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1 FACULDADE CATÓLICA DE FORTALEZA ADRIANO ALVES DE LIMA SOBRE A LIBERDADE EM JEAN-PAUL SARTRE FORTALEZA 2015 2 ADRIANO ALVES DE LIMA SOBRE A LIBERDADE EM JEAN-PAUL SARTRE Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza. Orientador: Profª. Dra. Ir. Maria Celeste FORTALEZA 2015 3 ADRIANO ALVES DE LIMA SOBRE A LIBERDADE EM JEAN-PAUL SARTRE Monografia apresentada ao Curso de Filosofia da Faculdade Católica de Fortaleza como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia. Aprovado: _______/________/_________ BANCADA EXAMINADORA __________________________________________________________________ Orientador: Profª. Drª. Ir. Maria Celeste Faculdade Católica de Fortaleza – FCF __________________________________________________________________ Leitor: Prof. Ms. Pe. Antonio Augusto Meneses do Valle Faculdade Católica de Fortaleza – FCF 4 Dedico Aos meus pais, Auricélia Alves de Lima e César Nildo Lima de Sousa, aos meus irmãos, Inês Lima e Fábio Lima, a minha afilhada e sobrinha Maria Júlia e a todos que me ajudaram, direta ou indiretamente, familiares e amigos. Aos meus irmãos e amigos seminaristas: Luan Álefi (Diocese de Iguatu), Henrique Melo, Thiago Rodrigues, Francisco Adilton (Ambos da Arquidiocese de Fortaleza), pelo carinho e amizade. Ao meu irmão e amigo Alci Filho. Ao meu Pároco, Pe. Antônio Henrique. Aos meus formadores, Pe. José Benício, Pe. José Filho e Pe. Marcelândio. Ao meu amigo Pe. Severino Guedes. Ao meu Bispo, Dom José Antônio, aos meus amigos Francisco Rafael e Carlos Ferreira (in memoria) e a toda família Arquidiocesana de Fortaleza. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida e todas as capacidades, pela inspiração, força e determinação, por Ele estar sempre ao meu lado. Aos meus pais, Auricélia Alves de Lima e César Nildo Lima de Sousa, pelos ensinamentos, por toda a ajuda e incentivo a nunca desistir. Obrigado, mãe, por ter me conduzido nos caminhos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aos meus irmãos Inês Lima e Fábio Lima, a minha sobrinha e afilhada, Maria Júlia; obrigado por toda a alegria que vocês me proporcionam, porque família é tudo. Ao meu Pároco, Pe. Antônio Henrique Bezerra da Silva. Obrigado, padre, pelo o senhor, abaixo de Deus, ter sido a ajuda que eu precisava para ingressar no Seminário. Obrigado por tudo. Ao Pe. Severino Guedes, pela força e amizade. O senhor é meu irmão. Ao Pe. José Benício, meu formador e amigo. Obrigado, padre, por todo o apoio, ensinamentos e amizade. A Profª. Dra. Ir. Maria Celeste, que aceitou me orientar, por sua amizade, pela disponibilidade, acompanhamento, paciência e compreensão na elaboração e conclusão desta pesquisa. Por tudo isso, sou profundamente grato. Aos meus irmãos e amigos Luan Álefi, Henrique Melo, Thiago Rodrigues, Francisco Adilton, pelos momentos de alegria, pelas partilhas, pelo companheirismo, pela sua amizade. Aos professores do Curso de Filosofia da Faculdade Católica de Fortaleza. Obrigado pela exigência, disponibilidade e todos os ensinamentos. Aos meus colegas de sala de aula, do Curso de Filosofia, meus sinceros agradecimentos pelo companheirismo. E, profundamente quero agradecer ao meu bispo, meu eterno mestre, Dom José Antônio, Arcebispo da Arquidiocese de Fortaleza, pela oportunidade e ajuda para concluir este curso, neste ano de 2015. Aqui fica também meu reconhecimento de que graças ao seu rigor e exigências meticulosas, pude dar o melhor de mim. Muito obrigado. Aos meus irmãos seminaristas, em especial da Arquidiocese de Fortaleza, muito obrigado. 6 Ser-se livre não é fazermos aquilo que queremos, mas querer-se aquilo que se pode. (Jean-Paul Sartre) 7 RESUMO Com base no pensamento de Jean Paul-Sartre, francês, filósofo, leitor de clássicos franceses. Apresentamos este trabalho monográfico no qual abordamos o tema Liberdade, tendo como fonte principal a obra O Ser e o Nada. A partir do conceito de liberdade tentaremos mostrar os seus limites e de que modo o mesmo está relacionado com noção de responsabilidade. No primeiro capítulo será apresentado a liberdade como condição primeira da ação, relacionando-a com os conceitos de consciência, ato, essência, vontade. Após este percurso, adentraremos no terreno da própria liberdade, que é o tema deste projeto monográfico. Após este percurso entraremos no terreno dos limites da liberdade enquanto fim, situação e obstáculo. Neste sentido, concluiremos o trabalho tratando da responsabilidade, sobre a qual Sartre afirma que indivíduo não é apenas livre, mas que possui a responsabilidade de construir a sua liberdade. Palavras-chave: Liberdade – Facticidade – Responsabilidade. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 1 LIBERDADE COMO CONDIÇÃO PRIMEIRA DA AÇÃO ..................................... 11 1.1 Liberdade como ato, essência e consciência ..................................................... 14 1.2 Liberdade enquanto vontade ............................................................................... 16 1.3 Liberdade ............................................................................................................ 18 2 OS LIMITES DA LIBERDADE .............................................................................. 21 2.1 Liberdade enquanto fim ....................................................................................... 24 2.2 Liberdade em situação ........................................................................................ 25 2.3 Liberdade e obstáculo ......................................................................................... 27 2.4 Facticidade da Liberdade .................................................................................... 29 3 LIBERDADE E RESPONSABILIDADE ................................................................ 31 3.1 Responsabilidade enquanto situação .................................................................. 33 3.2 Responsabilidade e angústia .............................................................................. 34 3.3 Responsabilidade e facticidade ........................................................................... 36 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 41 9 INTRODUÇÃO O desejo de estudar a temática liberdade em Sartre surgiu a partir de uma apresentação monográfica de um colega que tratava sobre alteridade, ou seja, inquietações a respeito da relação eu-outro. Percebe-se que na nossa realidade de vida as pessoas têm uma forma complicada de se relacionarem; comose aproximam; como olham o outro. Desde então, faço inferências que os motivos implicam nos conceitos de factibilidade, liberdade, posse, e olhar entre outros conceitos. Com essa temática, pretende-se mostrar, na visão do autor, a forma como o homem aparece em suas relações com os outros e sendo um empecilho à liberdade alheia. Podemos nos perguntar a partir de Sartre: qual o conceito de liberdade? Existe liberdade? E, se existe, como? Como um ser percebe o outro? Como eles se relacionam, haja vista que são repletos de diferenças? Estas são as perguntas que devem dar início à pesquisa. A questão da liberdade é pensada e tratada por Sartre a partir do 4º capitulo do livro O Ser e o Nada. Para o autor existencialista, cada ser indivíduo é dotado de liberdade, sendo privado somente pela própria liberdade que se dá no encontro com o outro. O presente trabalho, portanto, tem como objetivo abordar o conceito de liberdade sob a ótica do filósofo Sartre, tendo como orientação principal a obra O Ser o Nada (Ensaio de Ontologia Fenomenológica). Tentar-se-á, após apresentação da liberdade como condição primeira da ação, mostrar os limites desta liberdade e, em última análise, mostrar que a liberdade está relacionada com a noção de responsabilidade. Encontram-se no Ensaio de Ontologia Fenomenológica os argumentos necessários que fazem da filosofia sartreana uma filosofia da ação. No primeiro capítulo, Sartre define o Para-si como o ser que define a ação e que está relacionado com os conceitos de modificação e possibilidade. Contudo, Sartre apresenta um conceito de intenção que é suscitada pela captação, ou seja, pela falta de um objetivo. A concepção é como se fosse a ação e serve para organizar algo. Aqui será refletido o conceito de homem, o qual será aquilo que escolher para si mesmo e que faz, que escolhe e que constrói o seu projeto. 