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DIREITOS DE FRATERNIDADE

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Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
1 
Direitos de fraternidade como direitos fundamentais 
de terceira dimensão: aspectos teóricos e aplicabilidade nas decisões do 
Supremo Tribunal Federal brasileiro 
 
Fernando Gomes de Andrade
1
 
 
 
Resumo 
O presente trabalho pretende fazer uma análise dos direitos de fraternidade como direitos 
fundamentais. O estudo defende a natureza fundamental dos direitos de fraternidade e inicia 
na análise das três dimensões de direitos fundamentais. A atuação do Poder Judiciário na 
concretização dos direitos fundamentais de fraternidade, bem como a fraternidade como 
parâmetro de interpretação dos demais direitos, inclusive o direito fundamental à saúde. 
 
Palavras-chave: direitos fundamentais; fraternidade; Poder Judiciário; interpretação; saúde. 
 
Abstract 
The present paper seek to a analysis of the fraternity rights with as fundamental rights. The 
study advocates the fundamental nature of the fraternity rights and start in analysis the three 
generations of the fundamental rights. The acting of the judicial power in concretion of the 
fraternity fundamental rights, as well as the fraternity as parameter of interpretation of the 
other rights, including the fundamental right of health. 
 
Keywords: fundamental rights; fraternity; Judicial Power; interpretation; health. 
Introdução 
 
Em sede constitucional, podemos identificar ao menos dois paradigmas basilares, a 
saber: paradigma das Constituições liberais (séc. XVIII até início do séc. XX) e o paradigma 
do constitucionalismo social (início do séc. XX). 
Analisaremos cada uma delas e o contexto histórico na qual encontram-se inseridas com 
o escopo de posterior adentramento na questão específica e nuclear a que nos propusemos, 
 
1
 Professor efetivo da Faculdade ASCES e da Universidade de Pernambuco (UPE). Coordenador de Pesquisa e 
Pós-Graduação da Faculdade ASCES. Mestre em Direito Público (UFPE) e Doutorando em Ciências Jurídico-
Políticas (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – FDUL). Endereço eletrônico: 
afexclusivo@uol.com.br. 
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2 
qual seja verificar os direitos fundamentais, especialmente o direito a saúde, como direitos de 
fraternidade ou interpretados nesta perspectiva. 
Em seguida analisaremos a concretização do direito à saúde e dos direitos de 
fraternidade como direitos fundamentais de terceira dimensão. 
 
1. Do Estado Liberal ao Estado Social e Democrático de Direito 
 
Em que pese outras classificações, a doutrina elenca os direitos fundamentais em três 
dimensões de direitos concebidas a partir de seu reconhecimento ao longo da história. 
O Estado Moderno surgira em contraposição ao indesejado absolutismo e como tal 
encetou substanciais mudanças; desejava-se um Estado não interventor na vida privada do 
indivíduo e inarredável desejo de um aparelhamento jurídico capaz de defender o indivíduo 
face aos (possíveis) arbítrios estatais, portanto, é um Estado abstencionista, sob a égide do 
laissez faire, laissez passer, o que antes se definia como Estado de polícia, passa a denominar-
se Estado mínimo com o escopo de garantir a ordem e a segurança sem muita preocupação 
com a política social (AMARAL, 1994, p. 51). 
Imprescindível era cambiar a vontade individual absolutista, a qual fundamentava a 
sociedade política, bem retratada no “leviatã” hobbesiano, pela norma geral e abstrata 
(COMPARATO, 1997, p.12). 
Assim, no Estado Moderno liberal, há pouca interferência deste na economia, pois o 
mercado seria regulado pela “mão invisível”(SOUZA, 2000, p. 9), a ordem natural 
possibilitando o desenvolvimento. 
Na política há o advento do princípio da separação de poderes e o princípio da 
legalidade. Na economia havia a ampla propriedade privada e liberdade contratual, que seria 
também combatida pelo Estado social como veremos mais adiante. 
Nessa fase denominada liberalismo encontramos os direitos de 1ª dimensão, são aqueles 
previstos nas declarações de direitos norte-americanas iniciadas pela Declaração de Virgínia 
(1776) e francesa iniciadas pela Revolução Francesa no final do séc. XVIII
2
, na qual eram 
assegurados direitos tais como liberdade, igualdade, vida, segurança, propriedade privada; são 
direitos de defesa e negativos pois exigem abstenção por parte do Estado, para que não haja 
atingimento e supressão dos mesmos. 
 
2
 Vale ressaltar que MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2003, p. 45 
entende que tais direitos de 1ª dimensão surgiram com a Magna Carta, afirmação que discordamos pelos 
argumentos já ventilados no texto. 
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3 
São direitos do indivíduo singularmente considerado (individuais) que os exerce face ao 
Estado limitando-o, foi a contemplação dos direitos civis e políticos. Nas palavras de Perez 
Luno: “para la ideologia liberal el individuo es un fin en sí mismo, y la sociedad y el derecho 
no son sino medios puestos a su servicio para facilitarle el logro de sus intereses (LUÑO, 
1995, p. 350). 
Pablo Lucas Verdú, citado por Perez Luno, não concorda com a expressão “direitos 
individuais” por ser “poco correcta, no sólo porque la sociabilidad es una dimensión 
intrínseca del hombre, como lo es la racionalidad, sino a mayor abundamiento en la época 
actual, transida de exigencias sociales” (LUÑO, 1995, p. 350). 
Tal igualdade prevista nas Constituições liberais ensejava o exercício das liberdades de 
imprensa, reunião, manifestação do pensamento, associação, expressão, bem como o direito 
de votar e ser votado. 
Tais direitos, de 1ª dimensão, possuem sua gênese no Estado liberal cuja defesa 
individual cingia-se imprescindível aos direitos fundamentais. O Estado era o problema dos 
direitos fundamentais; eventualmente ele seria chamado para resolver conflitos; prevalecia a 
idéia de que quanto menos intervisse o Estado, mais se poderia exercer direitos fundamentais. 
Nesse sentido os direitos individuais são considerados em sentido negativo como garantia de 
não ingerência estatal em sua esfera. 
A história demonstra que o modelo liberal, cuja igualdade era meramente formal
3
 (não 
havia igualdade material de jeito nenhum
4
), não promovia liberdade real ao indivíduo, posto 
que com a regulação do mercado pelos fatores econômicos, o proletariado, cuja única 
propriedade residia apenas em sua força laboral, era submetido a esforços sobre-humanos com 
elevação progressiva no horário de trabalho, sem nenhuma proteção trabalhista, onde não 
eram poupadas, da insalubridade, periculosidade e desumanidade nem mesmo crianças com 
idade inferior a oito anos. Segundo Marshall: “o núcleo da cidadania, nesta fase, se compunha 
de direitos civis e os direitos civis eram indispensáveis a uma economia de mercado 
competitivo”(MARSHALL, 1967, p. 79). Em nosso entendimento nesta fase não se pode 
defender a existência do elemento fraternidade como permeador das relações jurídicas. 
Pressionados pelo advento do bloco comunista alavancado pela Revolução Russa, e 
com o escopo precípuo de salvar o capitalismo – conseqüentemente resguardando o poder 
burguês – houve uma mudança de paradigma e o reconhecimento de direitos aos 
 
3
 Sobre igualdade formal conferir BORDIN, Luigi. Democracia e direito, a questão da cidadania na época da 
globalização. In: Revista Perspectiva Filosófica, vol. VIII, nº15, jan./jun./2001, Recife: Editora universitária 
(UFPE), p.42. 
4
 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 379, destaca que: “Pelo 
princípioda igualdade material entende-se, segundo Pernthaler, que o Estado se obriga mediante intervenções de 
retificação na ordem social a remover as mais profundas e perturbadoras injustiças sociais”. 
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trabalhadores, limitando a simples regulação do mercado pela economia. Há deslocamento 
dos direitos fundamentais sob o paradigma individual para a ótica estatal (constitucionalismo 
social).
5
 
