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Psicologia Jurídica no Brasil - Gonçalves & Brandão

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Eduardo Ponte Brandão
A prática do psicólogo em Varas de Família exige o co­
nhecimento básico dos códigos jurídicos que regulam as famí­
lias no Brasil.
As razões de tam anha, obrigação não são poucas.
Em primeiro lugar,'há necessidade de um código com­
partilhado entre o psicólogo e os demais membros da equipe 
interprofissional, incluídos os operadores de Direito.
E de conhecimento comum que. os arranjos amorosos e 
familiares com que esses operadores se. surpreendem hoje em 
dia levam a um a interlocução do Direito com outros saberes. 
Sem o respaldo da equipe interproíissional, a ação do Juiz é 
insuficiente para regular as relações entre os sexos e de paren­
tesco.
Em contrapartida, sem a compreensão exata do contex­
to onde se inscreve sua prática, o psicólogo não faz mais do 
que se esfalfar com os remos do barco na areia. De nada adi­
anta se restringir à especificidade de seu campo, se o psicólogo 
desconhece, por exemplo, os critériòs jurídicos que norteiam a 
decisão de um a guarda ou os deveres e direitos parentais. As 
referências usadas pelo psicólogo devem comunicar-se com as 
do Juiz, sejam as opiniões convergentes ou não, caso contrário, 
ele não poderá contribuir para o desenlace, das dificuldades e 
dos conflitos com os quais o Judiciário se embaraça.
Em segunclo lugar, no atendimento à população o psicó­
logo se depara com argumentos cujos valores já foram revistos 
é substituídos em lei. Assim, não é raro escutar país que que­
rem a guarda dos filhos porque o ex-cônjuge não cumpriu os 
deveres matrimoniais. Ou- que caberia à mulher os cuidados 
infantis e ao homem tão somente visitar e sustentar os filhos. 
Conhecer o que diz a lei torna-se imperativo, mesmo que seja 
para informar que tais concepções não encontram respaldo 
sequer em nossa legislação.
Por sua vez, o conhecimento da legislação não deve ser 
abstraído das condições de possibilidade de seu surgimento. 
Interessa ao psicólogo, sobretudo, lançar luz sobre como a 
doutrina jurídica se inscreve historicamente e se articula aos 
dispositivos modernos de poder.
Como será observado ao longo do texto, as leis e as es­
truturas encarregadas dc aplicá-las não só normatizam e repri­
mem, mas põem cm funcionamento diversas práticas dc poder 
cujo objetivo é menos julgar e punir do que curar, corrigir e 
educar cada sujeito a administrar a prÓpriá vida (Fòucault, 1997).
Lançando mão dessa perspectiva, o psicólogo adquire 
certo domínio sobre o lugar que lhe é reservado nas institui­
ções judiciárias. Não lhe torna indiferente interrogar se, a cada 
‘ vez que fala ou' escreve a respeito de certa situação familiar, ele 
está atendendo a mecanismos sutis de poder que, com o apoio 
das leis jurídicas, são mascarados pela pretensa isenção política 
de sua ciência.
Do Código Civil de 1916 ao Esfatuío da mulher Casada: a 
demarcação dos papéis familiares e a questão da guarda
No Brasil do Império, a legislação sobre a família era 
regulada pelo Código Civil Português, que, por sua vez, era 
inspirado no Código das Ordenações Filipinas (1603).
A transposição do Direito português para a Colônia ti­
nha o inconveniente de não corresponder à realidade social 
brasileira, na m edida em que se aplicava apenas ao casamento 
dos que eram católicos. Tanto as Ordenações Filipinas como 
praticam ente toda a legislação civil portuguesa perm aneceu em 
vigor até 1916, ou seja, quase cem anos após a independência. 
D urante esse tempo, protestantes e judeus, por exemplo, não 
poderiam ter seus casam entos reconhecidos pelo Estado, 
tampouco as uniões extramatrimoniais.
A proclamação da República define um momento crucial 
de desvinculação da Igreja com o Estado. O decreto 181 de 
1890 é a principal manifestação legislativa concernente ao D i­
reito de Família nas primeiras décadas da República, até a 
publicação do Código Civil. De autoria dc Ruy Barbosa, tal 
decreto abole a jurisdição eclesiástica, julgando-se como único 
casamento válido o realizado perante as autoridades civis.
Com o Código Civil Brasileiro de 1916, consolida-se a 
definição de família como sendo a união legalmente constituí­
da pela via do casamento civil.
O ra, a conformidade ao modelo jurídico de família é o 
que torna as relações entre os sexos legítimas ou não. Desse, 
modo, convém observar nessa definição de família a defesa do 
casamento e o repúdio do legislador ao concubinato.1
No Código de 1916, o modelo jurídico dc família está 
fundamentado num a concepção de origem romano-cristã.
A família é vista como núcleo fundamental da socieda­
de, legalizada através da ação do Estado, composta por pai, 
mãe e filhos (família nuclear) e, secundariamente, por outros
1 Com o veremos adiante, o concubinato vai adquirir proteção estatal, ou 
seja, vai ser reconhecido definitivam ente com o entidade familiar, na condi­
ção de união estável entre hom em c mulher, som ente na Constituição Fede­
ral de 1988, não sem antes ser protegido por jurisprudência e outras leis a 
partir da década de 60.
