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Duas Décadas Perdidas wilson barbosa

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Programa de Pós-Graduação em História Econômica
Coordenadora: Profa. Dra. Esmeralda B. Bolsanaro de Moura
Políticas Econômicas do Governo e Estagnação:
Duas Décadas Perdidas (1981-2000)
Wilson do Nascimento Barbosa
Professor Pesquisador do DH-FFLCH
Relatório de Pesquisa referente ao 
período 2001-2004.
Dezembro de 2004.
Agradecimentos.
	Na elaboração de um relatório de pesquisa recebi o apoio de inúmeros colegas e funcionários do Departamento de História. A todos agradeço, de forma coletiva.
	À mocidade do Núcleo de Economia Política e História Econômica (NEPHE) o meu agradecimento especial, pelo apoio, pela força, pelas discussões e pelo companheirismo:
	Professores:
	Gabriel Alves de Miranda
	Irinéia Maria Franco dos Santos
	Luiz Eduardo Simões de Souza
	Magno Siqueira Bissoli 
	Marcos Cordeiro Pires
	Vítor Eduardo Schincariol
					Muito obrigado!
�
	Índice
	Página
	
	
	Introdução
	1
	Capítulo 1: A luta entre duas estratégias
	14
	Os Anos (19)80
	14
	Medidas internas contra a crise de 1981-83
	16
	Política do governo Figueiredo
	21
	Governo Sarney antes do Plano Cruzado (1985)
	22
	O Ambiente Político em 1985-86
	25
	Chega o Plano Cruzado
	33
	Dificuldades de alinhamento dos pacotes econômicos
	39
	Efeitos do Plano Cruzado
	41
	O problema da Dívida Externa na América Latina
	44
	Chega o Ministro Bresser Pereira
	51
	Capítulo 2: A caminho da internacionalização
	55
	Dificuldades e Desequilíbrios
	55
	A ascensão do Ministro Mailson da Nóbrega
	57
	A política do Banco Central (Bacen)
	59
	O Ambiente após o Plano Bresser
	60
	A política do "Feijão com Arroz"
	63
	O Plano Verão
	65
	A luta político-eleitoral
	70
	O "Pacotaço" de Collor
	74
	Prática da Colloreconomics
	80
	Dolarização e privatização
	83
	A caminho do Impeachment
	89
	Capítulo 3: Moeda flutuante e dolarização
	94
	Ainda a dolarização
	94
	Anunciação do Impeachment
	96
	Recessão ou Depressão? 
	107
	Impeachment de Collor
	110
	O Plano Real
	114
	Recordando...
	118
	O Plano Real novamente
	121
	Continuando a liberalização
	123
	Flutuações e Globalização
	126
	Dependência do influxo de dólares no curto prazo
	128
�
	Capítulo 4: Endividamento a qualquer preço
	131
	Persiste o erro de diagnóstico
	131
	Estagnação persistente
	134
	Interessantes observações
	138
	O problema do emprego e o PROER
	143
	Dois anos de Real
	145
	À busca de capitais
	146
	Turbulências na rota
	152
	O câmbio estivera errado
	155
	Problemas de um câmbio ancorado
	157
	A crise a galopar
	159
	A crise de 1997-99
	161
	Capítulo 5: Interpretação de dados
	176
	O produto interno bruto
	176
	O produto por setores entre 1980 e 2000
	181
	O desempenho do setor externo
	203
	O período 1980 - 1990
	203
	O período 1990 - 2000
	207
	O processo inflacionário
	212
	O período 1980 - 1990
	213
	O período 1990 - 2000
	217
	O setor público
	219
	Conclusão
	228
	Bibliografia
	235
�
	Índice de Gráficos, Quadros, Figuras e Tabelas
	Página
	
	
	Tabela 1: As altas da semana em supermercados
	69
	Tabela 2: Brasil, PIB e inflação 1985 - 1991
	95
	Tabela 3: Brasil, remuneração do setor público federal, 1987 e 1991
	99
	Tabela 4: Brasil, Necessidade de Investimento por Empregado, 1990
	104
	Figura 1: Grande São Paulo, 1992, meses selecionados
	105
	Figura 2: Grande São Paulo, 1992, meses selecionados
	105
	Tabela 5: Brasil, anunciantes de publicidade, 1991 - 1992
	108
	Tabela 6: Refluxo do Movimento Sindical, 1991 - 1992
	108
	Tabela 7: Brasil, cesta básica mensal, 1994
	117
	Tabela 8: Brasil, expansão do PIB, 1995 - 2002
	134
	Tabela 9: São Paulo, Participação da Capital e do Interior no PIB estadual (%), anos selecionados
	138
	Gráfico 1: Brasil, evolução do produto, 1970 - 1990
	176
	Gráfico 2: Brasil-Mundo, taxas de evolução do produto, 1990 - 2000
	177
	Gráfico 3: Brasil, formação bruta de capital, 1991 - 2002
	178
	Gráfico 4: Brasil, formação bruta de capital, 1991 - 2002 (contribuição no crescimento do PIB)
	179
	Gráfico 5: Brasil, formação bruta de capital fixo, máquinas e equipamentos - nacionais e importadas, 1990 - 2002
	180
	Gráfico 6: Brasil, formação de capital - setores privado e público, 1995 - 2003
	180
	Gráfico 7: Brasil, participação da agricultura no PIB, 1984 - 2003
	181
	Gráfico 8: Brasil, participação da agricultura no PIB, 1970 - 2002
	182
	Gráfico 9: Brasil, participação da indústria geral no PIB, 1970 - 2002
	183
	Gráfico 10: Brasil, participação da indústria geral no PIB, 1970 - 1984
	184
	Gráfico 11: Brasil, participação da indústria geral no PIB, 1984 - 2003
	185
	Gráfico 12: Brasil, participação da indústria de transformação no PIB, 1970 - 2003
	185
	Gráfico 13: Brasil, participação das comunicações no PIB, 1970 - 2002
	186
	Gráfico 14: Brasil, participação das comunicações no PIB, 1970 - 1984
	187
	Gráfico 15: Brasil, participação das comunicações no PIB, 1984 - 2003
	188
	Gráfico 16: Brasil, participação da construção civil no PIB, 1970 - 2002
	189
	Gráfico 17: Brasil, participação da construção civil no PIB, 1970 - 1984
	190
	Gráfico 18: Brasil, participação da construção civil no PIB, 1984 - 2003
	191
	Gráfico 19: Brasil, participação dos aluguéis no PIB, 1970 - 2003
	191
	Gráfico 20: Brasil, produto trimestral das instituições financeiras 1991 - 2003
	193
	Gráfico 21: Brasil, participação do produto de outros serviços no PIB, 1970 - 2002
	193
	Gráfico 22: Brasil, participação do produto de outros serviços no PIB, 1970 - 1984
	194
	Gráfico 23: Brasil, participação do produto de outros serviços no PIB, 1984 - 2003
	195
	Gráfico 24: Brasil, participação dos transportes no PIB, 1970-2003
	195
	Gráfico 25: Brasil, valor adicionado da administração pública, 1970-2003
	196
	Gráfico 26: Brasil, valor adicionado da administração pública, 1970-1984
	197
	Gráfico 27: Brasil, valor adicionado da administração pública, 1984-2003
	198
	Gráfico 28: Brasil, participação da extrativa mineral no PIB, 1970 - 2003
	198
	Gráfico 29: Brasil, participação dos serviços de utilidade pública no PIB, 1970 - 2003
	199
	Gráfico 30: Brasil, demanda total , 1990 - 2003
	200
	Gráfico 31: Brasil, consumo final, 1991 - 2003
	201
	Gráfico 32: Brasil, consumo final - famílias, 1970 - 2003
	201
	Tabela 10: Brasil, desembolso com dívida externa, 1970 - 1990
	203
	Gráfico 33: Brasil, comércio exterior, 1979 - 1991
	204
	Gráfico 34: Brasil, balanço de pagamentos, 1979 - 1990
	205
	Gráfico 35: Brasil, comércio exterior, participação no comércio mundial, 1970 - 1990
	206
	Gráfico 36: Brasil, balança comercial, 1990 - 2000
	207
	Gráfico 37: Brasil, balanço de pagamentos, somatório de contas selecionadas. 1980 - 1990
	208
	Gráfico 38: Brasil, balanço de pagamentos, somatório de contas selecionadas. 1990 - 2000
	209
	Gráfico 39: Brasil, balanço de pagamentos, somatório de contas selecionadas. 1980 - 1990
	210
	Gráfico 40: Brasil, balanço de pagamentos, somatório de contas selecionadas. 1990 - 2000
	211
	Gráfico 41: Brasil, taxas de juros, over/selic, julho de 1994 a dezembro de 2000
	212
	Gráfico 42: Brasil, índice mensal de preços, IPCA 1980 - 1990
	213
	Tabela 11: Brasil, variação das propensões médias a consumir, anos selecionados
	214
	Quadro 1: Contraste de desempenho Brasil - Coréia do Sul nos anos 80 e 90
	216
	Gráfico 43: Brasil, índice mensal de preços, IPCA, 1990 - 94
	218
	Gráfico 44: Brasil, índice mensal de preços, IPCA, 1995 - 2003
	219
	Gráfico45: Brasil, dívida externa, 1990 - 2000
	220
	Gráfico 46: Brasil, dívida líquida do setor público, 1991 - 2000
	221
	Gráfico 47: Brasil, orçamento federal, despesa por grupo de despesa, 1995 - 2000
	222
	Gráfico 48: Brasil, orçamento federal, despesas selecionadas, 1995 - 2000
	222
	Gráfico 49: Brasil, carga tributária total, 1990 - 2002
	223
	Gráfico 50: Brasil, carga tributária federal, 1990 - 2002
	224
	Gráfico 51: Brasil, carga tributária - previdência, 1990 - 2002
	225
	Gráfico 52: Brasil, carga tributária estadual, 1990 - 2002
	226
	Gráfico 53: Brasil, carga tributária municipal, 1990 - 2002
	227
�
Introdução: A Importância da Visão da História Econômica
Os historiadores-economistas, ou historiadores econômicos, compreendem um ramo relativamente recente dentro dos historiadores. Assim como a Geografia Econômica, a História Econômica cresceu do trabalho de Frederico Engels, “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”. Engels, um dos fundadores do chamado socialismo científico, cunhou o termo “Revolução Industrial”, para caracterizar as rápidas e definitivas transformações que colocaram a maquinofatura no centro da moderna produção econômica (1760-1840).
