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1 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO CASO CONCRETO Pedro Guilherme Galinari Costa Faria Resumo Este trabalho aborda a teoria da perda de uma chance analisando sob a perspectiva de um caso concreto (Acórdão 1291247 / RJ) e no estudo da matéria de responsabilidade civil trazendo conceitos e pressupostos. É um tema ainda novo na doutrina e jurisprudência, mas que vem ganhando força nos tribunais, por isso importante o conhecimento do tema, seu contexto histórico e sobre as decisões jurisprudenciais. Palavras-Chave: Responsabilidade Civil; Teoria da perda de uma chance; Dano Abstract This work discusses the theory of loss of chance analyzing from the perspective of a case (judgement 1291247/RJ) and in the study of tort bringing concepts and assumptions. Is a new doctrine and case law, but which is gaining strength in the courts, so important to the knowledge of the topic, its historical context and case law decisions. 2 1- INTRODUÇÃO Antes de começar o estudo da teoria da perda de uma chance é necessário apresentar alguns conceitos sobre a responsabilidade civil e os pressupostos. A matéria é muito polêmica dentro do direito brasileiro, pois consiste na reparação de danos decorrentes de seus atos perante terceiros. A palavra responsabilidade civil deriva do latim respondere que significa a obrigação de uma pessoa assumir consequências por suas atitudes. Deriva, ainda, de spondeo, no qual se relacionava no Direito Romano, ao devedor nos contratos realizados através de acordos verbais. De acordo com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho responsabilidade civil é conceituada como: “A responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivadas – um dever jurídico sucessivo – de assumir consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados” (GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil. 7° edição. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 3. pág. 3.) Entende-se então que a responsabilidade civil nada mais é que uma agressão a um interesse particular, que gera para o infrator um pagamento de uma compensação financeira a vitima. A doutrina reconhece pressupostos para a configuração da responsabilidade civil, ou seja, são através dos pressupostos que se reconhecerá se há ou não responsabilidade civil, na analise do caso concreto. Destaca-se que mais próximo da teoria da perda de uma chance – explicada em breve – é o pressuposto de dano. Os pressupostos são: a) Conduta: elemento essencial de todo ato ilícito praticado por alguém é a conduta que se trata de um comportamento humano exteriorizado através de uma ação ou omissão. 3 b) Dano: o dano é uma das características essenciais da responsabilidade civil porque não se pode falar em um ressarcimento pecuniário sem que haja dano, pois se caracterizaria como enriquecimento ilícito. O dano se subdivide em: a) patrimonial: também chamado de dano material, é aquele que causa destruição ou diminuição de um bem de valor econômico; b) extrapatrimonial: é chamado também de moral, e é aquele caracterizado por um dano sem caráter econômico e subjetivo em relação as pessoas e julgadores do direito; c) danos emergentes: está relacionado ao dano de fato sofrido pela vítima, ou seja, aquele que pode ser mensurado e vem a tona de imediato; d) lucros cessantes: são aqueles danos projetados para o futuro, ou seja, é o que a vítima não ganhou em decorrência do dano, ou, de acordo com a lei o que a vitima razoavelmente deixou de ganhar. c) Nexo de causalidade: é a relação que existe entre a conduta do agente e o resultado. Na responsabilidade civil não é necessário, apenas, que o agente praticasse uma conduta ilícita e que a vítima tivesse algum dano. É imprescindível que a conduta causada pelo agente foi a causa do dano sofrido pela vítima. Reconhecido o conceito de responsabilidade civil e ainda os pressupostos agora vem à tona a análise do caso concreto e a teoria da perda de uma chance. O direito sempre acompanha a mentalidade da sociedade e acaba quase que, diariamente, se evoluindo, surgindo novas teorias e novas doutrinas que tratam de assuntos novos ou apreciação e modificam os assuntos antigos. Visto que os requisitos para a responsabilidade civil são: conduta, dano e nexo de causalidade, seria possível que uma pessoa poderia ter uma reparação econômica pela perda de uma oportunidade de obter uma situação futura melhor? Em um caso de um bebê que não teve suas células-tronco embrionárias coletadas por culpa de uma empresa que não enviou técnicos para a coleta? Seria possível uma pessoa processar um advogado que deixou de colocar no processo uma argumentação probatória? Ou ainda, em um programa de TV, uma pessoa que precisa responder as perguntas corretas para ganhar certa quantidade de dinheiro, não responde porquê não há resposta correta? É dessas discussões que surge a TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. 