10 Contudo, a condição primordial da ação é a liberdade. A partir das escolhas, o homem é condenado a ser livre. A consciência é o fazer-se, ou seja, o homem é um ser pensante e a liberdade está ligada a este ser. Sartre observa que a consciência é sempre de alguma coisa, ou seja, a consciência sem ser razão de algo, isto é, fenômeno. A consciência é apenas uma estrutura humana. A consciência do homem é fazer-se, o homem é um ser pensante, o homem é alguma coisa, isso significa dizer que a consciência não existe fora dessa relação com o objeto, logo, ela não tem ser próprio; ela é nada de ser, e só existe como consciência de algo; dessa forma não poderia existir uma consciência absoluta que subsistisse por si, já que uma consciência de nada seria um nada absoluto. Após a explanação da liberdade enquanto ação, apresenta-se o segundo capítulo, o qual trata dos limites da liberdade. Para Sartre, o indivíduo/homem é livre; contudo, o homem está ligado a diversos acontecimentos de sua vida. Assim antes de fazer-se, o homem deve ser-feito. Aqui aparece o conceito de fim e menciona-se que somos constituídos por um fim. A escolha é importante na vida do indivíduo e que o Para-si torna-se uma liberdade em situação. Será que não somos livres? O que podemos fazer com a liberdade? De acordo Sartre, o indivíduo por si é uma liberdade e o mesmo tem direito a escolhas. Ora o homem, por sua vez, só encontrará quaisquer obstáculos no campo de sua própria liberdade. Por fim, no terceiro capítulo, chega-se a relação da liberdade com a responsabilidade. Como se sabe o homem não é apenas livre, mas, dentro de sua liberdade, possui uma responsabilidade. Sartre, nos explica que o homem não só responsável é por si mesmo, como é responsável por todos os homens. A escolha sempre está em volta da liberdade e é ela que revela a responsabilidade, diferente da angústia, que não apresenta critérios para a escolha. Se o homem, por natureza, é livre, ele tem o direito de escolher e se torna responsável pelo que se escolhe. Tudo que acontece com o homem é responsabilidade dele e não do outro. A responsabilidade torna-se muito particular e a escolha está ligada à facticidade. Após esta breve introdução, partir-se-á, para a análise do conceito de liberdade, afim de se tentar atingir o objetivo do presente trabalho monográfico. 11 1. LIBERDADE COMO CONDIÇÃO PRIMEIRA DA AÇÃO Será apresentado no primeiro capítulo a Liberdade como condição primeira da ação, dentro desta apresentação será esclarecido em três subtemas. O primeiro refere-se a liberdade como ato, essência e consciência; o segundo trata-se da liberdade enquanto vontade e, por fim, a própria liberdade. O filósofo francês Jean-Paul Sartre1, em sua obra “O Ser e o Nada”, trata da liberdade, especificamente na quarta parte, no primeiro capítulo, em que aborda: “A condição primordial da ação é a liberdade”. Na compreensão de Jean-Paul Sartre, os conceitos “Ter, Fazer e Ser são as categorias cardeais da realidade humana”2. Portanto, esses procedimentos, categorias, posturas, condutas classificam o indivíduo enquanto sujeito. A categoria do Fazer, praticamente conduz, de maneira instantânea, pronta e rápida, a conduta ou a ação do homem que, por sua vez, traz uma condição essencial, que é a liberdade. Sartre faz uma declaração que “Para-si é o ser que se define pela ação”3. A Ação, com relação aos conceitos de modificação e de possibilidade, dão uma mudança relacionada com o seu atuar, ou seja, intencional, o que, por sua vez, necessita de um olhar a um fim que faz referência a um motivo. Um exemplo muito simples de que a ação é causada por um princípio intencional é o do fumante e o do operário que Sartre menciona: 1 Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi filósofo e escritor francês. "O Ser e o Nada" foi o seu principal trabalho filosófico. Foi um dos maiores integrantes do pensamento existencialista na França, juntamente com Albert Camus e Simone de Beauvoir. Publicou livros importantes na França, romances, contos e ensaios como forma de disseminar seus preceitos existencialistas: "A Náusea", "A Imaginação", "O Muro", além da peça teatral "As Moscas", no qual usou da lenda grega para simbolizar o domínio alemão sobre a França na segunda guerra. Seu trabalho filosófico principal foi "O Ser e o Nada", publicado em 1946, onde tenta caracterizar as estruturas fundamentais da existência humana descrevendo o choque entre a consciência e o mundo objetivo, de forma a destacar a característica que definia o ser humano, sua liberdade. Jean-Paul Charles Aymard Sartre morreu em Paris, França, no dia 15 de abril de 1980. Seus restos mortais encontra-se no Cemitério de Montparnasse, onde também está sepultada sua companheira Simone de Beauvoir. (E-biografia. Jean-Paul Sartre. Disponível em http://www.e-biografias.net/jean_paul_sartre/. Acessado no dia 06 de novembro de 2015). 2 SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada – Ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. 22 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. p. 535. 3 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 535. 12 O fumante desastrado que, por negligencia, fez explodir uma fábrica de pólvora não agiu. Ao contrário, o operário que, encarregado de dinamitar uma pedreira, obedeceu às ordens dada, agiu quando provocou a explosão prevista.4 Tendo como ponto o que diz o filósofo francês, encontra-se duas realidades/ação: a primeira ação é causada por falta de atenção, ou espontâneo, havendo aí uma destruição de um bem comum, um ambiente de trabalho; o segundo apresenta uma ação planejada e que age conforme havia sido programado, estudado, para que não haja erros no ato de apresentar ou desenvolver aquela determinada ação. A partir daacomodação, adequação da conclusão, resultado referente à intenção, é satisfatório para que sejamos capazes de falar da ação. Necessariamente, a ação está relacionada com sua condição de conhecimento, chamado desideratum, ou seja, sentir a falta de perder, desejar, esperar, procurar. A intenção é suscitada pela captação, pela falta de um objetivo. Toda ação tem também como condição o “reconhecimento de uma falta objetiva, ou uma negatividade”.5 Sartre fala de concepção que é a mesma ação, uma concepção que serve como um meio de organizar algo. Essa concepção não poderia ser simplesmente uma representação daquilo que poderia ser possível; causa aí algo essencial daquilo que pudesse ser possível e desejado, mas não realizado. “Significa que, desde a concepção do ato, a consciência pode se retirar do mundo pleno do qual é consciência e abandonar o terreno do ser para abordar francamente o não ser”. 6 Existe algo exclusivo em seu ser, a consciência, que é posta de maneira exclusiva do ser ao ser e que jamais encontrará um motivo para descobrir o não ser. Na filosofia da existência ou da ação, pensada por Sartre, as palavras ser, fazer, escolher, ação, projeto, estão completamente relacionadas ao conceito chave que aqui trabalhamos: a liberdade. 4 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 536. 5 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 537. 6 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 537. 13 Na obra O Ser e o Nada, o homem é o seu fazer-se, é o que escolheu para si mesmo; é a soma dos seus atos, um projeto indefinido de liberdade. É então, no caminho da ação que o homem faz, escolhe e constrói o seu projeto. Com efeito, toda ação, por sua vez, tem um objetivo. O que é esse objetivo? Para que o objetivo da ação, seja compreendido, diz Sartre: [...] agir é modificar a figura do mundo, é dispor meios com vistas a um fim, é produzir um complexo instrumental e organizado de tal ordem que, por uma série de encadeamentos e conexões, a modificação efetuada em um dos elos acarrete modificações em toda a série, e para finalizar, produza um resultado previsto.7 Fica claro que toda ação tem um fim previsto, um objetivo a ser alcançado. Um outro aspecto fundamental na visão sartreana, ao tratar do fim de uma ação, é reconhecer que ele se refere a um motivo: “Não poderia ser como de outro modo, já que toda ação deve ser intencional: com efeito, deve ter um fim, e o fim, por sua vez refere-se a um motivo. Tal é, com efeito a unidade de três temporais: o fim ou temporalização de meu futuro implica um motivo (ou móbil), ou seja, remete meu passado e o futuro presente é o surgimento do ato.”8 Assim, o motivo (ou móbil) é o que torna a presentificação do ato, ou seja, uma vez remetido ao passado, o presente torna-se o surgimento do ato. Portanto, “para ser motivo, com efeito, o motivo deve ser experimentado como tal”.9 Quando a consciência experimenta um motivo, ela o reconhece implicitamente como um valor a atribuir-lhe a significação do motivo. Só existe um motivo quando a consciência aceita um motivo de intencionalidade do ato, isto é, quando algo é vivido como motivação da ação. Segundo Luiz Damon: “A ação é sempre um ultrapassamento dado em direção a um fim. Ora, ocorre que esse fim é sempre um não ser, quer dizer, um não ainda. Não posso conferir a esse fim uma existência de dado, colocando-o à parte, isto é, não posso admitir que um fim é dado antes de efeito atingi-lo: nesse caso ele 7 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 536. 