Para Engels, a história política corrente era uma explicação muito parcial, que só podia adquirir um sentido social se fôsse acompanhada de uma história econômica. Estava ele convencido que a revolução política continental desencadeada pela Revolução Francesa era importante razão do avanço da “Revolução Industrial” e sequer poderia ser completada sem a mesma. Por outro lado, estava convencido de que o desenvolvimento do sistema fabril, resultante da abertura social que derivava da revolução política, criaria as forças sociais e econômicas capazes de retornar em outro momento para completar a revolução política. Esta interação entre o político e o econômico como fatores de mudança, no processo revolucionário de 1789-1871 foi chamado por K. Marx, na Gazeta Renana, de “revolução ininterrupta”. Para Marx e Engels, a Revolução Francesa se antecipava ao amadurecimento de suas forças produtivas, dando-se como uma revolução incompleta, que voltaria outras vezes no centro da luta européia (revolução de 1830, 1848 e 1871).
O Partido Social-Democrata Alemão, de que Engels no fim da vida foi um dirigente, teve, por sugestão deste, uma comissão de historiadores econômicos, encarregados de historiar a formação da classe operária alemã e contribuir para a formação de sua consciência de classe e estratégias de luta.
Fora do movimento socialista, Marshall foi o primeiro economista a chamar a atenção para a história econômica. Ele aceitava o ponto de vista dos marxistas de que não era possível um fenômeno em seus aspectos econômicos ser compreendido de forma separada de sua própria história. Ao defender que o entendimento do fato econômico estava na “economia centenária”, Marshall fazia uma defesa do acompanhamento de longo prazo dos temas sob pesquisa.
Predominou no século XIX a estática comparativa como o método de abordagem da Economia, método este subordinado ao método da Lógica formal, que não admitia o princípio da contradição. Marx e Engels, que eram discípulos – em sua juventude – do filósofo G. W. Hegel, dele mantiveram o método dialético, considerado como lógica e como método, e dele se valendo para descrever o movimento nos fenômenos da sociedade e do pensamento. Engels mais tarde admitira que a dialética era uma forma de movimento também existente na Natureza, ponto de vista que aparentemente jamais foi partilhado por K. Marx (e por Hegel). Os dois pensadores resolveram o problema da expressão contraditória pela admissão que a dialética expressava o conteúdo em movimento, cuja manifestação, a forma, era perceptível pela lógica formal. Dessa forma, a abordagem dialética como modo de pensar o fenômeno assumia uma expressão formal final – estática – compreensível em sua aparência.
O método dialético aplicado às ciências sociais expressar-se-ia assim como uma ferramenta específica, chamada o materialismo histórico. O resultado aparente do materialismo histórico se assemelharia ao método histórico conhecido como “Lógico-Histórico”. Os adversários do marxismo tiveram duas razões para fazer avançar outras vertentes de história econômica: (a) a disciplina havia-se tornado um monopólio dos marxistas, por volta de 1880-1910; (b) através dela, a visão marxista do século XIX começava a influenciar a juventude universitária. Particularmente o livro de Paul Mantoux, a “Revolução Industrial”, escrito em homenagem a Engels, teve enorme repercussão e mostrou a importância de se combater os marxistas em seu próprio terreno.
A visão burguesa aqui tinha ficado ultrapassada. Um dos criadores da teoria do equilíbrio geral, Leon Walras, sobre o lugar da sua economia: “Levou de cem a cento e cinqüenta ou duzentos anos para a astronomia de Newton e Laplace, e para a mecânica de Galileu tornar-se a mecânica de d’Alambert e Lagrange. Por outro lado, menos de um século se passou entre a publicação da obra de Adam Smith e as contribuições de Cournot, Jevons e a minha”.�
Ou seja, Walras considerava a homeostase econômica (locomoção econômica) como seu ponto culminante, capaz de representar o estádio científico que se podia alcançar. No mesmo momento, valendo-se da historicidade implícita em sua teoria, K. Marx podia afirmar:
“A apropriação capitalista, adequada ao modo de produção capitalista, constitui a primeira negação dessa propriedade privada que não é senão o corolário do trabalho independente e individual. Mas a produção capitalista engendra ela mesma sua própria negação, com a fatalidade que preside às metamorfoses da Natureza. É a negação da negação...”.�
Essa diferença não desqualifica os resultados de Walras, mas indica a relatividade de sua contribuição e a necessidade futura de se elaborar uma dinâmica econômica melhor como ferramenta descritiva. Walras buscava o mecanismo da reprodução econômica, um grande movimento fora do desempenho psicológico do indivíduo, mas que expressasse a determinação mútua em uma lógica de todas as possibilidades individuais. Enquanto isso, os historiadores econômicos socialistas, que partiam do ponto de vista do caráter necessariamente parcial e interessado do conhecimento, elaboravam uma explicação criativa, rica e de grande aceitação no meio dos trabalhadores e em toda a sociedade.
A obsessão do pensamento burguês para apresentar-se como “ciência” certamente explica essa vicissitude de sua história econômica nos primeiros passos. Ainda hoje, enquanto os socialistas consideram a Economia Política e a História Econômica como “ciências sociais”, os positivistas e os liberais em geral insistem em que a “Economia” é uma “disciplina avançada” “quase científica”, porque “aplica métodos” também existentes ou criados, nas ciências naturais. Para o pensamento burguês, a ciência não é uma ideologia. Segundo eles, a ciência seria “neutra”, não apresentando ou se deixando infiltrar por interesses sociais. Esta visão, quando muito divertida, já existia no século XIX.
Ao negar o interesse social real na solução de qualquer tipo de problema esta postura metodológica não consegue explicar porque certas questões são resolvidas e outras não. É uma posição filosoficamente pobre, que não consegue admitir situações facilmente observáveis, como o poder material dos interesses dos poderosos. Marx e Engels chamaram à atenção em seu tempo para o caráter duplo de todas as categorias. Por exemplo, a humanidade como fato concreto tem caráter de classe. É uma humanidade burguesa ou proletária; etc. Também possui caráter nacional: humanidade chinesa, humanidade francesa, etc. As configurações lógicas com que se expressam as categorias, os conceitos, etc, exprimem interesses reais no ambiente social e não são “neutras” ou desprovidos de força.
A burguesia, ao apossar-se da Economia e monopolizá-la nas universidades não podia esperar que a História Econômica fizesse sucesso fora deseu poder e com outra visão de mundo. Foi por isso necessário abrir uma luta contra uma história econômica “não científica”, “feita por amadores”, etc, criando sua própria história. Com esse ato, comprovava o caráter duplo da história econômica, uma para a burguesia, outra para trabalhadores. 
Uma análise objetiva dessas relações indica um esforço para (1) abordar de modo sistemático e com um método definido os temas a tratar; e (2) um esforço para tornar compreensível o que parece incompreensível, desprovido de lógica; ou seja, um esforço para interpretar. Ambos os aspectos se dão em todas as histórias econômicas e expressam justamente suas diferenças pelos interesses que estão em jogo. Os marxistas chamam o aspecto (a) de ciência, e ao aspecto (b) de arte. Toda explicação envolve estes dois aspectos, apliquem-se nela os “métodos científicos” da burguesia ou o aparato similar criado pelos trabalhadores. A unidade do mundo está em sua negação; não pode haver um pensamento unânime, um interesse único, uma ciência sem ideologia, etc.
Isso por outro lado de modo algum rejeita que cientistas de diferentes classes trabalhem séria e honestamente para explicar profunda e rigorosamente os problemas – naturais e sociais – do mundo. O que se rejeita é uma suposta falta de interesse; a ausência de prioridades de classe; a luta para enganar os dominados, apresentando uma ideologia como uma verdade externa. Chegados a esse ponto, se pode dizer que o Método Lógico-Histórico apresenta para o campo trabalhador a característica de associar: (1) a Lógica dialética; e (2) a Lógica formal. O mesmo não se dá com o Método Lógico-Histórico dos historiadores burgueses, que absolutiza a lógica formal.
O historiador, como qualquer cientista, natural e social, trabalha sempre em duas frentes: (1) aplicando ferramentas físicas ou lógicas acessíveis a todos; e (2) construindo inferências, abstrações, etc para pavimentar um caminho de compreensão franqueável a todos, do obscuro ao transparente. A parte (1) todos podem reproduzir, dadas condições similares. A parte (2) pode ser compreendida, mas dificilmente será reproduzida por todos ou qualquer um.
O grande matemático e físico Gauss costumava dizer que elaborar um roteiro para explicar o que se descobriu é mais difícil do que descobrir. Para ele, fazer ciência – que ele alegava fazer intuitivamente – era mais fácil que criar um caminho lógico que parecesse haver sido usado para aquela descoberta. Isso coloca uma outra questão: qual o lugar da intuição na pesquisa científica? A resposta vai depender da posição adotada pelo cientista ou pesquisador. Por exemplo, para as escolas de pensamento pró-revolucionário, descendentes todas de Rousseau, existe a ruptura na cadeia evolutiva dos fenômenos. Para Rousseau, o povo faria uma ruptura na história do poder absoluto, tornando-se o autor da história, no lugar da aristocracia. A idéia é que há nela saltos, viragens bruscas, imprevisibilidades. A idéia de ruptura valoriza a revolução. Nesse caso, a intuição expressa os interesses mais profundos, que através dela aparecem a emergir na consciência. A razão, para os revolucionários – não é algo frio, mas é a vinculação do conhecimento – através do aprendizado refletido – com as emoções ocultas, ignoradas e proibidas, que podem se apossar dos sentimentos. Só a história das situações, dos coletivos, dos indivíduos permite conhecer o desfecho de suas ações como lógico. Por isso não se pode prever o futuro ou entender o presente: não são lógicos, mas históricos. Ou seja, só são conhecíveis pela parte de história que vive agora no presente deles, mas é esta parte de história que está – agora – deixando de ser.