No início do séc. XX a igualdade – como era concebida - começa a ser questionada, ela 
é o ponto que diferencia o constitucionalismo liberal do social, nesse contexto histórico há o 
advento do movimento comunista que ocorria na Europa. A população torna-se cada vez mais 
urbana e tal desiderato gera grande concentração de massas; a revolução industrial propiciara 
o surgimento de uma classe que inexistia, qual seja, o proletariado. Tal viragem paradigmática 
conduzirá no futuro ao fortalecimento da solidariedade e fraternidade, mas este não era o 
escopo inicial, o objetivo final era realmente resguardar os interesses do capitalismo 
crescente. 
Os direitos fundamentais não são mais considerados, apenas, com o caráter negativo, 
mas como pretensões de prestação social face ao Estado (BÖCKENFÖRDE, 1993, p.64). 
Enquanto na 1ª dimensão o Estado figura como seu “emblemático violador”, na 2ª 
dimensão ele assume papel de “privilegiado promotor”, por isso que os primeiros suscitam 
“menos Estado” e os segundos “mais Estado” (OLIVEIRA, 2002, p. 155), concordando com 
tal pensamento, Bonavides discorre que: “com o Estado social, o estado-inimigo cedeu lugar 
ao estado-amigo, o estado-medo ao estado-confiança, o estado-hostilidade ao estado-
segurança” (BONAVIDES, 2003, p.380). 
Surgiu o Estado social (Daseinsvorsorge
6
) assegurando direitos sociais, onde havia 
intervenção estatal na atividade econômica, tendo como objetivo lograr igualdade material – 
em detrimento da igualdade formal do liberalismo – e liberdade real na vida em sociedade, 
bem como a garantia de condições materiais básicas para uma existência digna, um Estado 
voltado à consecução da justiça social
7
. Bonavides ventila que “deixou a igualdade de ser a 
igualdade jurídica do liberalismo para se converter na igualdade material da nova forma de 
Estado”8. 
É um Estado dirigente, onde os poderes públicos não ficam limitados apenas à produção 
de leis ou normas gerais, mas tem o escopo de efetivamente dirigir a coletividade para o pleno 
 
5
 Corrobora essa afirmação MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A democracia e suas dificuldades 
contemporâneas. In: Revista diálogo jurídico, Salvador, CAJ – centro de atualização jurídica, V. I, nº 4, jul., 
2001, p. 19, disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-
CELSO-ANTONIO.pdf> acesso em 20 de abril de 2002. 
6
 SILVA, Vasco Pereira da. Em busca do Ato Administrativo Perdido. Coimbra: Almedina, 1998, p. 75 traduz 
como: “Providência da Existência”. 
7
 Importante frisar que no Estado Liberal a igualdade consistia na titularidade dos direitos e liberdade para todos; 
no Estado Social a igualdade é a concreta e efetiva igualdade de agir e a liberdade seria nada mais que a própria 
igualdade impulsionada para ação; nesse sentido conferir MIRANDA, Jorge. Os direitos fundamentais – sua 
dimensão individual e social. In: Revista dos Tribunais, ano 1, out.-dez. de 1992, p. 198. 
8
 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 376. 
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5 
alcance de metas predeterminadas. “Tem, pois, o Estado uma missão positiva: garantir para 
todos o mínimo, em alimentação, saúde, habitação, educação, vestuário, etc., compatível com 
a dignidade humana” (FERREIRA FILHO, 1976, p.32). 
São os direitos fundamentais de 2ª dimensão, quais sejam, econômicos, culturais e 
sociais, donde foram consagrados precipuamente, em sede constitucional, na Constituição 
mexicana de 1917 e posteriormente na Constituição alemã, de Weimar, em 1919
9
. 
Logo, os perfis políticos e econômicos do liberalismo são alterados em resposta às 
crises comprometedoras do próprio capitalismo. Quando o Estado passa a intervir na 
economia não é com perfil socialista, mas para manter vivo o capitalismo dada a emergência 
do bloco comunista
10
. 
Na seara política há a cooperação entre os poderes, capacidade normativa de conjuntura 
e o voto censitário fora cambiado pelo voto universal, resultando em nova conformação ao 
Poder Legislativo, onde são apresentadas novas reivindicações sociais; surgem as normas que 
estabelecem situação de compromisso a ser perseguido, como se fosse uma carta de intenções 
e que serviriam como anteparo para reivindicações sociais, são as chamadas normas 
programáticas. Interessante observar que inexistia tal expressão no Estado Liberal, mas que 
surgira justamente quando o Estado foi impelido a intervir na economia e promover a 
dignidade da pessoa humana mediante prestações positivas (BONAVIDES, 2003, p.379). Foi 
o embrião dos direitos de fraternidade ou da aplicação dos direitos já existentes na perspectiva 
da fraternidade. 
No âmbito econômico visualizamos a função social da propriedade e o dirigismo 
contratual, pois os direitos sociais passaram a exigir prestação positiva do Estado em prol do 
interesse social; o agir econômico passou a ser uma função do Estado e proteção ao 
hipossuficiente (como exemplo apontamos toda a proteção trabalhista), é o fim da ampla 
liberdade de contratar, modificando, outrossim, a idéia de “mão invisível”, analisando as 
diferenças e tratando desigualmente os desiguais. 
Vale ressaltar que cidadão no constitucionalismo liberal ocidental era o proprietário 
branco e maior de vinte e um anos; no constitucionalismo social há ampliação no conceito 
abrangendo os negros, mulheres, crianças e índios; enquanto no liberalismo havia “cidadãos”, 
 
9
 Após as Constituições do México de 1917 e alemã (Weimar) de 1919, seguiram o mesmo paradigma as 
Constituições da Espanha (1931), Brasil (1934), Rússia (1936) e Irlanda (1937). Após a II Guerra Mundial 
surgiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) em 1948 e seus arts. 22 a 27 contemplaram os 
chamados direitos econômicos, sociais e culturais; depois dessa Declaração, os direitos sociais foram adotados 
em quase todas as Constituições posteriores. 
10
 Sobre os direitos de segunda dimensão conferir SICHES, Recasèns. Filosofia del Derecho. México: Editorial 
Porrua, 1959, p. 600. 
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6 
no Estado social há “clientela” por causa dos serviços prestados pelo Estado, são os direitos 
fundamentais como prestação estatal. 
Ademais, a sociedade civil recolhe tributos considerados de 2ª dimensão (as 
contribuições) justamente para que os órgãos competentes implementem os direitos 
fundamentais de 2ª dimensão, desse modo, urge a necessidade de controle judicial para lograr 
efetivamente esse mister, sem o qual estaríamos à mercê da repudiada concentração de poder 
na seara do executivo. 
 
2. Direitos difusos de terceira dimensão: os direitos de fraternidade como direitos 
fundamentais 
 
A expressão “direitos fundamentais” pode ser utilizada para ventilar certos direitos que 
reconhecem e garantem a qualidade de pessoa ao ser humano. 
Pelo menos em duas acepções formais verificamos a fundamentalidade dos direitos de 
fraternidade, posto que, integrando o corpo textual da Constituição revestem-se como norma 
hierarquicamente superior em todo ordenamento jurídico e constituem limite material à 
revisão constitucional; mas, não são direitos fundamentais meramenteformais, são também 
materialmente constitucionais haja vista se constituírem na própria razão de ser do Estado 
Social e Democrático
11
 de Direito, cuja concretização encontra-se entre suas tarefas e 
incumbências. 
 
