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Teoria Geral do direiTo Privado Brasília-DF. elaboração Renato Amaral Braga da Rocha Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração SUMÁRIO aPreSeNTaÇÃo ..................................................................................................................................... 4 orGaNiZaÇÃo do CaderNo de eSTUdoS e PeSQUiSa ................................................................................. 5 iNTrodUÇÃo ......................................................................................................................................... 7 UNidade i Pessoas .............................................................................................................................................. 9 CaPíTUlo 1 Personalidade ..................................................................................................................... 12 CaPíTUlo 2 CaPaCidade .......................................................................................................................... 14 CaPíTUlo 3 direitos de Personalidade .................................................................................................... 18 CaPíTUlo 4 Pessoas JurídiCas ................................................................................................................ 19 CaPíTUlo 5 domiCílio .............................................................................................................................. 26 UNidade ii Coisas e Bens..................................................................................................................................... 29 CaPíTUlo 6 distinções ConCeituais .......................................................................................................... 31 CaPíTUlo 7 ClassifiCação ....................................................................................................................... 32 UNidade iii fato, ato e negóCio JurídiCo ................................................................................................................ 37 CaPíTUlo 8 distinções ConCeituais e ClassifiCação ................................................................................. 39 Para (NÃo) FiNaliZar ......................................................................................................................... 46 reFerêNCiaS ..................................................................................................................................... 47 4 APRESENTAÇÃO Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Pensamentos inseridos no Caderno, para provocar a reflexão sobre a prática da disciplina. Para refletir Questões inseridas para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho. Textos para leitura complementar Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico. abc Sintetizando e enriquecendo nossas informações Espaço para você, aluno, fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com sua contribuição pessoal. 6 Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas Aprofundamento das discussões. Praticando Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem. Para (não) finalizar Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão. Referências Bibliografia consultada na elaboração do Caderno. 7 INTRODUÇÃO o direito Privado e sua Teoria Geral O Direito – entendido seja como domínio do conhecimento, seja como sistema positivo de normas – é tradicionalmente dividido em dois grandes ramos: o Direito Público e o Direito Privado. Essa dicotomia remonta aos juristas da Roma Antiga, como se pode ver na célebre lição de Ulpiano: Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem (“o direito público diz respeito ao estado da coisa romana, o privado à utilidade dos particulares” – cf. Ulpiano, Digesto, 1.1.1.2), e se baseia na elementar distinção entre os interesses situados na esfera particular, de um ou mais sujeitos privados, e os interesses que se põem na esfera pública, que são aqueles relativos ao Estado e à sociedade como um todo. Diversos são os critérios para a diferenciação dos campos do Direito Público e do Direito Privado, dos quais os mais conhecidos são os seguintes: » critério do interesse: examina-se a predominância, em uma situação ou relação jurídica específica, do interesse privado ou do interesse público, para se determinar tal situação ou relação como de Direito Privado ou de Direito Público, respectivamente; » critério da qualidade dos sujeitos: verifica-se se há a presença apenas de sujeitos privados, caso em que se tem uma relação direito privado, ou se se dá a intervenção do Estado ou de outros entes públicos na relação jurídica, hipótese em que a relação seria de direito público; e » critério da posição dos sujeitos: observa-se se os sujeitos se encontram em situação de igualdade, nota característica do direito privado, ou se há posição de soberania de parte de um ente estatal, caso em que se tem a prevalência do direito público. Tendo em conta que nenhum desses ou de outros critérios se revela suficiente ou prevalente sobre os demais, e considerando que tanto a ciência do Direito como o ordenamento jurídico devem ser considerados necessariamente unos, a distinção entre Direito Público e Direito Privado não deve ser jamais considerada absoluta, servindo, assim, primordialmente a fins taxonômicos e didáticos. Ao ramo do Direito Público, que versa sobre as coisas do Estado, pertencem áreas como o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Tributário, o Direito Penal e o Direito Processual, entre outras. Já o Direito Privado, que regula os interesses individuais e coletivos no seio da sociedade, correspondetradicionalmente às seguintes áreas: » Direito Civil, este tradicionalmente dividido nas disciplinas direito das obrigações, direito das coisas, direito de família e direito das sucessões; e » Direito Comercial, tradicionalmente dividido em Direito das Sociedades ou Empresarial e Títulos de Crédito. 8 Na zona comum entre as diversas disciplinas do Direito Privado, tem-se a Teoria Geral do Direito Privado, em que se contém, fundamentalmente, o regime das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos, conforme doravante se passa a estudar. Para além das amplas possibilidades de uma abordagem crítica e interdisciplinar de seus conteúdos – que se situam, com efeito, nos lindes da Teoria Geral do Direito, disciplina com raízes e inspiração herdadas da Filosofia do Direito –, a Teoria Geral do Direito Privado, por vezes chamada de Parte Geral do Direito Civil, representa o elemento basilar do Direito Privado Moderno, uma vez que constitui o repositório fundamental de conceitos e institutos comuns a seus mais tradicionais ramos, o Direito Civil e o Direito de Empresa, os quais, em uma perspectiva unitarista, encontram sua definitiva comunhão dogmática no direito das obrigações. Abrangendo o estudo dos importantes institutos relativos aos sujeitos de direito, às coisas e à generalidade dos fatos jurídicos – ou, como prefere Carlos Alberto da Mota Pinto, tendo como eixo a relação jurídica: as teorias gerais do sujeito da relação jurídica, do objeto da relação jurídica e do fato constitutivo, modificativo e extintivo da relação jurídica –, o estudo da Teoria Geral do Direito Privado, edificada sobre as bases da Teoria Geral do Direito em correta articulação com a dogmática jus-civilística, fornece elementos indispensáveis à compreensão do direito contemporâneo em toda a sua complexidade. Como leitura complementar para o aprofundamento da abordagem dos temas tratados nesta introdução, recomenda-se a leitura dos capítulos introdutórios da obra de José de Oliveira Ascensão: ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral – Uma perspectiva luso-brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. objetivos » Proporcionar ao aluno conhecimentos fundamentais e avançados das matérias contidas na Teoria Geral do Direito Privado. » Promover o estudo lógico-sistemático e crítico-reflexivo da Teoria Geral do Direito Privado. » Estimular a interconexão dos problemas centrais da Teoria Geral do Direito Privado com os demais ramos e disciplinas jurídicas, tendo em conta a complexidade da realidade contemporânea. » Ampliar a compreensão e oferecer elementos para a reflexão crítica, compatível com o nível de pós-graduação, acerca dos conceitos e institutos próprios da Teoria Geral do Direito Privado, à luz do novo Código Civil brasileiro, de 2003, e das respectivas implicações no que toca à conduta dos sujeitos de direito, na vida cotidiana, e à atuação do profissional do Direito. UNIDADE IPeSSoaS 11 UNIDADE PeSSoaS Pessoas são todos os sujeitos de direito, isto é, entes aos quais a ordem jurídica atribui, ao menos potencialmente, a titularidade de direitos subjetivos, ou, noutra perspectiva, a posição de sujeito em uma relação jurídica. Intimamente relacionados à ideia de pessoa estão os conceitos de personalidade e capacidade, conforme passamos a ver. I 12 CAPíTUlO 1 Personalidade A personalidade, em sentido jurídico, consiste na aptidão para ser titular de direitos subjetivos no âmbito de uma determinada ordem jurídica. Todo sujeito de direito possui personalidade