O método dialético é incompreensível para quem não se dedica a estudá-lo a fundo. O mais comum com os pesquisadores burgueses é lê-lo em algum compêndio, considerá-lo confuso e recusar-se a nele se aprofundar. No entanto, aqueles que a ele se dedicam o consideram uma ferramenta reveladora. 
Para o historiador econômico é muito importante interpretar os problemas de sua época. Ele irá sempre fazê-lo desde seus interesses, cujo grau de encobertamento em sua análise depende da clareza de suas concepções. Isso fornecerá uma maneira própria de interpretar a época que aborda, seja passado, seja presente. Na verdade, ao pesquisar qualquer época, o historiador estará respondendo a questões colocadas pelo tempo que lhe é presente, reinterpretando o passado e o reescrevendo para cumprir uma função múltipla em sua época. Essa função compreende: (a) auto-esclarecimento, porque o historiador primeiro convence a si próprio; (b) recriação do fato histórico como um construto; (c) orientação ou re-orientação de um grupo restrito, em bases ideológicas; (d) reforço de uma visão-de-mundo, de uma ideologia política ou uma ideologia social.
Autoconvencimento. – O historiador, como qualquer cientista ou ideólogo, se autoconvence da profundidade e do acerto de suas conclusões, de modo consciente ou inconsciente. Há pesquisadores que estão convencidos de que não representam quaisquer tipos de interesse. Nesse caso, se convencem de modo inconsciente.
Recriação do Fato. – O “fato” ou “fenômeno” abordado é sempre reconstituído, de acordo com as novas necessidades a entender e a explicar, valorizando por diversas razões aspectos antes deixados de lado, pelo mesmo historiador, por outros da mesma geração ou classe, por outra geração, etc. A nova criação permite “resolver” novos problemas em sua época.
Orientação de grupo restrito. – O historiador ou qualquer pesquisador em situação similar, em seguida ganha o apoio de um círculo de interesse, que o apóia social e institucionalmente na apresentação de sua teoria interpretativa. 
Reforço de Uma Visão. – Esta é a última fase da divulgação das novas teses obtidas, quando – criada a correia de transmissão – as mesmas são divulgadas para uma classe, uma sociedade, ou até para várias, dentro de uma ou mais culturas. 
Dentro dessas fases, a interpretação e o caminho percorrido pelo historiador econômico não é diferente de outros historiadores, outras cientistas, etc. É um caminho que valoriza seu esforço pessoal, sua busca por entendimento, o desenvolvimento de sua criatividade. Não se deve erroneamente desprezar o cientista natural ou social porque ele fabrica ideologias. A ideologia – como visão-de-mundo e como política – desempenha um papel criador, resolvendo problemas na vida social. Quando ela deixa de expressar as novas situações no mundo, transformando-se em ideologia social, tende a transformar-se em mero aparato de justificação de status quo. Isso, contudo, não deve justificar um ódio às ideologias, apresentadas quase sempre como mentira social (o que é, na verdade, a ideologia social, para as classes que não a criaram).
O arranjo, a seleção e a ênfase colocada pelo historiador econômico na “reconstrução do fato econômico” expressa seus interesses, sua convicção, seu treinamento e seu viés ideológico. Nisso não difere de ninguém. No entanto, essas qualidades comuns podem obter associações interessantes com resultados muito bons, para a “disciplina” ou “ciência” a que serve, oferecendo uma contribuição adequada para o seu grupo, o seu público e a sua época. O componente artístico do historiador econômico, a arte de interpretar os materiais colhidos ou construídos, fazem dele também um escritor. Esse é um ofício espinhoso, difícil, mas de grande importância na educação social, na construção de sociabilidades novas e na luta pela solução de conflitos. Dificilmente um historiador econômico poderia levar a cabo sua tarefa, se não fôsse bom conhecedor dos métodos disponíveis e sobre eles não houvesse feito sua escolha.
Todas as escolas na História Econômica podem para efeito prático ser agrupadas sob guarda-chuvas genéricos, que expressam aproximadamente seus métodos de abordagem: (1) descritiva-reconstrutiva; (2) estatístico-inferencial; (3) histórico-lógica; e (4) teórico-dedutivista. Veja-se um resumo de cada subconjunto de concepções.(1) Descritiva-reconstrutiva. – Podem ser agrupadas nesta tendência todas as correntes que se recusam a interpretar o passado, pela impossibilidade de reconstruí-lo de modo neutro ou eficaz. Por isso, para estas correntes, todo o esforço do historiador consiste em descrever da maneira mais ampla e circunstanciada o que se supõe que ocorreu, sem adicionar a isto qualquer tentativa de interpretação, que serviria apenas para introduzir mais distorções ideológicas. Estas correntes são oriundas do iluminismo e acreditam que é possível separar lógica – razão – e ideologia – expressão de interesses. Para escrever descrições e crônicas sobre o passado, o historiador deve abandonar ambições científicas e dedicar-se à arte da expressão literária, onde a objetividade e a realismo são os preceitos orientadores. Torna-se aqui importante seguir tanto quanto possível a cronologia das ocorrências disponíveis, para evitar distorções no relato. Evita-se pergunta explícita à fonte, ou a logicização das ocorrências, procurando desenvolver a técnica em que “elas falam por si mesmas” para o futuro leitor, que as julgará como ache conveniente. Portanto, estas correntes rejeitam a problematização do objeto. Pergunta-se: que? Quando? Onde? O que ocorreu? Na história econômica, acrescenta-se que grandeza? Que duração? Que freqüência? Etc. O “porquê” é obviamente evitado.
Saint Simon é considerado o inspirador dessas correntes e seu mais notável expoente no século XX pode ter sido o historiador econômico John Howard Clapham, especialista na formação moderna da Grã-Bretanha, da França e do sistema financeiro. Para ele, por quê? levaria simplesmente à interpretação e não à reconstrução.
É bem verdade que a interpretação é um filtro onde as escolhas decisionais do historiador econômico selecionam fortemente o material a ser utilizado. Ela expressa certos pressupostos e certas teorias, onde a opção ideológica dificilmente pode ser mascarada. Contém a pretensão de que a ocorrência, fato ou fenômeno possa ser explicado, com um ponto de vista menos humilde que aquele adotado pelo método descritivo-reconstrutivo. Para interpretar, é necessário apoiar-se sobre três, ou uma de três metodologias que ficaram conhecidas assim: (a) método de abstração; (b) método estatístico-inferencial, e (c) método de síntese. A aplicação dessas metodologias permite produzir algum tipo de generalização, ou seja, de base para interpretar o que ocorreu. Daí não se deve concluir que esta é a única interpretação possível, porque seria um absurdo cultural. Um indiano não pode interpretar da mesma maneira que um inglês fatos sucedidos na Índia ou na Inglaterra; a menos que pertençam à mesma cultura, ao mesmo grupo, etc, o que levaria a reexaminar “indiano” e “inglês” nesse caso.
(2) Estatístico-inferencial. – Podem ser agrupados nesta corrente todas as tendências que valorizam o conhecimento derivado da observação empírica sem prévia elaboração teórica. Aqueles que defendem uma elaboração teórica prévia não concebem o método estatístico-inferencial como tal, mas como simples ferramentas que podem ser desagrupadas e colocadas separadamente a serviço de métodos dedutivos.
	A metodologia estatístico-inferencial prioriza os procedimentos de lógica indutiva, buscando construir relações que derivam da expressão quantitativa dos fenômenos. A inferência é considerada uma esfera específica que constrói relações explicativas, a partir das relações quantitativas dentro das ocorrências e/ou em sua vida de relações com outras. Este movimento relacional pode ser apreendido pelo espírito matematicamente treinado e sua filtragem pode criar uma explicação que não existia previamente à pesquisa. Os partidários do método estatístico-inferencial consideram que a utilização de métodos probabilísticos no estudo das relações dos fenômenos permite construir generalizações desde base no acaso, eliminando o viés de uma teoria prévia deduzida para explicar tais relações. Comenta Carl Quensell: “O homem não poderia sequer enumerar suas fábulas, se o número agora conhecido não o conduzisse, por sua reflexão, a outro mais, este totalmente então desconhecido”.�
 Para o método inferencial é possível reduzir características fenômenicas a números e tratá-los como relações funcionais de outros aspectos de outros fenômenos. A partir daí construir-se-iam relações explicáveis.
O economista-estatístico é o típico historiador econômico que adota esta perspectiva empírica. Ele oferece uma grande importância a técnicas inferenciais que permitem uma arqueologia econômica do passado. Uma quantidade enorme de relações são construídas em suas pesquisas antes de se chegar à explicação. Para a visão explicativa da história econômica com base quantitativa trabalha, portanto, uma compreensão sintética, que associa: (1) história; (2) teoria econômica; e (3) estatística (particularmente inferencial). Nessa associação interdisciplinar, muitas vezes no mesmo pesquisador, pode prevalecer qualquer das disciplinas. Quando prevalece (3) estatística-inferencial, está-se diante do historiador-economista-estatístico, que é uma escola particular de história econômica. Na Faculdade Purdue, no Illinois, EUA, um grupo de historiadores dessa escola batizou o seu trabalho de “cliométrica”. Lance E. Davis, Jonhathan Hughes, Meyer e Conrad, entre outros, reestudaram inúmeras questões sem elaborar teorias ou hipóteses prévias ao estudo do material. Nesse caso, agindo assim, desenvolveram a corrente estatístico-inferencial da história econômica.� Quando preferem elaborar hipóteses, filiam-se se outra corrente, a teórico-dedutivista.