Entendemos que os direitos fundamentais constantes na Constituição irradiam seus 
efeitos sobre todo o ordenamento jurídico além de possuírem arrimo nos princípios 
fundamentais, desse modo, toda e qualquer norma que não se coadune com os preceitos 
fundamentais são desde o momento inconstitucionais e estranhos ao direito, além dos 
referidos direitos serem pauta ininterrupta de reivindicações no sentido de sua implementação, 
estabelecendo uma espécie de mora administrativa e reclamando efetividade dos demais 
poderes constituídos. 
Atualmente, com a emergência dos direitos difusos os quais atingem grupo 
indeterminado, a sociedade de massas, pós-moderna, não identifica o indivíduo nem o grupo 
que será atingido; está presente o conceito de futuras gerações – não mais como a dimensão 
civilista de nascituro (SCAFF, 2000) - mas todas aquelas pessoas que um dia usufruirão do 
patrimônio terrestre. São os direitos fundamentais de 3ª dimensão, direitos de solidariedade e 
 
11
 Sobre a democracia conferir MIRANDA, Jorge. Revisão Constitucional e Democracia. Lisboa: Rei dos 
livros editor, 1983, p. 5. 
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fraternidade que ultrapassam os limites do individualismo (tônica da 1ª dimensão) ou de 
grupos determinados (2ª dimensão), onde seus titulares são indeterminados, abrangendo a 
todos os seres humanos inclusive os que ainda nem existem, mas um dia existirão (futuras 
gerações) (MORAES, 1996, p. 166). 
Os direitos de 3º dimensão são os direitos de solidariedade ou fraternidade, como 
exemplo citamos: meio ambiente equilibrado ecologicamente, direito ao progresso, direito à 
paz, à autodeterminação dos povos, direito ao desenvolvimento, direito de comunicação e 
outros direitos difusos que pertencem às chamadas futuras gerações. Há quem correlacione as 
três dimensões de direitos fundamentais com o lema da Revolução Francesa: Liberdade 
(referindo-se à primeira dimensão), Igualdade (segunda dimensão) e Fraternidade (terceira 
dimensão) (FERREIRA FILHO, 1999, p. 57). Entendemos, outrossim, que os direitos de 
fraternidade não surgiram para anular os outros direitos fundamentais conquistados ao longo 
da história, mas pelo contrário, vieram fortalecê-los e potencializá-los dotando-os de nova 
hermenêutica conducente à fraternidade universal. 
Destacamos o fato de sua titularidade ser coletiva ou difusa e de certo modo indefinida e 
indeterminável, desprendendo-se do homem enquanto indivíduo e ligando-se ao conceito de 
futuras gerações. 
Vale ressaltar que seu catálogo é extremamente aberto, vago e diversificado e conduz a 
uma heterogeneidade dos “direitos” exemplificados donde uns são mais densificáveis que 
outros
12
. 
Não obstante a fluidez e heterogeneidade, Norberto Bobbio suscita dúvidas acerca da 
qualificação desses “direitos” como verdadeiros direitos fundamentais (1992, p. 09-10). 
Concordando com o autor italiano, entendemos que nessa dimensão há um abuso da 
expressão “direito” quando exemplifica em seu rol a paz, o desenvolvimento e mesmo à 
autodeterminação dos povos; antes são princípios norteadores da condução do Estado nos 
planos interno e internacional como textualmente encontramos no art. 4º da Constituição 
brasileira de 1988 e no art. 7º, nº 1 e 3 da Constituição portuguesa de 1976. 
Jorge Miranda entende existir “três ou quatro gerações” de direitos fundamentais: “a dos 
direitos de liberdade; a dos direitos sociais; a dos direitos ao ambiente e à autodeterminação, 
aos recursos naturais e ao desenvolvimento; e, ainda, a dos direitos relativos à bioética, à 
engenharia genética, à informática e a outras utilizações das modernas 
tecnologias”(MIRANDA, 2000,p. 25). 
 
12
 Via de regra não haveria sérios problemas em se normatizar, proteger e garantir o direito ao meio ambiente, 
mas o mesmo não podemos dizer do “direito à paz”, por exemplo. 
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8 
Há autores que falam em 4º dimensão, quais sejam direito à democracia direta, 
pluralismo e à informação (BONAVIDES, 2003, p. 524) ou mesmo o direito dos povos os 
quais pressupõem o dever de todos os Estados colaborarem (CANOTILHO, 1998, p. 362). 
Preferimos a defesa da existência de três dimensões de direitos fundamentais, não 
obstante a doutrina do brasileiro Bonavides ventilar que há uma derradeira fase de 
institucionalização do Estado Social representada pelos direitos de quarta dimensão, quais 
sejam: direitos à democracia, à informação e ao pluralismo (BONAVIDES, 2003, p. 524). 
É preciso muita cautela na enunciação dos direitos fundamentais por parte da doutrina, 
pois há o sério risco de alargar indiscriminadamente o rol dos direitos fundamentais e com 
isso banalizá-los
13
, fato que conduziria a uma redução e mesmo ao descrédito de sua 
fundamentalidade, pois onde tudo é fundamental, nada é fundamental. Nas palavras de Paulo 
Otero: 
 
No limite, sabendo-se que não há uma elasticidade ilimitada de direitos fundamentais, 
um alargamento artificial de novos direitos fundamentais, especialmente através da 
“promoção” constitucional de realidades dotadas de uma diferente natureza ou da 
qualificação legal como tais por força do princípio da não-tipicidade, provocará uma 
diluição da “fundamentalidade” e cada direito, restringindo a operatividade daqueles 
que são verdadeiramente fundamentais e, ao mesmo tempo, ampliando a esfera 
daqueles que carecem de tal “fundamentalidade (2001, p. 156). 
 
Os direitos de 3º e de 4º dimensões ainda estão na fase de reconhecimento e positivação 
seja na ordem interna, seja na ordem externa, se constituindo, portanto em“direitos em fase de 
formação” ou autênticos law in making (SARLET, 2004, p.65). 
É importante frisar que as dimensões de direitos são harmonizadas e não excludentes, 
para ilustrar a afirmação imaginemos o direito fundamental à vida: o Estado - em condições 
normais – não pode investir contra a vida de ninguém (direito de defesa, negativo, 1ª 
dimensão), entretanto, para que exista vida é preciso também garantir a saúde (direito 
prestacional, positivo, 2ª dimensão), pois não é inteligível defender a tese que haja pleno 
respeito pela vida humana sem que exista o oferecimento prestacional do serviço sanitário 
para assegurá-la e protegê-la; nesse viés observamos a importância devida à construção de 
hospitais e conseqüente aumento no número de leitos, aparelhamento moderno, médicos 
suficientes e bem remunerados, distribuição gratuita de medicamentos para os indivíduos que 
não possuam recursos financeiros para adquiri-los, tudo isso promovendo e respeitando a 
 