8 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 536. 9 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 540. 14 se separaria da ação concreta efetiva, ele se tornaria aqui o que o motivo se torna para o partidário da liberdade: isolado, separado”.10 1.1 Liberdade como Ato, Essência e Consciência Com esta afirmação, que a condição primordial da ação é a liberdade e para o filósofo francês Sartre o homem, o indivíduo é condenado a ser livre, ou seja, sua que a ação é, por princípio, intencional e brota de uma liberdade. Então, de um pressuposto: a “condição fundamental do ato é a liberdade”11, a qual não tem essência e não está submetida à necessidade lógica; “nela, a existência precede e comanda a essência”.12 A liberdade faz-se ato e, através do qual se organiza com os motivos, os móbeis e os fins que esse ato encerra. O ato tem uma essência, e esta nos aparece como constituído. A liberdade é fundamento de todas as essências e nenhum indivíduo poderá descrever uma liberdade que fosse comum ao outro e a mim. Assim, não se considera uma essência da liberdade. Segundo o pensamento filosófico sartreano, a existência precede a essência. O que isso quer dizer? Primeiramente, significa que o homem não possui definição alguma, ele não é nada antes de se fazer algo. “A própria denominação de ‘liberdade’ é perigosa, caso subentendamos que a palavra remete a um conceito como as palavras habitualmente fazem."13 A liberdade não é uma queda livre, ela é uma ação que requer que a pessoa aja dentro de uma situação que possua um certo nível de coerência. Segundo Moutinho: A consciência é necessariamente sempre consciência de... exatamente porque não é uma substancia em separado que, após algum tempo, entraria em relação com o objeto, recebendo passivamente as sensações. Na 10 MOUTINHO, Luiz Damon Santos. Sartre: existencialismo e liberdade. São Paulo: Moderna, 1995. p. 71. 11 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 541. 12 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 541. 13 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 542. 15 verdade, o que conceito de intencionalidade implica de positivo é o fato simples de que toda consciência é sempre já, e diretamente, movimento para o objeto, o que exprime na formula: “Toda consciência é consciência de alguma coisa”.14 Sartre descreve a consciência, e não faz referência a uma natureza comum, mas a uma consciência singular, como liberdade, ela está acima, além da essência. Para se obter esta consciência em sua existência, seria preciso de uma experiência particular o cogito. Tanto Husserl15 como Descartes16 pedem ao cogito uma verdade de essência, mas, o que se pode pedir ao cogito é nada mais que descubra uma necessidade de fato. É o cogito que determinará a liberdade como liberdade, como uma necessidade pura de fato, “como um existente que é contigente, mas que não posso não experimentar”17. [...] sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única se temporaliza como liberdade. [...] Como tal, sou necessariamente consciência (de) liberdade [...] assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser.18 14 MOUTINHO. Sartre: existencialismo e liberdade. p. 45 15 Edmund Husserl, filósofo alemão fundador da Fenomenologia, um método para a descrição e análise da consciência através do qual a filosofia tenta alcançar uma condição estritamente científica. Nasceu a 8 de abril de 1859 em Prossnitz, Moravia, no então Império Austríaco, hoje Prostejov, na República Checa, e faleceu em 27 de abril a 1938 em Freiburg im Breisgau, na Alemanha. De origem judaica, completou os primeiros estudos em um ginásio público alemão, na cidade próxima, Olmütz (Olomouc), em 1876. Em seguida estudou física, matemática, astronomia e filosofia nas universidades de Leipzig, Berlim, e Vienna. Nesta última passou sua tese de doutorado em filosofia em 1882, com o tema Beiträge zur Theorie der Variationsrechnung ("Contribuição para a Teoria do cálculo de variáveis").No outono de 1883, Husserl seguiu para Vienna para estudar com o filósofo e psicólogo Franz Brentano. Em Viena Husserl converteu-se à fé evangélica luterana e, um ano depois, em 1887, casou com Malvine Steinschneider, a filha de um professor do ensino secundário de Prossnitz. Esposa energética e competente, ela foi um indispensável apoio para Husserl até a morte dele. (QUEIROZ, Rubens. Edmund Husserl. Cobra Pages. Disponível em: <http://www.cobra.pages.nom.br/fcp-husserl.html> Acesso em 16 de setembro de 2015.) 16 René Descartes, filósofo e matemático, nasceu em La Haye, conhecida, desde 1802, por "La Haye- Descartes", na Touraine, cerca de 300 quilômetros a sudoeste de Paris, em 31 de março de 1596, e veio a falecer em Estocolmo, Suécia, a 11 de fevereiro de 1650. Pertenceu a uma família de posses, dedicada ao comércio, ao direito e à medicina. O pai, Joachim Descartes, advogado e juiz, possuía terras e o título de escudeiro, primeiro grau de nobreza, e era Conselheiro no Parlamento de Rennes, na vizinha província da Bretanha, que constitui o extremo noroeste da França. (QUEIROZ, Rubens. Descartes. Cobra Pages. Disponível em: <http://www.cobra.pages.nom.br/fmp-descartes.html> Acesso em 16 de setembro de 2015.). 17 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 542. 18 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 543. 16 Sartre observou que a consciência é sempre de alguma coisa, ou seja, a consciência sem ser razão de algo, isto é, fenômeno. A consciência é apenas uma estrutura humana. A consciência do homem é fazer-se, o homem é um ser pensante, é alguma coisa. Isso significa dizer que a consciência não existe fora dessa relação com o objeto; logo, ela não tem ser próprio, mas, é nada de ser, e só existe como consciência de algo; dessa forma, não poderia existir uma consciência absoluta que subsistisse por si, já que uma consciência de nada seria um nada absoluto. A liberdade está ligada ao ser, mas não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza. Assim como ser está ligado ao ser, deve-se, no mínimo, ter a compreensão de liberdade. Para Sartre, a liberdade é nada mais que a coisa última em vista da qual o homem existe. Partindo da afirmação de Moutinho a consciência “ela é espontânea, isto é, tem sua fonte em si mesma, é translúcida, ou seja, é consciência (de) si, é intencional e sem Eu. Quanto ao Eu, é um objeto que, por sua natureza, traz consigo a opacidade”.19 1.2 Liberdade Enquanto Vontade Será esclarecida, agora, a semelhança ou a relação entre liberdade e o que se denomina vontade. Um dos grandes atos, que é bastante comum, é assemelhar os atos livres e os atos voluntários e que levam a restringir a explanação determinista do mundo das paixões. Analisando o ponto de vista de Descartes, a vontade nada mais é que livre, mas, dentro desta liberdade, existem as paixões da alma. O mesmo faria um esclarecimento dessas paixões e que deveria ainda instaurar um determinismo exclusivamente psicológico. Marcel Proust20 realizou algumas análises, como a realização do ciúme ou do esnobismo que, por sua vez, como ilustração a esta concepção de mecanismo 19 MOUTINHO. Sartre: existencialismo e liberdade. p. 53 20 Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust foi um importante escritor e poeta francês. Nasceu na cidade de Paris em 10 de julho de 1871 e faleceu na mesma cidade em 18 de novembro de 1922. A obra mais conhecida de Proust foi “Em busca do tempo perdido”, um conjunto de sete novelas, considerada uma das grandes obras da literatura do século XX. É considerado um dos grandes 17 passional. Diante disto, se faz indispensável projetar o homem como livre e determinado. Agora, o grande problema seria o das relações entre esta liberdade incondicionada e que é chamada de processos determinada da vida psíquica. Uma pergunta essencial neste momento seria, de qual modo a liberdade poderá dominar as paixões e chegar a utilizar em seu próprio benefício? A sabedoria que vem dos estoicos, ensinará a acordar com as próprias paixões para que se possa dominá-las; em suma, irá aconselhar o homem a se conduzir em a relação à afetividade como o faz a respeito â natureza em geral, quando a obedece a fim de melhor controla-la.21 Para Sartre, a realidade humana nasce como um livre poder bloqueado, rompido por um conjunto, ou seja, uma porção de processos determinados e é claro que os atos são intensamente livres. Esses processos exercem uma vontade livre e que escapam por princípio à vontade humana. O estudo da vontade permitirá uma melhor compreensão de liberdade, a vontade é um ser autônoma e que é possível ser considerada como um fato psíquico dado, ou seja, Em-si. As paixões não poderiam ter qualquer domínio sobre a vontade. Para Sartre, a liberdade é: A liberdade nada é senão a existência de nossa vontade ou nossas paixões, na medida em que tal existência é nadificação da facticidade, ou seja, existência de um ser que é seu ser à maneira do ter-de-ser.22 Por fim, o filósofo francês mostra que o homem é ontologicamente livre, isto é, o homem é intrínseca e ontologicamente livre. A liberdade surge como uma necessidade: “o homem está condenado a ser livre”23 – afirma Sartre. Contudo, não se trata de uma liberdade abstrata, ou de absoluta transcendência; a liberdade desponta na origem de uma consciência que está inserida no mundo e comprometida com ele por uma relação indissolúvel, ou seja, que está “em situação”. E que esta escritores românticos do começo do século XX. (Sua Pesquisa. Marcel Proust. Disponível em: < http://www.suapesquisa.com/biografias/marcel_proust.htm>. Acessado no 3 de setembro de 2015.). 