A corrente estatístico-inferencial fez muito sucesso na história econômica entre 1940 e 1975. Nos anos 1960-75, sofreu forte concorrência da corrente teórico-dedutivista, formada por influências neoclássica e keynesiana. Todas essas correntes deram grande contribuição, “bombardeando” concepções tornadas clássicas e, consequentemente, arejando o ambiente das pesquisas com novas idéias e debates intensos. Por exemplo, Irma Adelman e Cynthia Morris tornaram-se conhecidas quando utilizaram a análise discriminante – variação da análise regressional – para indicar os fatores de crescimento potencial dos países subdesenvolvidos (desde uma amostra com 29 fatores). Classificaram 73 países subdesenvolvidos em 3 grupos, com base em 15 traços econômicos, 10 sócio-culturais e 4 traços políticos. O procedimento de pesquisa era encontrar qual das 29 variáveis melhor reduzia a dispersão entre os grupos (análise de variância). Quatro variáveis explicavam 97% da variância discriminável: (1) a taxa de melhoria das instituições financeiras; (2) a extensão do desejo de inovação; (3) a extensão do apoio da direção local a políticas de crescimento; (4) o grau de melhoria da produtividade agrícola. (Veja-se o livro das autoras: Society, Politics and Economic Development, A Quantitative Approach – Baltimore, The John Hopkins Press, 1967).
(3) Histórico-Lógica. – A corrente histórico-lógica de abordagem pode ser dividida entre aquelas escolas que incluem ou não incluem a dialética (qualquer uma delas) entre seus procedimentos. Por exemplo, a historiografia marxista se situa no campo histórico-lógico de abordagem. Também aí se situam subescolas da Escola de Frankfurt que adotam a Psicanálise (e sua dialética) como seu método de abordagem (Walter Benjamin, Althusser, Erich Fromm e outras). Com relação à história econômica, a lógica histórica é uma ferramenta bastante difundida. Ela também é considerada um método por muitas tendências historiográficas. Ela deve ser entendida como um equipamento heurístico que faculta ao historiador raciocinar a lógica da seqüência dos fatos (antes, durante e depois de sua seleção). Diferentemente das deduções da lógica formal, os partidários da lógica histórica a tratam como um descritor fiel da realidade e que permite lhe conhecer a seqüência. Sobre algumas fases do passado, o processo dos modelos de descrição podem ser considerados não operativos, ou seja, a lógica específicaé considerada não atuar. Elementos circunstanciais permitem identificar essa poucas exceções.
	O aparato lógico-histórico foi desenvolvido pelos iluministas, que se recusavam a dar importância à história conhecida, a qual consideravam uma invenção propagandística dos padres. Gibbon usou esse método para descartar as “inclusões” que pareciam meras invencionices. David Ricardo o utilizou para suas descrições e “reconstituições” puramente mentais – sem documentos fonte – para a colonização do Novo Mundo. O que é lógico necessariamente não ocorreu assim, exceto se a explicação puder ser aceita como uma metáfora para os acontecimentos reais. Povo algum escreveu um contrato com um rei nomeado, muito menos a totalidade dos povos, mas a metáfora de Rousseau que o exercício da realeza implica deveres e direitos contratados entre rei e súditos soa como uma lógica perfeita. Berdiaeff, Max Scheler e A. Toynbee talvez hajam exagerado no uso do aparato lógico-histórico. No entanto, suas abordagens possuem até hoje grande atrativo. Sua técnica consistia em explicar a mudança histórica através de princípios unificadores, usando um tipo de oposição dialética entre forças capaz de complementar tais princípios.
	O método do materialismo histórico é sem dúvida o aparato lógico-histórico de maior prestígio. Marx e Engels chegaram a incluir entre suas díades categoriais – pares de categorias que expressam a transformação – aquelas do histórico e do lógico. O problema da dinâmica histórica é resolvido pela aplicação dessas categorias à “descrição da realidade” (técnica heurística).
	Também para o materialismo histórico, a realidade é conhecível (ruptura com o kantismo, feita por Hegel) e trata-se efetivamente de descrever a realidade, reconstituindo suas seqüências. A evidência lógico-formal é o ponto de partida e de chagada de todas as transformações, produzidas e captadas pela dialética (na sociedade e no pensamento). A unidade do modelo marxista criada pelo materialismo histórico chega a ser comovedora. Daí o seu fascínio como visão de mundo (“ciência”) e ideologia política. Ele oferece um ponto de vista otimista sobre o futuro e, portanto, possui força mobilizadora no presente.
	Outros importantes historiadores da corrente histórico-lógica foram Karl Bücher e Bruno Hildebrand, considerado este o fundador da “Escola Histórica”. Bücher se tornou famoso por sua teoria do progresso na história, que ele representava como etapas na história econômica. Tais estágios compreendiam: (a) uma economia doméstica, baseada na busca da autarquia; (b) uma economia citadina, baseada na complementaridade campo-cidade, pela divisão do trabalho; e (c) uma economia nacional, onde as relações produtor-consumidor eram ultrapassadas pela fusão em um espaço de produção, de cultura e de mercado. A concepção de Bücher é algumas vezes confundida com o materialismo histórico, particularmente porque ele utilizava as categorias de base e superestrutura. Para Bücher, a tarefa do historiador econômico seria aplicar-se a um problema específico e esclarecer as particularidades necessárias ao seu ajuste no curso do progresso econômico. As sociedades não-mercantis existentes eram “elos” que se haviam perdido na cadeia evolutiva e, com seu atraso, indicavam um lugar onde em certo ponto se haviam dado escolhas erradas. Tem-se aqui que a história da sociedade européia é o coroamento de uma seqüência lógica-explicativa-completa. 
	O historiador e sociólogo Thorstein Veblen é outro importante partidário da corrente histórico-lógica. Prioriza ele o método holístico e a este aplica uma variante do método dialético, em que o conflito das forças sociais é o motor de todas as mudanças importantes para a sociedade. Para Veblen, a ênfase do estudo histórico deve se dar na mudança e não na permanência. Portanto, para Veblen, a estrutura muda lentamente ao longo do tempo e suas seqüências de mudança. 
	Marx e Engels em seu materialismo histórico opõem como díade as categorias “evolução” e “revolução”. Para eles, a história humana é um produto da mudança da estrutura da sociedade. É importante portanto identificar e explicar a mudanças estruturais. Para Veblen, apesar da noção de estrutura, a evolução social se explica funcionalmente. A mudança resulta da atividade diferenciada dos indivíduos. A totalidade de seus atos culturais cria uma nova situação, ou seja, dá-se a mudança. O estudo do comportamento desses indivíduos leva a compreender a variação das instituições e dos modos de vida. Na dialética vebleniana há importante lugar para os instintos, individuais e grupais, altruísticos, de parentela, de curiosidade, etc, de cuja combinação aleatória criam-se as situações do movimento histórico. Assim, a luta de instintos positivos e negativos permite fazer avançar e refluir funções que se caracterizam como experiências históricas para a sociedade. Por exemplo, há uma dicotomia entre as funções primárias, tecnológicas, dos instintos altruístas e as funções secundárias, psicológicas, da cultura mercantil. Daí o choque entre a cultura do artesão (pequeno burguês) com a cultura do burguês, contra este aquele se rebela.
	Apesar da liberalidade de situações e combinações potenciais, para Veblen a mudança histórica é determinada. O entrejogo dos indivíduos e seus instintos limita o que pode acontecer. As ocorrências podem ser acidentais como desfecho para cada sociedade isolada, mas o entrejogo dos resultados também cria determinações exteriores, através de uma tendência que lhe pode ser exterior. A Revolução Francesa, por exemplo, não foi derrubada pelos franceses. Desta forma, as possibilidades resultantes apresentam o problema (categoria) da dominação, que pode acarretar desfechos abomináveis. Por exemplo, os iraquianos devam obedecer ao que é melhor segundo os norte-americanos. Os artesãos foram na história despojados de suas ferramentas e foram obrigados a viver segundo as regras dos cultores do dinheiro. A história da propriedade é de uma aquisição pela força e pela fraude, etc.
A crítica que em geral é feita à corrente histórico-lógica se prende ao reconhecimento de sua melhor qualidade. Esta corrente é responsável pelas visões de conjunto, proposição de leis ou regularidades para explicar o funcionamento societário, etc. No entanto, seus críticos consideram que ela se tornou datada pelo seu sucesso, identificando-se com o domínio do homem branco, a teoria do progresso, a cosmovisão evolutiva, etc. Assim, para seus críticos ela ignora as transformações vividas pela maioria física da humanidade, que jamais esteve no centro de suas preocupações. Os críticos não negam que a corrente histórico-lógica não possa afastar-se da ideologia social do europeu. Mas consideram estranho que ela não consiga fazê-lo, produzindo esquemas e explicações que fossem menos universais. Ela é criticada portanto pela sua generalidade, pelo seu longo prazo, deixando de lado tudo que lhe parece – é óbvio – secundário. Outra crítica que lhe é feita é que tal corrente confunde desdobramento lógico com sucessão temporal, produzindo por isso uma história em que só os vencedores estariam incluídos. Ela seria assim demasiado filosófica e preconceituosa em seus vícios culturais específicos. 
