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Nutrição na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica FLÁVIA MORAES SILVA Aspectos gerais da doença A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma doença caracterizada por obstrução progressiva e persistente da via aérea, geralmente associada a resposta inflamatória desencadeada pela exposição crônica a partículas nocivas ou gases. A severidade da doença está relacionada à ocorrência de exacerbações e de outras comorbidades, o que impacta em pior qualidade de vida. A limitação característica da DPOC pode ser causada por alterações nas vias aéreas, como a bronquiolite, e/ou destruição parenquimal, como o enfisema. Tais alterações podem ocorrer de forma concomitante ou isolada, variando de indivíduo para indivíduo. Quando isoladas, apresentam sintomas e características distintas: a bronquite manifesta-se pela presença de tosse crônica e produção de muco, e está associada ao aumento da espessura da parede das vias aéreas inferiores. Já o enfisema gera redução na capacidade expiratória (capacidade de expansão e força de expiração) pela diminuição da elasticidade alveolar, com consequente aumento da dispneia, hipoxemia e hipercapnia (1). A falta de ar (dispneia) é o principal sintoma relatado pelos pacientes com DPOC e a maior causa de incapacidade funcional e ansiedade; sendo diversos e ainda incertos os seus mecanismos (2). A hipoxemia (diminuição do oxigênio sérico) e hipercapnia (aumento do dióxido de carbono sérico) são sinais comuns evidenciados nesses pacientes. Ambas são consequências da troca gasosa deficitária, tanto pela presença de muco e inflamação, quanto pela diminuição do drive respiratório e destruição de vias aéreas inferiores que reduzem a área de trocas gasosas (3). Além disso, a tosse crônica com produção de muco, frequente em pacientes com bronquite crônica, está associada à inflamação e ao aumento das células caliciformes e glândulas submucosas, responsáveis pela produção e secreção de muco, que são estimuladas pelo fator de crescimento epidermal, o qual é mais frequentemente expresso nesses pacientes (4). Tais anormalidades clínicas e estruturais geralmente não são recuperadas após restrição à exposição aos fatores de risco e tendem a piorar progressivamente com a evolução da doença. Contudo, o uso de medicação contínua, a participação em programas de reabilitação pulmonar e, em certos casos, o uso de oxigenoterapia domiciliar, são capazes de manter o paciente estável (5). Os cuidados com a alimentação, também são essenciais para garantir um estado nutricional adequado, o que também está relacionado a melhor prognóstico, como será melhor detalhado neste capítulo. Como fatores de risco para o desenvolvimento da DPOC destaca-se a poluição, o tabagismo ativo ou passivo e a exposição a agentes químicos orgânicos e/ou inorgânicos e à fumaça, os quais geram um quadro clínico de dispneia progressiva, com piora durante o esforço físico, e tosse crônica que pode ou não apresentar escarro. Além disso, sintomas como fadiga, perda de peso involuntária e redução do apetite indicam maior severidade da condição (1,5). O diagnóstico de DPOC é confirmado através do exame de espirometria, quando este demonstra uma relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada (VEF1/CVF) pós broncodilatadorDPOC (17). O padrão de dieta DASH, desenvolvido inicialmente como estratégia para controle da pressão arterial, também foi associado a presença de DPOC em estudo iraniano de casos e controles no qual o escore de adesão alimentar foi superior nos controles em comparação aos pacientes com DPOC (18). Considerando-se o papel antioxidante e anti-inflamatório de determinados alimentos, o consumo de chá verde foi avaliado por estudo transversal envolvendo 13.570 coreanos e demonstrou redução de 38% na chance de o indivíduo apresentar DPOC entre aqueles que consumiam chá diariamente (19). O consumo elevado de fibras também parece ser protetor para o desenvolvimento de DPOC. Estudo de coorte envolvendo 111.580 indivíduos demonstrou que o consumo de fibras de cerca de 28g/dia foi inversamente