em sentido jurídico, conceito esse que difere daquele de personalidade em sentido naturalístico, psicológico, religioso, filosófico etc. Todo ser humano é pessoa em sentido jurídico. Mas a personalidade não constitui atributo exclusivo dos seres humanos, pois há também entes não humanos aos quais o direito concede personalidade. Assim, temos: » pessoas naturais, também chamadas pessoas físicas ou pessoas singulares; e » pessoas jurídicas, também chamadas pessoas morais ou pessoas coletivas. Pessoas Naturais A personalidade constitui atributo necessário de todos os seres humanos e os acompanha por toda a sua existência, desde o nascimento até a morte. A personalidade das pessoas naturais, também chamadas pessoas físicas ou pessoas singulares, começa, segundo estabelece o Código Civil brasileiro, em seu art. 2º, partir do nascimento com vida, isto é, no momento em que passam a ter vida extrauterina autônoma. O fim da personalidade se dá com a morte, conforme o art. 6º do Código Civil, entendida esta, segundo critérios definidos pelas ciências médicas, como a completa cessação das atividades cerebrais. À morte simultânea de duas ou mais pessoas em um mesmo evento dá-se o nome de comoriência. Caso, entre comorientes, não se possa determinar a ordem em que ocorreram as mortes, presume-se que os comorientes morreram simultaneamente, conforme prevê o art. 8º do Código Civil. . Qual seria a importância de se conhecer os marcos de início e fim da personalidade, e ainda de se determinar a ordem das mortes em casos de comoriência? Sobre o assunto escreve César Fiúza (2010, p. 123): O fato de se determinar se uma criança nasceu morta, ou se deu ainda que seja leve inspirada de ar atmosférico, pode ser 13 de suma importância para a determinação de linha sucessória. Imaginemos “A” e “B”, marido e mulher. Durante a gravidez de B, A vem falecer. Seu herdeiro natural e necessário seria seu filho, ainda no ventre. Como ainda está para nascer, considera- -se nascituro, não possuindo personalidade. Sua situação, seus direitos presentes e eventuais são, porém, preservados. Não por ser pessoa, mas por ser pessoa em potencial e sujeito de direitos. Dessarte, a herança de seu pai só será atribuída aos herdeiros após o nascimento do nascituro. Nascendo este, ainda que tenha dado só uma leve inspirada de ar, terá vivido e, portanto, adquirido personalidade. Sua será a herança, que transmitirá a sua herdeira, a saber, sua mãe. Mas se nascer sem vida, a herança de A será atribuída a seus ascendentes, em concorrência com B, uma vez que seu filho não adquiriu personalidade, nada havendo herdado. De igual importância tem a determinação de quem morreu antes ou depois, em acidente de carro, por exemplo, em que pai e filho tenham falecido. Se for impossível a fixação do momento exato, presume-se que tenham morrido juntos. Neste caso, um não herda do outro, sendo seu patrimônio transmitido aos outros herdeiros. É a regra da comoriência, que também resolve muitos problemas sucessórios. Logicamente a comoriência só se aplica se morrerem juntos parentes, sucessores recíprocos. Pois, se duas pessoas, ainda que parentes, que não sejam herdeiras uma da outra, morrerem em virtude do mesmo acidente, pouco importa qual delas tenha falecido antes ou depois. Pessoas Jurídicas A ordem jurídica atribui personalidade, além dos seres humanos, também a certos entes abstratos, que servem à realização de fins de interesse individual ou coletivo do homem. Tais entes são as pessoas jurídicas, também chamadas pessoas coletivas ou pessoas morais, cujo estudo constitui objeto do Capítulo 4, infra. Pessoas | UNIDADE I 14 CAPíTUlO 2 Capacidade Da personalidade decorre o corolário fundamental da capacidade, que, todavia, não é um conceito de sentido jurídico único, devendo, pois, ser necessariamente desdobrado em dois outros, a saber: » capacidade de direito, ou capacidade jurídica, e » capacidade de exercício, também chamada capacidade de fato. Capacidade de direito Capacidade de Direito traduz-se na amplitude da aptidão para que se possa ser titular de direitos e sujeito de obrigações. Todas as pessoas naturais possuem plena capacidade de direito, pois, qualquer seja sua condição ou estado – recém-nascida,adulta ou em idade avançada, inteiramente sã ou mentalmente alienada –, todos têm aptidão para ser titular de quaisquer direitos subjetivos que a ordem jurídica possa conferir. Da capacidade de direito das pessoas jurídicas trataremos no segmento a elas dedicado neste Caderno. Se todas as pessoas naturais possuem capacidade de direito e podem, portanto, ser titulares de quaisquer ordens de direitos, isso não significa que todas possam praticar, por si próprias, a generalidade dos atos da vida civil. Assim, o recém-nascido e o alienado mental, por exemplo, não podem praticar atos jurídicos, tais como celebrar contratos ou efetuar testamento. Capacidade de exercício Capacidade de Exercício é habilitação que a ordem jurídica confere às pessoas para se autorreger, praticando pessoal e diretamente os atos jurídicos de seu interesse. Em relação à capacidade de exercício, podemos classificar as pessoas naturais do seguinte modo: » absolutamente incapazes, » relativamente incapazes; e » plenamente capazes. Para maior aprofundamento nos conceitos e nas distinções entre capacidade de direito e capacidade de exercício, sugere-se a seguinte leitura complementar: Pinto, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2005, parte 2, cap. 2. 15 absolutamente incapazes São absolutamente incapazes, segundo o art. 3º do Código Civil brasileiro: » os menores de dezesseis anos; » aqueles que, em razão de qualquer tipo de enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento – isto é, a compreensão da realidade que o cerca – para a prática dos atos da vida civil; e » aqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, tais como os surdos-mudos e os doentes em estado de coma. Da incapacidade absoluta decorre o completo desprezo, pelo ordenamento jurídico, da vontade do incapaz. Dizemos que a pessoa absolutamente incapaz não tem vontade juridicamente qualificada. Deve, assim, ser substituída em todos os atos por um representante legal. Tem-se, no caso, a representação, em que é a vontade do representante que produz efeitos jurídicos, devendo ele contar com autorização judicial para realizar quaisquer atos que importem diminuição efetiva ou potencial do patrimônio do incapaz, tais como a compra e venda, a permuta, a doação, a cessão e a renúncia, entre outros. relativamente incapazes Já os relativamente incapazes são aqueles mencionados no art. 4º do Código Civil brasileiro, a saber: » os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; » os dependentes de álcool e outras substâncias tóxicas que, por essa razão, sofram algum tipo de redução do seu discernimento; » os que, por deficiência mental, tenham igualmente reduzido o seu discernimento; » os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; » os pródigos, ou seja, aqueles que dissipam de forma descontrolada o próprio patrimônio. Também os relativamente incapazes não são considerados pelo ordenamento como aptos para, isoladamente, praticar atos jurídicos. Todavia, à situação dos relativamente incapazes aplica-se o instituto da assistência, por meio do qual o responsável pratica conjuntamente com o incapaz os atos jurídicos, de modo a tornar a manifestação de vontade deste hábil a produzir regularmente efeitos jurídicos. representação dos incapazes Os menores incapazes – tanto os menores de 16 anos, absolutamente incapazes, quanto aqueles com idade entre 16 e 18 anos, relativamente incapazes – são representados ou assistidos, uns e outros, ordinariamente por seus pais. Ocorre por vezes, contudo, situações em que os pais não podem representar os filhos, seja porque morreram, seja porque se tornaram incapazes, seja ainda por terem perdido o poder familiar, também chamado poder parental ou pátrio poder, que os pais exercem sobre os filhos menores. Em tais situações, os menores são representados por um tutor, comumente nomeado pelo juiz ou indicados pelos próprios pais para cuidar dos interesses dos incapazes. Pessoas | UNIDADE I 16 Os demais incapazes, uma vez assim declarados por sentença em processo judicial específico de interdição – regulado nos termos dos arts. 1.177 e seguintes do no Código de Processo Civil brasileiro –, são representados por um curador, designado pelo juiz na própria sentença que declarar a incapacidade. ausência Também se fará representar por curador o ausente, que não é propriamente um incapaz, mas uma pessoa que desaparece de seu domicílio sem dar notícias e sem deixar quem lhe administre os bens e interesses. A Declaração de Ausência é feita pelo juiz, que, a requerimento de qualquer interessado ou do representante do Ministério Público, verificará o fato da ausência e nomeará um curador ao ausente, fixando-lhe os poderes e obrigações. A Declaração de Ausência, feita após um longo e complexo procedimento, autoriza a abertura da sucessão do ausente, de modo que a herança do ausente possa ser distribuída entre os seus herdeiros. Tal sucessão, porém, é provisória em um primeiro momento; assim, se o ausente reaparecer em período de dez anos, contados da abertura da sucessão