13
 Acerca da problemática da banalização dos direitos fundamentais conferir: GOUVEIA, Jorge Bacelar. A 
Afirmação dos Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Contemporâneo. In: Direitos Humanos. 
Paulo Ferreira da Cunha (org.). Coimbra: Almedina, 2003, p. 70-71; OTERO, Paulo. A Democracia Totalitária 
– do Estado Totalitário à Sociedade Totalitária. Cascais: Princípia, 2001, p. 153 ss. 
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9 
vida, ademais o meio ambiente deve estar equilibrado (direitos difusos, 3ª dimensão), pois a 
poluição e degradação do meio ambiente ameaça a saúde e a vida dos seres humanos
14
. 
Willis Santiago Guerra Filho nos traz outro exemplo, qual seja o direito fundamental 
individual à propriedade (1ª dimensão) que é exercido com observânciada função social (2ª 
dimensão), bem como sua função ambiental (3ª dimensão) (GUERRA FILHO, 1997, p.13). 
Os direitos sociais visam promover a igualdade de condições entre os indivíduos para que 
possam gozar plenamente suas liberdades individuais. 
Concluímos que não há respeito pelos direitos fundamentais de 1ª dimensão sem que 
haja efetivação dos direitos fundamentais sociais prestacionais de 2ª dimensão (e mesmo 
alguns direitos de 3ª dimensão), posto serem inseparáveis nessa fundamentalidade observados 
os conceitos atuais. 
No Estado contemporâneo, aqueles clássicos direitos fundamentais relacionados à 
liberdade (1ª dimensão) encontram-se cada vez mais dependentes da prestação estatal dos 
serviços públicos, sem a qual o indivíduo sofreria graves ameaças (KRELL, 2000). Podemos 
afirmar que os direitos sociais prestacionais (2ª dimensão) e os direitos de defesa do indivíduo 
face ao Estado (1ª dimensão) correspondem a um sistema unitário e materialmente aberto dos 
direitos fundamentais na Constituição brasileira. 
Não podemos olvidar, entretanto, que os direitos sociais também diminuem a 
abrangência dos direitos, liberdades e garantias, por exemplo, o direito social de habitação 
reduz o âmbito do direito de propriedade. 
Do Estado Liberal ao Estado social de direito houve desenvolvimento dos direitos 
fundamentais processado no interior das instituições representativas, buscando harmonizar 
direitos de liberdade e direitos econômicos, sociais e culturais
15
 com a inclusão dos novos 
direitos fundamentais, quais sejam aqueles ligados à fraternidade e solidariedade. 
 
3. Direitos de fraternidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro 
 
A aplicação das normas jurídicas necessita de trabalho hermenêutico. Recasèns 
Siches ao acentuar a necessidade da interpretação jurídica discorre que: “sem 
 
14
 Corrobora nossa afirmação ANTUNES ROCHA, Cármen Lúcia. O constitucionalismo contemporâneo e a 
instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais. In: Revista Trimestral de Direito Público nº16, 
1996, p. 45. 
15
 Sobre um estudo sobre o sistema de governo português conferir SOUSA, Marcelo Rebelo de. O sistema de 
governo português. In MIRANDA, Jorge (coord.) Estudos sobre a Constituição. Vol III, Lisboa: Petrony, 1979, 
p. 579; no mesmo sentido: SOUSA, Marcelo Rebelo de. Direito Constitucional. Braga: Livraria Cruz, 1979, p. 
323. 
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10 
interpretação não há possibilidade alguma nem de observância nem de funcionamento de 
nenhuma ordem jurídica”(SICHES, 1974, p.210). 
Há no texto constitucional brasileiro conteúdo imodificável, pétreo, donde toda 
interpretação acerca da Constituição deve estar cingida; são os denominados direitos 
fundamentais; tais direitos revestem-se de status principiológico, haja vista serem 
verdadeiros princípios fundamentais. Concorda com essa afirmação Ivo Dantas quando 
assevera: “A interpretação constitucional há de ser feita levando-se em conta o sentido 
exposto nos princípios fundamentais consagrados na lei maior” (DANTAS, 1995, p.79). 
Deste modo, o texto constitucional pode contemplar os mais caros direitos e afigurar-se 
materialmente perfeito, mas estará fadado ao insucesso inevitável caso haja interpretação 
não concernente com seus preceitos, especialmente quando se contrapõe ao princípio de se 
“construir uma sociedade livre, justa e solidária”, nas palavras da Constituição brasileira. 
Igualmente, Luis Roberto Barroso ventila que “o ponto de partida do intérprete há 
que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham 
a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins” (2002, p. 149). 
Evidentemente a interpretação constitucional há de iniciar identificando o princípio maior, 
partindo do geral para o específico, chegando em última análise “à formulação da regra 
concreta que vai reger a espécie” (2002, p. 149). 
É importante ventilar que a interpretação constitucional mesmo possuindo nuances 
bem particulares que a diferencia da interpretação das demais normas jurídicas, qual seja o 
forte caráter político-ideológico que possui, não abandona as considerações pertinentes 
contidas na hermenêutica clássica e contemporânea; antes, enriquece-a com a visão 
interpretativa peculiar e específica requerida pelo direito constitucional. Concordando 
com nosso pensamento encontramos Baracho destacando que a hermenêutica 
constitucional, embora seguindo princípios próprios do direito constitucional não 
abandona os fundamentos da interpretação da norma jurídica em geral utilizados pela 
teoria geral do direito, pelos magistrados ou pela administração (BARACHO, 1981, p.49). 
Entendemos que a atual Constituição Federal brasileira introduziu no ordenamento 
jurídico pátrio rol significativo de direitos fundamentais voltados à fraternidade nunca 
antes experimentado em tempos pretéritos, e com essa mudança, o Judiciário tem revisto 
seus critérios interpretativos, evoluindo para análise conjunta da norma e os princípios 
constitucionais, sempre vislumbrando alcançar o cerne fundamental contido na mesma e 
encontrando o valor tutelado por ela, não se esquivando em prolatar decisão que 
efetivamente contribua para a concretização do direito protegido. 
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11 
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, em palestra na 
Universidade de Münster (Alemanha), observou que liberdade e igualdade são valores 
indissociáveis no Estado democrático de direito e fazendo referência a Peter 
Haberle, ressaltou a pouca atenção que se tem dado ao terceiro valor fundamental da 
Revolução Francesa, que é o da fraternidade. Nas palavras do Ministro: 
 
No início deste Século XXI, o conceito de liberdade e igualdade deve ser 
reavaliado, reposicionando-se o da fraternidade. Quero com isso dizer que a 
fraternidade pode colocar em nossas mãos a chave com que poderemos abrir 
diversas portas no sentido da solução das mais importantes questões da liberdade e 
da igualdade com que se debate, hoje, a humanidade
16
. 
 
 
É no direito fundamental social prestacional à saúde que encontramos as mais 
profícuas decisões no sentido da concretização. O Judiciário mostra-se árduo defensor 
desse direito e o correlaciona com a dignidade de pessoa humana ( topos argumentativo 
que se apresenta como fórmula a serviço dos intérpretes para justificar e motivar as suas 
decisões), além de coaduná-lo com o direito à vida. Ademais, óbices históricos utilizados 
pelo próprio órgão judicante explicativos de sua constante omissão não se fazem presentes 
quando se trata desse direito; não se cogita o malfadado princípio da separação dos 
poderes, nem a impossibilidade de adentrar na discricionariedade da Administração 
Pública, nem se há legitimidade ou não do Judiciário, nem se a questão é política, nem se 
a norma do artigo 196 da Constituição Federal brasileira é meramente programática, nem 
mesmo a questão orçamentária é elevada ao patamar da intangibilidade. Interessante 
registrar que se o Judiciário adotasse para os demais direitos sociais prestacionais o 
mesmo critério que utiliza quando do julgamento do direito à saúde certamente teríamos 
um Judiciário mais atuante e decisivo nas questões que envolvessem o mister da 
concretização 
Inúmeros são os julgados que corroboram o dantes asseverado tanto nos Tribunais 
de Justiça, quanto nos Tribunais Superiores, seja condenando o Estado ao fornecimento de 
medicamentos (os mais variados e independentemente do valor dos mesmos), seja 
determinando o custeio pelo Estado de tratamento no exterior quando tal procedimentonão exista no país ou adotando outras medidas atinentes ao direito à saúde. Note-se que 
muitos dos direitos previstos em lei apenas tornaram-se concretos, fruíveis, exercidos na 
 