21 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 545. 22 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 549. 23 SARTRE. O Existencialismo é um Humanismo. p. 9. 18 liberdade é o fundamento de todos os atos humanos com suas próprias essências, mas, que não contém essências próprias; o fundamento sem fundamento e este fundamento é nada mais que o início das ações humanas. Assim concluímos o que Sartre nos fala que o homem está condenado a viver a liberdade. 1.3 Liberdade A liberdade tem ocupado um lugar importantíssimo na filosofia de Jean- Paul Sartre e, porque não dizer, até nos dias atuais. Dentro de um sistema, dentro de um regime, dentro de uma sociedade que, livre pode-se perceber a importância de refletir acerca dela. Hoje, em nossa sociedade, é possível realizar aquilo que se deseja, que completa cada ser humano. Alguns realizam grandes e magníficas descobertas, como por exemplo, a genética, a qual chegou ao ponto de clonar vidas; e tudo isso graças à liberdade que temos. Com base no pensamento do filósofo francês Jean Paul Sartre, este trabalho refletirá sobre o homem livre e que vive em uma sociedade. O homem torna-se livre pela sua condição de ser livre: Com efeito, sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única se temporaliza como liberdade [...] assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser...24 Sartre conceitua a liberdade como uma condição intransponível do homem, da qual ele não pode, definitivamente, esquivar-se, isto é, o ser-humano está condenado a ser livre e é a partir desta condenação (à liberdade) que o homem se forma. Não existe nada que obrigue o ser humano agir desse ou daquele modo. Sartre tem como ponto de partida a liberdade nas ações de escolher; o que fazeré sempre intencional, ou seja, é impulsionado por um desejo consciente dos princípios dessa escolha. Porém, para Sartre, não há princípios prontos que possam guiar a escolha humana. 24 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 542-543. 19 A respeito da escolha diz Battista Mondin: “Tudo que acontece no mundo remonta à liberdade e à responsabilidade da escolha originária; por isso nada do que acontece ao homem pode ser tachado de inumano”.25 As pessoas têm total liberdade de escolhas, precisam escolher porque tem de viver a vida de alguma maneira. Somos livres para escolher nossos próprios destinos? A maioria das pessoas, no entanto, não se dá conta de que possui liberdade e por isso vive a má-fé. Passam a vida agindo como objetos ou robôs. A meta da vida é autenticidade, que significa escolher, razão porque a filosofia de Sartre é uma filosofia da ação. As pessoas são condenadas a serem livres, seres conscientes confrontam o mundo em termos de escolhas e decisões, e assim devem avaliar suas decisões a base desta liberdade. Segundo Paulo Tunhas: “a má-fé distingue-se de mentira pura e simples, pois que, contrariamente a esta, não supõe uma consciência da verdade ocultada: quando estou de má-fé, não me sinto em falta com a verdade. Nesse sentido, o homem de má-fé mente a si mesmo: esconde-se a si mesmo a dimensão passional negativa de seu comportamento, aquilo que o faz detestar o outro”.26 A respeito das escolhas Strathern diz: Como diz Sartre: A consciência escolhe-se como desejo. Em outras palavras, a consciência efetivamente se cria através de suas escolhas. Toda filosofia de Sartre se articula a partir da liberdade de escolha do indivíduo. Ao escolher, ele escolhe a si mesmo.27 Então pode-se entrar na questão da opção do indivíduo simples em ser um indivíduo existencial. A partir de então, pode-se afirmar que o indivíduo o produto de suas próprias escolhas; estas marcam a sua história existencial no decorrer de toda a nossa vida. O homem, então é, um ser de escolhas uma tarefa à qual deve assumir; uma vez efetuando as escolhas, apresenta-se uma sequência de possibilidades que 25 MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. Os Filósofos do Ocidente. Vol. 3. São Paulo. Paulinas. 1981- 1983. p. 202. 26 TUNHAS, Paulo. As questões que se repetem. Uma breve história da filosofia. Portugal. Ed. Grupo Leya. 2012. p. 24. 27 STRATHERN, Paul. Sartre em 90 minutos. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 50. 20 constituem a sua existência. O indivíduo é livre e responsável, capaz de escolher, capaz de perceber-se, de ser verdadeiro e de colocar-se frente sua origem fundante. Para Gaarder, existência é: Existência não significa estar vivo. As plantas e os animais também existem no sentido de que estão vivos, mas são poupados da indagação sobre o que isto significa. O ser humano é o único ser vivo consciente de sua existência. Sartre diz que as coisas físicas são ‘em si’; ao passo que o homem também é ‘para si’. Ser uma pessoa é, portanto, diferente de ser uma coisa.28 A liberdade e a existência são uma realidade única. O indivíduo não é, senão, aquilo que escolheu; é o projeto que ele traçou, o qual só se realizará na medida em que suas escolhas forem sendo efetivadas. O homem sartreano passa a ser aquilo que ele escolheu ser. E a liberdade é o mesmo que consciência de ser-no- mundo, ato de escolher a si como projeto, condição que se realiza de modo situado sem que seja determinado, senão pelo próprio sujeito. Sua existência será sempre pautada sobre suas escolhas. A questão da liberdade é ampla, pois a vida é feita de escolhas. Tratando de sujeitos autônomos e responsáveis pela existência, pode-se perceber e levar em conta a capacidade de refletir sobre as próprias ações. É aqui que se centraliza a importância da liberdade dos homens. Antes de tomar uma decisão, uma reflexão, ponderar as circunstâncias, perceber causas e influências internas e externas, tudo influencia numa tomada de decisão, tudo possibilita que o sujeito tome uma decisão livre, uma direção acertada. É muito simplória a definição que diz que liberdade é fazer o que quiser. Seria mais prudente defini-la como autonomia e independência de um sujeito no seu intenso vir a ser. 28 GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. Romance da História da Filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995. p. 488. 21 2. OS LIMITES DA LIBERDADE Foi descrito até aqui que a liberdade é vista como condição primeira da ação. Essa liberdade se apresenta como primordial e a ação é causada por um princípio intencional. Vimos o homem como soma dos seus atos, um projeto indefinido de liberdade, ou seja, o indivíduo é condenado a ser livre. Agora será refletida no segundo capítulo os limites da liberdade e que dentro desta descrição será desenvolvido quatro sub tópicos. O primeiro trata-se da liberdade enquanto fim; o segundo trata-se da liberdade em situação; o terceiro liberdade e obstáculo e, por fim, a facticidade29 da liberdade. Ao longo das realidades da vida, deparamo-nos com realidades ou objeções: como posso escolher ser alto, se, de fato, sou baixo? Posso ter dois braços, se sou maneta?30. São estas as objeções que remetem justamente aos limites da liberdade, ou seja, os limites da minha situação iriam trazer minha livre escolha de mim mesmo. Por isso, a importância de estudar liberdade e sua relação com a facticidade. Há algo que limita a liberdade. Para compreendermos, é necessário perceber que ser livre não significa, ser fundamento de si mesmo, ou seja, não é a liberdade que escolhe de seu ser-livre, não é a liberdade que se escolhe liberdade. Seria preciso supor determinadas possibilidades de ser livre e de não livre. 29 A facticidade não deve confundir-se com a factividade. A facticidade é a propriedade que algo tem de ser um facto. Heidegger e Sartre deram uma importância especial a este conceito, aplicando-o aos seres humanos, que descobrem a sua facticidade (aparentemente com alguma surpresa, o que em si é surpreendente): que nasceram num dia e não noutro, que têm determinadas características biológicas, que estão mergulhados num dado tempo histórico, etc. (MURCHO, Desidério. Factivo, facticidade, factício e factitivo. Disponível em: http://criticanarede.com/factivo.html/> Acesso em 13 de outubro de 2015.) 