provisória, poderá reaver dos herdeiros todos os seus bens. Somente depois de decorridos dez anos da declaração da ausência é que se poderá requerer que a abertura da sucessão definitiva do ausente, quando, então, os herdeiros adquirirão a herança em caráter definitivo. Não se deve confundir os casos de ausência com os casos de morte presumida. Ausência é situação de desconhecimento do paradeiro de uma pessoa, que impõe a adoção, pelo ordenamento jurídico, de medidas protetivas dos interesses do ausente, na forma prevista no art. 6º e nos arts 22 a 39 do Código Civil. A presunção de morte se dá naquelas hipóteses previstas no art. 7º daquela Lei, independentemente de decretação de ausência, quando se reputar extremamente provável a morte de uma pessoa por estar ela com a vida em perigo no momento ou nas circunstâncias do desaparecimento, ou quando alguém, desaparecido em campanha de guerra ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término do conflito. Observe-se que declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas todas as buscas e averiguações, devendo a sentença judicial que declara a morte fixar a data provável do evento. Você conhece alguma situação real em que se poderia aplicar a presunção de morte, em razão do desaparecimento de uma pessoa quando se encontrava com a vida exposta a risco? regime especial dos indígenas A capacidade dos indígenas quando não integrados à comunidade nacional, regula-se por legislação especial, baseada na Lei no 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio. Segundo essa Lei, índio ou silvícola “é todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional”. Quando não integrado à sociedade, fica o silvícola sujeito a regime especial UNIDADE I | Pessoas 17 protetivo, devendo os atos por ele praticados com pessoas estranhas à comunidade indígena contar com a assistência do órgão federal competente para a proteção a essas comunidades. Uma vez integrado, o índio é tratado como qualquer pessoa plenamente capaz, deixando de se lhe aplicar a proteção do Estatuto do Índio. Plenamente Capazes Finalmente, tem-se as pessoas plenamente capazes, que são os maiores de 18 anos, desde que não interditados por quaisquer das razões previstas nos arts. 3º e 4º do Código Civil brasileiro, e os menores emancipados. Chamamos emancipados os menores de 18 anos que tenham adquirido capacidade plena pela emancipação – isto é, a antecipação da aquisição da capacidade plena –, em razãode alguma das situações previstas no parágrafo único do art. 5º do Código Civil como causas de emancipação, a saber: » concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; » casamento; » exercício de emprego público efetivo; » colação de grau em curso nível superior; » estabelecimento civil ou comercial, ou existência de relação de emprego, com economia própria. A esse propósito, deve-se atentar para não que não se confundam os conceitos de capacidade e incapacidade com maioridade e menoridade, respectivamente. Assim, lembra César Fiúza (1998, p. 54): Maiores são os que têm mais de 18 anos, e menores os que têm menos de 18 anos. Normalmente, os maiores serão capazes, e os menores incapazes. Mas nem sempre. Como vimos, os loucos, os pródigos, os ausentes, os silvícolas e os surdos-mudos que não conseguem se expressar, são maiores e incapazes. Também vimos que os emancipados são menores e capazes. As pessoas capazes, maiores ou emancipadas, têm plena capacidade de exercício, estando habilitadas ao exercício de todos os atos da vida civil. Pessoas | UNIDADE I 18 CAPíTUlO 3 direitos de Personalidade Os direitos de personalidade são aqueles mais intimamente ligados à ideia de pessoa, que compõem o núcleo fundamental da subjetividade, encerrando prerrogativas individuais inerentes ao ser humano, que o ordenamento jurídico reconhece e tutela. Comumente encontram-se muitos dos direitos de personalidade assegurados pela própria ordem constitucional, sob a forma de direitos fundamentais da pessoa humana. Chegam alguns autores que se ocupam da matéria, porém, a reconhecer a existência desses direitos independentemente de expresso reconhecimento normativo, uma vez que são direitos subjetivos que derivam direta e imediatamente da personalidade. No Direito brasileiro, diversos direitos da personalidade estão previstos na Constituição da República, de 1988, especialmente em seu art. 5º, cujo inciso X, por exemplo, prevê: Art. 5º [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Também o Código Civil brasileiro, em seus arts. 11 a 21, cuida do regime geral dos direitos de personalidade, reconhecendo-os como personalíssimos, intransmissíveis e irrenunciáveis, e estabelece o regulamento específico de alguns desses direitos. Assim, para além dos direitos de personalidade expressamente previstos na Constituição, – como os mencionados direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, e ainda outros, como o direito à saúde e o direito à liberdade de expressão – encontram-se previstos e regulados pelo Código também o direito ao nome, o direito ao resguardo do próprio corpo e à propriedade intelectual, entre outros. 19 CAPíTUlO 4 Pessoas Jurídicas Conceito e atributos As pessoas jurídicas, também chamadas pessoas coletivas ou pessoas morais, são entes criados para a realização de fins de interesse do homem e reconhecidos pela ordem jurídica como sujeitos de direito, tendo plena capacidade de direito e de exercício, em tudo o que é compatível com sua natureza e sua finalidade. As pessoas jurídicas possuem os seguintes atributos: » personalidade e existência próprias, que não se confundem com a de seus membros, criadores ou administradores; » autonomia patrimonial; » aptidão para ser titular de direitos e exercê-los, em tudo o quanto for compatível com sua natureza e suas finalidades. Assim, como decorrência, uma sociedade tem personalidade própria, distinta da personalidade de seus sócios. Os direitos e deveres da sociedade se situam na sua própria órbita jurídica, e não na dos sócios. O patrimônio, os créditos e as dívidas da sociedade são seus, e não de seus sócios. Ainda que estes se tornem incapazes ou morram, a sociedade continua a existir. E a sociedade pode exercer todos os direitos e praticar todos os atos compatíveis com sua natureza e com sua finalidade. Não pode, porém, ser titular de direitos estranhos à sua realidade de ente abstrato – direitos de família, por exemplo, que envolvem a prática de atos como casar-se, exercer o poder familiar, funcionar como tutor etc. –, pois esses direitos somente são compatíveis com a realidade intrínseca das pessoas naturais. O princípio da separação entre a pessoa jurídica e as pessoas naturais que a compõem só encontra ressalva na hipótese do cometimento de ato ilícito pelos sócios ou administradores, com o uso indevido da personalidade jurídica para eximir-se da responsabilidade. Nesses casos, pode-se aplicar a chamada desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 50 do Código Civil brasileiro: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 20 O instituto da desconsideração é explicado sumariamente por César Fiúza (1998, p. 64) nos seguintes termos: De qualquer forma, sempre que pessoas naturais usarem pessoas jurídicas para cometer qualquer tipo de ilícito, exatamente por saberem que punida será somente a pessoa jurídica, a personalidade jurídica será desconsiderada, e a pessoa natural punida em seu lugar. É a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, criada pelo Direito Anglo-Saxão e Germânico, conhecida como disregard of legal entity. Assim, se pessoa natural, de má-fé, toma empréstimo em nome de pessoa jurídica, ficando com o dinheiro para si, já com a intenção de não pagar, pois sabe que o credor só poderá acionar a pessoa jurídica, esta será desconsiderada, e a pessoa natural pagará em seu lugar. Quanto à discussão sobre a natureza das pessoas jurídicas, e as diversas teorias que para oferecer resposta ao problema foram criadas, veja-se a seguinte explicação de César Fiúza (1998, p. 61-3): Há várias teorias para explicar a natureza das pessoas jurídicas. Conhecer a natureza de determinado instituto é saber o que é este instituto, é conhecer sua essência. Assim, que seria pessoa jurídica? Qual sua natureza? Para melhor entendermos a importância de se determinar a natureza jurídica de determinado instituto, basta, por exemplo, percebermos que a natureza da compra e venda é a mesma da doação: ambas são contratos. A ambas se aplicam as normas da teoria geral dos contratos. Se, ao contrário, identificássemos na doação natureza diversa da compra e venda, a ela não se aplicariam as normas gerais dos contratos. Dessarte, repetimos as perguntas: Que seria pessoa jurídica? Qual sua natureza? Vejamos cada uma das teorias a respeito. Em primeiro lugar, temos as teorias negativistas, negando a existência da pessoa jurídica, enquanto sujeito de direitos. 1ª) Teoria da ficção – É a teoria clássica, originada no Direito Canônico, com base no Direito Romano. Segundo ela, pessoa jurídica é mero fruto da imaginação, expediente técnico, sujeito aparente, sem qualquer realidade. As pessoas jurídicas não passam de projeção de nossa mente, de pura abstração. 