16
 Conferir em notícias do STF no site: http://webcache.googleusercontent.com/search?q= 
cache:Zpn6u6OlxiUJ:www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp%3FidConteudo%3D99190+direitos+de+
fraternidade+jurisprud%C3%AAncia+stf&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. 
Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
12 
prática, dotados de eficácia social, quando houve a atuação judicial no reconhecimento e 
ordem para concretização. 
Esse é o caso dos portadores do vírus HIV. Do extenso rol de enfermidades que 
assolam o ser humano, talvez essa seja a mais cruel e perniciosa, pois não obstante o 
perecimento do corpo há também outras “mortes” correlacionadas. O portador do HIV é 
execrado da sociedade, estigmatizado e sofre preconceitos dos mais variados, é visto não 
mais como ser humano, mas como alguém que já faleceu e que põe em risco a vida de 
outras pessoas; isso desencadeia problemas psicossomáticos, baixa auto-estima e inegável 
afronta à sua dignidade como pessoa humana. 
O que salta aos olhos é que desde 13. 11. 1996 existia lei federal que dispunha sobre 
o fornecimento gratuito de medicamentos, qual seja a Lei nº 9.313/96
17
, e que, não 
obstante a plena possibilidade de concretização do direito à saúde diretamente do artigo 
196 da Constituição Federal brasileira ainda foi preciso que o Judiciário se pronunciasse 
acerca do fato e determinasse a concretização do mesmo. Logo, quem não deseja que os 
direitos sociais saiam do papel e sejam concretizados defende o conceito de norma 
programática e transfere para a legislação infraconstitucional a regulamentação para plena 
fruição dos direitos. Entretanto, constatamos, ao menos no que tange o direito à saúde, que 
mesmo com a edição de norma infraconstitucional se não houver vontade estatal, nunca 
haverá plena concretização de nenhum direito social. 
Interessante é que anterior à Lei Federal nº 9.313/96, o Estado do Rio Grande do 
Sul, na Lei Estadual nº 9.908/93, já dispunha sobre a gratuidade no fornecimento de 
medicamentos, entretanto, mesmo com uma lei regulamentando o artigo 196 da CF/88 
ainda se recusava em concretizar o direito dos pleiteantes, como se verifica no RE 
nº242.859-3 RS
18
: 
 
Ementa: Administrativo. Estado do Rio Grande do Sul. Doente portadora do vírus 
HIV, carente de recursos indispensáveis à aquisição dos medicamentos de que 
necessita para seu tratamento. Obrigação imposta pelo acórdão ao Estado. 
Alegada ofensa aos arts. 5º, I, e 196 da Constituição Federal. Decisão que teve por 
fundamento central dispositivo de lei (art. 1º da lei 9.908/93) por meio da qual o 
próprio estado do rio grande do sul, regulamentando a norma do art. 196 da 
constituição federal, vinculou-se a um programa de distribuição de medicamentos 
a pessoas carentes, não havendo, por isso, que se falar em ofensa aos disposi tivos 
constitucionais apontados. 
 
 
17
 Que no artigo 1º determina: “Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de AIDS 
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a 
medicação necessária a seu tratamento”. 
18
 1ª Turma do STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 17.09.99, ementário nº 1963-8. 
Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
13 
A total falta de vontade política do Estado do Rio Grande do Sul em concretizar o 
direito à saúde no fornecimento de medicamentos figura-se tão visível que mesmo com a 
decisão prolatada quando do julgamento do RE nº242.859-3 RS supramencionado, ainda 
interpôs agravo regimental daquela decisão, entretanto, mais uma vez por unanimidade de 
votos, os ministros do STF julgaram pela improcedência dos pedidos do Estado e pela 
concretização do direito prestacional nesses termos: 
 
Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário. Distribuição de 
medicamentos especiais ou excepcionais a pessoas carentes. Lei nº 9.908/93, do 
estado do rio grande do sul, e acordo firmado na comissão intergestores bipartite – 
cib. reexame de cláusulas. Impossibilidade. 
1. Programa de distribuição de medicamentos especiais ou excepcionais a pessoas 
carentes. Lei nº 9.908/93, do Estado do Rio Grande do Sul. Ofensa ao artigo 196 
da Carta Federal. Alegação improcedente. Precedentes. Acordo firmado na 
Comissão intergestores Bipartite – CIB. Reexame das cláusulas firmadas entre as 
partes no que concerne à reserva de atribuições para operacionalização dos 
recursos financeiros. Impossibilidade. Ofensa ao princípio federativo da separação 
dos poderes. Inexistência. Hipótese que trata de divisão de funções com vistas à 
execução dos encargos cometidos por lei ao Estado. Agravo regimental não 
provido
19
. 
 
Como se depreende dos textos supramencionados, não basta existir norma 
infraconstitucional que regulamente os direitos insculpidos na Constituição e 
denominados “programáticos”, é preciso vontade política para concretizá-los e, quando da 
inércia dos demais poderes, o Judiciário é o último front para plena concretização dos 
direitos prestacionais e, pelo que verificamos, em nome da dignidade da pessoa humana e 
calcada nos direitos de fraternidade, há uma efetiva concretização de tais direitos. 
Ademais, tal discussão encontra-se pacificada na jurisprudência dos Tribunais de 
Justiça, a obrigatoriedade do Estado custear tratamento ou fornecimento de medicamentos 
desde que seja comprovada a necessidade do mesmo para manutenção da vida do 
indivíduo. Também esses Tribunais associam o direito à saúde com o direito à vida. 
 
 
 
 
 
19
 Agravo regimental em recurso extraordinário nº257.109-1 RS, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 
DJ 07.12.2000, ementário nº 2015-6. 
Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
14 
Não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça de Pernambuco
20
 no julgamento 
da Quinta Câmara Cível no Agravo de Instrumento nº 77516-2, Rel. Des. Márcio Xavier, 
publicado no DJ em 04/04/02, cuja ementa fora a seguinte: 
 
Saúde Pública - Proteção - Medicamento indispensável - Dever do Estado. É dever do 
Poder Público, em qualquer uma de suas esferas (federal, estadual ou municipal) velar 
pela proteção da saúde dos seus cidadãos. E a necessidade de proteger-se a saúde e a 
vida, como exigência que emerge dos princípios fundamentais em que repousa o 
próprio Direito Natural, se sobrepõe a qualquer outro interesse, ainda que se ache este 
tutelado pela lei ou pelo contrato. Precedentes jurisprudenciais. Agravo improvido. 
Votação indiscrepante. À unanimidade, negou-se provimento ao Agravo de 
Instrumento. 
 
Igualmente na Quarta Câmara Cível no Agravo de Instrumento nº 59625-8, Rel. Des. 
Napoleão Tavares, publicado no DJ em 12/09/02 o entendimento fora mantido na ementa: 
 
Acão Civil Pública - Fornecimento de remédios pelo estado à população carente - 
competência da justica estadual em face do que dispõe o art. 198 da Carta Magna. 1- 
A assistência à saúde é direito constitucional, sendo dever de todos os entes do 
sistema federativo. 2- Não pode o Estado interromper o fornecimento de medicamento 
considerado essencial à população sob o argumento de que a União não repassou a 
parcela devida para custear os medicamentos, posto que conforme estabelece o art. 
198 da Carta Magna, cada ente federativo é responsável pela prestação de serviços à 
saúde em seu âmbito de competência. 3 - Competência da Justiça Estadual para 
dirimir a presentelide, ex vi do art. 198 da Constituição Federal. Por unanimidade, 
negou-se provimento ao recurso. 
 