4 2- A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE A teoria da perda de uma chance surgiu na França, nos anos 60, do século passado, mas ganhou força na Itália. Nota-se, historicamente, que a teoria da perda de uma chance ganhou destaque devido aos julgamentos ocorridos na esfera medicinal, através dos erros médicos. As demandas por erro médico chegavam aos tribunais franceses e foram chamados de perda de uma chance de cura ou sobrevivência, passando os tribunais a defenderem a ideia de que houvesse indenização independentemente do resultado naquele exato momento. A primeira decisão em que é mencionada a teoria da perda de uma chance é datada de 17 de julho de 1889, embora os julgados da década de 60 fossem relacionados a tal teoria. Na Itália, a teoria foi bastante difundida após as decisões francesas, levando aos doutrinadores do direito italiano debaterem sobre a possibilidade de aceitação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. No Brasil, a teoria é bastante recente nos tribunais e decisões jurisprudenciais, sendo objeto de estudo por alguns doutrinadores do direito brasileiro. A teoria é bastante criticada e não aceita por doutrinadores tradicionais que não reconhecem a legitimidade e por não ter sido citada no Código Civil de 2002. Visto que a teoria começa a partir dos anos 60 por decisões médicas o que seria, enfim, a teoria da perda de uma chance, estudada nos dias de hoje? A teoria da perda de uma chance esta intimamente ligada a matéria de responsabilidade civil. É a possibilidade de reparação por uma perda de oportunidade de auferir determinada vantagem ou evitar algum erro futuro. Os tribunais por muito tempo exigiam que a vítima provasse que houve prejuízo futuro e que houve impedimento de resultado de alguma coisa para que houvesse a reparação. Assevera Sergio Cavalieri Filho acerca da teoria da perda de uma chance: “Caracteriza-se pela perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um beneficio futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou evitar uma perda”. 5 Relacionada à responsabilidade civil essa teoria seria de natureza danos emergentes ou lucros cessantes? Para a doutrina a teoria não se caracterizaria a nem uma e nem outra natureza, mas sim, algo intermediário, mais precisamente perda de possibilidade de se buscar posição vantajosa que atravésdos indícios trazidos pelo caso concreto muito provavelmente aconteceria, se não fosse por uma pratica ilícita conduzida por um terceiro. Os aplicadores da lei (juízes, desembargadores e ministros) ao conduzirem um processo para essa teoria possuem dificuldade em mensurar financeiramente o dano decorrente da chance perdida. Para a maioria da doutrina os juízes devem realizar o cálculo da indenização baseado caso a chance não tivesse sido frustrada. Destaca-se que a doutrina considera que perda de uma chance deve ser indenizável quando há uma chance de sucesso superior a 50%, fazendo com que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizados. O motivo principal disso é o pequeno embasamento doutrinário acerca do assunto, cabendo aos tribunais, juízes e jurisprudências legislar e julgar sobre os casos em que há perda de uma chance, analisando cada caso concreto e a partir daí poder estipular se há indenização e por quanto e quando não há. Um caso emblemático que envolve a teoria da perda de uma chance é do Show do Milhão julgado pelo STJ em março de 2006. Na situação a autora teve uma frustrada chance de ganhar o prêmio máximo de R$ 1 milhão, quando chegou à última pergunta. Na ocasião a última pergunta não foi respondida pela autora da ação porque ela entendeu que não havia resposta correta, dentre as opções. A pergunta se tratava de qual é o percentual do território brasileiro que a Constituição Federal reconhece aos índios, como opções: 22%, 2%, 4% ou 10%. (REsp 788.459 – Bahia – 2005) Na Constituição Federal não havia a resposta para tal