associado a incidência de DPOC, com proteção entre 40 e 44% (20). De fato, a associação entre consumo de fibras e DPOC foi confirmada por metanálise que incluiu nove estudos observacionais e demonstrou que pacientes com ingestão de cerca de 25g/dia tiveram uma chance 15% menor de serem diagnosticados com DPOC (21). Estudo de coorte sueco de base populacional sugere que o consumo moderado de cerveja e vinho também podem ser fatores protetores para o desenvolvimento da DPOC (22). Ainda, o consumo frequente de peixe ( > 4x/semana) foi associado a menor risco para desenvolvimento da doença em estudo envolvendo mais de 120 mil adultos americanos, sendo a proteção conferida de 29% (23). Por outro lado, o consumo de carne vermelha e carne processada tem sido apotando como fatores de risco para o desenvolvimento da DPOC. O consumo desses alimentos com frequência igual ou superior a 1x/semana em comparação ao consumo raro ou nulo foi associado a um aumento de 1,29 vezes no risco da doença na coorte de enfermeiras americanas (24). Estudo de coorte conduzido com homens suecos demonstrou aumento de 1,26 vezes no risco de DPOC entra aqueles fumantes com consumo de 75g/dia de carne vermelha/ processada em comparação aqueles cujo consumo era inferior a 25g/dia (25). Ainda, estudo realizado com 2801 americanos demonstrou associação entre consumo de bebidas açucaradas com frequência maior ou igual a 5x/semana e presença de bronquite crônica (OR= 1,8; IC95% 1,01 - 3,20) (26). Observa-se, portanto, que um padrão alimentar saudável, com consumo de frutas, verduras, grão integrais, peixe e restrição do consumo de carne vermelha e processada, bem como de bebidas açucaradas deve ser encorajado como estratégia para reduzir o risco de desenvolvimento da DPOC. Cuidado nutricional do paciente com DPOC A seguir será apresentado como o cuidado em nutrição no paciente com DPOC deve ser estruturado, considerando a triagem e avaliação nutricional e a intervenção nutricional. Triagem de risco nutricional A triagem de risco nutricional tem por objetivo identificar pacientes em risco de desnutrição. De acordo com o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), a triagem de risco nutricional do paciente com DPOC deve ser realizada no primeiro contato com o paciente e/ou mediante presença de exacerbação da doença, mudança de status social ou psicológico. Sugere-se, ainda, que em pacientes não hospitalizados o risco nutricional seja reavaliado anualmente (27). No ambiente hospitalar, a triagem nutricional deve ser feita nas primeiras 72 horas e repetida a cada 7-10 dias naqueles pacientes sem risco nutricional (28). Essa avaliação deve ser feita de rotina por meio de ferramenta validada. A NICE recomenda o uso da ferramenta Malnutrition Universal Screening Tool (MUST), a qual combina índice de massa corporal (IMC), perda ponderal e presença de doença aguda com impossibilidade de consumo alimentar por cinco dias. Os autores destacam que perda ponderal entre 5 e 10% nos últimos 3-6 meses sinaliza presença de risco nutricional, independente do IMC (27). Em revisão sistemática de estudos realizados em unidade de pneumologia sobre prevalência de risco nutricional e desnutrição no paciente hospitalizado com doenças pulmonares, dentre os 12 que avaliaram risco nutricional, 11 utilizaram a ferramenta NRS-2002 (Nutritional Risk Screening - 2002). A frequência relativa de risco nutricional foi de 32,73% (IC 95%, 31,29%-34,17%), variando de acordo com a ferramenta empregada, a condição clínica do paciente (estável, exacerbado), a idade e presença de comorbidades, dentre outros fatores (29). Risco nutricional no paciente com DPOCé frequente e está associado a pior prognóstico: em um estudo prospectivo realizado na Turquia, 55,6% de uma amostra de 90 pacientes internados com DPOC apresentavam risco nutricional de acordo com a NRS-2002 e o risco de desnutrição foi associado a menor qualidade de vida e foi maior em pacientes com estágio grave e muito grave da doença (30). Outro estudo com 438 pacientes internados por DPOC com insuficiência respiratória o risco de desnutrição > 3 pontos avaliado