As decisões vêm se mantendo ao longo do tempo, haja vista recente decisão no 
mesmo sentido denotando que a concretização do direito à saúde pelo fornecimento de 
medicamentos encontra jurisprudência fortalecida. Não é outra a decisão do Agravo 
Regimental nº 107716-3/01 no 2º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Des. Jones Figueiredo 
publicado no DJ em 15/06/04, cuja ementa: 
 
Embargos declaratórios. Liminar. Concessão. Portador de doença crônica 
incapacitante. Necessidade urgente de medicamento. Fornecimento gratuito. SUS. lei 
nº 9.313/96. Dispensa de licitação. periculum in mora inverso. Decisão mantida. 
Agravo improvido indiscrepantemente. Mérito: 1- O Sistema de Saúde pressupõe uma 
 
20
 Também no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul encontramos inúmeras decisões acerca da 
concretização do direito à saúde pelo fornecimento de medicamentos, como se depreende da análise dos 
reexames necessários nº 70004748745, julgado em 25/09/2002; nº 70004732913, julgado em 
25/09/2002; nº 70004698189, julgado em 25/09/2002; nº 70004679940, julgado em 25/09/2002; 
nº70003828563, julgado em 28 /05/2002, todos com o mesmo Relator , qual seja o Des. Carlos 
Eduardo Zietlow Duro; bem como dos agravos de instrumento nº 70004674370, nº70004674412, 
nº70004828828, nº70004829545, todos com data de julgamento em 15/08/2002, e o mesmo Relator 
Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro. No mesmo Tribunal , da lavra do Des. Augusto Otávio Stern, o 
mesmo entendimento fora esposado no julgamento do agravo de instrumento nº70004141503, com data de 
julgamento em 20/06/2002. 
 
Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
15 
assistência integral, no plano singular ou coletivo, na conformidade das necessidades 
de cada paciente, independente da espécie e nível de enfermidade, razão pela qual, 
comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida, deverá ele ser 
fornecido. 2- A impetrante, ora agravada, padece de artrite reumatóide soropositiva, 
doença crônica, progressiva e incapacitante, não responsiva às terapias convencionais, 
conforme restou comprovado em laudo médico circunstanciado. 3- A concessão da 
segurança, no sentido de compelir o Estado ao fornecimento gratuito do medicamento, 
indispensável à paciente, não viola a lei e se harmoniza com a jurisprudência sobre o 
tema, sendo irrelevante a alegação de entraves burocráticos a impedir o cumprimento 
da medida liminar, devendo-se dispensar, inclusive, malgrado a invocação, o próprio 
procedimento licitatório. (STJ - REsp nº 194678-SP). 4- Há que se afastar a 
delimitação no fornecimento de medicamentos constante da Lei nº 9313/96, 
ressaltando-se de logo, não ser ilegal a decisão que ordena o fornecimento de 
remédios pela Administração Pública ao combate de doenças que sejam indicados por 
prescrição médica. 5- A saúde é um direito constitucionalmente tutelado cabendo ao 
Poder Judiciário coibir enfaticamente qualquer usurpação desse preceito. Em outras 
palavras, o direito constitucional à saúde significa direito à uma saúde integral, o que 
implica no uso de medicamentos adequados à presteza da cura e não direito à uma 
saúde precária por medicamentos insuficientes ao resultado útil. Nesse fim, a decisão 
judicial objetiva tornar efetiva a ordem constitucional, cânone que a gestão pública, 
em todos os casos, haverá de observar como prática usual e não eletiva. 6- À 
unanimidade, negou-se provimento ao Agravo Regimental. 
 
Alguns preceitos são abstraídos dessa decisão supramencionada no tocante à 
concretização, quais sejam: a) Qualquer pessoa com qualquer doença, desde que seja 
comprovada a necessidade do medicamento, é de obrigação do Estado o fornecimento do 
mesmo; b) Questões “burocráticas” não obstam a concretização do direito; c) Não há 
impedimento legal em prolatar decisão que ordena o fornecimento de remédios pela 
Administração Pública ao combate de doenças que sejam indicados por prescrição médica
21
; 
d) O Poder Judiciário deve tutelar o direito à saúde integral do indivíduo por ser previsto 
constitucionalmente, portanto fundamental; e) Por fim, agindo dessa forma, o Judiciário atua 
com a pretensão de concretizar a Constituição. 
Interessante perceber que as ações utilizadas para provocar o Judiciário são as mais 
variadas, ora é utilizado o mandado de segurança, a ação civil pública, a ação ordinária de 
obrigação de fazer, logo, não há exclusão de nenhum tipo. 
É mister ventilar que o Judiciário preocupa-se com o direito à saúde do indivíduo no 
tocante às providências essenciais para manutenção da vida, por esse fato é que não se 
exime em determinar ao Executivo que forneça o medicamento essencial; todos os demais 
“acessórios” que não dizem respeito diretamente à manutenção da vida, embora 
necessários á saúde, mas não essenciais, são afastados pela tutela jurisdicional. Seguindo 
esse entendimento o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sua Quarta Câmara 
 
21
 Vale ressaltar que alguns Tribunais de Justiça aceitam apenas o laudo lavrado por médico pertencente ao 
quadro da rede pública e não o médico particular o que entendemos ser completamente absurdo, pois apenas a 
demora em ser atendido por um médico da rede pública pode ocasionar a morte do paciente, haja vista a imensa 
fila de espera daqueles que acordam ainda de madrugada para conseguir uma ficha de atendimento. 
Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
16 
Cível apreciando Agravo de Instrumento nº 70003945730, Rel. Des. Vasco Della Giustina, 
julgado em 24/04/2002, assim decidiu: 
 
Ementa: Agravo de instrumento. Rio Grande. Deficiência neurológica. 
Impossibilidade financeira de arcar com a medicação e tratamento prescritos. 
Fornecimento pelo Município. Direito à vida. Ao Município compete a proteção da 
saúde dos cidadãos, incluindo-se na obrigação o fornecimento de remédios 
necessários para o tratamento dos menos favorecidos. Ausência de fumus boni iuris 
relativamente ao custeamento, pelo Município, das aulas de natação, fisioterapia, 
sessões com fonoaudióloga, pedagoga e transporte. Necessidade de dilação probatória. 
agravo parcialmente provido. 
 
 
Logo, foi procedente o pedido relativo aos medicamentos, mas as aulas de natação, 
fisioterapia e demais acompanhamentos não foram deferidos pelo fato de não serem 
dotados do caráter da essencialidade. 
Igualmente da lavra desse Tribunal de Justiça, foi firmado entendimento que a saúde 
é direito público subjetivo no julgamento do agravo de instrumento nº70003969532, 
julgado em 17/04/2002, Rel. Des. Vasco Della Giustina: 
 
Ementa: agravo de instrumento. medicamentos. vida e saúde são direitos subjetivos 
inalienáveis. ao estado compete a proteção da saúde dos cidadãos, incluindo-se na 
obrigação o fornecimento de remédios necessários para o tratamento dos menos 
favorecidos, enquanto devedor solidário da obrigação. agravo desprovido. 
 
Ainda no TJ/RS, o Des. Tupinambá Miguel Castro Do Nascimento foi relator da 
apelação cível nº 598043289, julgada em 26/08/1998 que considerou o artigo 196 da 
Constituição Federal norma auto-aplicável: 
 
Ementa: direito constitucional. direito a saúde. legitimação passiva ad causam. a 
obrigação de fornecimento de remédios, com base no artigo 196 da CF, e de qualquer 
dos entes federativos, cabendo ao titular do direito subjetivo constitucional a escolha 
do demandado. norma auto-aplicável. o artigo 196 da CF, por conter todos os 
elementos necessários a sua aplicação, e norma de eficácia plena. apelações 
improvidas. 
 