30 Aquele que é falto de um braço ou de uma das mãos; manita. 22 Segundo Moutinho: Seria preciso uma liberdade prévia que escolhesse ser livre, que por sua vez exigiria outra, e assim ao infinito. Disso se conclui que nós não escolhemos a liberdade, somos antes lançados nela, ou, como diz Sartre, nós “estamos condenados a ser livres”. Supor diferente seria supor que eu posso escolher minha existência, minha classe social; seria supor a liberdade como poder indeterminado que escolheria o ser no mundo da fantasia.31 Não podemos modificar a nossa situação ao nosso bel-prazer, ou seja, vontade, prazer pessoal; escolha, capricho. Contudo, não podemos modificar-nos a nós mesmos. Portanto, entra o contexto que Sartre afirma: “não sou “livre” nem para escapar ao destino de minha classe, minha nação, minha família, nem sequer para construir meu poderio ou minha riqueza, nem para dominar meus apetites mais significantes ou meus hábitos”32. Sartre continua a nos falar que se pode nascer um operário francês, sifilítico hereditário ou tuberculoso, ou seja,é a história de vida um indivíduo qualquer que seja e que o mesmo está voltando ao fracasso ou não. Como Sartre enigmaticamente sugere, “o sadismo é o fracasso do desejo e o desejo é fracasso do sadismo”33. Segundo Jack Reynolds, O sadismo é a busca a encarnação obscena do outro, enquanto o desejo busca a encarnação do outro per se. O sadismo busca revelar a facticidade injustificável do outro; o vergonho e obsceno.34 Sartre afirma: “o sadismo é negação de ser encarnado e fuga de toda facticidade, e, ao mesmo tempo, empenho para apoderar-se da facticidade do outro. Mas, já que não pode nem quer realizar a encarnação do outro por meio da própria encarnação, e já que, por isso mesmo, não tem outro recurso senão tratar o outro como objeto-utensílio”. 31 MOUTINHO. Sartre: existencialismo e liberdade. p. 75. 32 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 593. 33 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 405. 34 REYNOLDS, Jack. Existencialismo – Pensamento Moderno. Rio de Janeiro. Vozes. 2014. p.17. 23 O homem precisa obedecer a natureza para poder comandá-la, ou seja, inserir a ação nas malhas do determinismo. O homem, antes de fazer-se, deve ser- feito, ou seja, tudo que está em sua volta: a raça, classe, língua, os hábitos, clima e a terra e, principalmente os grandes e os pequenos acontecimentos de sua vida. Este pensamento jamais perturbou os amantes da liberdade humana. No caso de Descartes via que a vontade é finita e que é preciso dominar mais a nós mesmos do que a sorte. Muitos são os fatos falados pelos deterministas e que não podem ser levados em consideração. A adversidade das coisas não pode constituir um argumento contra nossa liberdade. Sartre, dar um exemplo de um determinado rochedo, que demonstra uma profunda resistência se pretendermos tirá-lo, removê-lo, vendo em outro de maneira esta mesma preciosa rocha poderá ser um meio para escalar e contemplar uma linda paisagem. O rochedo torna-se “neutro, ou seja, espera ser iluminado por um fim de modo a se manifestar como adversário ou auxiliar”35. Assim, ainda que as coisas em bruto (que Heidegger denomina “existentes em bruto”) possam desde a origem limitar nossa liberdade de ação, é nossa liberdade que deve constituir previamente a moldura, a técnica e os fins em relação aos quais as coisas irão manifestar-se como limites.36 Se o rochedo é aquele que se revela como muito difícil de escalar, acontecerá o ato de desistência da escalada. Cabe observar que só deste modo por ter sido captado como escalável, ou seja, é a nossa liberdade que constitui os limites que irá encontrar depois. 35 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 593-594. 36 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 594. 24 2.1 Liberdade enquanto fim Sartre menciona que “o ser dito livre é aquele que pode realizar seus projetos”37. Portanto, para que o ato possa conduzir uma realização, é necessário que a projeção de um fim possível possa distinguir a priori da realização deste fim. Segundo Luiz Moutinho, o fim é: De um lado, se é o fim livremente escolhido que colore o motivo, então é a liberdade que faz a situação (o desejo de escalar a rocha é que a faz parecer “escalável” ou não). Nesse caso, não posso falar em limite para a liberdade, já que a posição de fins é livre.38 Contudo, sendo abolida a relação entre o desejo, a representação que pode escolher e a escolha, a liberdade desapareceria com ela. Só podemos ser livres quando o termo último faz referência a nós mesmos, ou seja, o que somos constitui um fim, não um ser real, como talvez uma suposição que viria a satisfazer o desejo, mas sim um objeto que ainda não exista. O fim só poderá ser transcendente caso ele esteja separado de nós ao mesmo tempo que nos é acessível. “Somente um conjunto de existentes reais pode separar deste fim”39. Portanto, este fim só poderá ser atribuído enquanto estados dos existentes reais que dele separam. Com efeito, Sartre afirma que o fim é: O fim nada mais é do que o esboço de uma ordem dos existentes, ou seja, o esboço de uma série de disposições a serem tomadas pelos existentes sobre o relacionamento de suas relações atuais.40 Com a negação interna, os existentes com suas relações mútuas por meio do fim que o posiciona e que projeta este fim pelas determinações que capta ao existi- lo. Contudo, a ordem dos existentes torna-se indispensável à liberdade e é por meio 37 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 594. 38 MOUTINHO. Sartre: existencialismo e liberdade. p. 75. 39 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 595. 40 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 595. 25 deles que a liberdade tende a separar-se e é reunida ao fim que lhe persegue e que anuncia o que ela é. Contudo, deve-se haver o Para-si livre a partir de um comprometimento com o mundo resistente. Saindo fora deste comprometimento, as concepções de liberdade, determinismo e necessidade poderão perder seu sentido. A questão ser livre não significa obter o que quis, mas sim determinar-se a querer. O conceito popular de liberdade empírico equivale à faculdade de obter os fins escolhidos. Segundo o dicionário Houaiss da Língua portuguesa, liberdade é “tornar-se independente ou conquistar a própria dependência”41; Sartre afirma que liberdade significa somente “autonomia de escolha”42. Faz-se necessário perceber que a escolha, sendo igual ao fazer, requer um começo de uma realização, separando o sonho do desejo. O filósofo francês nos dá um exemplo de liberdade. Eis que não se pode afirmar que um determinado indivíduo enquanto prisioneiro é sempre livre para sair da prisão, ele é livre para desejar sua libertação. Claro que consciente pode sim tentar escapar, buscando fazer-se libertar. A liberdade não distingue o escolher do fazer, mas, é obrigada a renunciar de vez a distinção entre intenção e ato. 2.2 Liberdade em Situação Se para Sartre a liberdade é absoluta, porque a escolha é constante, como podemos compreender certas situações da vida humana que parecem independentes das nossas escolhas? Como é possível refutar o argumento do senso comum que nos mostra nossa impotência diante de uma série de situações, que nos apresentam um homem fracassado ou limitado por inúmeras circunstâncias que ele não escolheu? 41 HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro de Salles. Houaiss – Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: 2009. p. 1176. 42 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 595. 26 Não se pode separar a intenção do ato, da mesma forma que não se pode separar o pensamento da linguagem que o exprime, ou seja, ocorre de nossas palavras exibir nossos pensamentos, conforme os atos revelam as intenções. Sartre afirma que “compreendemos seu ato pela situação, a situação por seu ato e, ambos, a um só tempo, acabam por nos fornecer uma compreensão acerca do que ele quer e do que sente”.43 A distinção entre liberdade de escolha e liberdade de obter foi compreendida por Descartes após o estoicismo. Sartre deixa claro que a liberdade de escolha não significa a liberdade de obtenção, ou seja, é uma liberdade que pela qual pode obter tudo o que o se desejar. Sartre deseja assinalar nesta liberdade de escolha o fato de que há sempre uma possibilidade de escolher, ou seja, há sempre, para o homem, um momento da escolha. A escolha é importante e necessária na vida. Segundo Neide Coelho, “a escolha é necessária, o que não é possível escolher, pois mesmo a opção por umanão escolha já seria, ainda uma escolha. [...] Além disso a liberdade de escolha não é uma abstração, ao contrário, ela está totalmente atrelada à facticidade e a contingência do para-si em situação, é uma liberdade em situação”44. A liberdade encontra ou parece encontrar limites em virtude do dado transcendido ou nadificado por ela. A liberdade não é dirimida pelo dado, mas, por sua vez, indica algo como um condicionamento ontológico de liberdade. O dado não aparece ao Para-si simplesmente como ser bruto e Em-si, pois ele se descobre sempre como motivo, e só se revela iluminado pelo fim que a liberdade escolheu. Sartre chama de situação ao produto comum da contingência do Em-si e da liberdade, fenômeno que apresenta uma ambigüidade na sua constituição, no sentido de que torna impossível ao Para-si identificar a contribuição da liberdade e a do existente bruto em cada caso particular. 