53
m em b ro s ligados, p o r laços con san g ü ín eo s ou de dep en d ên c ia 
(fam ília extensa).. Ao m esm o tem p o , ela o rgan iza-se n u m m o ­
delo h ie rá rq u ic o que tem o h o m e m com o o seu chefe (fam ília 
p a tria rca l).
----------- ô hom em -é o~chefé~da sociedade conjugal“ê“da ãdminis^-
tração dos bens comuns do casal e particulares da mulher, bem 
como detentor da autoridade sobre os filhos è representante 
legal da família.
Por sua vez, a mulher casada é considerada relativamente 
incapaz, em oposição à situação jurídica da mulher solteira maior 
de idade. Essa incapacidade retira da m ulher o poder de deci­
dir sobre a prole^e o patrimônio, cuja competência pertence ao 
homem. A m ulher casada precisa de autorização do seu mari­
do para exercer profissão, para comerciar, além de estar fixada 
ao domicílio decidido por ele. Os compromissos que assumir 
sem autorização marital não te m ‘eficácia jurídica.
vSomente na falta ou impedimento do pai que caberia à 
m ãe a função de exercer o pátrio poder (artigo 380), ao qual os 
filhos estariam submetidos até a m aioridade (artigo 379).
Segundo Barros (2001), o fato de o homem ter o poder 
dividido, no caso de sua falta ou iseu impedimento, com a es­
posa e lim itado à m enoridade do filho torna-se expressão de 
um golpe no pátrio poder, em bora discreto em face da autori­
dade que ele ainda detinha na família.
Por sua vez, cabe frisar que o pátrio poder, oriundo do 
D ireito R om ano, alude a um a figura de autoridade que não 
representava o tipo dom inante em território nacional (Almeida, 
1987). Seguindo esse raciocínio, â idéia de declínio da autori­
dade pa te rna não parece a mais adequada para a com preen­
são dos regimes de aliança e sexo surgidos historicamente no 
Brasil, quiçá no O cidente m oderno (Foucault, 1997), pois está 
lim itada à tradição romano-cristã.
No que tange à separação do casal, o Código de 1916 
prevê apenas a separação de corpos por justa causa, conhecido
p o r .desquite* p re se rv a n d o assim a ind isso lub ilidade d o m a tr i­
m ônio . E m o u tras p a lav ras , a sep a ra ç ão n ã o desfaz o v ínculo 
m a trim o n ia l.2
C o m o d esq u ite , delega-se ao in o cen te n o p rocesso de
sep a ração o d ire ito de te r os filhos consigo. A o côn juge cu lp a ­
do, é-lhe a sseg u rad o o d ire ito d e v isita , salvo im p ed im en to . 
C o n fo rm e p o d em o s o b se rv a r, h á u m a restrição d a g u a rd a à 
m o n o p a re n ta lid a d e , d e c id id a a p a r t ir d o c rité rio de fa lta co n ­
ju g a l.
C aso am bos sejam considerados culpados, a m ãe fica com 
as filhas m en o res e co m os filhos até os seis anos. D epo is dessa 
id ad e , os filhos vão p a ra a c o m p a n h ia do p a i. A leip rev ê reg u ­
lar, em caso de m otivos graves, de o u tra m a n e ira a situação 
dos pais co m os filhos. O bserva-se q u e o d e te n to r d a g u a rd a 
exerce o p á tr io p o d e r em to d a sua ex ten são (G om es, 1981).
2 Aos opositores desse sistema, Clóvis Beviláqua, redator do anteprojeto do 
C ódígo Civil, respondia: “O argum ento que se levanta contra o desquite é 
que o celibato forçado produz uniões ilícitas. M as essas uniões ilícitas não 
são conseqüência do desquite e sim da educação falsa dos hom ens. N ão é 
com o divórcio que as com baterem os, e sim com a moral; não é o divórcio 
que as evita, e sim a dignidade de cada um. E é curioso que se lem brem de 
evitar as uniões ilícitas com o divórcio • quando este é, principalm ente, o 
resultado das uniões ilícitas dos adúlteros. N ã o é o celibato forçado um es­
tado contrário à natureza, porque, nas famílias honestas, nele se conservam, 
indefinidam ente, as mulheres. É, contrário, apenas, à incontinência.” (Gama, 
2003)
55
N a definição dos direitos e deveres do marido e da mu­
lher, pode-se confirmar a valor ação diferenciada dos papéis 
sociais. Ao marido, de acordo com a lei, cabe suprir a m anu­
tenção da família, enquanto à mulher cabe .velar pela. direção 
moral desta. H á uma tipificação das diferenças que justifica o 
código moral assimétrico e complementar como regra de con­
vivência entre os sexos.
Os perfis sociais atribuídos ao homem, à m ulher e aos 
filhos já haviam sido desenhados pela política higienista que, 
desde 1830, se inscreveu cpmo micropolítica no tecido social 
brasileiro. Com objetivo de salvar as famílias do “caos” higiê­
nico em que elas se encontravam, o saber médico aliou-se às 
políticas do Estado e fez surgir o modelo familiar pequeno- 
burguês, expulsando do lar doméstico os.antigos hábitos colo­
niais (Costa, 1999). Assim, as tipificações clas diferenças entre 
os sexos, vinculadas pela medicina à natureza biológica, não 
deixaram de ser absorvidas paulatinam ente pela legislação.
