo o império. Embora baseados em modelos gregos, os teatros romanos evoluíram e, na época imperial, os arquitetos chegaram a modificar detalhes importantes dos protótipos gregos, com a columnatio. Desde o primeiro construído em Roma por Pornpeu, em 55 a.c., muitos teatros foram ergui- dos em cidades de alguma importância em todas as províncias, como por exemplo Termesso na Pisídia, Nicópolis no Epiro, Bostra, Es-Suhba e Gérasa na África, Arles, Orange e Lion na Gália, Mérida e Sagunto na Ibéria. Representavam-se comédias, patominas, exibições de mimos, de saltimbancos e espetáculos circenses. Não há informações precisas sobre o idioma usado nesses espetáculos; supõe- se que as línguas locais fossem ocasionalmente empregadas, mas o latim, em normas variáveis segundo o tipo de espetáculo, teve papel preponderante. Desse modo é pos- sível avaliar o peso dos teatros no processo de latinização. d. Outros edifícios A presença romana se fazia sentir ainda através de outros edifícios públicos, como o fórum, templos, basílicas, monumentos (arcos, colunas) e bibliotecas, sobretudo nas cidades maiores. Marcavam o grau de cultura e civilização de Roma e difundiam o latim. Quanto a escolas públicas, o Império não teve uma organização especial, embora o impe- rador ordinariamente pudesse conferir títulos e imunidade a professores; as escolas eram particulares e o poder público agia como benfeitor. César atraiu professores gregos a Roma, ofertando-Ihes a cidadania romana e Augusto os excluiu do decreto de expulsão (Suetôuio. Caesar. 42,2; Divus AlIgllstllS, 42, 3); Vespasiano criou a primeira cadeira de retórica latina e grega em Roma, cujo último indicado foi Quintiliano. Trajano deu o IlIl/IlUS educationis a 5.000 crianças pobres; as intervenções do Estado nas escolas torna- ram-se mais comuns na época tardia do Império, em pontos como escolha dos professo- res e fixação de escalas salariais. Em todo caso, um sistema educacional próprio nunca foi desenvolvido e o número de escolas era reduzido, atendendo sobretudo às classes mais altas. Centros ele cultura importantes eram raros, citando-se, lias séculos 11 e I a.c., Massilia (Marseille) na Gália, Alexandria no Egito. Antioquia na Siria, Tarso na Cilícia, Éfeso e Pérgamo na Ásia Menor, nos quais a influência grega sempre lei preponder<1nle. A primeira biblioteca pública foi fundada em 39 a.C. por Gaius Asinius Pollio (76 a.C.-4.cl.C.), com o espólio da guerra contra os partinos ela lIíria. No século 11 d.C; hav.a bibliotecas públicas em Thamugadi e Cartugo na África, em Nemausus na Gália, Dyrrhachium lia lliria, Phillipi na Macedónia e outras mais numerosas na Grécia e Ásia Menor. Obviamente, eram freqüentadas pelas classes mais altas e representnvam centros de irradiação da cultura latina, ainda que mesclada com mui- tos elementos assimilados dos gregos. Assim, latiuizando a elite d' .,,' +e. esco- las e bibliotecas muito contribuíram para a consolidaçào do Império. lU i-ifluên- cia das elites sobre a massa popular (ver mapa 3, p. 355). COMÉRCIO A localização geográfica de Roma transformou a cidade também em grande centro comercial. desde o início de sua história, primeiramente de toda a Itália e depois de todo o Império. De início, o comércio era livre, movimentado por várias categorias de profissionais: os lIIercafores ("negociantes"), os caupones ("tabernei- ros"), os naviculurii ("armadores") e os negotiatores ("negociadores"): esses últimos eram a um só tempo comerciantes, banqueiros, industriais e donos dos entrepostos. Até a época de César, eles tomaram conta do comércio com todas as províncias, incluindo depois a Britânia e a Dácia, movimentando um volume de cargas realmen- te grande. Comerciantes eloMediterrâneo visitavam a Germâuia, o sul da Rússia atual, a Sibéria ocidental e chegaram à China, mantendo um contato com os chineses atra- vés das províncias orientais e do 11'5, pelo oceano ou pelas rotas das caravanas. A difusão do latim por meio dessas atividades comerciais foi bastante apre- ciável, tanto que se encontram palavras latinas e gregas desse campo semântico no irlandês, no