pela NRS-2002 apresentou bom desempenho em predizer mortalidade um ano após a alta (AUC 0,835, IC 95% 0,797-0,869 (31). Ainda, em um estudo de coorte retrospectivo realizado na Austrália, 22% da amostra de um total de 90 pacientes hospitalizados por exacerbações de DPOC apresentou risco nutricional. O tempo de internação hospitalar foi maior e a sobrevida global inferior nos pacientes com risco nutricional em comparação aos controles (32). Observa-se que risco nutricional é identificado em uma parcela importante de pacientes com DPOC e que pode estar associado a pior prognóstico. Embora a Academia de Nutrição e Dietética (AND) em diretriz recente para prática do cuidado nutricional de pacientes com DPOC não traga recomendações sobre triagem nutricional devido à evidêcia limitada (justificativa apresentada) (33), sugere-se que esse rastreamento seja feito tanto no paciente estável em acompanhamento ambulatorial, como no paciente com DPOC hospitalizado a partir da ferramenta MUST ou NRS-2002. Ainda, no paciente idoso com DPOC a Mini-Nutritional Assessment - Short Form (MAN-SF) pode ser empregada, já que estudos tem demonstrado associação entre o diagnóstico estabelecido por essa ferramenta com a severidade da doença, conforme compilado em revisão conduzida por Raad e colaboradores (34). Estudos futuros poderão embasar recomendações com maior rigor científico acerca da melhor ferramenta para triagem nutricional nesse grupo de pacientes. De qualquer forma, a identificação de risco nutricional em pacientes com DPOC é importante tanto no atendimento ambulatorial como no hospitalar. Avaliação nutricional A prevalência de desnutrição na DPOC descrita na literatura varia entre 10 e 50% (34-37). A etiologia da desnutrição é multifatorial e está presente principalmente nos pacientes com padrão enfisematoso. O fumo, o consumo alimentar insuficiente, a hipoxemia e hipercapnia, o uso crônico de esteroides, comorbidades sistêmicas, a idade e sintomas como falta de ar e produção elevada de secreção podem contribuir para o comprometimento do estado nutricional (38). O comprometimento do estado nutricional, por sua vez, é um fator de risco reconhecido para piores desfechos clínicos em pacientes com DPOC e está associado a pior qualidade de vida, aumento de mortalidade, maior tempo de internação hospitalar, maiores custos hospitalares, maior frequência de readmissão hospitalar (34). Portanto, a avaliação nutricional adequada desses pacientes é parte essencial do cuidado nutricional. A avaliação da composição corporal é importante, já que a perda ponderal e de massa muscular são responsáveis por redução da capacidade ao exercício em pacientes com DPOC. Além disso, IMC e índice de massa livre de gordura (IMLG) reduzidos são importantes fatores prognóstico do processo da doença (39). O IMC é fácil de ser calculado e faz parte do índice BODE (escoreprognóstico preditor de mortalidade em pacientes com DPOC), sendo amplamente empregado nos estudos envolvendo essa população (39). Contudo, sugere-se que o uso do IMC para avaliar o estado nutricional de um indivíduo acerca da sua adiposidade é menos útil do que a razão cintura/estatura. Além disso, o IMC não reflete as mudanças na estatura relacionadas à idade, postura ou proporção de massa gorda/ massa muscular, sendo um marcador pouco confiável do estado nutricional. Por conta disso, um IMC elevado não anula a possibilidade de um diagnóstico de desnutrição (34). Apesar disso, quando empregado, deve-se considerar o ponto de corte de 20 kg/m2 para diagnóstico de desnutrição, já que pacientes com DPOC com IMC 35 kg/m2 Risco cardiovascular ↑ Obesidade Sarcopênica IMC 30-35 kg/m2 e IMMA 5% nos últimos 6 meses e IMLG 5% nos últimos 6 meses Risco de morte ↑ Fonte: Adaptado de Schols e colaboradores (43). Abreviaturas: IMC = índice de massa corporal; IMMA = índice de massa muscular apendicular; DP = desvio padrão; IMLG = índice de massa livre de gordura; PP = perda ponderal Além da avaliação antropométrica, da composição corporal e da história nutricional, a avaliação do consumo alimentar é de grande relevância nos pacientes com DPOC, haja