Se o Código Civil de 1916 já normatizava em capítulo 
especial as relações familiares, é, por, sua vez, na década de 30, 
no momento dé criação .de um projeto político nacionalista e 
autoritário, que' se desenha um a proposta clara sobre a função 
social da família. Trata-se de um projeto familiar articulado ao 
nível legal, abrangendo outros aspectos da legislação além das 
normas de direito civil. Tal projeto caracteriza-se por uma for­
m a de p ensar-a família como elem ento de um a política 
demográfica, tendo como objetivo último a construção da uni­
dade política nacionalista:
Nesse período foram promulgadas: a legislação sobre o 
trabalho feminino (origem da CLT); sobre casamento en­
tre colaterais do 3o grau; sobre os efeitos civis do casamen­
to religioso; sobre os incentivos financeiros ao casamento e 
à procriação; sobre o reconhecimento de filhos naturais e 
legislação penal, em especial no tocante aos' crimes contra 
a família (Código penal de 1940) (Alves e Barsted, 1987: 
169). ■
- Pode-se vislumbrar nessas regulamentações a preocupa­
ção do legislador enf reforçar os padrões de moralidade já pre­
vistos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a 
valorização do casamento legal e monogâmico, o incentivo ao 
trabalho masculino e à dedicação da mulher ao lar, o temor 
higienista dos cruzamentos consanguíneos e do uso dà sexuali­
dade feminina e, em suma, a defesa da harmonia e dos costu­
mes na família (Alves e Barsted, 1987)-:
No período seguinte, de 1946 a -1964, caracterizado po­
liticamente como democrático, destacam-se1 a lei de reconheci­
mento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o "Estatuto da mulher 
casada” de 1962, que outorga capacidade juríd ica plena à 
mulher.
Com a vigência desse “Estatuto”, a decisão sobre a prole ^ 
e o patrimônio deixa de ser exclusividade do homem. Ele revo- U 
ga a incapacidade da m ulher casada. Para citar por exemplo 
um dos efeitos jurídicos da lei, se a mulher viúva, casada em 
segundas núpcias, perdia o pátrio poder sobre os filhos cio leito 
anterior, conforme redação original do Código Civil, com a 
vigência do “Estatuto” ela passa a exercer tais direitos sem 
qualquer interferência do marido.
N a hipótese de desquite judicial, em que ambos os côn- 
juges são julgados culpados, os filhos menores ficam corri a mãe, 
diversamente do que ocorria no regime anterior, cm que os 
filhos varões, acima de seis anos, ficavam com o pai.
Alves e Barsted (1987) afirmam .que, a despeito de um a 
certa liberalização em relação ao casamento e' regime de bens, 
o “Estatuto” não rompe algumas premissas básicas. O legisla­
dor m antém a assimetria entre os sexos, pendendo a balança 
para o poder patriarcal. E reafirmado no “Estatuto” o papel 
do homem como sendo o chefe da família e o da m ulher, co­
laboradora do marido. Seguindo esse raciocínio, foi criado o 
instituto dos bens reservados da mulher, definidos como aque­
les oriundos de sua profissão lucrativa e dos quais pode dispor
57
livremente. O ra, pressupõe-se então que sua economia própria 
é vista como paralela e dispensável ao sustento do lar, ao passo 
que, ao hom em , cabe mantê-lo.
Se o modelo jurídico de família,nuclear, com laços ex- 
te n sosj-patriareal—fu n dada~na-assimetria~sexu al^e_geracio nal 
perm anece inalterado do período autoritário ao democrático, 
as práticas sociais se afastam cada vez mais do tipo ideal de 
família da doutrina jurídica
O final dos anos 60 e a década de 70 foram fecundos 
nesse sentido. ■
Novos arranjos e a difusão das práticas psicológicas
O m ovim ento feminista, a introdução da m ulher no 
m ercado de trabalho, a pílula anticoncepcional, a liberação 
sexual* aliados aos efeitos do chamado “milagre econômico”, 
m arcado pela mobilidade social ascendente dos setores médios 
da população, o desenvolvimento industrial urbano e a abertu­
ra para o consumo, são alguns dos fatores que colocam em 
xeque o modelo familiar preconizado ;pelas legislações, o que 
irá se refletir nas decisões jurisprudenciais e nas propostas de 
reformulação do Código Civil. ;
Em determ inados estratos da sociedade, começam a sur­
gir novos arranjos conjugais e familiares que, sobretudo, sao 
caracterizados pelo individualismo (Figueira, 1987).
Se até então am u lh e r estava com prom etida com a im a­
gem de mãe am orosa e responsável, na família individualizada 
ela descola-se em parte do destino "natural” de maternidade. 
“Nesta nova fam ília”, escreve Russo; “cabe à dona-de-casa 
buscar um a certa independência do m arido, ter sua renda pró­
pria, seu próprio carro, além de procurar abandonar o ar de 
m atrona ao qual os filhos e o casam ento a condenavam ” (Rus­
so, 1987: 195). !
58
Por sua vez, o homem desvincula-se, ao .menos ideal­
mente, do papel tradicional de “m achista’V cuja relação privi­
legiada com o trabalho fora de casa e com os próprios interesses 
sexuais deixa de ser exclusividade de seu gênero.'