pergunta, então ela ajuizou uma ação contra a emissora pleiteando R$ 500.000,00. O caso chegou ao STJ, que reconheceu a teoria da perda de uma chance e pleiteou uma condenação de R$ 125.000,00 para o réu, analisando as possibilidades que ela tinha de acertar a questão, que era de 25%, se a questão fosse formulada corretamente. Outro caso emblemático é do atleta brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima que perdeu a chance de levar para o Brasil medalha de ouro na prova de maratona em Atenas, nas Olimpíadas. O atleta estava na liderança com 28 segundos de 6 vantagem, próximo a linha de chegada e foi interrompido por um terceiro que invadiu a pista e agarrou o atleta, que acabou em terceiro lugar. Vale ressaltar que esse caso não foi analisado no judiciário. 3- ANÁLISE DO CASO CONCRETO RECURSO ESPECIAL Nº1.291.247 – RJ (2011/0267279-8) RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO Recorrente: Carlos Márcio da Costa Cortázio Corrêa e outros. Advogado: Luiz Eduardo de Souza Moraes e outros(s). Recorrido: Cryopraxis Criobiologia LTDA. Advogado: Marcelo Gonçalves e outros(s). É um recurso especial requerido por Carlos Márcio da Costa Cortázio Corrêa e outros, que perpetua na esfera da responsabilidade civil no que diz respeito à perda de uma chance, devido a descumprimento de contrato por parte da Cryopraxis Criobiologia LTDA. Carlos Márcio contratou a empresa especializada em coleta e armazenagem de células-tronco embrionárias (células que podem ser guardadas para serem utilizadas futuramente em diversos tratamentos). Porém a empresa esteve ausente de prepostos no momento do parto. É movida por Carlos Márcio uma demanda indenizatória de danos morais contra a empresa por violar a integridade mental do recém-nascido, uma vez que as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, assegurada indenização pelo dano moral decorrente de sua violação. No juízo de primeiro grau (primeira instancia), a juíza considerou que o fato superou os meros dissabores de um descumprimento de contrato e reconheceu dano moral para os pais (valor de R$ 15 mil para os pais), não reconhecendo a existência da teoria da perda de uma chance e julgando improcedente o pedido feito em nome da criança pois o dano seria hipotético e só poderia se falar em dano concreto caso a criança de fato precisasse das células-tronco embrionárias futuramente. Então o pai da criança recorre contra a decisão que chega ao STJ para ser julgada. 7 Foi utilizada como fundamento para o recurso, a teoria da perda de uma chance, uma nova vertente de responsabilidade civil, sendo consideradas as vantagens que foram perdidas em relação à utilização das células tronco provenientes do cordão umbilical em tratamentos médicos futuros incertos. Portanto, foi provido o recurso especial dia 19 de agosto de 2014, uma vez que a falha da empresa Cryopraxis Criobiologia LTDA em coletar e armazenar as células troncas do cordão umbilical do recém-nascido causou a perda da possibilidade de essas células serem utilizadas futuramente por essa pessoa para tratamentos de saúde. Está se tornando cada vez mais comum pesquisas com células tronco e sua utilização em tratamentos médicos. Porém, o acesso a essas células é difícil uma vez que são poucas as suas fontes (como o cordão umbilical) e é devido à essa dificuldade que a falha na coleta e armazenamento, previamente contratados, se torna mais grave e consequentemente, um assunto que merece ampla discussão no ramo de responsabilidades e obrigações civis do direito. PARTE FINAL DO ACÓRDÃO: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, divergindo do voto do Sr. Ministro Relator, por maioria, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr. (a) Ministro(a) Relator(a). Votaram vencidos os Srs. Ministros Nancy Andrighi (voto-vista) e Sidnei Beneti. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. 