2ª) Teoria da equiparação – Para esta corrente, pessoa jurídica é, na verdade, não pessoa, mas patrimônio equiparado às pessoas naturais para facilitar o tráfego dos negócios jurídicos. 3ª) Teoria da propriedade coletiva ou da ficção doutrinária – As pessoas jurídicas não passam de simples forma, por meio da qual a pessoa de seus membros manifestam suas relações com omundo externo. Na verdade, os UNIDADE I | Pessoas 21 direitos constitutivos do patrimônio da pessoa jurídica têm como titulares seus próprios membros componentes. 4ª) Teoria de Duguit – Duguit nega a existência dos direitos subjetivos. Por via de consequência, caem por terra todas as ideias que lhe são conexas. Para ele, os fundamentos do que se chama pessoa jurídica acham-se vinculados à necessidade de se proteger situações em que determinada riqueza se vincule a objetivo lícito. 5ª) Teoria de Kelsen – Como Duguit, tampouco Kelsen admite a ideia de Direito Subjetivo. De acordo com sua concepção, inexistem pessoas, tanto naturais, quanto jurídicas. O que há, são centros de deveres e faculdades jurídicas, expressas pelo Direito Objetivo. A estes centros, costuma-se denominar pessoas, o que é recurso artificial e auxiliar, do qual se pode prescindir. Um segundo grupo de teorias, denominadas organicistas ou realistas, pretende provar a existência da pessoa jurídica, como realidade. 1ª) Teoria da realidade objetiva ou teoria voluntarista – A pessoa jurídica é tão pessoa quanto as pessoas naturais, do ponto de vista objetivo. No mundo há organismos vivos e organismos sociais. Os organismos sociais teriam vontade própria, expressão da vontade de seus membros. Essa vontade deve ser protegida pelo Direito, que regula, assim, as pessoas jurídicas, enquanto sujeitos dotados de vontade. O Direito não as criou. Apenas declarou e regulou sua existência. Elas têm vontade própria e existência autônoma. 2ª) Teoria ligada ao conceito de sujeito de direito ou teoria do interesse – Sustentada por Michoud, entre outros, nega a teoria voluntarista, afirmando que não é a vontade o elemento protegido pelo Direito, mas seu conteúdo, ou seja, o interesse representado pela vontade. Assim, o direito protegeria os interesses do indivíduo, pessoa natural, e os interesses de grupos de indivíduos, unificados na pessoa jurídica. 3ª) Teoria da realidade das instituições jurídicas ou da realidade jurídica – Esta teoria, também chamada de teoria da realidade jurídica ou técnica, é a mais aceita hoje em dia. Imaginada por Ferrara, não nega que só o ser humano é realidade objetiva. As pessoas jurídicas são, realmente, criadas pelo Direito, que lhes confere personalidade, assim como confere a nós. De fato, a personalidade é fenômeno jurídico. Só somos pessoas porque o Direito assim o quer, pois, se não o quisesse, não seríamos pessoas. [...] Dessarte, do mesmo modo por que o Direito nos atribui personalidade, a atribui também a outros entes, chamados pessoas jurídicas. A personalidade não vem, portanto, da natureza, mas do Direito. De qualquer forma, apesar de não ter realidade física, a pessoa jurídica possui realidade, realidade ideal, a realidade das instituições jurídicas. No âmbito do Direito, são dotadas do mesmo subjetivismo que as pessoas naturais. Em Pessoas | UNIDADE I 22 outras palavras, para o Direito, as pessoas jurídicas são, assim como as naturais, sujeitos de direitos e deveres. Finalmente, Hauriou defende o ponto de vista de que as pessoas jurídicas são instituições sociais, isto é, organizações sociais destinadas à obtenção de um fim. Esta, a teoria da instituição, destacada das negativistas e das organicistas. Tipologia As pessoas jurídicas de Direito Privado dividem-se em três tipos fundamentais, previstos nos incisos I a III do art. 44 do Código Civil brasileiro: » associações; » sociedades, civis ou empresárias; » fundações. As associações são entes coletivos formados por associados e criados para a realização de fins não econômicos. Em outras palavras, pode-se dizer que as associações não têm interesse de lucro, embora nada as impeça de ter resultado financeiro positivo em suas atividades, as quais, porém, estarão todas voltadas à consecução de um fim não econômico. Assim, têm caráter tipicamente associativo entes tais como uma associação de moradores de um bairro, um clube recreativo, uma obra filantrópica assistencial, uma academia de letras ou de música, ou uma liga desportiva. As entidades religiosas e os partidos políticos, mencionados autonomamente nos incisos IV e V do art. 44 do Código Civil, não são mais que associações, submetidas a determinados regimes especiais em razão da natureza de sua atividade. As sociedades, tal como as associações, são entes coletivos formados por sócios, que se unem em torno de um fim comum. O interesse comum, nesse caso, é o de desenvolver uma atividade econômica, de modo a dela auferir lucro ou ganho de qualquer espécie. Distinguem-se entre si as sociedades civis e as sociedades empresárias pela natureza da atividade que desempenham: as primeiras se dedicam a realizar atividades de natureza eminentemente civil, como é o caso das profissões liberais (sociedades de engenheiros, médicos, advogados etc.); as segundas se prestam à realização de um empreendimento qualquer, tradicionalmente considerado como atividade mercantil. As fundações são entes coletivos formando um patrimônio destinado por alguém a um fim específico, de cunho religioso, moral, cultural ou assistencial, a teor do que dispõe o art. 62, parágrafo único, do Código Civil brasileiro. Daí porque se diz que a fundação é um acervo patrimonial personificado, em função da realização dos fins a que foi destinada pelo seu instituidor. UNIDADE I | Pessoas 23 Neste ponto, algumas indagações naturalmente surgem do estudo da tipologia da pessoa jurídica e dos conceitos a ela relativos. Com a palavra, César Fiúza (1998, p. 66): Duas questões importantes devem ser resolvidas antes de prosseguirmos. Primeiramente, qual a importância de classificarmos uma pessoa jurídica? Bem, ao considerarmos, a título de ilustração, empresa pública como pessoa jurídica de Direito Privado, estaremos dando a ela todo um tratamento legal específico para pessoas de Direito Privado. Seus empregados, por exemplo, serão tratados como empregados privados, e não como servidores públicos, como sói acontecer com os empregados das pessoas jurídicas de Direito Público. Esta é apenas uma das consequências, só para demonstrar como é importante esta classificação. Não é nem preciso falar que o regime jurídico das pessoas jurídicas nacionais era totalmente diferente do regime das estrangeiras. A segunda questão importante diz respeito à diferença entre os termos sociedade, associação, companhia, corporação, incorporação, empresa e firma. São palavras que, vulgarmente, empregam-se como sinônimas, mas que tecnicamente possuem significado diverso. Sociedade é todo grupo de pessoas que se reúnem, conjugando esforços e recursos para lograr fins comuns. São pessoas jurídicas. Associação é o mesmo que sociedade, só que sem fins lucrativos. Companhia é o mesmo que sociedade anônima. É aquela sociedade cujo capital é dividido em ações, que são distribuídas entre os sócios, chamados de acionistas. A palavra companhia pode também ser empregada como sinônimo de pessoa jurídica, principalmente, as colegiadas. É também utilizada como parte do nome de certas sociedades, como, por exemplo, “Silva, Souza e Companhia Limitada (Cia. Ltda.)”. Corporação é palavra genérica, sinônima de pessoa jurídica colegiada. Pode ser empregada também no sentido de grupo de sociedades: corporação empresarial. Incorporação é também palavra polissêmica, ou seja, tem vários sentidos. No Direito Norte-Americano é sinônimo de pessoa jurídica e de sociedade anônima. Aliás, a palavra faz parte do nome das sociedades anônimas norte-americanas: “General Motors Incorporation (Inc.)”. Também em nossa linguagem, vamos encontrá-la nesses dois sentidos, mormente no segundo. Além disso, incorporação é termo empregado para significar o ato de uma sociedade incorporaroutra. Fala-se, então, em incorporação empresarial. Empresa é, no sentido mais técnico, sinônimo de atividade. Será, assim, substituível pela palavra atividade ou empreendimento. Na prática, porém, tem natureza polissêmica, ora sendo usada no sentido de atividade, ora como sinônimo de empresário, ora como estabelecimento empresarial. Dessarte, quando se diz que tal pessoa dirige empresa, utiliza-se a palavra no sentido de atividade. Quando se diz que tal empresa demitirá alguns empregados, está-se a empregá-la no sentido de empresário, pessoa física ou jurídica. Quando alguém diz que vai a sua empresa, está usando o termo como sinônimo de estabelecimento empresarial. Pessoas | UNIDADE I 24 Firma é sinônimo de nome. Tanto as pessoas naturais, quanto as pessoas jurídicas possuem firma, ou seja, nome. Daí a expressão “reconhecer firma”. Forma de Constituição e extinção Segundo o disposto no art. 45 do Código Civil brasileiro, a existência legal das pessoas jurídicas de Direito Privado tem início com a inscrição de seu ato constitutivo no registro próprio. Assim, é o registro que dá início à personalidade das pessoas jurídicas de Direito Privado. Por ato constitutivo deve-se entender, no caso das associações, os estatutos, firmados pelos associados; no caso das