No SuperiorTribunal de Justiça (STJ) das inúmeras decisões acerca da 
concretização do direito à saúde pela condenação do Estado a custar medicamentos a 
hipossuficientes, elencamos algumas, haja vista as demais serem meras repetições sob os 
mesmos argumentos, quais sejam, na 2ª Turma do STJ, Resp nº 57.613-0 RS, Rel. Min. 
Américo Luz, DJ 14.08.95: 
 
Mandado de segurança. menor portador de doença raríssima. importação de 
medicamento pelo estado. concessão da ordem. art. 196 da CF. alegação, no 
recurso especial, de violação no art. 1º da lei 1533/51. matéria que não pode ser 
Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
17 
revista na via eleita, por se referir a elementos de feitos cuja análise se encerra nas 
vias ordinárias (súmula 07 STJ honorários advocatícios. descabimento nas ações 
do tipo. 
 
Semelhante entendimento, julgado pela 1ª Turma do STJ, Resp nº 97.912 RS, Rel. 
Min. Garcia Vieira, DJ 09.03.98 aponta nessa mesma direção, quando acordam: 
 
Medicamento – Aquisição – Liminar satisfativa – Direito à vida. É vedada a 
concessão de liminar contra atos do Poder Público no procedimento cautelar, que 
esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. Entretanto, tratando-se de aquisição 
de medicamento (ceridase) indispensável à sobrevivência da parte, o que estaria 
sendo negado pelo Poder Público seria o direito à vida. Recurso improvido. 
 
Nas decisões supramencionadas notamos que as duas Turmas do STJ detém o 
mesmo entendimento nas ações que envolvem a concretização do direito social à saúde 
pela atuação direta do Judiciário, ao condenar o Estado obrigando-o a tomar medida 
comissiva favorável à eficácia social do direito constitucional. Vale ressaltar que nem 
mesmo óbices de natureza processual (liminar satisfativa) foram obstáculo intransponível, 
mas ao contrário, os ministros desconsideraram essa hipótese em nome do direito 
pleiteado. 
Ainda na 1ª Turma do STJ, no agravo regimental no agravo de instrumento nº 
253938/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 28.02.2000, caso semelhante foi assim decidido: 
 
Processual civil. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a 
agravo de instrumento para fazer subir recurso especial. fornecimento gratuito de 
medicamentos. Aids. Responsabilidade solidária do Estado e Município. Decisão 
uma de relator. art. 557, do CPC, e art. 38, da lei nº 8.038/90. Precedentes. 
 
Ora, o texto do artigo 196 da Constituição dispõe ser a saúde “direito de todos e 
dever do Estado”, essa decisão do STJ corrobora a tese que o “Estado” corresponde tanto 
a União, quanto os Estados, Municípios e o Distrito Federal, numa obrigação solidária e 
inescusável entre todos os entes federados. 
A concretização do direito à saúde pela atuação do STJ é obtida de diversas formas, seja 
deferindo o custeio pelo estado de medicamento ao portador do vírus HIV
22
, bem como 
atrofia cerebral
23
, tratamento de retardo mental, hemiatropia, epilepsia, tricotilomania e 
 
22
 STJ, 1ª Turma, Resp 325337 / RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ 03/09/2001, pág. 00159; STJ, 1ª Turma, Resp 
235281, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 24/06/2002, pág. 00235; STJ, 1ª Turma, Resp 195159, Rel. Min. Milton 
Luiz Pereira, DJ 11/03/2002, pág. 00083; STJ, 1ª Turma, AGA 253938, Rel. Min. José Delgado, DJ 28/02/2000, 
pág. 00071. 
23
 STJ, 1ª Turma, Resp 507205 / PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 17/11/2003, pág. 00213. 
Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
18 
transtorno orgânico da personalidade
24
, internação de menor para tratamento contra o uso de 
drogas
25
, fenilcetonúria
26
, hepatite C
27
, esclerose múltipla
28
, mielomeningocele infantil 
(doença congênita grave) cujo tratamento necessita de aparelho terapêutico não fabricado no 
país
29
, dentre outras. 
Entretanto, a concretização do direito à saúde demonstrada pelas decisões 
supramencionadas pode levar a uma conclusão errônea e apressada de que esse poder esteja 
julgando fora dos limites que lhe são impostos constitucionalmente; tal crítica é equivocada, 
pois nem o Judiciário está julgando fora dos limites que lhe são impostos pela Constituição, 
nem é seduzido em prolatar decisão desprovida de aparato técnico e oitiva dos atores 
envolvidos. Analisando o caso concreto, os Ministros do STJ nem sempre deferem o pleito 
dos autores, portanto descartando críticas infundadas. Exemplo de não deferimento foi o MS 
nº 8895 / DF, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 07/06/2004, pág. 00151: 
 
Administrativo – Serviço de saúde – Tratamento no exterior –Retinose pigmentar. 1. 
Parecer técnico do Conselho Brasileiro de Oftalmologia desaconselha o tratamento da 
"retinose pigmentar" no Centro Internacional de Retinoses Pigmentária em Cuba, o 
que levou o Ministro da Saúde a baixar a Portaria 763, proibindo o financiamento do 
tratamento no exterior pelo SUS. 2. Legalidade da proibição, pautada em critérios 
técnicos e científicos. 3. A Medicina social não pode desperdiçar recursos com 
tratamentos alternativos, sem constatação quanto ao sucesso nos resultados. 4. 
Mandado de segurança denegado. 
 
Ora, tratamento de doença no exterior custeado pelo Estado é freqüentemente 
determinado pelo Judiciário, entretanto, tal decisão apenas é deferida quando há pelo menos a 
mínima possibilidade de êxito
30
. 
No âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo este o “guardião da 
Constituição”, houve igualmente diversas decisões acerca do tema em destaque, vale 
ressaltar na 2ª Turma, o RE nº 195.192-3 RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 31.03.2000: 
[...] Saúde – aquisição e fornecimento de medicamentos – doença rara. Incumbe 
ao estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente 
quando envolvida criança e adolescente. O Sistema Único de Saúde torna a 
responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os 
Municípios. 
 
 
24
 STJ, 1ª Turma, ROMS 13452/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 07/10/2002, pág. 00172. 
25
 STJ, 1ª Turma, MC 6515, Rel. Min. José Delgado, DJ 20/10/2003, pág. 00174. 
26
 STJ, Resp 57608, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 07/10/1996, pág. 376026. 
27
 STJ, Resp 430526/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28/10/2002, pág. 00245. 
28
 STJ, ROMS 11129/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 18/02/2002, pág. 00279. 
29
 STJ, MS 8740/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 09/02/2004, pág. 127. 
30
 Em sentido contrário e em decisão mais antiga, a 2ª Turma do STJ no Resp 353147/DF, Rel. Min. Franciulli 
Netto, DJ 18.08.2003, p. 187: “Recurso Especial. Tratamento de doença no exterior. Retinose pigmentar. 
Cegueira. Cuba. Recomendação dos médicos brasileiros. Direito fundamental à saúde. Dever do Estado”. 
Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011 
19 
Passaremos a analisar, na 2ª Turma do STF, os agravos de instrumento no recurso 
extraordinário nº 273.834-4 RS e nº 271.286-8 RS, publicados no DJ respectivamente em 
02.02.2001 e 24.11.2000, ambos com Rel. Min. Celso de Mello, trouxeram a mesma 
ementa que, em nosso entendimento, é paradigmática e corrobora todas as hipóteses que 
sustentamos nessa dissertação em relação à concretização dos direitos fundamentais 
sociais prestacionais pela atuação judicial seja controlando os atos do Executivo, seja 
determinando de per si a concretização do direito pleiteado. Assim encontra-se ementado: 
 
Paciente com HIV/AIDS – Pessoa destituída de recursos financeiros – Direito à 
vida e à saúde - Fornecimento gratuito de medicamentos – Dever constitucional 
do Poder Público (CF, arts. 5º, caput, e 196) – precedentes (STF) – Recurso de 
agravo improvido. 
 