A quarta corrente é chamada teórica, teórico-dedutiva, ou teórico-dedutivista. Neste caso, na história econômica, valorizam-se os procedimentos indutivos como instrumento de uma construção teórica, cuja sofisticação para manter-se necessita de algum apoio empírico. A parte principal é a construção teórica, que em alguns pesquisadores chega a ser apresentada sem o recurso da argumentação empírica. O problema teórico é formulado com clareza, posto sob a forma de um modelo e resolvido. É clássico o texto de Eli Heckscher (com Keynes e Clapham, foram alunos de Marshall) “Plea for Theory in Economic History”� , onde fez a defesa da necessidade de forte formação em teoria e análise econômica para trabalhar-se com história econômica. Heckscher defendeu o uso de categorias abstratas, no estiloda economia neoclássica, com escassez, oferta, procura, elasticidades, etc. Nesse caso, a história econômica assume um caráter técnico, falando o famoso “economês” e deixa a elaboração persuasiva herdada da Economia Política clássica.
Entre 1880 e 1940 a Economia neoclássica desenvolveu um aparato sofisticado, fortemente matemático, que foi acompanhado mesmo por aqueles que deixaram tal escola. Importantes teóricos neoclássicos, como Wicksell, Schumpeter, Keynes, Fisher, deixaram o “ninho” e criaram escolas variantes, que foram chamadas “estruturalistas”. Esse nome se deveu à ênfase que colocaram em: (a) a importância da estrutura; (b) a importância da peculiaridade; e (c) a relatividade da teoria. Criaram-se novos campos temáticos do estudo histórico e econômico, com o desenvolvimento da Contabilidade Nacional, da teoria e estatística dos ciclos, da Econometria, da teoria keynesiana e kaleckiana, etc.
Este desenvolvimento trouxe para a história econômica o aparato do estatístico e do economista que pedia Heckscher, permitindo um estudo muito detalhado e isolado da relação econômica. Este avanço da teoria e da metodologia levou água para todos os “moinhos”, ou escolas fortalecendo a corrente teórica, ao mesmo tempo em que os teóricos-dedutivos se tornavam a maioria como escola dentro dessa corrente. 
Hoje não existem praticamente limitações de abordagem para os historiadores econômicos desta ou daquela escola. A ótica marxista, por exemplo, incorporou todos os avanços que se davam nas disciplinas com outras escolas e foi mesmo pioneira em muitos aspectos. Kalecki absorveu Fisher e se antecipou a Keynes na representação formal (em modelos) da indução do crescimento sob depressão crônica.
 As três grandes metodologias aperfeiçoadas desde o Iluminismo estão hoje disponíveis para todos: (a) a abstração; (b) a estatística inferencial; e (c) a síntese. Dentro das diferentes correntes e escolas é também possível dispor de outros métodos, como foi referido. A única coisa que ninguém conseguiu criar foi uma “ciência” sem arte ou sem ideologia... Afinal, para quê ela serviria?
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Capítulo 1: a luta entre duas estratégias
Os anos (19)80
A taxa do equilíbrio na economia mundial – como tantos outros equilíbrios – parece um simples recurso de retórica ou de explanação, quando se confronta a realidade. Os desencontros ou desequilíbrios dos diferentes Balanços de Pagamento devem ser considerados como um equilíbrio em seu conjunto e, dentro dessa óptica, tratar-se-ia contabilmente de estabelecer os patamares maximizantes para a nova rodada de trocas. Era em busca disso que se fez a proposta de J. M. Keynes, quanto ao que seria o papel do FMI no modelo que então se desenhava em Bretton Woods. Contrariamente, o modelo em que uma moeda local prevalece – ou prevaleceriam os poderes decisórios proporcionais a quotas de participação – é necessariamente um modelo de comércio mundial que visava restabelecer a exploração por via do comércio e levá-la ainda mais longe. Na verdade, foi este o modelo que foi escolhido, em que se exige dos países menos industrializados o fechamento anual em equilíbrio dos seus Balanços de 
Pagamentos, enquanto a mesma coisa não pode ser exigida dos países industrialmente dominantes.
	O déficit norte-americano no Balanço Comercial tornou-se assim um elemento permanente da expansão do comércio mundial e uma oportunidade para as economias mais dinâmicas colocarem produtos naquele mercado, que era o maior existente. Dessa forma, a necessidade de formar reservas em moeda norte-americana não se configurava como algo negativo para os exportadores dos diferentes locais. Para esses países, a expansão norte-americana se refletiu na queda de seus déficits em transações correntes, com queda respectiva na taxa de crescimento de suas dívidas externas. No entanto, essa melhoria conjuntural não foi de montante suficiente para se opor ao movimento mundial pró-financeirização das crises. A dificuldade de pronta liquidez das reservas internacionais sempre se defronta com a necessidade de gerar crescentes excedentes – via exportações – no balanço comercial. Daí a necessidade local de eliminar a pressão sobre a taxa de câmbio via desvalorizações.
Sendo o Brasil grande comprador e vendedor para os EUA, encontra-se ele na área do dólar. Ao se valorizar essa moeda – eixo das trocas internacionais – vê-se a moeda brasileira (à época o cruzeiro) também valorizada. Perdia, portanto, o comércio exterior brasileiro competitividade diante de economias exportadoras fora da área do dólar, (Europa, Ásia, etc.). Dava-se uma perda indireta quando outros colocavam exportáveis competitivos com os exportáveis brasileiros, e uma perda direta. Sendo esta pouco consistente (diminuição da procura norte-americana por produtos brasileiros), a desvalorização da moeda brasileira continuou a seguir a necessidade de trocas com os EUA. Dessa forma, a recuperação do balanço brasileiro de pagamentos no pós-crise (1984) deveu-se a um alinhamento com as procuras norte-americanas, beneficiando da expansão da economia daquele país, e recuperando o balanço comercial brasileiro.
O desempenho favorável do Balanço Comercial em 1984 (BC) já foi argumentado como o ponto de viragem com relação à crise de 1981-83. Os recursos ali obtidos pela exportação líquida de bens e serviços financiou naquele ano a renda líquida enviada ao exterior, sob a forma de pagamento de juros e dividendos. Foi até então o maior saldo obtido no comércio exterior brasileiro.
Três elementos definiram este reposicionamento estrutural: (a) um novo crescimento das exportações; (b) expansão da produção doméstica de petróleo; (c) desincentivo a exportações não-produtivas. O valor das exportações superou 17 bilhões de dólares com um crescimento de 23,3% sobre o ano de 1983. Os produtos industrializados alcançaram a participação de 65%. No ano, os manufaturados melhoraram sua posição em 33,9% e os semimanufaturados em 57,5%.
O café e o minério de ferro apresentaram a maior taxa de crescimento entre os produtos primários. O preço médio do café vendido no ano elevou-se em 13,5%, o óleo de soja 306% e o ferro gusa em 49,7%. Entre os manufaturados, o suco de laranja elevou-se 118,5%, calçados 50% e produtos siderúrgicos 34,4%. A recessão econômica e o aumento da produção doméstica de petróleo explicam a redução que então houve no valor das importações. Ainda que representando em 1984 cerca de 54% do total das importações, o petróleo teria consumido mais dólares, não fosse a condição econômica recessiva. A restrição das importações é um objetivo muito difícil de adquirir para a política comercial. Facilita-se na recessão, no entanto, para aumentar as exportações, porque se dá uma certa rigidez na pauta dos importáveis.
Adotado um programa de ajuste com banqueiros internacionais e o F.M.I. em final de 1983, ingressou no país “dinheiro novo” no valor de 6,5 bilhões de dólares, permitindo uma posição superavitária na conta de capital superior a 7 bilhões de dólares. Deu-se assim certa recomposição das reservas internacionais, podendo aliviar em certa medida as restrições sobre as importações para 1984 e 1985. Como decorrência desta melhoria, ampliou-se o influxo de investimentos diretos e de empréstimos em moeda de longo prazo. A dívida externa, de mais de 92,3 bilhões de dólares, cresceu 14,2% em relação a 1983. A dívida de curto prazo não sujeita a registro caiu em 30,5%, pondo fim à inadimplência do período 1982-84.
Medidas Internas Contra a Crise de 1981-83
Melhorou no mesmo tempo a relação dívida líquida/exportações, de 3,44 em 1983 para 3,01 em 1984. A dívida bruta total cresceu 6,23%, atingindo em 31/12/1984 o montante de 100,228 bilhões de dólares, segundo registro no Banco Central.
Na verdade, a crise de 1981-83 obrigou a política fiscal do governo a mudar de um instrumento do crescimento econômico para a tentativa de obtenção de um equilíbrio interno e externo. Esta compatibilização foi exigida pelo (a) grau de artificialidadeque já havia atingido a política anterior e (b) pela absoluta impossibilidade de o governo obter apoio externo para prosseguir expandindo. Dessa forma, teve que reorientar a política de despesas, a política tributária, os preços e tarifas dos serviços e bens produzidos pelo setor público, etc. Buscou-se assim a redução do déficit público no curto prazo, com a tentativa de melhorar o sistema tributário, para ampliar no médio prazo a eficiência, com redução de perdas. As informações disponíveis( indicam as medidas que o governo Figueiredo tomou para enfrentar as repercussões da crise, pós-1983. Posteriormente, essas decisões foram sendo corrigidas e aperfeiçoadas, inclusive durante o governo da chamada Nova República, com José Sarney. A carência de divisas e a necessidade de usar as tarifas das empresas públicas como instrumento para conter o impacto inflacionário da crise levou as empresas públicas em geral a uma situação de déficit. O governo teve que elaborar um programa de ajuste econômico com o F.M.I., para administrar a situação do Balanço de Pagamentos (BP) e, como tal, o lugar das chamadas empresas estatais ver-se-ia no futuro reduzido.