vista que os sintomas da doenças, especialmente a dispenia, podem contribuir para redução da ingestão calórico-proteica. Estudo observacional realizado com 168 pacientes com DPOC estável demonstrou que a maioria dos pacientes não atingiu o requerimento calórico e proteico estimado, sendo a inadequação no consumo alimentar maior naqueles desnutridos. Os autores também demonstraram que a frequência de refeições realizadas foi associada à desnutrição e à qualidade de vida (50). Menor consumo alimentar em pacientes com estágio mais avançaso do DPOC foi demonstrado por Jung e colaboradores, sendo a ingestão calórica reduzida o principal determinante da perda ponderal (51). Sugere-se, portanto, avaliação do consumo alimentar desses pacientes por meio de inquéritos dietéticos como recordatório de 24 horas e/ou registro alimentar e quantificação do consumo calórico e proteico. Deve-se despender atenção especial durante os quadros de exacerbação, nos quais a chance de redução do consumo alimentar é ainda maior. Terapia Nutricional De acordo com a AND a terapia nutricional prescrita por nutricionista para pacientes com DPOC está associada a melhores desfechos, como peso corporal, qualidade de vida e capacidade funcional, e deve compor os programas multiprofissionais de reabilitação pulmonar, sendo essa recomendação classificadacomo forte (33). De acordo com o NICE os objetivos da terapia nutricional devem ser definidos de acordo com o estágio da DPOC, visando a manutenção ou repleção nutricional (ganho de peso corporal). Nos pacientes estáveis desnutridos deve-se promover ganho ponderal de 2 kg, já que sugere-se haver melhora funcional com isso. Naqueles pacientes com exacerbação deve-se minimizar perda ponderal e de massa muscular. Naqueles em programa de reabilitação pulmonar é recomendável que aconselhamento nutricional seja incorporado como parte da intervenção (27). Necessidade calórica: Recomenda-se determinação de necessidade calórica de forma individualizada., baseada na ingestão de cada paciente e no seu peso corporal, a fim de prescrever aporte calórico que contribua para atingir ou manter um peso corporal desejável. Considera-se como peso corporal desejável aquele que garante um IMC entre 25 e 29,9 kg/m2, já que essa faixa de IMC parece estar associada a menor risco de mortalidade em comparação a faixas menores. A AND sugere que sejam utilizadas equações para estimativa da taxa metabólica basal (TMB), podendo ser empregada a equação proposta pela Organização Mundial da Saúde, ou de Harris-Benedict, ou ainda - se estiverem disponíveis dados de MLG - a equação desenvolvida por Westertep (33). Apesar da AND sugerir que a TMB seja estimada pelas equações acima citadas, existem algumas equações desenvolvidas e validadas especificamente para pacientes com DPOC, dentre as quais destacam-se as equações de Moore (52) e Farooqi (53) apresentadas no quadro abaixo: A equação de Moore foi a primeira a ser validada para pacientes com DPOC e no estudo orginal diferença de 73± 279 calorias para pacientes estáveis e de 108± 297 calorias para pacientes exacerbados foi evidenciada em comparação à calorimetria indireta (52). No estudo de Farooqi também foram propostas fórmulas considerando a MLG ao invés do peso corporal, as quais podem ser consultadas na publicação original (53). Nordeson e colaboradores também propuseram uma equação envolvendo MLG para pacientes desnutridos (IMC 30 kg/m2 o julgamento clínico acerca do peso corporal a ser utilizado para o cálculo deve ser empregado (33). Naqueles pacientes desnutridos com DPOC, quando o objetivo for promover repleção nutricional oferta calórica maior faz-se necessária, sendo recomendado até 45 kcal/kg/dia (55) com base em resultados de ensaio clínico que demonstrou aumento de 7kg em 12 meses nos pacientes que receberam tal prescrição (56). Cabe destacar que as equações preditivas e fórmulas de bolso acima apresentadas devem representar o "ponto de partida" na determinação da necessidade calórica do paciente com DPOC e que o nutricionista deve monitorar o consumo alimentar, o peso corporal e parâmetros de massa muscular para