---------Gom^a-mudança-dos-arranjosinterpessoais^dissolve^sfa-
hierarquia que dividia as esferas pertencentes a cada sexo e 
geração. As individualidades passam a subordinar as relações 
entre os membros da família, seja entre m arido c mulher, seja 
entre pais e filhos. As roupas, os discursos, òs comportamentos, 
os sentimentos, etc. não são mais sinais exclusivos de cada sexo, 
posição e idade, de modo que os marcadores visíveis da dife­
rença passam a ser única e exclusivamente as expressões do 
gosto pessoal (Figueira, 1987). !
Os membros da família pássam a se perceber como iguais 
em suas diferenças pessoais. A ênfase no indivíduo faz-se acom­
panhar do ideal de igualdade de relacionamento, apontando 
p ara um a nova morai no campo das relações interpessoais. A. 
tradição e a rede familiar cedem lugar às individualidades e 
seus prazerescorrelatos; de tal modo que se torna necessário o 
exame de si mesmo para que as relações entre homens e m u­
lheres, maridos e esposas, pais e filhos possam ser negociadas a 
todo e qualquer m omento (Figueira, 1987).
Não sendo por coincidência, é nos anòs 70 que se inicia 
um alto consumo da psicanálise (Birman, 1995; Figueira, 1987; 
K atz, 1979; Russo, 1987).
N um momento em que os papéis tradicionais da m u­
lher, do hom em e das gerações são postos’ em xeque, os sabe­
res psi surgem como coordenadas para as relações interpessoais, 
mesmo através de conceitos os mais virulentos, tais como, por 
exemplo, o de sexualidade. ! .
Donde explode o sucesso das práticas terapêuticas, das 
colunas de aconselhamento psicológico em revistas femininas, 
do uso quotidiano do vocabulário psicanalítico; em suma, da 
necessidade crescente de se pedir a “palavra” de psicólogos e
59
psicanalistas sobre questões que -dizem respeito à família em 
geral. Cabe notar que. o imenso consumo da psicanálise e da 
psicologia não implica pura e ’simplesmente a subversão de 
formas instituídas pela tradição, mas também a multiplicação 
de micropoderes que são mais persuasivos do' que impositivos 
(Foucault, 1997). ,
E evidente que todo esse panoram a de mudança nos anos 
70 torna extremamente frágil não ápenas os deveres correlatos 
entre os sexos, mas também o.-ideal de indissolubilidade do' 
matrimônio.
•Vale acrescentar que nessa época o Brasil estava em ple­
no regime militar, sob a presidência do General Ernesto Geisel, 
cuja origem protestante luterana admite o divórcio. Ademais, 
havia uma certa insatisfação entre os militares na medida em 
que se obstruía a promoção dos desquitados, chegando ao gene- 
ralato e até mesmo à Presidência da República, apenas os ca­
sados. Desse modo, eles influenciaram - ao lado de um a gama 
imensa de desquitados com famílias recompostas - o Poder Exe- 
cutivo com objetivo de. legitimar e regular o fim do casamento.
Da le i do Divórico à Constituição: o privilégio da maternidade na 
atribuição da guarda, a abertura para as novas formas de família e 
os direitos da criança
Em 26 de dezembro de 1977, é promulgada a Lei 6515, 
conhecida como Lei do Divórcio, que regulamenta a dissolu­
ção da sociedade conjugal e do casamento.
A Lei do Divórcio abole o termo “desquite” já tãò cultu­
ralmente identificado no país e estabelece a possibilidade de 
somente um divórcio pòr cidadão.
• A restrição a um divórcio teve como intuito aplacar a 
oposição da Igreja'Católica, cujo receio de que o divórcio ani-
quüaria a família brasileira evidentemente jamais se confirmou.3
Entre os .principais aspectos da lei, convém assinalar o 
artigo 15 que regula a guarda dos filhos na dissolução do casal. 
Nele, a guarda é conferida a apenas um dos genitores, sendo 
que, o outro poderá visitar e ter os filhos em sua companhia, 
segundo fixar o Juiz, bem como fiscalizar sua m anutenção e 
educação. Observa-se. que tal perspectiva pode ser equivocada- 
mente interpretada como não cabendo preocupações com o 
dia-a-dia do filho ao genitor que não 'de tém a guarda, cujo 
ponto retornaremos adiante.
No caso da separação judicial em que se atribui a um 
dos cônjuges a responsabilidade pela dissolução do casamento, 
a guarda dos filhos menores fica com o cônjuge a que não 
houver dado causa (art.10), ou seja, com o cônjuge “inocente” 
da separação. M antém-se assim o sistema vigente de definição 
da guarda, em que o critério de falta conjugal perm anece incó­
lume.
No tocante aos “alim entos”, a lei estipula a obrigação 
comum dos cônjuges (não só do pai) para a manutenção dos 
filhos, além de não discriminar o sexo responsável pela pensão, 
inferindo-se a obrigação conforme a necessidade e a possibilidade.