sociedades, o contrato social, firmado pelos sócios; e no caso das fundações, o ato de instituição, elaborado pelo instituidor, que deve ser acompanhado do estatuto e da respectiva aprovação do órgão do Ministério Público. O registro próprio das pessoas jurídicas de direito é o registro civil ou o registro comercial – este mantido pelas Juntas Comerciais – conforme se trate, respectivamente, de sociedade civil ou de sociedade empresária. As associações e as fundações, tal como as sociedades civis, submetem-se ao registro civil das pessoas jurídicas. A extinção de uma pessoa jurídica se faz por meio da dissolução, decidida por seus membros ou ordenada pelo juiz, em determinados casos (cf. art. 51 do Código Civil). O ato de dissolução deverá ser averbado no registro onde estiver inscrita a associação, sociedade ou fundação, com o que se põe termo à sua personalidade jurídica. A personalidade das pessoas jurídicas tem início com a inscrição e seus atos constitutivos no registro competente. A personalidade das pessoas naturais, por sua vez, nos termos do Código Civil, começa do nascimento com vida. O nascimento, todavia, também deve ser levado a registro, segundo estabelece a Lei dos Registros Públicos. Disso se pode inferir que o registro produz algum efeito na aquisição de personalidade pelas pessoas naturais? Para ampliar sua compreensão do Sistema de Registros Públicos, leia o seguinte excerto da obra de César Fiúza (1998, p. 68-9): Registro Civil É instituto criado pelo Direito para dar autenticidade, publicidade, eficácia e segurança aos atos jurídicos. A autenticidade refere-se à veracidade dos documentos e atos inscritos no registro. Em outras palavras, tudo o que se inscreve no registro presume-se autêntico, UNIDADE I | Pessoas 25 verdadeiro. Evidentemente, a presunção é iuris tantum, ou seja, pode ser derrubada com prova contrária. Todo ato registrado em cartório torna-se público, ganha publicidade. Em outras palavras, a ninguém é dado alegar desconhecer ato inscrito no Registro. Eficácia tem a ver com publicidade e diz respeito, principalmente, a terceiros. Ato jurídico eficaz é aquele que produz efeitos, não só entre as pessoas que o realizam, mas também perante terceiros. Assim, se celebro contrato, qualquer que seja, e o registro, ninguém poderá alegar, depois, que o desconhecia. O registro tem esse poder. A segurança advém exatamente daí. Uma vez que tudo o que for aceito pelos cartórios para registro presume-se autêntico, público e eficaz, as pessoas se sentem mais seguras ao realizarem negócios com base em documentos registrados. Por exemplo, se vou comprar uma casa, fico seguro diante da certidão do registro no cartório de imóveis, pois esta certidão me indica quem é o dono da casa, se ela está livre de quaisquer ônus, como hipotecas etc. A Lei de Registros Públicos é a de no. 6.015, de 1973, e trata do registro civil das pessoas naturais, das pessoas jurídicas, do registro de títulos e documentos e do registro de imóveis. Os cartórios, sendo a cidade maior, se especializarão em cada um desses registros. Nas capitais costuma haver até mais de um cartório especializado. Já nas cidades menores, normalmente um ou dois cartórios se ocupam de toda e qualquer espécie de registro. De todo fato, ato ou documento registrado, os cartórios, como regra, são obrigados a fornecer certidão. As certidões fornecidas fazem a mesma prova que os originais. Porém a verdade da certidão pode ser contestada, desde que se prove ser ela falsa, ou ter sido adulterada. Pessoas | UNIDADE I 26 CAPíTUlO 5 domicílio Conceito, elementos e Critérios para determinação Todas as pessoas têm, por livre escolha ou por determinação da lei, um lugar no espaço onde será ela chamada a exercer seus direitos e cumprir suas obrigações na órbita civil. Esse lugar, onde a pessoa atua na via jurídica, é o seu domicílio. O Código Civil brasileiro, em seu art. 70, dispõe sobre o domicilio da pessoa natural nos seguintes termos: Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Identificam-se, pois, desde logo, dois elementos para a caracterização do domicílio da pessoa natural: » um elemento material, de caráter objetivo, representado pela residência, isto é, a morada; » e outro psicológico ou volitivo, de caráter subjetivo, representado pelo ideia de ânimo definitivo, ou seja, a vontade de permanecer em definitivo na localidade de residência. O elemento objetivo é de fácil demonstração, pois diz respeito, conforme dito, à efetiva morada da pessoa em determinada localidade, o que tem, por sua natureza, caráter evidente e ostensivo. O elemento subjetivo, todavia, exige maiores cuidados na sua verificação. De fato, deve-se perquirir a intenção da pessoa de permanecer em definitivo no seu local de residência, o que se revela pelos atos da pessoa que evidenciam essa intenção. Muito embora domicílio e residência geralmente coincidam – uma vez que se trata esta de um elemento daquele –, há situações em que isso não acontece. Para tais situações, a lei civil prevê soluções específicas para a determinação do domicílio. Se alguém possuir mais de uma residência em diferentes cidades, vivendo alternamente numa e noutra, qualquer das cidades será considerada seu domicílio. Assim, poderá ser chamado a exercer seus direitos e cumprir suas obrigações em qualquer uma delas (cf. art. 71 do Código Civil). Se, por outro lado, uma pessoa não tem residência fixa, vivendo de forma itinerante, aqui e ali, seu domicílio será o local em que for encontrado. Assim, poderá ser chamado a exercer seus direitos e cumprir suas obrigações em qualquer localidade onde esteja (cf. art. 73 do Código Civil). 27 O domicílio da pessoa jurídica, por sua vez, é o lugar onde funciona sua sede, seus órgãos de direção e administração, ou onde se elege domicílio especial nos seus estatutos ou atos constitutivos (cf. art. 75, inciso IV, do Código Civil). Sobre a importância prática da determinação do domicílio, leia o que escreve Silvio Rodrigues (2003, p. 103-4): A noção de domicílio é da mais alta relevância em todos os campos do Direito, como se pode depreender dos exemplos que damos a seguir. É regra geral, em matéria de competência (CPC, art. 94), que, nas ações fundadas em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis, o réu deve ser acionado no foro de seu domicílio; desse modo, impõe-se descobrir o seudomicílio, para propor ação contra ele. É no domicílio do falecido que se abre sua sucessão (CPC, art. 96); aliás, além de ali proceder-se a seu inventário, é nesse local que se devem ajuizar as ações contra o espólio”. Ao cuidar da eficácia da lei no espaço, dispõe o art. 7º da Lei de Introdução ao Código Civil que a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família; dentro do campo do Direito Internacional Privado, tal regra é básica. Em matéria matrimonial, também, o problema avulta, pois é no domicílio dos nubentes que se devem publicar os proclamas do casamento. No direito das obrigações, por igual, muitas regras vão lançar mão da ideia de domicílio; assim, por exemplo, o art. 327 do Código Civil ordena que, na falta de convenção entre as partes, o pagamento efetuar-se-á no domicílio do devedor. É ainda no seu domicílio que se qualifica e vota o eleitor. Outros numerosos exemplos poderiam ser dados para mostrar o alcance da noção de domicílio, quer no campo do Direito Privado, quer no do Direito Público. Daí a importância de se descobrir qual o local em que o indivíduo está legalmente fixado, onde ele atua na órbita do Direito, respondendo pelas obrigações assumidas. Classificação das espécies voluntário e Necessário Em regra, as pessoas têm ampla liberdade para fixar seu domicílio. Assim, trata-se de domicílio voluntário aquele escolhido pela pessoa que fixa residência, com ânimo definitivo, em determinada localidade (cf. art. 70 do Código Civil). Por vezes, todavia, o local de domicílio de certas pessoas é determinado pela lei. Tem-se, nesse caso, o domicílio necessário. Têm domicílio necessário os incapazes, os servidores públicos civis e militares, o marítimo e o preso. O domicílio do incapaz é o de seu representante legal; o domicílio do funcionário Pessoas | UNIDADE I 28 público civil e militar, o local em que servir permanentemente, reputando-se domicílio, no caso de militar da Marinha e da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o domicílio do tripulante da marinha mercante será o local em que se achar matriculado o navio; o domicílio do preso, por fim, é o local em que estiver a cumprir pena (cf. art. 76 do Código Civil). legal e Convencional Domicílio legal é aquele que deriva imediatamente da lei, como no caso do domicílio necessário que o ordenamento impõe a certas pessoas. É possível, porém, em relação às obrigações derivadas de certas relações jurídicas, que estipulem as partes local determinado para seu cumprimento. A isso se chama domicílio convencional ou domicílio de eleição. Geral e especial Domicílio Geral é o local que se considera o domicílio da pessoa para a generalidade das relações jurídicas que ela estabelece. É, por exemplo, o domicílio que se fixa com base no art. 70 do Código Civil, aplicável a todos o conjunto de relações jurídicas em que se encontra envolvida a pessoa. O Domicílio Especial, contrariamente, aplica-se