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GOMES, Paulo V. A Sociologia objetiva de Durkheim

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A Sociologia objetiva de Durkheim¹
Paulo Victor Gomes²
	Émile Durkheim viveu na França entre 1858 e 1917, num período marcado por grandes transformações no pensamento e na forma de viver dos povos do Ocidente. A chamada Revolução Francesa, inspirada pelos ideais iluministas, produzia profundos efeitos políticos e sociais. Em todo o continente Europeu, por sua vez, a Revolução Industrial alterava drasticamente a forma de se produzir e, consequentemente, de ser viver coletivamente. O autor perseguiu de forma obstinada a construção de uma ciência da sociedade, e acabou se tornando o primeiro professor universitário de Sociologia. 
	A crença iluminista no progresso da humanidade está presente na obra durkheimiana. Em seu livro “Da Divisão do Trabalho Social” (1893) o autor defende a ideia da evolução da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica. A solidariedade é encarada aqui como um elo que mantém os diferentes tipos sociais coerentes e coesos, ou seja, que mantém a sociedade em equilíbrio. Quando este vínculo é estabelecido diretamente entre a sociedade e os indivíduos, a partir da predominância do sentimento coletivo (ou consciência comum) sobre as consciências individuais, quase que anulando toda e qualquer subjetividade, trata-se do que Durkheim chama de solidariedade mecânica. Essa característica predomina nas sociedades inferiores, onde a divisão do trabalho é menos desenvolvida. 
	Por outro lado, nas sociedades nas quais a solidariedade é produzida por uma mais refinada divisão do trabalho, as idiossincrasias ou as marcas de personalidade de cada indivíduo, não são anuladas, o que torna mais forte a coesão social. O próprio sentido atribuído à expressão divisão do trabalho, na concepção durkheimiana, explica essa conclusão. “De fato, de um lado, cada um depende tanto mais estreitamente da sociedade quanto mais divido for o trabalho nela e, de outro, a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais for especializada.” (DURKHEIM, 1995, p. 108). A divisão do trabalho é entendida como a maneira como se distribuem, em cooperação, as diversas funções nas várias esferas sociais. Quanto mais específicas são as tarefas de casa indivíduo, tanto mais especializadas elas serão e, portanto, mais particulares. Cada parte se torna mais indispensável ao funcionamento do todo.
	 O ideário iluminista guiou Durkheim também em sua busca pela objetividade do conhecimento produzido pela Sociologia. Em 1895 é publicada a obra “As Regras do Método Sociológico”, na qual são estabelecidos os parâmetros capazes de tornar científica a produção sociológica. Numa perspectiva que ele próprio classificou de racionalista, o autor pretende descobrir as relações de causa e efeito que explicariam a conduta do homem em sociedade. 
	Essas leis de funcionamento da vida social só poderiam, segundo ele, ser encontradas no estudo metódico e objetivo dos fatos sociais. Estes teriam três características fundamentais: a objetividade, a generalidade e a coercitividade. São objetivos pois são reais, no sentido de que existem fora das consciências individuais. São gerais, não no sentido de que estão inteiros em todos os indivíduos, mas sim, porque se fazem presentes no todo expresso na consciência coletiva. Por fim, são coercitivos porque uma vez que se fazem presentes no todo, não poderiam deixar de aparecer também nas partes, e a única forma de fazer isso é se impondo sobre cada ser social. 
	Com isto Durkheim pretendia que a Sociologia se tornasse independente das grandes doutrinas filosóficas, do senso comum e de qualquer outra ciência. Dizia o autor:
“Com efeito, somente ela (a sociologia) pode ensinar a tratar com respeito, mas sem fetichismo, as instituições históricas sejam elas quais forem, fazendo-nos perceber o que elas têm ao mesmo tempo de necessário e de provisório, sua força de resistência e sua infinita variabilidade.” (DURKHEIM, 2014, p. 148). (destaque nosso)
	É aplicando o método proposto n’ As Regras do Método que o autor desenvolve sua pesquisa sobre a taxa social de suicídios (O Suicídio, de 1897). O trabalho começa com uma rigorosa definição da categoria suicídio. “Chama-se suicídio todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela sabia que produziria esse resultado.” (DURKHEIM, 2000B, p.14). Essa forma de tratar o termo, segundo Durkheim, situa moralmente o suicídio, afastando-o do juízo de valor negativo atribuído a ele pelo senso comum. 
	Por se tratar de uma ação individual que parece afetar apenas o próprio sujeito, o suicídio aparenta pertencer apenas ao domínio da psicologia, e não da sociologia. Porém, se tomarmos o conjunto dos suicídios cometidos em determinada sociedade, num determinado período de tempo, constataremos não uma soma de casos independentes, mas um fato novo, de natureza social. De acordo com a pesquisa realizada, numa mesma sociedade analisada ano a ano, a variação do número de suicídios apresentou-se quase nula. Isso porque, segundo o autor, as circunstâncias da vida social permanecem sensivelmente inalteradas de um ano para o outro. Por outro lado, quando comparada entre países distintos, a chamada taxa de mortalidade-suicídio apresentou uma variação ainda mais acentuada do que a mortalidade geral.
	 O autor concluiu que, como dentro de uma sociedade específica, a taxa de suicídios se mantém praticamente constante, mas em sociedades distintas ela varia de forma mais acentuada, “ela é, portanto, num grau bem maior que a taxa de mortalidade, pessoal a cada grupo social, do qual pode ser vista como um índice característico.” (DURKHEIM, 2000B, p. 23). Assim, em cada tipo social, há uma tendência, uma propensão maior ou menor ao suicídio. Isso sugere, de acordo com o autor, que ao contrário do que se pensa, esse tipo de morte tem influências muito mais sociais do que psíquicas. Não é pretensão deste ensaio descrever os tipos de suicídio demonstrados por Durkheim em sua pesquisa (a saber: egoísta, altruísta e anômico). 
	O autor publicaria ainda diversos artigos e livros nos quais a aplicação de seu método amadureceria cada vez mais. Cabe destaque para “As Formas Elementares da Vida Religiosa”, publicação de 1912 na qual o autor propõe estudar as sociedades a partir da religião. Sua influência extrapolaria o terreno da Sociologia, tendo inspirado toda a Escola Antropológica Francesa do século XX. A obra durkheimiana continua a se fazer presente no fazer sociológico em todo o mundo. 
1 – trabalho realizado para obtenção de nota parcial na disciplina de Sociologia 2, no semestre 2015/2, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (FCS/UFG).
2 – graduação em Ciências Sociais – Licenciatura, na FCS/UFG.
Referências
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000A (2ª tiragem).
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2014. 4. ed.
DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
DURKHEIM, Émile. O Suicídio. São Paulo: Martins Fontes, 2000B. 
DURKHEIM, Émile. Sociologia e Filosofia. São Paulo: Ícone, 2007. 2.ed.
QUINTANEIRO, Tania; et al. Um Toque de Clássicos – Marx, Durkheim, Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. 2. ed. 1ª reimpressão.

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