[,:-tó^ ,l;-^ ü[mrzd,.;çtc;;ipòriÍprciçndc^ o,';qüè^ él;iimpresciü'díy
■;^ cs&áno^ âhabita<^ oV*òltàVamento’m
'sráe t^bie^scy&pêçsiõá i^mçnü^
' I^9Ô3)í;Segi^dtf/Üi£LÍz::(L993)ijtò':umai\éhãShÍiaí.tô»Éstí&l&préWdênciàidé!'sé:'iinppí<;ãj«ste;a^
‘. ■ n w f r n ^ n r n r r p r ^ f l r n ^ r p i e g i r a n n f i a> rn v ^ g v H /» n n h h r a g 'g n r t a > t ^ r ; ^ m ? n h < / > h v n HA g f r ia l iv i a r . n£S .V í *'
■frtíciós^àteríàúí-páraísóbrewerrè.írctorçaíòíp^cípid^dá^soHd^fcdadcíqÜèfdêyéVrcffcr^òs'-';
3 A lim itação a um d iv ó r c io .fa z surgir novbs problem as, tais co m o o 
concubinato dos que vieram a se separar após nova união constituída após 
o divórcio, e a situação dos que se casavam com pessoas divorciadas c, por t 
tal m otivo, estavam igualm ente im pedidas da obtenção do divórcio. T ais 
situações serão reconhecidas com o união estável e protegidas pelo Estado 
com a Constituição de 1988. ..
61
Contudo, a força da definição dos papéis sexuais perm a­
nece e revela-se, sobretudo, no tocante aos cuidados e educa­
ção dos filhos. Diz a lei, no artigo 10, Io, que “se pela separação 
forem responsáveis ambos os cônjuges; os filhos menores fica­
rão cm poder da mãe, salvo se o Juiz verificar que tal solução 
possa advir prejuízo de ordem moral para eles” .
Em outras palavras, o cuidado' em relação aos filhos é 
visto naturalm ente como sendo responsabilidade da mulher, 
independente de qualquer outra condição, exceto a de ordem 
moral. A m ulher portanto só perde a guarda dos íilhos caso se 
conduzir contra os padrões morais, critério bastante nebuloso, 
vale dizer, de constatação subjetiva e, ainda mais, deixada à 
aferição do juiz.
Para agravar á situação, o privilégio da maternidade acaba 
gerando certas dificuldades para o exercício da paternidade ou, 
simplesmente, afastando o homem da esfera de influencia so­
bre os filhos. No Brasil, há até os dias de hoje um a inclinação 
em nossos tribunais de atribuir a guarda à mãe, cabendo ao 
pai a visitação quinzenal, o que limita, u m relacionamento mais 
estreito com os filhos. E quando o pai pleiteia visitas menos 
espaças, o Judiciário costuma alegar que tal pedido pode au­
m entar as desavenças entre os ex-cônjuges (Brito, 1999).
Contudo, observa-se nos últimos anos um a tendência de 
crescimento das solicitações dos homens pela custódia dos fi­
lhos (Ridenti, 1998). A reivindicação no judiciário dos homens
— em situação de igualdade com a m ulher - pela guarda dos 
filhos coloca em pauta eis distinções donstruídas sócio-historica- 
mente, que por sua vez, como vimos, são naturalizadas pelo 
Direito de família.4
4 Segundo o IBG E, cm 2002 , 93,89% dos filhos ficam com as mães depois da 
separação e antes do divórcio, e, depois do divórcio, cai para 92,37% . C on ­
tudo, o índice de pais que entram na justiça com pedido de guarda aum en­
tou de 5 para 25% em cinco anos.
O utros aspectos importantes da Lei do Divórcio em que, |f l
no entanto, não convém nos deter, é a valorização da separa- 
ção de fato, a permissão para o reconhecim ento dos filhos ile­
gítimos na vigência do casamento e a consagração do direito
ao hom em casado, separado de fato, de requerer autorização 
judicial para registro de filho nascido de relação extraconjugal.
legislação
significativas m ud an ças no 
concerne aos direitos e deveres fam i- 1 
liares e a C o n s t itu iç ã o F e d e r a l de - p ^ A n t c ’- ! ^
1988.
Com a Constituição, o concubinato passa a adquirir pro- | |
teção do Estado, na condição de união estável (art.226 §3°).
Com efeito, o casamento deixa de ser a única forma le­
gítima de constituição da família, tal como era definida no 
Código Civil. O conceito de família amplia-se na medida em 
que passa a legitimar a diversidade de uniões existentes no 
contexto brasileiro. Como afirmam Oliveira e M uniz (1990), 
não se pode mais falar num a forma exclusiva de família, e sim 
tratar da m atéria no plural, passando-se a considerar também 
como entidade familiar a relação extramatrimonial estável, entre 
umhom em e um a mulher, além daquela form ada por qual­
quer dos genitores e seus descendentes, a família m onoparental 
(art.226 §3° e §4°).
É evidente que a admissão de novos arranjos amorosos e 
familiares fazem surgir novos problemas, de modo que se tor­
na cada vez mais necessário o atendimento de equipes interdis; 
ciplinares jun to às Varas de Família.
A Constituição elimina tam bém a chefia familiar, deter­
minando a igualdade de direitos e deveres para ambos os cônju­
ges, homens e mulheres (art.226, §5°). No artigo 5, parágrafo I ’ 
está prescrito que homens e mulheres são iguais perante a lei.
63
É nela que se encontram pela primeira vez no Brasil os 
direitos da criança, expostos no artigo 227, a partir do concei­
to de proteção integral e do entendimento da criança como 
sujeito de direitos. Assim, diz a lei que “é dever da família, da 
sociedade e do Estado assegurar à criança c ao adolescente, 
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimenta­
ção, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig­
nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e 
comunitária, além de colocá-los k salvo de toda forma de ne­
gligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e 
opressão”. No mesmo artigo, §6°, ficam proibidas discrimina­
ções entre filhos havidos dentro e fora do casamento ,e na adoção.