avaliar se a prescrição está adequada (atentar para o fato de que o consumo alimentar pode ser inferior a prescrição) aos objetivos nutricionais estabelecidos para cada caso. Ainda, é importante lembrar que o quadro clínico deve ser sempre considerado e que em pacientes com hipercapnia a oferta hipercalórica pode vir a piorar essa condição, já que maior produção de gás carbônico é associada a maior oferta calórica (57). Distribuição de macronutrientes: O percentual de calorias provenientes de carboidratos, proteínas e lipídios na dieta do paciente com DPOC deve ser estabelecido de forma individualizada, já que as evidências acerca da influência de proporções diferentes daquelas recomendadas para a população em geral sob os parâmetros pulmonares são escassas e contraditórias. Comorbidades, (como diabetes e doenças cardiovasculares), estilo de vida, preferências alimentares e barreiras financeiras devem ser considerados na distribuição de macronutrientes da dieta desses pacientes (33). No que diz respeito ao aporte proteico, recomenda para pacientes com doenças crônicas como DPOC e idade > 65 anos oferta proteica de 1,2-1,5 gramas/kg de peso atual/dia. Pacientes com exacerbação da doença por quadro infeccioso apresentam maior necessidade proteica, sendo recomendada oferta de pelo menos 1,5 gramas/kg de peso atual/dia (39). De acordo com as recomendações do NICE para manejo da desnutrição no paciente com DPOC, nesses pacientes, bem como naqueles em programas de reabilitação pulmonar nos quais se objetiva aumento de massa muscular, a oferta proteica também deverá ser > 1,5 gramas/kg de peso atual/dia, enquanto que naqueles pacientes estáveis, sem desnutrição e sem risco nutricional recomenda-se dieta normoproteica (0,8 - 1,2 g/kg de peso atual/dia) (27). Atenção especial para alguns aminoácidos, dentre os quais a leucina, tem sido despendida, já que a mesma parece ter um potencial três vezes superior aos demais em estimular vias de sinalização anabólica no músculo esquelético (55). O metabólito da leucina, beta-hidroxi-beta-metilbutirato (HMB) parece prevenir a perda de massa muscular (58). Metanálise de sete ensaios clínicos demonstrou aumento signficativo de massa muscular em idosos que receberam suplementação de 2-3 gramas de HMB/dia por 8-48 semanas (59). Um ensaio clínico, que randomizou 34 pacientes com DPOC admitidos na unidade de terapia intensiva para receber 3g/dia de HMB ou placebo por sete dias, demonstrou que a intervenção melhorou resposta inflamatória e parâmetros respiratórios (60). Estudos futuros poderão confirmar o benefício de suplementos de aminoácidos específicos para pacientes com DPOC - no momento, a recomendação é direcionada à oferta proteica. Micronutrientes: De acordo com a AND o nutricionista deve avaliar os níveis séricos da 25 hidroxi-vitamina D, haja vista a associação inversa com marcadores de função pulmonar evidenciada por diversos estudos, especialmente naqueles pacientes com fenótipo exacerbador. Nos pacientes com duas ou mais exacerbações/ ano e níveis séricos de 25(OH)Daumento da massa muscular, melhora nos escores do questionário de qualidade de vida, no teste de caminhada e em parâmetros de função pulmonar (63). Posteriormente, Collins e colaboradores reuniram 12 ensaios clínicos randomizados que avaliaram o efeito do suporte nutricional (fortificação de alimentos, aconselhamento nutricional, SNO e/ou dieta enteral) em pacientes com DPOC. Os resultados desta metanálise demonstraram melhora de marcadores de função pulmonar - força muscular inspiratória e expiratória aumentaram, assim como a força de preensão manual, sendo essa melhora associada a ganho ponderal > 2 kg. Ainda, alguns estudos incluídosn na revisão sistemática demonstraram melhora da qualidade de vida dos pacientes com DPOC que receberam suporte nutricional - sendo este composto por prescrição de SNO em 10 dos 12 estudos revisados (64). NICE recomenda SNO para pacientes com IMC 10% nos últimos 3-6 meses). Deve-se dar preferência para aqueles com elevada densidade energética (2 kcal/m), a fim de garantir oferta de menores volumes e orientar o consumo entre