43 SARTRE, Jean-Paul. Sartre no Brasil. A conferência de Araraquara. São Paulo/SP. 1986, p. 79. 44 BOËCHAT, Neide Coelho. História e escassez em Jean-Paul Sartre. São Paulo. PUC-SP. 2011. p. 86. 27 No pensamento da filósofa Marilena Chauí, as tensões, resultantes da relação imprescindível que se estabelece entre liberdade e situação, levam o homem a assumir e conviver, ao mesmo tempo, com sua passividade e sua atividade. Ela afirma que, O homem, engaste tenso do interior e do exterior, consciência e corpo, liberdade situada ou facticidade, é uma síntese passiva - o que dele é feito pela situação - e uma síntese ativa - o que ele faz com o que foi feito dele. Ele é a possibilidade igualmente possível da alienação e da verdade, porque é liberdade absoluta.45 É importante, no pensamento do filósofo Jean-Paul Sartre, perceber que a liberdade do Para-si só se revela em situação, ou seja, na relação de sua liberdade com a condição humana, que está na dependência ou submissão de fatores, tais como o passado do Para-si e as potencialidades das coisas que o cercam. Contudo, estes fatores não chegam a constituir uma presença limitativa real à liberdade do Para-si. É o que podemos observar na análise que Sartre faz acerca dos significados das diversas maneiras de apresentação do dado - o lugar, o passado, os entours, a morte - e o papel que desempenham na configuração da situação. 2.3. Liberdade e obstáculo A partir desta liberdade de escolher e liberdade de obter, tenta-se responder como os filósofos contemporâneos veem a liberdade e entra uma pergunta chave a estes filósofos: sem obstáculos não há liberdade? Não se pode admitir que a liberdade cria por si só os obstáculos. Katherine J. Morris diz que, Sartre começa retomando à noção de coeficiente de adversidade: o fato de que as coisas no interior de nossos esforços. Contudo, isso não pode ser um argumento 45 CHAUÍ, Marilena de Souza. Sartre ou da Liberdade. Textos SEAF. nº 1. Janeiro/Abril 1980. p 67. 28 contra a nossa liberdade, porque as noções de resistência e obstáculo fazem sentido somente no interior de um complexo instrumental que já está estabelecido a um projeto livre.46 Pode-se perceber que o Para-si é livre, mas não significa que seja o seu próprio fundamento. Ora, se ser livre pode significar ser o fundamento, seria, portanto, necessário que a liberdade decidisse sobre a existência de seus ser. Em um primeiro momento, se faz necessário que a liberdade decida acerca de seu ser-livre, isto é, que não seja só uma escolha de um fim, mas a escolha de si como liberdade. Sartre, de fato, afirma que “somos uma liberdade que escolhe, mas não escolhemos ser livres: estamos condenados a liberdade, [...] arremessados na liberdade”47. Se, de fato, definimos a liberdade como escapar ao dado, ao fato, há, portanto, um fato do escapar ao fato. Se a liberdade pudesse decidir sobre sua existência de seu ser, seria, necessário não somente que fosse possível o ser como não livre. A liberdade jamais poderá decidir algo acerca de sua existência, a partir do fim que o posiciona. Sartre afirma que, A liberdade é falta de ser em relação a um ser dado, e não o surgimento de um ser pleno. [...] a concepção empírica e prática de liberdade é inteiramente negativa, parte da consideração de uma situação e constata que esta situação me deixa livre para perseguir tal ou qual fim.48 O homem só encontrará obstáculo no campo de sua liberdade. Aquilo que é obstáculo para mim, possivelmente, não será para o outro. Sartre conclui, portanto, que não há obstáculo absoluto, mas, poderá revelar seu coeficiente através de “técnicas inventadas livremente, livremente adquiridas, também o revela em função do valor do fim posicionado pela liberdade”.49 46 MORRIS, Katherine J. Sartre. São Paulo. ARTMED S.A. 2009. p. 190. 47 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 597. 48 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 598. 49 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 601. 29 Sartre nos afirma que um determinado rochedo não será um obstáculo se não o almejo; se não o vemos como obstáculo, teremos a possibilidade de chegarmos ao alto da montanha. Sartre admite a existência de limites, mas não permite que eles sejam obstáculos efetivos à liberdade. A liberdade, por sua vez, é um escapar a uma responsabilidade no ser, ou seja, é a nadificação de um ser que ela é. Contudo, a liberdade não é este ser no sentido de ser Em-si, mas faz com que haja este ser que é seu e está atrás de si. A liberdade não é livre para não ser livre e não é livre para existir. O fato de não poder ser livre é a facticidade da liberdade. 2.4 Facticidade da Liberdade Sem a facticidade, a liberdade não existiria, como poder de negação e escolha; no entanto, sem a liberdade, a facticidade não seria descoberta e sequer teria qualquer sentido. Não é possível negar a facticidade e nem a liberdade. A liberdade só é liberdade em relação a uma facticidade50. A facticidade é apenas uma indicação que dou a mim mesmo do ser que devo alcançar para ser o que sou. Impossível captá-la em sua bruta nudez, pois tudo que acharemos dela já se acha resumido e livremente construído.51 Contingência e Facticidade sempre estão juntas, ou seja, ambas se identificam. Sabe-se que há um ser e cuja liberdade tem-de-ser em forma do não ser. “Existir como fato da liberdade ou ter-de-ser um ser no meio do mundo é a mesma coisa, o que significa que a liberdade é originalmente relação com o dado”.52 50 No existencialismo sartriano, conjunto de circunstâncias factuais cuja absoluta contingência dissolve as verdades e as fundamentações ordinárias para a existência humana, o que termina por conduzi-la à liberdade. 51 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 132. 52 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 599. 30 Deve-se compreender que o dado não é a causa da liberdade, nem razão da liberdade e, tão pouco, condição necessária para a liberdade. O dado não entra de nenhuma maneira na constituição da liberdade, ou seja, não se interioriza como negação interna do dado. É a plenitude de ser que a liberdade colore de insuficiência e negatividade iluminando-a à luz de um fim que não existe; é a liberdade mesmo na medida em que esta existe – e que não importa o que faça, não pode escapar à sua própria existência.53 Contudo, a denominação da liberdade é o dado que ela tem-de-ser e que ilumina seu projeto. Assim, este dado se manifesta de maneira diversificada, ou seja, “é meu lugar,meu passado, meu corpo, meus arredores, na medida em que determinamos pelas indicações dos Outros, e, por fim, minha relação fundamental com o outro”.54 O Meu lugar é definido pela “ordem espacial e a natureza singular dos “istos” que a mim se revelam sobre o fundo de mundo”55, ou seja, é o lugar que vivo com suas diversas características: o país, com seu solo, seu clima, juntamente com suas riquezas, sua configuração hidrográfica e orográfica. Por fim, junto a facticidade, compõe a situação existencial a alteridade, ou seja, trata-se do problema da intersubjetividade, da relação com o outro. Em Sartre, ao contrário do tratamento tradicionalmente dado da intersubjetividade, em que se tem, primeiramente, uma intuição de si e, depois, a representação do outro. O Para- si e o chamado Para-outro são parte da mesma forma estrutura existencial. O olhar do outro fornece a objetividade da minha existência. 53 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 599. 54 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 602. 55 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 602. 31 3. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE Após uma sucinta explanação do conceito de liberdade na visão Sartreana e por conseguinte seus limites, agora, adentramos na sua responsabilidade. Até aqui foi visto que o homem é condenado a ser livre, mas que, por sua vez, carrega em seus ombros o mundo; portanto, o homem é responsável pelo mundo e por si mesmo. Segundo Mariano Moreno Villa A problemática da responsabilidade está intimamente unida ao tema da liberdade no campo ético. Somente se há → liberdade pessoal, pode haver responsabilidade pessoal. Caso contrário, a responsabilidade ficaria afogada por forças anônimas e impessoais, de qualquer tipo, que governam a vida dos indivíduos.56 Consciente do conceito de responsabilidade, Sartre acredita que não há valores objetivamente fundados, cada um deve cuidar, criar ou inventar os valores e as normas que guiem seu comportamento. A responsabilidade não tem um sentido jurídico de “responder por” ao ser chamado a explicar-se. Sartre, um dos grandes filósofos que viveram nesta terra, em suas reflexões e estudo, chegou a uma conclusão estranha que o homem nada é, mas se torna um ser ao construir sua própria liberdade. O que Sartre afirma que o ser humano não é somente livre, ou seja, possui a responsabilidade de construir sua própria liberdade. Se você sente que não possui liberdade para ser quem você desejaria ser, é sua responsabilidade construir essa liberdade. E, ao fazer isso, sua vida passa a adquirir um novo sentido: o sentido de responsabilidade sobre a liberdade de se construir a si próprio.57 56 VILLA, Mariano Moreno. Dicionário de Pensamento Contemporâneo. São Paulo. Paulus, 2000. p. 656. 57 PÉTRY, Jacob e BÜNDCHEN, Valdir R. Singular – O poder de ser diferente. São Paulo. Ed. Grupo LeYa. 2013. p. 22. 32 A fenomenologia de Sartre fundamentalmente implica a completa responsabilidade do sujeito humano por sua própria existência e revela a dimensão ética total de sua filosofia. Contudo, condenados a ser livres, seres conscientes confrontam o mundo em termos de escolhas e decisões e, assim, devem avaliar suas ações à luz a liberdade. Sartre, vincula a liberdade à irresponsabilidade. Mas o que significa realmente a responsabilidade para ele? Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo o homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência.58 Nesse sentido, Sartre afirma que o homem não é apenas restritamente responsável pela sua individualidade, mas que é responsável por todos os homens. A responsabilidade enquanto, Para-si, torna-se opressiva, já que, por sua vez, o Para- si é aquele que faz com que haja um mundo e é aquele que se faz ser qualquer situação que encontre. A escolha revela a responsabilidade. Diante de uma questão, o homem deve optar por uma alternativa e por um critério pelo qual essa alternativa foi escolhida. A angústia significa optar entre alternativas que não possuem critérios externos à escolha. É necessário escolher porque tenho de ser livre. Assim, toda vez que há uma ação, o homem se torna responsável por tudo o que escolhe, porque não há outra escolha a não ser exercer a liberdade. A responsabilidade, portanto, não é uma ideia simplesmente adicional à de liberdade, ela é deduzida das descrições anteriores a respeito de ser livre e da consciência. Sartre afirma que a consequência essencial é de que um indivíduo: “estando condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser”.59 58 SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. 4º Edição. São Paulo. Vozes. p. 20. 59 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 678. 33 3.1 Responsabilidade enquanto Situação A responsabilidade absoluta não é resignação. É uma simples reivindicação lógica das consequências de nossa liberdade. Compreende-se que o que acontece comigo, acontece por mim e que jamais deve deixar-se afetar por isso, não se deve ser um revoltado e muito menos se resignar. A responsabilidade absoluta é compreendida como sequência da liberdade. Haja visto que tudo que acontece a um determinado indivíduo é responsabilidade dele, ou seja, o que acontece é dele e não do outro. Deve-se compreender que, em primeiro lugar, o homem está sempre a altura do que acontece a si mesmo. Agora o que acontece a um homem por outros homens e por ele mesmo não poderia ser, senão, humano. Sartre afirma que as mais diversas situações de guerra, as piores torturas, não criam um estado inumano: Não há situação inumana; é somente pelo medo, pela fuga e pelo recurso a condutas mágicas que irei determinar o inumano, mas esta decisão é humana e tenho que assumir total responsabilidade por ela.60 Contudo, a situação torna-se a imagem de minha responsabilidade, ou seja, de minha livre escolha de mim mesmo. Por sua vez, tudo que é apresentado ao indivíduo torna-se seu e é neste sentido que ele representa e simboliza o indivíduo. Jamais será o indivíduo que irá determinar o coeficiente da adversidade das coisas e até mesmo a sua imprevisibilidade. Sartre, por sua vez, diz que não há acidentes na vida do indivíduo. Assim, uma determinada ocorrência comum que, por sua vez, não provém de fora, ou seja, “se sou imobilizado em uma guerra, está guerra é minha guerra, é feita à minha imagem e eu a mereço”.61 60 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 678. 61 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 678. 34 Por sua vez, o indivíduo a merece, pelo simples fato, que ele deveria sempre livrar-se dela pelo suicídio, pela deserção e que estes devem estar sempre presentes na vida do indivíduo, quando se trata de enfrentar uma determinada situação. Se o indivíduo decide pela deserção, está automaticamente reconhecendo o valor da não violência como superior. 3.2 Responsabilidade e Angústia O ser humano, fundamentando-se na sua liberdade, vê-se a todo instante compelido a se inventar, posto que são suas escolhas que constroem a sua essência. Diante desta condição, cabe somente a ele estabelecer, através de suas ações concretas, os critérios que servirão de norte para as suas decisões. O valor só pode revelar-se a uma liberdadeativa que faz existir como valor por simplesmente reconhece-lo como tal. Daí que minha liberdade é o único fundamento dos valores e nada, absolutamente nada, justifica minha adoção dessa ou daquela escala de valores. Enquanto o ser pelo qual os valores existem, são injustificáveis. E minha liberdade se angustia por ser fundamento sem fundamentos de valores.62 Frente a esta falta de fundamentos prontos, o homem angustia-se diante da responsabilidade de escolher, visto que a escolha é, ao mesmo tempo, afirmação do valor daquilo que se escolhe, trazendo consigo, assim, o peso da responsabilidade. Desse modo, ao escolher algo e, consequentemente, afirmar o seu valor, estamos ao mesmo tempo comunicando a todos o caráter benéfico daquela escolha, já que não há ninguém que possa escolher o mal para si. Desse ponto de vista, nos tornamos responsáveis não só por nós, mas por toda a humanidade. Cada indivíduo age, crente no poder de sua própria inciativa. Essa crença na liberdade pessoal e no poder implica, evidentemente, o poder de agir livremente. 62 FARO, Isaias e FARO, Ciro. Educação Socioambiental e Sustentabilidade. São Paulo. Ed. Biblioteca 24hs. 2013. p. 186. 35 Uma vez que o homem tem poder de iniciativa, podendo planejar metas e adotar meios para atingir esta, de preferência aquela, é ele um agente livre e responsável. A angústia, portando, é a experiência vivida em face da descoberta da liberdade. A partir desta experiência reflexiva e, diga-se de passagem, produto de má reflexão. Mas para que ela aconteça, será necessário que minha reflexão me separe de nossas decisões e do meu passado, ou seja, me isolando do presente. Segundo Luiz Damon Santos Moutinho, angustia é: É a revelação da nossa própria liberdade, limitada apenas em si mesma, fonte absoluta de todo sentido. Entretanto, se a angustia decorre da descoberta individual da liberdade plena, ela só pode ser como salienta.63 A liberdade, portanto, só é descoberta reflexivamente, quando o indivíduo engajado no mundo, em vez de realizar seus possíveis, ou seja, “se quiser, meus fins o meu futuro, eu os apreendo como meus”.64 Sartre nos apresenta que a campainha de um determinado despertado que toca todas as manhãs, remete à possibilidade de ir trabalhar, ou seja a minha responsabilidade. Ora, normalmente, não se deve colocar a minha responsabilidade em questão, ou seja, na totalidade dos atos cotidianos, eu me engajo sempre realizando meus possíveis. Assim, o indivíduo se levanta, ou seja, apreende o som daquela determina campainha, onde levantar será como um ato tranquilizador, ou seja, na medida em que evita que eu coloque a recusa a questão da recusa do determinado trabalho e do mundo. Sartre ainda dá um outro exemplo do escritor: Questões que ele pode colocar, tais como, “é oportuno escrever o livro neste momento? ” São tranquilizadoras na medida em que elas continuam a remeter a ações possíveis: “Este livro foi suficientemente meditado? ” São 63 MOUTINHO. Sartre: existencialismo e liberdade. p. 76. 64 MOUTINHO. Sartre: existencialismo e liberdade. p. 76. 