Medidas foram adaptadas para enfrentar a extensão adicional do déficit público, e atingiram as administrações estaduais, municipais e as referidas empresas públicas. Para tanto, foi necessário elevar a carga tributária federal, que prosseguiria em um movimento ascendente pelos governos seguintes, tornando-se um verdadeiro bloqueio à elevação do consumo e ao crescimento. No entanto, no curto e no médio prazos, não seria possível ao governo Figueiredo agir diferentemente. Mesmo seu ensejo para a redução do gasto governamental não se verificou, e o governo não podia deixar, portanto, de elevar a carga tributária. Em 1984 foi obtida uma redução de 9,6% no conceito nominal do déficit com relação a 1983. Como se recorda, esta variável sofrera aumento significativo durante a crise (26% de 1981 para 1982; e 12% de 1982 para 1983). Isto certamente expressou o fim da crise no plano fiscal, mas não o fim de seus efeitos em cadeia. Estando a dívida indexada à correção monetária e cambial, o peso da mesma tendia a se avolumar rapidamente nas conjunturas desfavoráveis. Excluídos tais efeitos corretivos, obtém-se o déficit no conceito operacional. Para este, a queda foi considerável em 1983, com a redução na posição dos salários, subsídios e investimentos. Daí o aumento subsequente da poupança líquida.
A restrição fiscal pôde ser exercida mais fortemente sobre as empresas públicas e os governos estaduais e municipais. No entanto, no médio prazo, as tentativas para reduzir o endividamento nem sempre foram bem sucedidas.
O ônus para o financiamento do déficit público recaiu sucessivamente: (1) sobre as autoridades monetárias; (2) os bancos comerciais e outras instituições financeiras; (3) a dívida mobiliária; (4) a dívida junto a fornecedores e empreiteiros; etc. Dessa estrutura, afetava diretamente a política monetária o montante do déficit que era financiado pelas autoridades monetárias e pela dívida mobiliária junto ao público. O impacto sobre a inflação e a taxa de juros tinha, portanto, que ser grande, devido ao baixo risco e à correção dos ativos, ficando toda a “parte ruim” das operações financeiras em mãos do governo, que deveria operacionalizar os mecanismos para a chamada transferência à população de tais efeitos.
Para estabilizar a produção e o crédito e derrubar os juros no curto prazo, o governo foi levado a ambos (a) expandir a base monetária e (b) ampliar sua carteira de títulos públicos, como forma de financiar o déficit. No entanto, essas políticas no longo prazo elevam as expectativas sobre as taxas futuras de retorno, aumentando a taxa de juros e a inflação. A alternativa foi a colocação de títulos através de operações do mercado aberto, em quantidade ofertadas sucessivas e, consequentemente, a taxas de remuneração crescente. Também aqui, por este mecanismo, se viam elevadas as taxas futuras de juros. No entanto, a tentativa de uma política que diminuísse as garantias do capital levaria – como no governo Sarney – à saída de capitais.
Esta situação era agravada pela orçamentação em paralelo dos encargos da dívida mobiliária federal (lei no. 12/71) e pela indexação citada monetária e cambial.
Restrições à Política do Dispêndio – Para diminuir as despesas, o governo teve na prática que abandonar, como referido, as políticas de crescimento e voltar-se para as políticas de ajustamento. No nível da política de dispêndio, teve que abandonar obras, reduzir o emprego e o salário no setor público, diminuir subsídios e intentar o controle do endividamento. As despesas das empresas públicas caíram assim de igual montante em 1982 e 1983, com uma queda menor em 1984 (24% menos de 1983). O impacto dos cortes de dispêndio desde 1982 atingiu a formação bruta de capital fixo do setor público, com reflexos no nível do consumo, do produto e do emprego. A taxa de crescimento do setor público produtivo, importante indicador para os investimentos privados, apontava então a predominância das políticas de ajuste. A crise secionou assim o influxo de capitais obrigando os sucessivos governos a encarar o balanço interno-externo, ou seja, reduzir o déficit público a um tamanho administrável para obter uma melhoria no Balanço de Pagamentos.
O imposto único sobre lubrificantes e combustíveis (IULC) teve seus coeficientes de participação dos estados e municípios elevados de 40% em 1983 para 60% em 1988, com aumento de 4% ao ano. O Senado reestruturou as alíquotas do imposto sobre circulação das mercadorias (ICM), com aumento das participações regionais nas operações internas em todo o país. Também o imposto sobre os cigarros foi reorganizado para aumentar as receitas estaduais e municipais. No entanto, uma observação da evolução do déficit nos estados e municípios nos anos seguintes demonstra que tais recursos não foram suficientes para reequilibrar as políticas públicas no nível regional, estadual e municipal.
Ofereceram-se incentivos para a produção agrícola e para as empresas exportadoras de manufaturados, com a intenção de aumentar as exportações e utilizar ganhos dos termos-de-troca para equilibrar o Balanço de Pagamentos (BP). Com vistas a decrescer as importações, foram aumentadas as alíquotas de tal imposto, para um grande número de bens. Durante a década foi assim possível mudar a estrutura dos importáveis, favorecendo ainda mais a posição das importações destinadas a fazer parte como insumos dos bens futuramente exportáveis. Ampliou-se a área da incidência do IOF, para compreender as importações de bens e serviços. Quando os empréstimos fossem efetuados com os recursos externos, o IOF foi eliminado por isenção. Contudo, foi ele estendido às aquisições de câmbio para viagem.
Utilizou-se a isenção dos juros que seriam pagos pela poupança em caderneta para ampliar a poupança. Os fundos da caderneta, deve-se recordar, estavam destinados a financiar o sistema nacional de habitação, então administrado pelo BNH. Apesar do decréscimo da atividade econômica, a carga tributária federal passou de 8,3% em 1979 para 9,9% em 1983, um aumento de 19,3%. Uma vez que o subsídio ao petróleo foi eliminado pelo Aviso MF-377, de 08/06/1983, junto com o reajuste das tarifas da eletricidade e do preço do aço, os novos custos viram-se espelhar no índice ao varejo, sendo por completo repassados aos consumidores.
Foi escolhida a política de manter – sem ampliar – o nível de emprego no setor público, estabelecendo-se a proibição de novas contratações; o estabelecimento de tetos salariais para as categorias e controle das despesas com recursos humanos. No entanto, durante certo tempo (1983-87) houve o crescimento real com pessoal e seus encargos, com base em dois fatos: (1) a entrada em operação de estruturas produtivas antes em projeto; (2) a elevação relativa dos ganhos de certas categorias gerenciais e de funcionários dos poderes do Estado. No conjunto, os salários caíramentre 1981 e 1986; tiveram certa melhora em 1986-87 e voltaram a cair até o fim do governo Sarney.
As políticas redutoras de salários prevaleceram desde 1983, com impacto redutor também no consumo dos setores produtivos tradicionais. Foi eliminada a política de subsídio ao petróleo, à época no valor de 317 bilhões de cruzeiros. Houve uma redução parcial do subsídio ao trigo e buscou-se elevar os encargos financeiros para aqueles que tinham taxas de juros subsidiadas. A Comissão Interministerial de Preços (CIP) procurou elevar gradualmente os preços de seus produtos, como aço, petróleo, eletricidade, para repassar a maior parte do impacto da crise sobre os preços. Viam-se assim as empresas obrigadas a reduzir seus estoques e investimentos, mantendo-se a economia com taxas de produção mais baixas.
Ao elevarem-se os preços, com a redução da oferta, tiveram que reajustarem-se as procuras com uma queda maior destas do que da redução ulterior dos preços. Registraram-se por esta forma os preços relativos pela indicação cambial, com decréscimo das importações e gradualmente das exportações. Indiferentes a tais reajustes internos, continuaram elevando-se os encargos financeiros e as amortizações, devido ao forte endividamento interno e externo. Assim, para controlar a evolução da dívida do setor público, através da Resolução no. 831/83 do Banco Central criou-se um mecanismo de controle das operações de crédito deste setor com o sistema financeiro externo. Igualmente reforçaram-se à época os mecanismos para o Ministério da Fazenda (MF), através do COMOR (Comitê Interministerial), controlar a elaboração e a execução dos orçamentos públicos, reforçando o acompanhamento da moeda e do déficit.
Tributação, preços e tarifas. – Para aumentar a tributação, viu-se o governo compelido a modificar o Imposto sobre a Renda e a criar o Finsocial (Fundo de Investimento Social). Foram ampliadas as alíquotas sobre o imposto sobre a renda da pessoa jurídica, com ampliação também de tributação na fonte sobre os rendimentos. Com a queda dos rendimentos do trabalho e da atividade econômica, voltava-se agora o governo para os rendimentos do capital, que tiveram sua contribuição aumentada para a máquina arrecadadora. A arrecadação na fonte sobre os rendimentos do trabalho caiu de 32% do total em 1979 para 20% em 1984, portanto, uma queda de 60% deste último valor. Nessa situação, voltou-se o interesse arrecadador para os ganhos do capital (lucros das empresas; ganhos no mercado de capitais; remessas ao exterior), elevando este montante de 55% da arrecadação total em 1979 para 73% em 1984, ou seja, em 33% deste último valor. O governo viu-se assim obrigado a diminuir a necessidade do sistema tributário para elevar sua arrecadação, sendo talvez o preço político que daí deveria pagar maior do que aquele que esperava.
O FINSOCIAL se constituía a possibilidade de o governo prosseguir com a iniciativa junto às massas mais pauperizadas. Criado pelo decreto-lei 1940 de 25/05/1982, destinava-se a apoiar financeiramente atividades assistenciais de alimentação, educação, saúde, habitação popular e amparo ao pequeno agricultor. Visava diminuir o impacto da migração para os grandes centros, diante do arrefecimento da industrialização, fenômeno este que o governo então julgara temporário. Em plena crise, ideava-se continuar a dispor de um mecanismo de controle social da massa mais pauperizada, que teria sua exclusão ampliada pelas flutuações do rendimento. A vantagem era não incluir esse custo no déficit público, mas fazê-lo pagar diretamente por outros que não os beneficiários políticos dele. Com arrecadação de 41% do orçamento federal em 1982, cresceu ele cerca de 27% no ano seguinte. Para baixar o custo de reprodução da mão-de-obra naquelas circunstâncias foram retiradas as alíquotas do imposto sobre produtos industrializados (IPI) para alguns produtos de primeira necessidade, redistribuindo-as em parte para produtos considerados supérfluos.