a apenas uma relação ou a determinado conjunto de relações jurídicas da pessoa, como aquele que decorre de convenção entre as partes, ao estabelecer uma relação obrigacional, para os efeitos daquela relação. UNIDADE I | Pessoas UNIDADE IICoiSaS e BeNS 31 CAPíTUlO 6 distinções Conceituais Os termos bens e coisas costumam ser utilizados praticamente como sinônimos por incontáveis autores no campo do Direito. Tal uso, porém, é impróprio, uma vez que, como adverte Silvio Rodrigues (2003, p. 116) – com recurso ao instrumental de conceitos das ciências econômicas –, trata-se de palavras de diferente extensão, sendo uma espécie da outra: Com efeito, coisa é o gênero do qual bem é espécie. A diferença específica está no fato de este último incluir na sua compreensão a ideia de utilidade e raridade, ou seja, a de ter valor econômico. Coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem. Assim, o sol, a lua, os animais, os seres inanimados etc. [...] Bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico. O Direito Civil só se interessa pelas coisas suscetíveis de apropriação e tem por um dos seus fins disciplinar as relações entre os homens, concernindo tais bens econômicos. Assim, temos que: » coisa é tudo o que existe, tudo o que se situa no universo tangível, exterior ao ser humano; » bem é uma coisa dotada de valor econômico, em razão de sua utilidade ao homem e de sua raridade, sendo também susceptível de apropriação. Cumpre também fixar a noção de patrimônio, que não se resume à somatória dos bens de que uma pessoa é proprietária. O patrimônio, em rigor, é formado pelo conjunto de relações ativas e passivas de um indivíduo, ou, nas célebres palavras de Clóvis Bevilácqua, “o complexo das relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico”, ou seja, todo o ativo e todo o passivo de um sujeito de direito. 32 CAPíTUlO 7 Classificação Os bens se podem classificar segundo diversos critérios, tais como aqueles adotados pelo Código Civil brasileiro, como segue. Bens Considerados em Si Mesmos a. Corpóreos e incorpóreos: Corpóreos são os bens que possuem existência física concreta e tangível, como a têm uma mesa, uma geladeira, um automóvel, uma casa. Incorpóreos são os bens abstratos, intangíveis, que não possuem existência física, como os direitos subjetivos em geral e, em especial, os direitos reais e de crédito; os primeiros, aliás, segundo o Código Civil, submetem-se tanto ao regime jurídico dos bens imóveis como ao dos móveis, conforme sejam imóveis ou móveis os bens corpóreos sobre os quais recaiam; os segundos, fundamentalmente ao dos bens móveis. b. In commercium e extra commercium: Bens in commercium são os que podem ser objeto de negócios jurídicos e podem, por consequência, ser livremente adquiridos e alienados. Extra commercium, ou que estão fora do comércio, são todos os bens insusceptíveis de apropriação, por impossibilidade material ou jurídica, como os astros do universo e o ar atmosférico do planeta, e também os inalienáveis, seja por força de lei, como os bens públicos, seja por convenção, como o bem de família estabelecido por ato de vontade. Bem de família é qualquer bem imóvel que, por força de lei ou da manifestação de vontade do proprietário, torna-se impenhorável e ou inalienável, em razão de servir para a residência da família, nos termos dos arts. 1.711 a 1.722 do Código Civil, também da Lei no 8.009, de 1990. c. Imóveis, móveis e semoventes (cf. Código Civil, arts. 79 a 84): A summa divisio dos bens entre móveis e imóveis é da maior relevância para o Direito, pois da classificação de um bem como imóvel ou móvel resulta a determinação de 33 todo o regime jurídico a que ele se submete, incluindo modos de aquisição, alienação e sucessão, limitações ao exercício dos direitos sobre o bem, regime fiscal etc. Bens imóveis são aqueles que não podem ser removidos, sem comprometimento ou destruição de sua essência, como o solo e tudo o que a ele se incorporar, por acessão natural ou artificial, como uma casa ou uma árvore. Bens móveis são aqueles susceptíveis de remoção por força alheia, sem comprometimento ou ruptura de sua substância, como a mesa, a geladeira e o automóvel mencionados em exemplo anterior. Semelhantes aos móveis têm-se os semoventes, aqueles que possuem movimento próprio e espontâneo, isto é, os animais. d. Fungíveis e infungíveis (cf. Código Civil, art. 85): Fungíveis são bens que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Assim o dinheiro, a areia e os alimentos em geral, que se negociam por pesos e medidas. Não fungíveis são bens que, razãode suas características peculiares, não podem ser substituídos por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. Entres esses se encontram as obras de arte e as jóias de família, infungíveis por natureza, e qualquer bem que tenha, para seu proprietário, um extraordinário valor ou significação particular, caso em que se têm os bens infungíveis por convenção ou ato de vontade. A respeito da importância da distinção ora tratada, escreve Silvio Rodrigues (2003, p, 128-9): A distinção entre coisas fungíveis e não fungíveis tem, igualmente, grande relevo nas relações jurídicas. Assim, por exemplo, o empréstimo de coisas fungíveis chama-se mútuo, o de não fungíveis, comodato (CC, arts. 586 e 579). A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis (CC, art. 369). Se o devedor efetuar o pagamento entregando ao credor coisa fungível que não podia alhear, não pode o verdadeiro dono reclamar deste a devolução, se a coisa já foi consumida e o credor prova sua boa-fé. Se, nas mesmas condições, o pagamento se efetuar pela entrega de coisa não fungível, o direito de reivindicar subsiste (CC, art. 307, parágrafo único). e. Consumíveis e Inconsumíveis (cf. Código Civil, art. 86): Consumíveis são os bens móveis cuja utilização a que ele se destina importa destruição de sua própria substância. É o típico caso dos alimentos, que desaparecem ao ser utilizados como tais. Não consumíveis consideram-se os bens que cujo uso não importa a destruição imediata de sua substância. Assim são os chamados bens de consumo duráveis, como eletrodomésticos, máquinas, veículos e outros, cuja natureza permite a utilização sucessiva por longo prazo, sem perda da substância. Coisas e Bens | UNIDADE II 34 f. Bens Divisíveis e Indivisíveis (cf. Código Civil, arts. 87 e 88): Conforme bem observa Silvio Rodrigues (2003, p. 130): [...] fisicamente todas as coisas são suscetíveis de divisão, e nada impede que se fragmente um relógio, ou mesmo um cavalo, em numerosas partes que contenham cada qual o mesmo peso. Essa divisibilidade pode, teoricamente, ser levada ao infinito, e hoje já se vai à dissociação do átomo. Todavia coisas há que, divididas, deixam de ser o que eram. O cavalo dividido ao meio não mais será um semovente, e o relógio, serrado em dois, tampouco seguirá sendo relógio. O critério da divisibilidade leva em consideração, pois, para além da simples possibilidade material de divisão, aspectos funcionais e econômicos para determinar se uma coisa é ou não juridicamente divisível. Assim, são divisíveis os bens que se podem fracionar em porções distintas, de modo a formar cada qual um todo perfeito, desde que não se verifique prejuízo à sua utilização ou redução desproporcional do seu valor. Tem-se, como exemplo de bem divisível, o de um terreno, que, se dividido ao meio, resultará em dois terrenos, cuja possibilidade de utilização e valor econômico se mantêm na mesma proporção que do bem original. Indivisíveis são os bens que se não podem partir sem que seja alterada sua substância, ou ainda que tenha sua utilidade comprometida ou reduzido drasticamente o seu valor econômico. Assim, por exemplo, se dividirmos uma máquina qualquer ou um automóvel, da divisão não resultarão duas máquinas ou dois automóveis, havendo, pois, alteração da substância, mudança da finalidade de uso e ainda, possivelmente, diminuição do valor do bem. g. Singulares e Coletivos (cf. Código Civil, arts. 89 a 91): Singulares são os bens que podem ser tomados individualmente, de per se, ainda quando reunidos: assim, por exemplo, um edifício, um animal de estimação, uma casa. Coletivos são bens considerados em seu conjunto, ainda que, sob outro ângulo, possam ser encarados na sua individualidade. Constituem universalidades de bens. Como exemplos, têm-se a herança e o fundo de comércio, bem ainda a biblioteca, a frota, o rebanho etc. Bens reciprocamente Considerados Considerados uns em relação aos outros, os bens podem ser: » principais; ou » acessórios. Tal distinção é de suma importância, dada a regra de que, nos negócios e nas situações jurídicas em geral, o acessório segue o principal, ressalvada eventual disposição em contrário. UNIDADE II | Coisas e Bens 35 Principal é o bem que existe por si mesmo, sem que tenha sua existência vinculada à de nenhum outro. Acessório é o bem cuja existência supõe a do principal; não existe por si mesmo, pois depende do bem principal para existir. Uma edificação sempre é acessória do solo, uma vez que sobre ele se assenta e sem ele não existe. Observe-se que os bens serão acessórios ou principais sempre um em relação ao outro. Trata-se, pois, de um conceito relativo. Se uma edificação é acessória em relação ao solo, é também, por