36 questões que estão sempre se referindo a exigências do mundo, que estão engajadas nessas exigências.65 Diante disso, a angústia só aparecerá se determinadas cadeias de remissões forem rompidas, ou seja, se o referente aparecer em sua relação com o indivíduo, assim, neste caso, completa-se o determinado empreendimento de escrever. Contudo, não basta só contemplar, mas, é necessário que apreenda a decisão de escrever separada do indivíduo. 3.3 Responsabilidade e Facticidade Sabe-se que toda responsabilidade é muito particular. Pode-se afirmar, portanto, que um determinado indivíduo não pedido para nascer, ou seja, é como se fosse uma maneira ingênua de enfatizar nossa facticidade. Ora, somos responsáveis por tudo, exceto por minha responsabilidade; contudo, não sou o fundamento do meu ser. Assim, tudo se passa como se eu estivesse coagido a ser responsável. Sartre diz que somos abandonados no mundo não no sentido de desamparado, e complementa com um exemplo da tábua que flutua sobre a água, no sentido de que nos deparamos sozinhos e sem ajuda e, sobretudo, comprometido em um determinado mundo pelo qual somos totalmente responsáveis. Contudo Sartre nos diz que: Sou responsável até mesmo pelo meu próprio desejo de livrar-me das responsabilidades; fazer-me passivo no mundo, recusar a agir sobre as coisas e sobre os outros, é também escolher-me, e o suicídio constitui um modo entre outros de ser-no-mundo.66 Diante disto, encontra-se uma responsabilidade absoluta, a partir do fato de que minha facticidade, ou seja, o fato de meu nascimento, é inapreensível 65 MOUTINHO. Sartre: existencialismo e liberdade. p. 76. 66 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 680. 37 diretamente e até mesmo inconcebível. Contudo, o meu nascimento jamais deverá me aparecer em bruto. O problema do nascimento está, em ter vergonha de ter nascido, ou me assombro e, com isso tento livrar-me da vida. A escolha, portanto, encontra-se impregnada diretamente com a facticidade, já que, por sua vez, não posso escolher. Contudo, a facticidade, só irá aparecer na medida em que um determinado indivíduo a transcendê-la rumo aos seus fins. Sartre nos apresenta que a facticidade está por toda parte. Aqueles que não apreendem as coisas, jamais encontrará outra coisa, senão a responsabilidade. A escolha se liga à facticidade, pois nela o homem age de modo a transcendê-la. Somos responsáveis por nós e pelo que decidimos fazer a partir das condições objetivas. Tomamos nossa existência desde o nosso nascimento. Ter responsabilidade, em certo sentido, por nosso nascimento, pode soar estranho e, por isso, cabe esclarecer que certamente nosso nascimento bruto nos escapa, isto é, não apreendemos tal fenômeno e, por isso, ele nos é inapreensível. O indivíduo não poderá indagar os porquês como, por exemplo, o fato: por que nasci?, reclamar da data do seu nascimento, ou até mesmo, como diz Sartre, reclamar do fato de não ter pedido para ter vindo ao mundo. Sartre acredita que estas diversas atitudes em relação a sua vinda a este mundo, ou seja, o seu nascimento. Sartre afirma que: Com relação ao fato de que realizo uma presença no mundo, nada mais são, precisamente, do que maneiras de assumir com plena responsabilidade este nascimento e fazê-lo meu.67 De fato, o indivíduo só se encontra consigo e com seus projetos, em última instância, ou seja, sua facticidade consiste no fato de que deva estar condenado a ser responsável consigo mesmo. Diante disso, Sartre afirma que “ sou o ser que é como 67 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 681. 38 cujo ser está em questão em seu ser. E este “e” de meu ser e como sendo presente e inapreensível”.68 As condições na qual todos os acontecimentos do mundo só poderão revela-se ao indivíduo como uma ocasião e que está ocasião poderá ser “aproveitada, perdida, negligenciada etc.”69, e pode-se ainda afirmar, que tudo que acontece conosco uma vez, poderá ser considerado uma oportunidade. Contudo, a oportunidade só poderá aparecer ao indivíduo como um meio para realizar um determinado ser que esteja em questão com seu ser e, assim, uma vez que os outros, enquanto transcendências-transcendidas, deve-se ser mais do que as ocasiões e oportunidades. E como se estende a responsabilidade?A responsabilidade, por sua vez, “se estende ao mundo inteiro como mundo-povoado”70. Sartre afirma que Para-si se apreende na angústia, ou seja, como um ser que não é fundamento de meu ser, nem do ser do outro, nem dos Em-sis que formam o mundo, mas que é coagido a determinar o sentido do ser, nele e por toda parte fora dele.71 Por fim, o indivíduo que vive e se realiza na angústia tem a possibilidade de ser atirado em uma responsabilidade que, por sua vez, reverterá em um abandono. Portanto, “já não é mais do que uma liberdade que se revela perfeitamente a si mesmo e cujo revela perfeitamente a si mesmo e cujo ser reside nesta própria revelação”72. 68 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 681. 69 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 681. 70 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 681. 71 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 681. 72 SARTRE. O Ser e o Nada. p. 681 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS Hoje a sociedade, que se adota como ideal e ambiente para desenvolver a existência e que os dota de uma determinada liberdade e que permite ir até os limites que porventura não sejam os outros a não ser o do espaço e do tempo e a liberdade do outro. Sartre nos apresenta um homem, um indivíduo totalmente livre, ou seja, condenado a liberdade, e que por sua vez nesta liberdade o homem enquanto ser se forma e se realiza. Mas será que de fato homem é livre, principalmente na sociedade em que vivemos? Ora, acredito e como o próprio Sartre diz que a liberdade requer responsabilidade. Assim, não somos totalmente livres. Ora, vivemos em uma sociedade que por sua vez nos impõe determinadas regras; acredito que por motivos de segurança e/ou pelo bom senso. Será que somos livres para escolher? Sim, Sartre em sua filosofia nos afirma que as pessoas têm a liberdade de escolhas, e que porventura, escolhem por que precisam viver de alguma maneira. Já dizia Paulo Coelho que “A liberdade absoluta não existe: o que existe, é a liberdade de escolher qualquer coisa, e a partir daí tornar-se comprometido com sua decisão."73 Ao meu ver as pessoas são totalmente livres para fazer o que bem entender; livres para fazer e realizar suas escolhas, por existem os amigos para aconselhar. Como anda a nossa liberdade? Há limites nesta liberdade? Liberdade, é, portanto: respeitar as próprias escolhas e os limites dos outros. Acredito que a liberdade é um meio, um caminho para a felicidade. Numa visão mais ampla, só é livre quem exerce sua liberdade até o limite da liberdade alheia. A questão não é ter limites e restrições, mas, conhecer e saber trabalhar dentro deles. 73 O Pensador. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frase/NTQ1MjE2/ Acessado no dia 08 de novembro de 2015. 40 Sartre explicita um rochedo que por sua vez torna-se um empecilho, uma dificuldade a aqueles que por ventura iriam escalar, correndo o risco do indivíduo desistir. O fato dela ser complicada revela que a liberdade constitui limites. Se de fato somos livres, somos capazes de realizar os nossos projetos, afirma Sartre. É bastante claro que na filosofia sartreana que o conceito de escolha sempre anda junto da liberdade. A escolha, portanto, é importante e se faz necessário na vida do homem. O homem é um ser que escolhe. Por fim, foi tratado nos três capítulos um conceito comum a liberdade. No primeiro capítulo abordando a liberdade como ação e que esta ação relacionada com sua condição de conhecimento. No segundo capítulo abordamos os limites desta liberdade e que o homem antes de fazer-se ele deve ser-feito, ou seja, tudo que está em sua volta: a raça, classe, língua, os hábitos, clima e a terra e principalmente os grandes os pequenos acontecimentos de sua vida. No terceiro capítulo apresenta-se o quanto a responsabilidade está ligada com a liberdade, ambas andam juntas. Toda minha ação requer uma consequência, ou seja, responsabilidade. 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOËCHAT, Neide Coelho. História e escassez em Jean-Paul Sartre. São Paulo: PUC-SP. 2011. CHAUÍ, Marilena de Souza. Sartre ou da Liberdade. Textos SEAF. nº 1. Janeiro/Abril 1980. FARO, Isaias e FARO, Ciro. Educação Socioambiental e Sustentabilidade. Ed. São Paulo: Biblioteca 24hs. 2013. GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia: Romance da História da Filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995. HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro de Salles. Houaiss – Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro. Ed. Objetiva. 2009. 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