Reforçou o caixa da Previdência com os seguintes recursos: (a) elevaram-se as alíquotas de contribuição dos segurados e das empresas; (b) criou-se contribuição para os aposentados e pensionistas para custeio de assistência médica; (c) deram-se incentivos para arrecadação de atrasados; (d) entregou-se para o Fundo de Liquidez da Previdência Social uma parte das quotas sobre arrecadação desde os combustíveis automotivos. Como em todo momento de dificuldade, a ausência da expansão fazia recair sobre os mesmos os custos totais crescentes, tendo assim impacto diminuidor adicional sobre o consumo e o investimento, que necessitavam crescer.
Foram feitas emendas constitucionais para facilitar o aumento da receita dos estados e municípios (17/80 e 23/83). Assim, os coeficientes dos fundos de participação foram aumentados de 20% da receita do IPI e do IR em 1979 para 32% em 1985. Foi uma elevação gradativa de 60%, sobre o valor de 1979.
Política do Governo Figueiredo
Assim, a política fiscal do governo Figueiredo foi centrada no controle do impacto da crise de 1981-1983, e, embora administrada de modo hábil, não podia deixar de se refletir como uma piora do nível de vida dos trabalhadores e uma redução da massa de lucros do setor empresarial. A redução do déficit público, o controle redutor das despesas e a elevação da carga tributária incidiram como forças do “desaquecimento” da economia. O reforço das exportações e a seletividade das importações favoreceram a correção da conjuntura do BP, com mudanças na estrutura dos preços relativos, aumentando a influência das forças exportadoras e do mercado externo sobre o poder político. Este esforço positivo do governo Figueiredo para enfrentar o impacto da crise, se alinhou com medidas corretivas que se deram em outros países, com a mesma finalidade. Os países industriais se recuperavam com mais rapidez, ao acompanhar a taxa mais elevada da expansão norte-americana. Essa reativação das economias centrais foi favorável à economia brasileira, particularmente por facilitar a administração naquele ponto do endividamento externo.
Uma certa recuperação deu-se, pois, a partir de 1984, valendo-se da capacidade ociosa disponível que permitiu menor tensão sobre os preços locais, também beneficiados pela relativa estabilidade dos preços no exterior. Também nas economias mais industrializadas, uma combinação de capacidade ociosa posta em uso, com política monetária adequada e taxa elevada de desemprego aproveitou os baixos preços dos produtos básicos para promover a recuperação.
O déficit fiscal dos EUA continuou a promover uma taxa de juros elevada para atrair capitais, com o efeito – devido às taxas flutuantes – de aumentar a dívida dos países devedores em moeda norte-americana, ao mesmo tempo que exigia dos devedores desvalorizações da moeda local, valorizações do dólar e a formação de superávites nas exportações. Assim, o dólar havia-se fortalecido em 60%, com relação às principais moedas, no período 1980-84. A produção norte-americana, ao se beneficiar da oferta exportadora de todas as partes a preços cadentes, não necessitava de elevada competitividade. Ela pôde obter vantagens na troca de mesmo valor por mais valor, formando uma composição final de bases ao consumidor local com preços muito inferiores aos que resultariam da produção própria exclusivamente. Os déficits norte-americanos resultantes no Balanço Comercial (BC) e no Balanço de Pagamentos (BP) consumiam extensas poupanças internacionais, o que era benéfico para o sistema e os EUA, mas prejudicial para as economias em industrialização, que se encontravam fortemente endividadas.
Outra dificuldade que se agravava para as economias dependentes derivava do reforço do protecionismo nas metrópoles. Ao mesmo tempo que se bloqueava o reforço exportador das economias periféricas, pressionando seus preços internacionais, reforçava-se a movimentação de capitais de curto prazo e se exigia da periferia medidas de liberalização de seus mercados e de internacionalização de suas economias. O impactoda política fiscal expansiva dos EUA e de outras metrópoles, assim, empurrava os efeitos inflacionários do centro do sistema para sua periferia, através de políticas cambiais distorcidas que, para manter o poder de compra local da periferia devia sacrificar suas próprias moedas e, consequentemente, o valor de seu trabalho. Assim, o ambiente das décadas de (19)70 e (19)80 dão fartas indicações de quanto é difícil ocorrer a chamada “convergência macroeconômica”, porque, mesmo entre as potências elas escassamente fazem concessões umas às outras. O equilíbrio do BP pareceu, naquele contexto, uma arma a ser utilizada contra os menos industrializados.
Governo Sarney antes do Plano Cruzado (1985)
Na tentativa do ministro Dilson Funaro para negociar com o comitê de credores, liderado por William Rhodes, do Citibank, situava-se um encontro com Paul Volcker, o sarcástico presidente do Federal Reserve Board (FDE), que podia intermediar uma metodologia facilitadora. Contudo, Volcker insistiu que o governo brasileiro fizesse um acordo com o FMI, como um garantia prévia ao cumprimento do acordo que viesse a traçar com o Comitê de Credores (CC). Fernão Bracher, então presidente do Bacen, ouvira o mesmo na véspera (06-10-1985) do próprio William Rhodes. Dessa forma, Funaro deveria aceitar um acordo “stand by” (acordo contingente de prazo até 18 meses) ou um “compromisso de supervisão ampliada” (monitoramento sem receber dinheiro do FMI). A base para tal acordo seria um programa do governo a ser apresentado em novembro aos norte-americanos.
Funaro insistia na manutenção da taxa de crescimento anual de 5%, recusando-se a adotar o ajustamento ortodoxo com recessão. Declarava à imprensa que o país já havia seguido este caminho e que não o repetiria. “Estamos negociando e quando negociamos há várias formas de pressão.” Funaro declarava que a crise internacional seria menos grave caso o governo norte-americano houvesse flexibilizado a negociação das dívidas em 1982. O ministro havia manifestado a Volcker a interpretação brasileira da crise de pagamentos, pontualizando que a extensão dos desequilíbrios no Brasil resultava da rapidez do ajuste nas contas externas. Esse impacto elevara a taxa de inflação e ampliava a dívida pública, com (a) aceleração do câmbio, (b) contenção das compras externas e (c) aumento das exportações. O superávit comercial, necessário ao pagamento dos juros da dívida, obrigava o governo a emitir dinheiro e títulos, com a finalidade de absorver o excesso de cruzeiros obtidos com o ganho comercial dos dólares.
Segundo Funaro, Volcker perguntara por quê o Brasil não utilizava parte de seu superávit comercial e de suas reservas, acima de 8,5 bilhões de dólares, para combater a inflação, através de importações. Funaro havia respondido pela necessidade de manter um nível de reservas, pois uma simples variação de um ponto nas taxas de juros internacionais, custaria ao país 800 milhões de dólares. Para uma comparação, se esperava agregar às reservas em 1985 um bilhão de dólares, ou seja, apenas 20% a mais de uma possível perda com a variação de um único ponto nas taxas. Funaro condicionava o aumento das importações à obtenção do dinheiro novo, que ampliaria o poder de compra no exterior. Ele visualizava a produção dos dólares necessários ao serviço da dívida a uma certa estabilidade externa, sem grandes variações nos juros, nos preços, etc.
Estimava Funaro que em 1985 e 1986, O Balanço de Pagamentos poderia ser fechado sem empréstimos novos, podendo as importações aumentar entre dois e cinco bilhões de dólares.
Jacques de Laroisière, diretor gerente do Fundo, recusou-se a comentar para um jornalista as declarações de Dilson Funaro à imprensa em Washington. Declarar que só poderia falar em tese. Para ele, o crescimento dependeria de investimentos que aumentassem a capacidade produtiva. Em parte, eles poderiam ser financiados com recursos externos, mas a base só poderia ser a capacidade local doméstica de mobilizar tais recursos. Laroisière manifestou não acreditar que déficits fiscais originados de grandes gastos governamentais, particularmente despesas correntes, ou déficits de empresas públicas, levassem à mobilização de poupanças nacionais para formar investimentos internos. Laroisière criticou em seguida um setor público grande, particularmente produtivo, “capaz de esmagar o investimento privado”. A qualidade da gerência fiscal do governo seria elemento essencial da avaliação de suas intenções, ao pactuar acordos sobre a dívida. Só se poderia obter dinheiro de fóra – complementava-se as políticas locais favorecessem incentivos e sinais corretos para o capital estrangeiro.
O “espírito fraternal” não deixava, pois, margem a dúvidas quanto ao resultado da missão Funaro-Brecher. Um dos mitos correntes entre os peemedebistas da época era que esta missão em Washington dera a certeza a Funaro e sua assessoria de que a única alternativa era lançar o “Plano Estabilização”. O aquecimento normal da economia no fim do ano fazia janeiro apontar para nova decolagem da inflação rumo a um outro patamar. Estimativas a calculavam entre 300 a 350% anualizada, tendo em vista a taxa esperada para março de 1986: 12 a 13% ao mês. O mecanismo da indexação tornaria, portanto, tal patamar não reversível. A assessoria do governo, sabendo que não havia muita capacidade ociosa, compreendia que tal patamar tenderia a ter curta duração, apresentando-se provavelmente outro mais elevado para julho-agosto. Dessa forma, a aplicação do plano de ajuste se tornava inevitável.
Após as medidas para absorver o impacto da crise de 1981-83 orientaram-se as políticas de governo para aproveitar os recursos fiscais e intentar reestruturar o modelo de crescimento. Isto foi feito em duas tentativas durante o primeiro governo da chamada Nova República, a administração Sarney (1985-1990). Estas duas tentativas ficaram conhecidas como a reforma monetária dos planos Cruzado 1 e Cruzado 2. A conjuntura econômica desfavorável de outros países em industrialização explica em parte o fracasso da tentativa brasileira de retomada do crescimento.