Ao entendimento da criança e adolescente como sujeitos 
de ,direito, deve-se relacionar a questão da guarda com o texto 
da Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Da convenção internacional ao estatuto da criança e do 
adolescente: a primazia do interesse da criança, a divisão entre 
parentalidade e conjugalidade, os padrões de normalidade e a 
inserção das equipes interdisciplinares
Aprovada no Brasil pelo Congresso Nacional e prom ul­
gada em 1990, a Convenção Internacional é um instrumento 
jurídico, pois obriga os países que a assinam .a adaptar suas 
legislações às suas normas e apresentar periodicamente um 
relatório sobre suas aplicações. Com efeito, no mesmo ano, a 
legislação nacional é alterada com a publicação do Estatuto da 
Criança e do Adolescente que, baseado na doutrina da prote­
ção integral, estabelece que crianças e adolescentes devem ser 
considerados como sujeitos de direitos, consagrando os direitos 
fundamentais da pessoa na legislação referente à infância (Brito, 
1996).
64
- A Convenção Internacional situa no. artigo 9 o direito 
da criança de ser eduçada^por seus dois pais, exceto quando o 
seu melhor interesse torne necessária a separação. Contudo, 
mesmo na situação em que a criança é separada da famílià, ela 
tem-o direito de m anter o contato direto-.com os pais.
Reafirmando tal perspectiva, o Estatuto da Criança e do 
Adolescente dispõe o direito de a criança e o adolescente se­
rem criados e educados no seio da família; (art. 19) e estabelece 
os deveres dos pais em relação aos filhos ..menores, “cabendo- 
lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer 
cumprir as determinações judiciais” (art.‘í22).
Compreende-se que a separação matrimonial de um casal 
não deve conduzir à dissolução dos vínculos entre pais e filhos. 
Brito (1996) adverte que os direitos representados na Conven­
ção Internacional e no Estatuto da Criança e Adolescente con­
trapõem-se à idéia que o artigo 15 da Lei do Divórcio pode 
conduzir, como vimos acima, de que não cabem preocupações 
com o quotidiano infantil ao genitor que naó detém a guarda.
Num a pesquisa juiito às Varas de Família do Tribunal 
de Justiça do Rio de Janeiro, a autora constata que habitual­
mente a guarda atribuída a um dos pais contribui para o afas­
tamento do genitor descontínuo - termo usado por Françoise 
Dolto — das decisões que visam à educação c ao cuidado dos 
filhos (Brito, 1993, 1996).
Em vez do papel de pai de fim de semana ao qual é 
relegado amiúde o genitor descontínuo, Brito ressalta que a 
separação do casal não deve corresponder ao fim ou à dimi­
nuição das funções parentais:
Nestes casos, presencia-se o desaparecimento do casal con­
jugal, mas deve-se conservar o casal parental, garantindo- 
se a continuidade das relações pessoais da criança, com 
seu pai e sua m ãe (Brito, 1996: 141).
O direito de a criança m anter um- relacionamento pes­
soal com seu pai e sua mãe não resulta da autoridade e sim da
65
•responsabilidade parental em preservar o vínculo de filiação. 
Cabe então notar, através da representação dos direitos infan­
tis, um nítido deslocamento do eixo da autoridade para o de 
responsabilidade parental (Brito, 1999).
' " ~Ma medida em que os códigos jündiços~passam a priorizar o me- 
Ihor interesse da criança, tal critério deve se sobrepor ao de falta conjugal 
em toda decisão judicial a respeito da guarda de filhos de pais separados e 
divorciados. As falhas no cumprimento do contrato matrimonial 
não devem ser deslocadas às funções parentais.
Nem por isso deixa de existir' em nossa legislação, até a 
en trada em vigor da lei 10.406, conhecida por “Novo Código 
Civil” , como veremos mais adiante,!um a superposição dos cri­
térios de falta conjugal, interesse e direito da criança, contribu­
indo para o apoio da autoridade judiciária nos elementos de 
convicção própria (Brito, 1999).
Pode-se dizer que o interesse da criança é um critério . 
usado juridicam ente sempre que a situação da mesma requer a 
intervenção do magistrado, visando a lhe assegui'ar um desen­
volvimento adequado. . :
Todavia, não deixa de ser ao mesmo tempo um opera­
dor relacionado a um a predição, seguindo certos padrões do 
que deva ser um a família ou infância saudável. Para respaldar 
suas avaliações, o juiz solicita subsídios da psicologia, entre outras 
áreas, cujos estudos correm amiúde o risco de estarem atrela­
dos a um a certa noção standard de normalidade (Brito, 1999).
Sem desconsiderar a im portância para a proteção da 
criança, o critério de interesse da criança é de avaliação subje­
tiva, sujeita às máis diversas interpretações, cuja aferição apóia- 
se freqüentem ente num a situação de fato e não de direito.5
5 D o n d e surge a necessidade de elencar c^direitos da criança a pardr, com o 
vim os acim a, da noção de direitos do hom em . Com efeito, os interesses da 
criança universalizam -se e se transformam em direitos, ao m esm o tempo em 
que a criança passa de objeto a sujeito de direitos (Brito, 1999).