as refeições, a fim de evitar dispneia pós-prandial e saciedade precoce que podem dificultar a adesão ao consumo do suplemento. Ainda, sugere-se oferta de 300-900 calorias/dia por meio dos suplementos (cerca de dois SNO por dia) por um período de 2-3 meses para garantir os benefícios demonstrados na literatura (27). Cabe destacar que a prescrição da quantidade de suplementos deve ser individualizada e ponderar a relação entre consumo e necessidade calórica a fim de complementar o déficit calórico de cada paciente com o SNO . Atentar para a consistência da dieta também se faz necessário, especialmente naqueles pacientes com fenótipo exacerbador e durante os quadros de exacerbação da doença, já que o esforço ventilatório despendido para a mastigação e deglutição podem fazer com que o paciente reduza o consumo alimentar, por sentir-se cansado. Portanto, cabe avaliar, de forma individualizada, os benefícios de modificar a consistência da dieta a fim de reduzir o risco de dessaturação e garantir melhor ingestão alimentar. A Figura 1 apresenta o fluxograma proposto pelo NICE para manejo nutricional da desnutrição em pacientes com DPOC estáveis não hospitalizados , com fluxo de acordo com o risco nutricional definido pelo MUST e posteriormente fluxo para prescrição de SNO naqueles identificados como tendo alto risco nutricional ou com IMC baixo (27). Na Tabela 2 estão sumarizadas as recomendações da diretriz publicada em 2019 pela AND para manejo nutricional de pacientes com DPOC, estruturadas de acordo com as etapas do processo de cuidado em nutrição (33), e o grau de evidência, bem como a classificação dessa recomendação. Observa-se que, apesar de a maioria das recomendações ser classificada como imperativa, a evidência não é forta. Isso aponta que são necessários estudos melhor delineados para que as condutas nutricionais no paciente com DPOC possam ser embasadas em evidências científicas robustas. Isso reforça a necessidade de monitoramento desses pacientes para avaliar de forma individualizada se a conduta adotada está sendo efetiva. Figura 1. Fluxo para identificação de risco nutricional e prescrição de SNO em pacientes com DPOC Fonte: Adaptado de Banner J e colaboradores (27). Abreviaturas: MUST = Malnutrition Universal Screening Tool; IMC = índice de massa corporal; PP= perda ponderal; NPO = nada por via oral; SNO = suplemento nutricional oral; RP = reabilitação pulmonar; SNE = sonda nasoentérica. Tabela 2. Recomendações da Academia de Nutrição e Dietética para o processo de cuidado em nutrição de pacientes com DPOC Recomendação Grau de evidência Classificação 1. Nutricionista deve avaliar o consumo energético dos pacientes adultos com DPOC Fraco Imperativo 2. Nutricionista deve avaliar o IMC e outros parâmetros de peso corporal. Deve ser mantido IMC entre 25 e 29,9 kg/m2, já que está associado a menor risco de morte em comparação aos valores inferiores e superiores. Forte Imperativo 3. A TMB de pacientes com DPOC pode ser determinada pela equação da OMS, por Harris-Benedict ou por Westertep, sendo esta última a que apresenta maior acurácia. Fraco Condicional 4. Pode-se considerar 30 kcal/kg de peso atual/dia na estimativa do gasto energético total para pacientes não obesos. Fraco Imperativo 5. Níveis séricos de 25(OH)D devem ser avaliados e monitorados na rotina de atendimento nutricional de pacientes com DPOC, já que estão associados à função pulmonar. Fraco Imperativo 6. Adultos com duas ou mais exarcerbações/ano devem ter dosagem sérica de 25(OH)D e se valoresCOPD. 2014;11(3):339-50. 11. Ho T, Cusack RP, Chaudhary N, et al. Under and over diagnosis of COPD: a global perspective. Breathe. 2019; 15: 24–35. 12. Queiroz MC, Moreira MA, Rabahi MF. Underdiagnosis of COPD at primary health care clinics in the city of Aparecida de Goiânia, Brazil. J Bras Pneumol. 2012;38(6):692-699. 13. Gea J, Sancho-Muñoz A, Chalela R. Nutritional status and muscle dysfunction in chronic respiratory diseases: stable phase versus acute exacerbations. J Thorac Dis. 2018;10(Suppl 12):S1332–S1354. 14. Gea J, Agustí A, Roca J. 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