germ8nico, no pálavi (língua persa do período dos Sassânidas - 224-652 d.C.), no semita e iraniano e algumas até nas línguas indianas e mongólicas. o comércio externo das províncias era controlado por co/legia de negocian- tes, organizações particulares só oficializadas pelo imperador Adriano, cujos emissá- rios percorriam o Império em todas as direções. Tornaram-se importante fator de lati- nização, difundindo o latim até em regiões não pertencentes ao Império. Embora utilizassem uma terminologia própria e técnica, os comerciantes usavam normalmen- te o latim vulgar. FONTES DO LATIM VULGAR Os fatores indicados da latinização do Império Romano deixam claro que a norma vulgarfoi preponderante no processo de difusão e fixação do latim nas pro- víncias, uma vez que era falada pelo exército, pelos colonos civis e militares e pelos comerciantes - que mautiuham contato direto e permanente com as populações autóctones; os outros fatores sem dúvida foram importantes indiretamente. Contudo, o latim vulgar era uma língua falada, não havendo nenhum docu- mento escrito só nessa variedade lingüística. Os grarnáticos latinos o ignoram, a não ser em rápidas alusões, pouco esclarecedoras. Por isso, a documentação de que dis- pomos é indireta, além de incoerente e incompleta, estando aí a maior dificuldade encontrada na recoustiruição do latim vulgar. Só escreve quem aprendeu a fazê-lo e esse aprendizado, naturalmente, é calcado na norma culta. Assim, quem escreve, cor- rige, reduzindo ainda mais a possibilidade de serem documentadas as formas de fato usados na fala corrente, mas muito importantes para a Filologia Românica.já que são a raiz das correspondentes nas línguas românicas. Mesmo assim, a reduzida cultura ortográfica, a distração, a negligência e até a busca de possíveis efeitos estilísticos do escrevente, nos legaram uma considerável quantidade de informações que permitem uma reconstituição razoável do latim vulgar falado. Essa documentação, portanto, é incidental e por isso incoerente, pois, em geral, o escrevente não se dá conta de que está misturando níveis lingüísticos diferentes; a mesma expressão pode ocorrer em um só documento grafada de duas ou mais manei- ras diversas. Assim, por exemplo, a carta de um recruta, escrita em papiro tiO início do século Ii d.e. e encontrada em Karauis, no Egito, escreve COl1 matreni tneam ("com minha mãe") e con tirones ("com recrutas"), indicando a tendência de ~ ~bstitllir o ablativo com as Q.reposições todas. ao lado do correto cal! rebus meis ("com minhas coisas"), expressão certamente aprendida na escola. Escreve também, lado a lado, nihit e nil, nuhi e 11Ii, respectivamente a forma literária, escolar e a vulgar, falada, que vai explicar as românicas correspondentes como o port. mim, por exem- plo. Seria fácil multiplicar os exemplos em todos os níveis. Essas incoerências, porém, são providenciais, pois permitem perceber as tendências próprias do latim vulgar, encontradas também em suas continuadoras, as línguas românicas. Além de incoerentes, essas fontes de documentação são incompletas. Muitos vocábulos e fatos lingüisticos não foram documentados ainda, outros certamente nunca o serão, precisamente pela natureza incidental dessas formas, apesar de sua quantidade e variedade. -luitas dessas lacunas podem ser eliminadas fazendo-se o caminho inverso. ou seja, partindo das línguas românicas é possível postular, com segurança, a existência de Ulll vocábulo no latim vulgar, ainda que não documenta- do. Desse modo. as línguas românicas são realmente fontes de valor extraordinário na reconstituição do latim vulgar. principalmente se houver a concordância do rome- no, isolado das demais desde o século III d.C.. O trabalho filológico de reccnstituicão do latim vulgar utiliza-se de fontes de diversos tipos, inscritas e escritas. além da criteriosn comparação dos dados forneci- dos pelas línguas e dialetos românicos. Como fontes cio latim vulgar, destacam-se as descritas a seguir. INSCRiÇÕES POPULARES Volume considerável, ainda que muitas vezes fragmentário, de informações lingüísticas é dado pela epigraí'ia, isto