66
O critério de interesse da criança junto ao Direito de 
Família aponta, inicialmente, para a verificação individual de 
necessidades infantis perante a separação dos pais, o que exige 
por sua vez a intervenção de um aparato interdisciplinar. Seja 
-com-a-tarefa-de-r.ealizarJaudosjo_u_p.are.ceres_psicosso.ciais,_seja_ 
com a de ser “porta-voz” do infante, tal aparato indica o m e­
lhor interesse da criança diante da exclusiva possibilidade da 
guarda m onoparental. Nessa perspectiva, o objetivo é, em últi­
ma instância, descobrir se é mais adequado atribuir a guarda' 
ao pai ou à m ãe.6
Entretanto, tal objetivo revela-sc inadequado em face das 
circunstâncias que envolvem a maioria das disputas de guarda 
e regulamentação de visitas, marcadas muitas vezes por acusa­
ções m útuas entre as partes litigantes.
Não basta definir critérios norteaclores para a. indicação 
do genitor que reúne melhores condições, de guarda.
A lógica adversarial, o envolvimento das crianças no coníliio e os 
malefícios da perícia
A disputa de guarda num divórcio litigioso está baseada 
num a lógica adversarial em que um genitor tenta não somente 
mostrar que é mais apto para cuidar e educar os filhos, como 
tam bém expor as falhas do outro para tal função.
Tal lógica está embutida no conflito de interesses, deno­
mina-se lide, em que duas pessoas pretendem desfrutar ao
6 M ais do que o interesse da criança, é a doutrina da proteção integrale, 
conseqüentem ente, a efetivação dos direitos fundamentais de crianças c 
adolescentes que está na base da exposição de motivos para a abertura do I 
concurso público para o cargo de psicólogo no Tribunal de Justiça do Rio 
de Janeiro, não deixando este dc ser citado com o fazendo parte de equipes 
intcrdisciplinares.
mesmo tempo daquilo que os processualistas chamam “bem 
da vida” (tudo que corresponde à aspiração dc um a pessoa, 
seja material, afetiva, etc.). Ora, no litigio a prevalência dos 
interesses de um implica em não atendimento aos interesses do 
outro. A medida, que os interesses se contrapõem, o Ju iz tem 
que decidir qual pretensão das partes (como são chamadas as 
pessoas nos processos) está mais amparada na lei (Suannes, 2000),
• . Abre-se um leque infindável de acusações de uma parte 
contra a outra, cujas faltas morais teriam sido, como ambos 
argumentam, responsáveis pelo conflito atual. O que antes fa­
zia parte do quotidiano do casal são agora práticas “bizarras” 
de um estranho que, por razões “desconhecidas”, foi outrora 
objeto de investimento amoroso (não sem uma certa dose de 
alienação sobre o fato de que, se o litígio persevera, é porque 
há ainda um vínculo entre um e outro, como verernos adiante).
Em face desse panoram a, é comum o psicólogo ser re­
quisitado a responder à difícil demanda de apontar o genitor 
mais qualificado ou analisar o impedimento de visitas de um 
ou de outro.
A demanda formulada pelo juiz tem como fim encon­
trar o genitor “certo” a quem dar a posse e guarda da criança, 
baseando-se repetidamente num a linha divisória entre o bom e 
m au pai e mãe ou, em último caso, o menos ruim (Ramos e 
Shine, 1999). Mesmo nas situações cuja complexidade impede 
um a visão maniqueísta, não restam muitas alternativas ao juiz 
senão sentenciar a favor de uma das partes e negar o pedido 
da outra. O que faz recair na. dificuldade acima, a saber, de 
que o psicólogo, na condição de perito, é chamado a fornecer 
subsídios para a decisão judicial, apontando o genitor que atende 
melhor aos interesses da criança.
Tal- tarefa não deixa de acarretar algumas dificuldades 
dignas de uma análise mais cuidadosa.
Em prim eiro' lugar, cabe interrogar se existem instru­
mentos de avaliação que objetivamente possam medir a capa­
cidade de um genitor ser melhor do que outro. A arbitrarieda­
de do entendim ento sobre b que é ser bom ou mau genitor, 
isolado do contexto em que o conflito se apresenta, pode resul­
tar em definições estereotipadas que dificilmente recobrem a 
pluralidade das relações intrafamiliares.7;'
Em segundo lugar, nem por isso menos im portante, con­
vém notar que a definição de um guardião tem como efeito 
simbólico a demissão do outro genitor cômo incapaz de exer­
cer tal função. Em inúmeras situações,\é comum o. pai ou a 
mãe se sentir ultrajado na condição de visitante, visto imagina­
riam ente como sendo não-idôneo, moralmente condenável ou, 
na m elhor das hipóteses, tem porariam ente menos habilitado, o 
que muitas vezes colabora para o afastamento de suas respon­
sabilidades.
M uitos pais term inam por acreditar que, por serem visi­
tantes, devem se m anter à distância dos filhos, pois consideram 
que a Justiça dá plenos poderes ao detentor da guarda. Sentin­
do-se impotentes com o papel de coadjuvantes, há pais que 
esbarram nas decisões, unilaterais das ex-mulheres a respeito 
da vida dos filhos, assim como há mães que se sentem sobre­
carregadas física, financeira e psicologicamente com o ex-m a­
rido que mal visita as crianças.
Não. é por menos que o laudo ou parecer psicológico 
acaba servindo de combustível para o fogo da desavença fami­
liar, reacendido a cada decisão judicial. Se o psicólogo auxilia 
o m agistrado a decidir o “m elhor” guardião, por um lado, por 
um outro, ele fornece um poderoso instrumento — com argu­
mentos técnicos sobre defeitos e virtudes de um e de outro - 
para as famílias darem prosseguimento aos processos judiciais.