Nas decisões em análise, há ainda o reconhecimento dodireito à saúde (2ª dimensão 
de direitos fundamentais) como indissociável ao direito à vida (1ª dimensão dos direitos 
fundamentais), o que confirma a hipótese, também no âmbito desse Pretório Excelso, de 
que as dimensões de direitos são harmonizadas e não excludentes. 
 
O direito à saúde representa conseqüência constitucional indissociável do direito à 
vida. [...] 
O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a 
todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito 
à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no 
plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao 
problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável 
omissão, em grave comportamento inconstitucional. 
 
Em seqüência, a ementa dessas duas decisões ora comentadas, confirmam a hipótese 
da existência de direito público subjetivo plenamente fruível diretamente do texto 
constitucional sem necessidade de nenhuma intermediação infraconstitucional. Parece não 
ser outro o entendimento do STF, ao menos no que pertine o direito à saúde quando 
dispõe: 
 
O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível 
assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da república (art. 
196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve 
velar, de maneira responsável, o Poder público, a quem incumbe formular – e 
implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos 
cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e 
igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. 
 
Em se tratando do direito à saúde até mesmo o caráter programático da norma 
constitucional, topos argumentativo comumente utilizado como óbice à atuação judicial é 
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afastado nessas decisões comentadas, e a omissão dos demais poderes recebe alguns 
adjetivos nada lisonjeiros como “irresponsável” e “inconseqüente”: 
 
A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa 
constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 
da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que 
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – 
não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o 
Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, 
substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por 
um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria 
Lei Fundamental do Estado. 
 
Por fim, o STF justifica sua decisão acerca da distribuição gratuita de medicamentos 
por se tratar de pessoas hipossuficientes, portadoras do vírus HIV, em nome da 
humanidade e da dignidade de pessoa humana numa perspectiva fraterna. O que confirma 
a hipótese de que este princípio é importante aliado do Órgão Judicante na fundamentação 
de suas decisões concretizadoras dos direitos fundamentais sociais de caráter prestacional. 
Entretanto, o mais relevante é que reconhece sua competência para equacionar questões de 
natureza política: 
 
Distribuição gratuita de medicamentos a apessoas carentes. O reconhecimento 
judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de 
medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus 
HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República 
(arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto 
reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente 
daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria 
humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. 
 
Até o momento analisamos decisões que confirmam a hipótese da concretização dos 
direitos fundamentais sociais prestacionais diretamente do texto constitucional pelo Poder 
Judiciário (ao menos no que tange o direito à saúde), entretanto, entre todas as decisões há 
uma que merece relevo, qual seja o acórdão prolatado pela 1ª Turma do STJ no recurso em 
mandado de segurança nº 11.183/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 04.09.2000, 
procuraremos esmiuçar seus pontos principais. O referido acórdão encontra-se assim 
ementado: 
 
Constitucional. Recurso ordinário. Mandado de segurança objetivando o 
fornecimento de medicamento (riluzol/rilutek) por ente público à pessoa portadora 
de doença grave: esclerose lateral amiotrófica – ELA. Proteção de direitos 
fundamentais. Direito à vida (art. 5º, caput, CF/88) e direito à saúde (arts. 6º e 
196, cf/88), ilegalidade da autoridade coatora na exigência de cumprimento de 
formalidade burocrática. 
 
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A referida decisão encontra-se ancorada em inúmeros princípios constitucionais 
aptos a fundamentar a concretização do direito prestacional. Dessa forma o STJ afastou 
óbices que denominou de natureza “burocrática” para que fosse atendido o pleito do 
demandante e arrimou no princípio democrático e de responsabilidade do Estado ao 
asseverar: 
 
A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática 
dos atos administrativos do estado voltados para o homem. A eventual ausência de 
cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice 
suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma 
alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia 
do maior de todos os bens, que é a própria vida. 
 
Vale ressaltar que o STJ nessa decisão cita jurisprudência no mesmo sentido e inclui 
como beneficiários, de modo preferencial, a população carente fortalecendo, assim, a 
solidariedade e fraternidade como norteadores de sua ação: 
 
É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito á 
saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos 
artigos 6º e 196. Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à 
população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos 
necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido 
de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício 
almejado (STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, 
Resp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000. 
 
Ademais, o STJ, nessa decisão em comentário, afasta o caráter programático dos 
artigos 6º e 196 da Constituição e eleva a saúde como “princípio” maior: 
 
Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra 
dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. 
Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, 
em 1988, na Constituição Brasileira, de que „a saúde é direito de todos e dever do 
Estado‟ (art. 196). 
 
Entretanto, o mais curioso nessa decisão do STJ, não foi o fato do Judiciário ter 
olvidado o vetusto princípio da separação de poderes, sempre invocado para eximir o 
Órgão Judicante do mister da concretização, mas a forma como esse Órgão interpretou os 
artigos da Constituição supramencionados: 
 
Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível 
interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem 
ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida. 
Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá -la com 
temperamentos, tendo-seem vista a intenção do legislador, mormente perante 
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preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à 
vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades 
básicas dos cidadãos. 
 
No final da ementa encontramos finalmente a ordem judicial que ordena a 
concretização do direito: 
 
Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do 
Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da 
enfermidade da recorrente. 
 
Acreditamos não pairar mais quaisquer dúvidas acerca da atuação judicial 
interpretando os direitos fundamentais na perspectiva da fraternidade no sentido de 
concretizar o direito fundamental social prestacional à saúde. 
 
Considerações finais 
 
Os direitos fundamentais não são mais considerados apenas com o caráter negativo, mas 
como pretensões de prestação social face ao Estado. 
A expressão “direitos fundamentais” pode ser utilizada para ventilar certos direitos que 
reconhecem e garantem a qualidade de pessoa ao ser humano. 
Pelo menos em duas acepções formais verificamos a fundamentalidade dos direitos de 
fraternidade, posto que, integrando o corpo textual da Constituição revestem-se como norma 
hierarquicamente superior em todo ordenamento jurídico e constituem limite material à 
revisão constitucional; mas, não são direitos fundamentais meramente formais, são também 
materialmente constitucionais haja vista se constituírem na própria razão de ser do Estado 
Social e Democrático de Direito, cuja concretização encontra-se entre suas tarefas e 
incumbências. 
Entendemos que os direitos fundamentais constantes na Constituição irradiam seus 
efeitos sobre todo o ordenamento jurídico além de possuírem arrimo nos princípios 
fundamentais, desse modo, toda e qualquer norma que não se coadune com os preceitos 
fundamentais são desde o momento inconstitucionais e estranhos ao direito, além dos 
referidos direitos serem pauta ininterrupta de reivindicações no sentido de sua implementação, 
estabelecendo uma espécie de mora administrativa e reclamando efetividade dos demais 
poderes constituídos. 
Atualmente, com a emergência dos direitos difusos os quais atingem grupo 
indeterminado, a sociedade de massas, pós-moderna, não identifica o indivíduo nem o grupo 
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que será atingido; está presente o conceito de futuras gerações – não mais como a dimensão 
civilista de nascituro - mas todas aquelas pessoas que um dia usufruirão do patrimônio 
terrestre. São os direitos fundamentais de 3ª dimensão, direitos de solidariedade e fraternidade 
que ultrapassam os limites do individualismo (tônica da 1ª dimensão) ou de grupos 
determinados (2ª dimensão), onde seus titulares são indeterminados, abrangendo a todos os 
seres humanos inclusive os que ainda nem existem, mas um dia existirão (futuras gerações). 
É inegável que existe forte conexão entre os direitos fundamentais, evidencia-se, 
ademais, que os tribunais brasileiros ao reconhecer direitos ligados à saúde utilizam do viés 
interpretativo conducente à fraternidade e, conseqüentemente, de concretização dos direitos 
de terceira dimensão. 
 
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