é, a ciência que se ocupa da leitura e interpre- tação das inscrições antigas em "monumentos", ou seja, em material durável, como metal, pedras e madeira. Para a Romanistica são importantes: a. Inscrições purietuis Essas inscrições foram gravadas com estilere, menos comurnente a carvão, em muros, paredes, monumentos, banheiros etc.; são conhecidas como "graffiti". Existe um tipo considerado oficial, formas mais ou menos fixas e estereotipadas, contendo louvores aos deuses, elogios fúnebres, ioas a figuras nobres ou proeminentes. atas públicas ou particulares e outros assuntos semelhantes; essas são de pouco interesse para a Filologia Românica, a não ser as da época final do lmpério. As que interessam são populares, por seu caráter alirerário e de expressão clara da linguagem corrente das classes incultas. Todas essas inscrições foram reunidas por Th. Mornmsen, sob auspicios da Academia de Berlirn, no Corpus lnscriptionuni Latinanun e conhecido pela sigla CII., a partir de 1862, em 16 volumes, subdivididos em várias partes; cada volume contém as Inscrições duma cidade ou região. Coletâneas posteriores foram completando, por regiões correspondentes às antigas províncias romanas, as inscri- ções recolhidas pelo C/L; estão disponíveis as da Algéria, Tunisia, antiga África Proconsular, Marrocos, Gália Narbonense, Espanha (latina e visigoda), Itália, Síria, Panônia, Dácia, Astúrias, Galícia e outras. Paralelamente, foram publicadas outras coletâneas mais específicas, como a lnscriptioncs Latinae Christianae Vetares, de E. Diehl (1924-1930) e a Inscriptiones l.atinae Selectae, de H. Dessau (1892- I9 I6). o material epigráfico disponível é, portanto, muito abundante. De particular interesse filológico são as inscrições de Pompéia e de Herculano, cidades soterradas pela erupção violenta do Vesúvio em 79 d.C; as escavações encontraram inscrições muito bem conservadas pelas cinzas, que nos permitem uma visão do modo de vida de uma cidade da província. Relatam a ração alimentar dos escravos, os resultados dos jogos de dados, a data de nascimento de um burrinho, declarações de amor ou de ódio, de inveja, de alegria, erotismo etc. Só as recolhidas em Pompéia são cerca de 15.000: os próprios pornpeanos julgavam exagerada tanta pichação, segundo se vê na inscrição: Admirar, paries, te non cecidisse ruinis, qui tot scriprorum taedia sustineas. (c/L, IV, 19041 Admiro-me, parede, não leres caído em rui nas, tu que agüentas o tédio de tantos escritores. 'Em geral, esses escritos denotam a precária escolaridade dos escreventes pela abun- dância de vulgarismos, ausentes na epigrafia oficial. Um exemplo: Quisquis I ama, valia, I peria qu i n I osci amare ! Bis [IJ auti pe I ria quisqu I is amare vala. (CIL, IV, 1173) Viva todo aquele que ama, morra aquele que não sabe amar! Morra duas vezes lodo aquele que proí- be ':1Il1Clf. São bem perceptíveis algumas tendências do latim vulgar: a apócope de certas con- soantes finais, como o I-ti nas formas verbais (ama[tj, valia]t], peria]t], vOla[I)); em valia há a fuga do hiato, transformado em ditongo (valia por valea), preparando a futura paiatalização (cf. porto valha); a força da analogia na linguagem corrente em nOI! scit pelo tradicional e clássico nescit; o hiperurbanismo no uso do genitivo de preço bis tanti pelo usual bis tanto; e o arcaísmo vota por veta. Ontro exemplo (C/L, IV, 3948): Talia te fallant urinam mendacia, copo: tu vedes acuam et bibes ipse merum. Oxalá tais mentiras te enganem, taberneiro: vendes água c bebes tu mesmo vinho puro. No aspecto fonético, note-se a redução do ditongo laul a 101 em caupo > copo ("tabemeiro"), fenômeno de origem rústica e bastante difundido tCluudius > Clodius, cauda> cada, paupere > popere, fauce > face), embora o ditongo laul se tenha mantido em algumas línguas românicas, como no provençal e no romeno. A síncope da nasal em vedes por vendes verifica-se também em algumas línguas româ- nicas, como no português e no gascão. A indistinção entre lil e leI átonos em vendes +-="1,= I~r'---- . \ ,s~~- .:.: J ,-) por vendis e em bibes por bibis é bastante comum nesses