O Brasil havia aceitado as chamadas Cartas de Intenções do FMI como parte de suas políticas de ajuste, dentro do objetivo de obtenção de “dinheiro novo”. No entanto, o desenvolvimento desfavorável de muitos países, com impacto da moratória pedida pelo México, dificuldades em Israel e na Argentina, etc, tornaram menos factível a obtenção de recursos ou facilidades para prosseguir localmente uma política de crescimento.
Nas novas condições, encerrava-se o período favorável de obtenção da poupança externa, tornando-se insuficientes os capitais disponíveis para o investimento necessário, apesar do forte agravamento das políticas fiscais. Por outro lado, as autoridades do governo Sarney viam-se na incômoda situação de representar os interesses do movimento de democratização e deviam oferecer alguma política diferente das rígidas medidas corretivas aplicadas durante a administração Figueiredo.
O ambiente político em 1985-86
Antonio Ermírio de Moraes atribuía ao governo as dificuldades no selo do esperado pacto social. Para ele, o governo não aceitava a tese da correção trimestral dos salários, que lhe tiraria um dos instrumentos da luta anti-inflacionária, a defasagem do ajuste salarial. “Com uma inflação de 230% ao ano, se a trimestralidade não for concedida, como é que o pessoal vai comer?”, comentava Ermírio. Ele comparava a pressão do FMI sobre as contas do Brasil com a posição do governo contra os reajustes salariais dos empregados: “Da mesma forma que o FMI, se o governo olhar com esse olho de vidro, sem ternura, nós quebramos. E se o patrão quiser olhar para o seu empregado da mesma maneira, querendo dar apenas dois acordos semestrais com uma inflação de 230% ao ano, mata o sujeito”, acrescentava.
No encontro da Conclat, aprofundaram-se divergências entre dirigentes. Joaquim dos Santos Andrade (dos Metalúrgicos – SP) deixou de defender o reajuste salarial a cada trêsmeses, por haver o mesmo sido caracterizado como elemento inflacionário pelo governo. Antonio Rogério Magri (Eletricitários – SP) adotava então a proposta de escala móvel da economista Maria da Conceição Tavares, em que se concederiam reajustes ao final de cada período em que a inflação alcançasse 30%. Magri e Santos Andrade insistiram na necessidade de repor as perdas salariais do trabalhador, evitando-se contudo antecipações que pudessem carregar o espectro inflacionário. Joaquinzão criticava a proposta do senador Albano Franco, quanto a um pacto de cavalheiros de quatro ou seis meses, com salários e preços voluntariamente congelados. Para o dirigente metalúrgico, os empresários jamais cumpriam sua parte em tais “acordos de cavalheiros”. Na verdade, tão logo a SEAP (Secretaria Especial de Abastecimento e Preços) e a SUNAB (Superintendência Nacional de Abastecimento) declararam a vigência de um “acordo de cavalheiros” com a APS (Associação Paulista de Supermercados) os preços de vários produtos haviam subido em vez de cair. A diretora executiva do PROCON, Marilena Lazzarini, comentou que a maioria dos produtos era vendida nos super e hipermercados, antes do acordo, com preços inferiores até em 40% aos atuais. 
	Enquanto isso, em Brasília (28-09-85) o ministro da Fazenda, Dílson Funaro, decidia, junto com a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), prorrogar durante o mês de outubro o “acordo de cavalheiros” para o controle de preços ao consumidor. Pelo acordo, as margens de comercialização variariam entre 8% e 20%, conforme o produto. Para Funaro, os supermercados haviam dado “importante colaboração para o combate à inflação, segurando preços e garantindo a normalidade do abastecimento. “O presidente da ABRAS, João Carlos Paes Mendonça, comentava o aumento das vendas dos supermercados, 7% em expansão real, para janeiro-setembro, em comparação com o ano anterior, em igual período. Mendonça atribuía tal aumento à elevação real dos salários, possibilitada pelo choque fiscal e elevação do comércio exterior. 
	 O Ministro do Planejamento, João Sayad, enviava formalmente aos líder do governo da Câmara dos Deputados, Pimenta da Veiga, a proposta de orçamento consolidado da União para 1986. Os dispêndios eram fixados em Cr$ 656 trilhões, com uma previsão de déficit de Cr$ 195 trilhões. A parte fiscal do orçamento previa equilíbrio entre receitas e despesas, com outra parte formada por contas que em anos anteriores faziam parte do orçamento monetário. Os recursos que satisfaziam essa parte eram tipicamente fiscais. A parte fiscal do orçamento foi fixada em Cr$ 421 trilhões, e a outra parte, transferida do orçamento monetário, era de Cr$ 235 trilhões. Desta parte monetária do orçamento, previa-se cobrir Cr$ 40 trilhões com recursos de vendas de produtos agrícolas. Restava aí, portanto, um déficit a financiar de Cr$ 195 trilhões. 
	De onde estavam previstos vir as despesas que formariam esse volumoso déficit? Ele se referia ao financiamento das contas do açúcar, trigo, previdência social e encargos das dívidas externa e interna, que antes eram cobertos pelas autoridades monetárias. Os encargos das dívidas estavam previstos consumir em 1986, cerca de Cr$ 148 trilhões. A forma para cobrir o déficit seriam emissão de moeda, colocação de títulos públicos e outras operações de crédito. 
	Como parte das medidas governamentais para combater a inflação, foi elaborada uma mudança para baixo na fórmula de correção monetária. Como resultado, ocorreu uma queda de 5% na taxa de juros oferecida pelos Títulos Públicos (ORTNs), de 21,5% para 16,%. Dessa forma, resultou que a taxa real, líquida já de IR, para o aplicador em títulos públicos se aproximasse de 12% acima da inflação. Semelhante rendimento real para o aplicador era à época pelo menos quatro vezes maior que o rendimento no exterior. Rendia então nos EUA o depósito a prazo 8% ao ano em termos nominais, taxa flutuante. Descontada a inflação, seu ganho se aproximava de 4%. Na Alemanha, o rendimento era em média 2,5% e no Japão 4,8%. Na situação brasileira, pagando tão alto, o governo com seu montante de dívida, devia pagar a captação a mais ano a ano, ou reduzir de modo importante seu déficit, para fazer cair a taxa. O montante da dívida pública (mobiliária, bancária e externa) estava então a 70% do PIB. Com a velocidade com que crescia, a taxa de juros teria de subir e o “calote” parecia inevitável. Como baixar o custo da captação para impedir o pior? O custo da dívida – para estar sob controle – tem que apresentar uma taxa que não seja maior que a taxa de crescimento do PIB. Caso contrário, a relação dívida pública/PIB teria sua percentagem sempre ampliada, a caminhar para a inviabilização, como hipótese, do pagamento. 
	A questão apontava para (1) redução do déficit público, com cortes drásticos, que levariam obviamente à recessão, à depressão e ao desemprego; (2) uma reforma tributária que atingisse com o IR o aplicado no mercado financeiro; (3) a criação de um mecanismo que reduzisse as desvalorizações cambiais e/ou a parte dentro delas referente à importação da inflação americana, através dos superávits comerciais; (4) renegociação do montante e das taxas das dívidas externas e mobiliárias. 
	A questão assim era como atacar os desequilíbrios estruturais que expressavam no plano monetário e no plano financeiro. As discussões se faziam nos diferentes círculos que analisavam a macroeconomia e repercutiam no plano político. No PMDB, duas equipes polarizavam as propostas, quanto às medidas a serem aplicadas. Uma corrente mais convencional havia influenciado o governo até a ascensão do Ministro Funaro, apresentando formas de ajuste através de políticas gradualistas. Outra corrente propunha um “pacote heterodoxo”, havendo duas proposições em jogo no ano de 1985. No segundo semestre, a balança pendeu para a equipe de Funaro, que tinha uma proposta de “choque”, contudo parcial, combinando um plano de estabilidade com congelamento e reforma monetária, para cortar a chamada inflação inercial. A equipe trabalhava em segredo no fim do ano e os preparativos não podiam ser muito estendidos. 
	Um interessante aspecto psicológico se fazia explorar, no sentido da necessidade de um novo “pacote econômico”. Na primeira quinzena de outubro (1985), a contabilidade nacional marcava a entrada do PIB no mundo do quatrilhão. Seria o número um, seguido de quinze zeros. O PIB estimado para 1985 alcançava 1,3 quatrilhões. O ridículo dessa marca em uma economia devorada pela hiperinflação é que ela parecia incapaz de medir alguma coisa. Enquanto a produção material do PIB crescia no ano 5%, a variação dos preços atingia 220%. A realimentação da dívida pela dívida passava pela criação imaginária da riqueza, a contorsão inflacionária. Um país que havia chegado – no governo Geisel – a investir 35% do PIB, e apresentava à época uma poupança de 20%, soubera condenar seu futuro pela esperteza de julgar-se mais esperto que seus credores. Devia viver agora de “pacote” em “pacote” e ninguém duvidada que o Carnaval de 1986 traria outro deles. A reforma monetária esperada deveria tirar – segundo se comentava – três ou quatro zeros do cruzeiro. 
	O “estacionamento” da inflação brasileira no patamar dos 200% era considerada um êxito da administração Sarney, pois se esperava a chamada “argentinização”, que na época significava escalar exponencialmente a hiperinflação. Com uma taxa de poupança estimada em 13,5% do PIB (1985) o país havia tido uma taxa de investimento de 14,4%. Dependendo das condições de financiamento da economia, essa taxa poderia abrigar uma taxa de crescimento do PIB até 6,9%, sendo a estimativa oficial 5%, a se obter para o ano. 
	Apesar das prospecções um tanto otimistas, o índice de inflação de agosto havia batido um recorde, atingindo 14%. O índice de preços no atacado (IPA) da FGV chegara a 14%. Em julho, a média ponderada daquele índice alcançava 8,9%. A diferença era atribuída à liberação dos preços industriais, havendo o ministro da Fazenda

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