outro lado, principal em relação a itens como portas, janelas e elevadores nela instalados. A acessão pode ser física ou meramente intelectual. Na acessão física, há uma adesão material da coisa acessória à coisa principal. Na acessão intelectual, a ligação estabelecida entre os bens é feita fundamentalmente pela vontade de proprietário. O problema é explicado por César Fiúza (1998, p. 79) nos seguintes termos: Enquanto os imóveis por acessão intelectual conservam sua identidade, individualidade e autonomia, os bens acessórios formam parte constitutiva do principal, sem o qual não existem. O principal lhe absorve a individualidade e autonomia. Uma porta só será porta, enquanto estiver presa ao imóvel. O mesmo não ocorre com um sofá, ou um lustre. Assim, a porta é bem acessório do imóvel, enquanto o sofá não é, embora seja imóvel por acessão intelectual, enquanto permanecer integrado ao imóvel, como mobília de uso. A distinção é importante, quando da aplicação da regra de que o acessório segue o principal, salvo disposição contrária. Assim, salvo disposição contrária, as portas e janelas seguem o imóvel a que estão aderidos, o mesmo não ocorrendo com a mobília, que é imóvel por acessão intelectual, não sofrendo, pois, influência da regra. São também bens acessórios os frutos, os produtos e as benfeitorias. Consideram-se frutos as utilidades produzidas, periodicamente, por um bem. Podem os frutos ser naturais, como a cria ou o leite um animal e as frutas ou legumes oriundos de uma plantação; industriais, como os laticínios em relação ao leite e ao homem, a produção de uma fábrica em relação à matéria-prima e ao homem etc.; ou civis, assim entendidos os juros, lucros e aluguéis. Produtos são utilidades que se extraem de uma coisa com capacidade limitada de produção, diminuindo-lhe a quantidade, como, por exemplo, o minério ou o petróleo de uma jazida. Cuida-se, nesse caso, de recursos não renováveis. Benfeitoria é toda obra, serviço ou despesa que se realiza em um bem, com o intuito de conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo, incorporando-se definitivamente à coisa principal. As benfeitorias distinguem-se em três tipos: necessárias, úteis e voluptuárias (cf. art. 96 do Código Civil). Necessária é a benfeitoria que for realizada para conservar a coisa, de modo a impedir sua ruína; útil é a que se realiza para melhorar, aumentar ou facilitar o uso da coisa; voluptuária, por fim, é aquela de mero deleite ou recreio, que não aumenta o uso habitual do bem, ainda que o torne mais agradável ou seja de elevado valor. Coisas e Bens | UNIDADE II 36 Distinguem-se das benfeitorias as pertenças, as quais, segundo Código Civil, em seu art. 93, são aqueles bens que, não constituindo partes integrantes, destinam-se de modo duradouro ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. À luz dos conceitos ora tratados e das respectivas disposições do Código Civil, examine a situação de um cd player instalado em um automóvel. Seria o equipamento de som acessório ou pertença? Lembre-se de que o cd player não depende doveículo para subsistir. Mas se destina a conferir maior conforto ao uso do veículo. Na eventual compra e venda desse veículo, segue o cd player, necessariamente, o destino do veículo em que se encontra instalado? Bens Considerados em relação a Seu Titular Os bens são públicos ou privados, conforme quem seja o titular do direito subjetivo sobre eles incidente. Públicos são os bens pertencentes às pessoas jurídicas de Direito Público, em qualquer esfera, sejam de uso comum do povo, como as vias públicas, os parques e as praias; sejam de uso especial, destinados à utilização exclusiva de algum órgão ou entidade da Administração Pública federal, estadual ou municipal; sejam, ainda, os dominiais, que compõem o patrimônio disponível do Estado. O estudo desses bens constitui matéria do Direito Administrativo. Particulares são os bens pertencentes às pessoas naturais ou jurídicas de Direito Privado, submetidos, pois, ao regime jurídico próprio do Código Civil. Bem de Família Conforme dissemos, bem de família é qualquer bem imóvel que, por força de lei ou da manifestação de vontade do proprietário, torna-se impenhorável e ou inalienável, em razão de servir para a residência da família. Sobre o tema, em conexão com o objeto deste curso, leia-se o artigo O bem de família e o registro de imóveis, de autoria de José Celso Ribeiro Vilela de Oliveira, advogado especializado em Direito Notarial, disponível no endereço <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10246>. UNIDADE II | Coisas e Bens UNIDADE IIIFaTo, aTo e NeGóCio JUrídiCo 39 CAPíTUlO 8 distinções Conceituais e Classificação Fato Natural e Fato Jurídico Fato é todo evento ou acontecimento em que não se dá a intervenção do homem. Um sem-número de fatos há que são indiferentes ao mundo do direito, isto é, não repercutem no direito ou produzem qualquer tipo de consequência jurídica: assim, a chuva que cai, o pássaro que voa, a flor que se abre e os astros que se movem, por exemplo, não interferem de forma alguma nas relações jurídicas, de modo que deles o direito não cuida, sendo irrelevantes do ponto de vista jurídico. São os chamados fatos naturais. Os fatos que interessam ao direito são aqueles capazes de criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas. A estes se dá o nome de fatos jurídicos. Os fatos jurídicos podem ser naturais ou humanos. Os primeiros são aqueles não envolvem atuação do homem, mas trazem repercussão na esfera jurídica. Assim a chuva que cai fortemente e alaga áreas rurais ou urbanas, arruína plantações e destrói casas; assim também o nascimento e a morte de um ser humano. Os segundos decorrem diretamente da atuação ação do homem, como, por exemplo, um acidente de trânsito, um contrato, um casamento. Assim, pode-se dizer que fato jurídico “é, pois, todo evento natural, ou toda ação ou omissão do homem que cria, modifica ou extingue relações ou situações jurídicas.” (cf. FIÚZA, 1998, p. 86) ato Jurídico Ato remete à ideia de um comportamento humano. Ato jurídico, pois, é todo fato jurídico decorrente de uma ação ou omissão humana, capaz de criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas. O ato jurídico, neste sentido amplo (lato sensu), comporta as três seguintes espécies: » atos jurídicos em sentido estrito (stricto sensu); » negócios jurídicos; e » atos ilícitos. 40 ato Jurídico em Sentido estrito O ato jurídico em sentido estrito é um ato de vontade cujos efeitos são determinados basicamente pela lei. Assim, combina-se no ato jurídico stricto sensu uma emissão volitiva e uma previsão específica, pelo ordenamento jurídico, dos efeitos dessa manifestação de vontade. Para César Fiúza (1998, p. 86-7), exemplo típico de ato jurídico stricto sensu é o ato de registro civil. Quando um pai registra seu filho, pratica ato jurídico cujos efeitos se encontram rigorosamente predeterminados pelo ordenamento. Ao requerer o registro, qualquer seja o conteúdo da vontade daquele que comparece perante o oficial do registro civil – e é bem provável que não haja qualquer objetivo específico nesse ato, salvo o desejo de observar a lei e garantir segurança ao registrado –, os efeitos do registro não derivam dessa emissão de vontade, mas imediata e exclusivamente da própria lei. Negócio Jurídico O negócio jurídico é um ato de vontade em conformidade com o ordenamento jurídico, que tem por objetivo específico criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas. Diferentemente dos atos jurídicos em sentido estrito, os efeitos do negócio derivam preponderantemente da vontade, mais do que da lei. Se nos atos jurídicos em sentido estrito a vontade do agente importa para a sua realização, mas não lhe determina os efeitos, que se encontram preestabelecidos em lei, no negócio jurídico a vontade é determinante tanto para a prática do ato como para a produção de seus efeitos, uma vez que a maior parte de tais efeitos radicam basicamente na vontade, antes que na lei. Constituem negócios os contratos em geral, o testamento e outros atos de caráter negocial, em que se possa identificar a vontade humana como principal fonte de efeitos jurídicos. Como negócio jurídico unilateral, o testamento é um bom exemplo da categoria negocial, uma vez que não há um só efeito puramente ex lege do testamento: todos os efeitos do testamento derivam, fundamentalmente, da vontade por meio dele manifestada. Modalidades do Negócio Jurídico Os negócios jurídicos se dividem em modalidades, segundo contenham apenas elementos essenciais e naturais ou se, além deles, contenham elementos acidentais. Tem-se, assim, negócios jurídicos: » puros e simples; » condicionais; » a termo; e » modais ou com encargo. O negócio jurídico será puro e simples quando contiver apenas seus elementos essenciais e elementos naturais, sem qualquer elemento acidental, ou seja, condição, termo ou encargo. Em uma compra e venda de bem móvel realizada à vista, por exemplo, na qual as prestações de comprador e vendedor são UNIDADE III | Fato, ato e Negócio Jurídico 41 executadas imediatamente, só se encontram elementos essenciais e naturais do negócio – quais sejam, as partes capazes, o objeto lícito, a forma livre e o consenso sobre a coisa e o preço –, tratando-se, pois