documentos e indica clara- mente que as formas do futuro não eram usadas, pois essa indistinção entre vendis e bibis, formas do presente indicativo, e vendes e bibes, do futuro, suprimia o elemen- to distintivo; é uma das razões por que nenhuma língua românica herdou essa forma do futuro. Em acuam por aquani há sem dúvida um caso de hiperurbanismo,já que a tendência vulgar era substituir a lábio-velar Iqu-I pela velar simples /c-I com som de Ik-I, como em anticus por antiquvs, ecus por equus, como por quomo (do) etc. Reforça essa suposição a escolaridade relativa do escrevente, revelada pela melodia e construção dos períodos e pela manutenção das consoantes finais, sobretudo o l-m/ dos acusativos. b. Tabellae defixionum São inscrições, também conhecidas como "plaquinhas de execração", geral- mente de metal (chumbo, estanho, bronze), havendo-as também de mármore ou de terracota. Gravavam-se nelas fórmulas cabalísticas, entregando aos deuses do infer- no os inimigos ou rivais, ou tentando neutralizar malefícios e maldições. Foram encontradas em toda parte do Império, principalmente no norte da África; !êm cará- ter eminentemente popular, da autoria de escravos, gladiadores, soldados e libertos. Inscrevia-se o nome do amaldiçoado, mas nunca o do amaldiçoante, São freqüentes as descrições pormenorizadas da pessoa, as repetições e as palavras cabalísticas, as combinações de letras latinas e gregas com finalidade mágica e in\0_':!' -ria, como este início de uma tabella do século lIl, encontrada em Hadrumentum: I ~ //1 -I c-, 0, r __ .l.v'f (,~~'L'_L>- '2. .. L- -, Alimbeu columbeu petalimbeu [...] As plaquinhas de execração eram depositadas nas sepulturas, em poços, sob os edifícios ou simplesmente enterradas. A linguagem é bem vulgar, pesada, repeti- tiva, cheia de pleonasmos e anacolutos; os vulgarisrnos e os termos chulos são abun- dantes. Vejamos um exemplo: Te rogo qui infer Inales partes tenes, con [mendo tibi lulia Fauslil lia, Marii filia, ut eam ceie I rins abducas infernalis partibus in num I eru tu abias, Rogo a ti, que dominas as regiões infernais, encomendo-te Júlia Faustila, filha de Mário, para que a leves para baixo o mais rapidamente possível para as regiões do inferno e a con- serves no número dos teus. Notáveis são as ausências do l-m/ do acusativo em fulia(m) Faustillatnú, numerll(m) tU(UI7l),apócope muito comum nas inscrições desse tipo; em (h)abias, a falta do Ih-/mostra que as aspiradas não eram mais pronunciadas. Em in(ernafis por infemaíibus houve confusão de declinações, incluindo-se um adjetivo da Y entre os da 2'. por semelhança de flexão casual. c. Inscrições tumulores Essas inscrições são encontradas em todas as regiões do Império e distribuí- das por vários séculos. Trata-se de inscrições de caráter permanente, geralmente em pedra ou mármore, e por isso mais cuidadas; daí ser indispensável submeter seus dados a uma sólida crítica. Além de seguirem formulários e modelos, pode haver erros cometidos pelo incisor ao copiar o que o ordinator havia escrito no papiro, per- gaminho ou em tabuinha encerada. A norma lingüística vai desde a literária, em alusões à Eneida de Virgílio até ao mais típico latim falado; apenas na época latina mais tardia, as inscrições tumula- res se nivelam lingüisticamente pelo latim vulgar. Exemplo, de Colõnia (C!L, XIII, 8481): 111 oh tumolo regiescet in pace bane memorie Lco vixct anuus XXXXXII transict nono Ids. Ohruberes. Neste túmulo, Leo descansa 118 paz da boa memória; viveu 52 anos; faleceu no nono dia dos idos de outubro. É forte a influência germânica nessa inscrição, marca da pelas aspirações em oh (hoc) e ohtuberes por octobres e pela epêutese de um I-e-I para desfazer o encon- tro semântico Ibr-I; a forma regieseet por requiescet parece ser erro do incisor, com alguma influência do superstrato germânico Em bone memorie verifica-se a redu- ção do ditongo I-ael > I-e/, fartamente documentada. A indistinção entre lil e lei está em regiescet por requiescit, em vixet por vixit e em transiet por transiit, comprovan- do a perda da noção de futuro nos verbos da 3'. e da 4'. conjugações; indistinção