4- CONCLUSÃO: Concorda-se plenamente com o arbitramento e provimento do recurso, uma vez que a teoria da perda de uma chance é uma nova vertente que se mostra promissora e futuramente é possível que se torne essencial ao Direito. Ao analisar o caso concreto pode-se verificar que: A conduta (no caso omissão) da empresa Cryopraxis Criobiologia LTDA de não colher as células tronco 8 do embrião do recém-nascido (nexo causal), gerou dano ao mesmo e seus familiares, que ficaram sem as células, que, por contrato, deveriam receber. Pode-se considerar a empresa responsável pela perda das células tronco do filho de Carlos Márcio. Porém, uma análise muito mais profunda deve ser feita acima dos acontecimentos, considerando que as perdas do recém-nascido não são apenas as células tronco, mas também tudo que elas representam para ele, incluindo os benefícios que elas poderiam trazer. No momento, as células não possuem utilidade aparente, mas poderiam ser utilizadas contra possíveis problemas de saúde futuros. Logo, a empresa se torna responsável, pela impossibilidade de sua utilização no futuro e ainda, pelas consequências que essa impossibilidade pode trazer. Não há como saber se o sujeito do caso iria precisar utilizar dessas células para se tratar com o passar do tempo, porém, existia essa possibilidade. Concluindo, a empresa não deve ser responsabilizada apenas pela perda do “objeto”, mas pela perda do “objeto” e seus possíveis benefícios que não poderão mais ser aproveitados. A Teoria da perda de uma chance por ser ainda relativamente recente não há muita discussão sobre o tema. A doutrina nos últimos anos tem tentado conversar sobre o assunto, com opiniões muito diversificadas. Nas decisões jurisprudenciais o tema vem ganhando força em alguns estados. Apesar de haver um entendimento jurisprudencial pacifico em relação a perda de uma chance a falta de discussão doutrinária e a divergência entre os doutrinadores que falam sobre o tema gera uma certa dificuldade aos tribunais emconceituar e julgar os casos de perda de uma chance. O tema é bastante interessante e conclui-se que merece um maior entendimento e estudo acerca desse tema por parte dos julgadores do direito e estudantes para que em breve o assunto possa fazer parte da legislação civil no que diz respeito à responsabilidade civil. O tema merece reflexões para evitar o desvirtuamento e até mesmo uma compreensão heterogênea acerca da teoria da perda de uma chance. É necessário que haja por parte do Poder Judiciário um entendimento sobre a teoria diante de um caso concreto para que não ocorram arbitrariedades, cabendo aos tribunais julgar os casos que envolvam a perda de uma chance com 9 razoabilidade e que seja plausível o reconhecimento de possível dano futuro, excluindo situações hipotéticas que envolvam o caso concreto com a teoria. Outro problema que envolve a teoria da perda de uma chance que se pode concluir é a não percepção de onde enquadrar nos institutos do direito civil: lucro cessante e dano emergente. As vítimas encontrarão dificuldade em ganhar a causa pela perda de uma chance, uma vez que, os julgadores do direito não conseguem enquadrar a teoria em nenhum desses institutos e como já foi citada a teoria trata de um terceiro instituto que ainda não foi conceituado pelo direito e doutrinas. Por fim ressaltamos que a analise do caso concreto dirá sobre se houve ou não a perda de uma chance, cabendo apenas ao julgador do direito analisar o caso concreto e calcular o percentual de probabilidade de não obtenção de vantagem futuramente e ainda decidir qual o valor de indenização sendo inferior ao valor que a vantagem almejada pela vitima teria de fato porque isso dará uma oportunidade à reparação e não vantagem em si, mas sim a oportunidade que foi obstada. 5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS OLIVEIRA, Katiane da Silva. A teoria da perda de uma chance: Nova vertente na responsabilidade civil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 83, dez 2010. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8762&revista _caderno=7>. Acesso em set 2015. SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11875>. Acesso em set 2015. MOTA, Claudinéia Onofre de Assunção. Responsabilidade civil pela perda de uma chance no Brasil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2960, 9 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/19730>. Acesso em: 14 set. 2015. 10 AUTOR NÃO CITADO. Teoria da perda de uma chance. Dizer Direito, 13 julho. 2013. Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2013/07/teoria-da-perda-de- uma-chance.html>. Acesso em: 14 set. 2015. AUTOR NÃO CITADO. Reconhecido dano moral a bebê que não teve células-tronco colhidas no parto. Migalhas, Migalhas quentes, Teoria da perda de uma chance, 9 outubro. 2013. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI209156,31047- Reconhecido+dano+moral+a+bebe+que+nao+teve+celulastronco+colhidas+no>. Acesso em: 14 setembro. 2015
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