de negócio jurídico puro e simples. São condicionais os negócios jurídicos cujos efeitos se encontram subordinados ao implemento de condição, ou seja, um evento futuro e incerto, que poderá ou não ocorrer, e que condiciona, de modo a fazer ter início ou fazer cessar, a produção dos efeitos do ato. Veja-se a interessante síntese que César Fiúza (1998, p. 95-6) faz sobre a condição como elemento acidental dos negócios jurídicos: Condição é evento futuro e incerto ao qual se subordinam os efeitos do ato jurídico. São espécies de condição: Condição causal - É aquela que sujeita os efeitos do ato jurídico ao acaso, como “se ganhar na loto farei doação à Santa Casa”. Condição simplesmente potestativa - Subordina o ato ao arbítrio relativo de uma das partes. Exemplo seria a frase “se me mudar para Salvador, vendo-lhe meu carro”. Ora, mudo-me para Salvador se quiser, mas, uma vez que me mude, terei que vender o carro à pessoa a quem prometi. Condição puramente potestativa - Dá-se quando os efeitos do ato ficam submetidos à vontade absoluta de uma das partes. Suponhamos a seguinte norma contratual: “os aluguéis serão reajustados se, como e quando o locador quiser”. Tal cláusula em contrato de locação seria condição puramente potestativa em relação ao reajuste do aluguel. Evidentemente, tal cláusula não teria validade, aliás, como toda condição puramente potestativa. Condição mista - Sujeita o ato jurídico ao alvedrio de uma das partes e de terceiro. Assim é a afirmação, “só vendo minha casa se o vizinho vender asua”. As condições causais, simplesmente potestativas, e as condições mistas podem ser suspensivas ou resolutivas. Condição suspensiva é aquela que subordina os efeitos do ato jurídico a seu implemento. Todos os exemplos dados acima são de condição suspensiva. Já na condição resolutiva, o ato para de produzir efeitos, se extingue com o implemento da condição. Ex.: Empresto-lhe meu carro, se você não se mudar. Ou seja, enquanto a pessoa morar no lugar desejado, poderá usar o carro. Se decidir mudar-se, o empréstimo cessa, se resolve. Negócio Jurídico a termo é aquele cujo início ou fim se encontram determinados no tempo, com prazo ou evento certo que determina a produção de seus efeitos. Se alguém firma um contrato de locação por quinze dias ou um ano, realiza um ato cujos efeitos se encontram precisamente delimitados no tempo, com início e fim previsto pelas partes. Tem-se, então, um típico negócio jurídico a termo. Pode o termo, porém, ser certo ou incerto. O primeiro se dá quando é fixada uma data, por exemplo, para o término da vigência de um contrato. O segundo se verifica quando não há fixação de data, mas de evento futuro de ocorrência certa – como a morte de uma pessoa, por exemplo –, sem que se possa, porém determinar com precisão o momento em que tal fato ocorrerá. Fato, ato e Negócio Jurídico | UNIDADE III 42 Deve-se estar atento para não confundir termo com prazo. Termo indica momento preciso e pontual no tempo, podendo designar o momento inicial ou o momento final dos efeitos de um negócio jurídico. Prazo, por sua vez, é o lapso temporal que decorre entre o termo inicial e o termo final. . Atos Jurídicos modais ou com encargo, por sua vez, são aqueles cujos efeitos benéficos a uma das partes vêm acompanhados de um modo ou encargo, isto é, um ônus para essa parte. Assim, por exemplo, no contrato de doação se pode estipular ao donatário o encargo de realizar determinados atos filantrópicos, com parte do montante doado. Naturalmente, o encargo há de representar ônus significativamente inferior ao benefício, e não poderá condicionar, tal como ocorre com a condição, a produção dos efeitos do negócio jurídico. requisitos de validade do Negócio Jurídico Segundo o art. 104 do Código Civil, constituem elementos de validade do negócio jurídico: » agente capaz; » objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e » forma prescrita ou não defesa em lei. Tendo em conta que o negócio jurídico é essencialmente um ato de vontade, essa vontade deve ser juridicamente qualificada para que se considere apta a produzir efeitos por via do negócio jurídico. Assim, a capacidade do agente é um dos requisitos de validade do negócio. Devem aqueles que realizam um negócio jurídico ser plenamente capazes ou, caso contrário, comparecer representados ou assistidos ao ato, com o que fica suprida a incapacidade, podendo a vontade produzir os efeitos jurídicos desejados. O negócio jurídico deve, igualmente, ter por objeto uma prestação lícita, isto é, conforme a ordem jurídica, não se admitindo a prática desses atos para a consecução de fins contrários ao direito, à moral ou aos bons costumes – isto é, contrários aos interesses da sociedade e aos valores por ela estabelecidos. Além disso, deve o objeto possível, jurídica e materialmente, isto é idôneo, e precisamente determinado no ato ou passível de determinação. Nesse sentido, escreve Silvio Rodrigues (2003, p. 173) que: O ordenamento jurídico só dá eficácia à vontade humana, como criadora de relações jurídicas, se e enquanto ela procura alcançar escopos que não colidam com o interesse da sociedade. Se o objeto do negócio é fisicamente impossível, é ele inidôneo, faltando, por conseguinte, ao ato jurídico um elemento substancial; mas, se é juridicamente impossível, o defeito não é mais de idoneidade, porém de liceidade. Por fim, o negócio jurídico tem também como requisito de validade a obediência à forma prescrita, ou não adotar forma defesa em lei. É bem verdade que a liberdade de forma constitui a regra, pois será ela livre, a menos que a lei determine o contrário, conforme prevê o art. 107 do Código Civil. Em diversos casos, entretanto, a lei prescreve uma forma especial como requisito de validade do ato – e não apenas como meio de prova de sua existência. Assim, por exemplo, a compra e venda de imóveis de valor superior ao fixado em lei e os pactos antenupciais, que não se podem fazer a não ser por escritura pública. Nesses casos, a forma prescrita não poderá ser preterida, sob pena de faltar ao ato um de seus requisitos de validade. UNIDADE III | Fato, ato e Negócio Jurídico 43 A falta de qualquer dos requisitos de validade do negócio jurídico o inquinam de nulidade absoluta, nos termos do art. 166 do Código Civil. Os negócios absolutamente nulos, por conter um vício grave, que fere de forma altamente sensível a ordem jurídica, não são susceptíveis de confirmação, nem convalescem pelo decurso do tempo (cf. art. 169 do Código Civil). Pela mesma razão, a nulidade absoluta pode ser alegada por qualquer interessado, ou mesmo pelo Ministério Público, devendo ainda ser pronunciadas de ofício pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes (cf. art. 168 do Código Civil). defeitos do Negócio Jurídico: vícios do Consentimento e vícios Sociais Defeitos são vícios que incidem sobre vontade das partes em um negócio jurídico, ou sobre determinadas circunstâncias na sua realização, de modo a conduzir à invalidade do ato. Com efeito, se o negócio jurídico é, essencialmente, um ato de vontade hábil a produzir efeitos jurídicos, a existência de algum defeito na formação dessa vontade ou na sua manifestação pelo agente resulta no comprometimento, em seu âmago, de todo o negócio. O Código Civil brasileiro trata dos defeitos do negócio em seus arts. 138 a 165, e também no art. 167, que podem ser compreendidos duas categorias fundamentais: » vícios do consentimento, ou vícios da vontade; e » vícios sociais. Vícios do consentimento são aqueles, previstos nos arts. 138 a 157 do Código Civil, que incidem na formação ou na manifestação da vontade de pelo menos uma das partes no negócio jurídico, gerando nulidade relativa, e se compreendem nos seguintes tipos: » erro; » dolo; » coação; » estado de perigo; » lesão. O erro corresponde a uma noção ou a um juízo inexato acerca de qualquer aspecto da realidade, que influencia de forma determinante a formação da vontade do agente em um negócio jurídico. O erro, para viciar a vontade e comprometer a validade do negócio, deve ser substancial, isto é, dizer respeito a algum aspecto fundamental do negócio realizado, como a natureza do ato, o objeto da principal declaração ou suas qualidades essenciais, ou ainda a identidade ou qualidades essenciais da pessoa a quem o negócio se referir; e escusável, no sentido de que há de ter por causa não a negligência ou a incúria do agente, mas ser de tal natureza que qualquer pessoa de mediana inteligência, aplicando a de atenção ordinária que se exige nos atos jurídicos, seja capaz de cometê-lo. Fato, ato e Negócio Jurídico | UNIDADE III 44 Dolo é vício da vontade decorrente do emprego de artifício ou expediente astucioso para induzir alguém à realização de um negócio jurídico, em proveito do autor do dolo ou de terceiro, e em detrimento dos interesses da vítima. Por coação tem-se qualquer tipo de pressão, física ou moral, exercida sobre o agente para obrigá-lo ou induzi-lo a praticar um negócio jurídico, criando-lhe fundado temor de dano iminente e grave, caso não concretize o ato ou não o faça daquela forma, a si, a seus familiares ou a seus bens. Dá-se o estado de perigo quando alguém, premido pela necessidade de salvar-se, ou a pessoa
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