se verifica também entre 101 e lul átonos em tuinolo por tumuto e em annus por annos. perdendo-se, nesse último, a distinção entre nominativo e acusativo, exemplo claro do declínio do sistema das declinações. A pouca cultura do ordinator ou do cinzela- dor revela-se na grafia do numeral XXXXXII por LI I. A partir de 180 d.e., aparecem as inscrições tumulares cristãs. É sabido que o cristianismo se difunde inicialmente entre as camadas mais pobres das cidades maiores, o que explica o nome de paganus, "pagão", ao não batizado; etimologica- mente, é o habitante de um pagus, "vila", "povoado". Por isso, as inscrições cristãs apresentam os mesmos vulgarismos encontrados nas outras, pois seguem os mesmos parâmetros, diferindo apenas no aspecto religioso. Um exemplo (Diebl, ILe, 1464): Hic quiescit ancilla dei, [qluc de SlI" 0111"'" pcsscdit domum ista. quem amicc dcflcn solaciumqlue] requirunt: pro hunc UIllII" 0I'1l subolem, quem supcrislircrn rc[li]quisti eterna réquiem fclieita[ti]s CüIlSIII1WIl[e]bis. llllX Kulcndas OtODI15 Cucurb.tinus ct Abumldjantiu. hic gilllul quiescit dei. 1111. Gratiuno V et Tcodosio A'\lI~g. Aqui descansa li serva ele Deus, que de todo o seu possuiu CSt8 casa. a quem as amigus choram c estão em busca de consolação; pede por este único descendente que deixaste sobrevivendo; (<I ti) eterno descanso, c continuarás causa de tcliculadc. Dia 14') das calcndas eleoutubro. Aqui descan- sam tambcn. Cucurbitino c Abundàucio. Sob nossos senhores Graciauo V c Tcodósio Augustos. NesS8 inscrição tumular, encontrada em Roma e datada ele 380, observa-se a apócope de 1-1'111e l-ti finais: isto por isto 11 r, dejlen por dcilem, eterna por aeterncun: a redução do ditongo I-nel > I-el em ainicc por aniicuc e eterno por aeterna: a epên- tese de um/-tl em snperistitent oc» snperstiten«: a rara troca da sibilante Is/ pela oclu- siva velar sonora IgI em gimul por siuiul; a inversão grHic8 do numeral parece suge- rir uma transcrição do modo de euumerar quuttuor et deceni (IIIIX por XI V): as preposições regem o acusativo (de suo omnia. fi!O 111111<: 1/111111I subolenú, contraria- mente ao ablativo do latim literário, comprovando a tendência vulgar de substituir os demais C8S0Spelo acusat.vo, mais encorpado. que se tomou o caso lexicogênico das línguas românicas ocidentais: no aspecto sintático, observe-se a errônea concordân- cia do verbo no singular com um sujeito composto em Cucnrbitinus et Abundontius .. quiescit por qnicscunt. As inscrições populares em geral, como se pode ver, espelham 8S tendências lingüisricas do latim vulgar que explicam as caracteristicas das línguas românicas. Denot8111 ainda a pouca cultura gramaticnl dos escreventes sob vários aspectos, des- tacando-se o ortográfico em que hit uma excepcional incoerência, mesmo em ter- mos que sào elementos integrantes de fórmulas e modelos seguidos em roda parte: por exemplo, coniux ("eSIJOSa"), é grafado coiiux. conigi, cOJ1ig(e). cozux, cozucc. coiucem: para vixit ("viveu") encontram-se grafias como vicsit, vicset, vixxit. vixsit. visset, viset, vigxit, visit, bixi; bisit, bixsct, bise e outras. Essas variações gráficas sem dúvida representam também variações de pronúncia. PAPIROS ANTIGOS Por ser um material muito frágil, o papiro antigo é raro nas partes ocidentais do Império. Mas nas regiões áridas do Egito e Próximo Oriente foram descobertos numerosos documentos nesse material, a maioria dos quais em grego e cerca de 400 em latim. Cerca de uma centena desses papiros latinos são literários, com textos ele Virgilio principalmente ou de conteúdo jurídico; os demais trazem correspondên- cias, glossários, documentos militares e particulares. Os encontrados até 1954 foram reunidos no COIpUS Papyrorunt Latinarum por R. Cavenaile (Wiesbaden, 1956-1958). Os documentos em latim mostram a vida levada pelos soldados nos destaca- mentos militares, a organização administrativa e jurídica do Império Romano naque- las regiões, bem como a influência muito grande do grego. O latim era falado pelo exército e membros da administração; fora desses quadros, era aprendido nas esco-