7 Sobre as tentativas dc aferição psicológica para definição da guarda e as 
críticas que lhes são relacionadas, cf. Brito, 1999a.
69
O ra , nota-se freqüentemente que a perpetuação do em­
bate familiar, via poder judiciário, 6 um modo de dar continui­
dade ao trabalho de luto da separação, às vezes até mesmo da 
perda do objeto amado, ou é simplesmente u m meio de man- 
ter o vincu 1 o_com^o_ex-companheir.o.__ ______ ' ___________
V ainer afirma que, nesse último caso, “o litígio está a 
serviço de um a busca de reencontro ou aproximação daquele 
ou daqueles que não se conformam;em estar separados” (Vainer, 
1999: 15). Em bora o casal já ,tenha resolvido legalmente o tér­
mino da união, continua atado à relação por meio de ações 
pendentes no judiciário. A cada ,vez que se inicia um a ação 
judicial, a parte interpelada é autom aticam ente obrigada a se 
envolver com o ex-parceiro, dificultando a efetivação da rup­
tu ra consagrada de direito.
Para agravar a situação, os filhos são usados como ins­
trum ento de vingança e constrangim ento, não havendo bom- 
senso que faça apelo ao fim do conflito.
É certam ente impróprio indagar à criança com quem 
ela deseja ficar, cuja decisão póde acarretar, num outro m o­
mento, graves sentimentos de culpa por rejeitar um dos genitores 
(Brito, 1996).
O s direitos de opinião (art. j12) e de expressão e informa­
ção (art. 13) da criança, estabelecidos na Convenção Internaci­
onal dos Direitos da Criança, nãoi implicam que ela:deva depor 
contra ou a favor dos pais, e sim que ela tem liberdade de 
obter informações, emitir opiniões e de se expressar sobre os 
assuntos que lhe digam respeito, sobretudo o processo de sepa­
ração de seus pais. O ra, isso estái a quilômetros de distância de 
lhe incum bir um a decisão judicial. Trata-se de um erro de in­
terpretação da lei deslocar à criança responsabilidades que são 
contraditórias-a sua condição de sujeito em desenvolvimento 
(Brito, 1996).
Além do mais, é com um a fantasia infantil de que os 
pais voltarão a conviver harm oniosam ente no mesmo espaço
70
doméstico. Em bora vivendo num lar cujos pais estão infelizes 
com o casamento, as crianças não experimentam o divórcio 
como solução ou alívio para tal situação. M uitas preferem o 
casamento infeliz ao divórcio. (Wallerstein e Kelly, 1998). Des- 
se m odo, pedir para que a criança se posicione em relação ao 
divórcio soa inábil e, de certa forma, contrário a seus interesses.
Seguindo esse raciocínio, Brito afir- 
ma. cjue ’âcârc&çocs c considcraçocs so- ün jías& ? 4 , ^ cs;‘v^anHóv- 
bre o com portam ento dos pais tam bém
, „ m . h ~ ~ ~ 1 -~tn\ !íè1p6&iste;êrn1çòlò^devem ser evitadas (Bnto, 1999a: 178). .
Françoise D oito (1989) afirm a que 
a criança deve ser ouvida pelo juiz, o que não pressupõe lhe 
im por a escolha dos genitores e seguir o que ela sugere. Escu­
tar a criança tem como significado o fato de ela ser m em bro da 
família e ter vontade de falar sobre o que se passa com ela, 
assim como tirar dúvidas sobre tal situação. Ao final, é im por­
tante a criança saber “que” , diz Dolto, “o divórcio dos pais foi 
reconhecido como válido pela jusdça e que, dali por diante, os 
pais terão outros direitos, mas que (...) eles não são liberáveis 
de seus deveres de ‘parentalidade’” (Dolto, 1989: 26).
Em contrapartida, segundo ainda Dolto, as crianças de­
vem ouvir do Juiz algumas palavras a respeito de seus deveres 
filiais, a saber, a preservação das relações pessoais com as fam í­
lias de ambas as linhagens. T al conversa deve acontecer desde 
que o Ju iz saiba conversar com crianças, caso contrário por 
um a pessoa encarregada disso por ele, não havendo idade mí­
nima que não se, possa explicar a situação (Dolto, 1989).
Não é difícil a criança se sentir culpada pelo divórcio, 
cuja existência é im aginada como um peso para os pais(Dolto,
1989). É de fundam ental im portância o psicólogo atentar para 
esse aspecto, sem deixar de acolher, ao mesmo tempo, o silên­
cio que certas crianças apresentam , durante as entrevistas. Tal 
silêncio não deve ser percebido necessariamente como negati­
vo, podendo ser afirm ado como um meio de a criança não
71
querer compartilhar das querelas parentais e nem das exigên­
cias judiciais.
•E mesmo que a criança ou o adolescente insista verbalizar 
com quem deseja ficar, não se pode perder de vista que há 
uma tendência nas situações de litígio de os filhos fazerem ali­
ança com um dos genitores e perceberem o outro como ‘Vi­
lão” da separação. ■
Segundo algumas pesquisas psicológicas, a criança faz 
aliança com o genitor que dispõe de sua guarda e que, portan- 
> to, está mais próxima dela, independente clo sexo (Wallerstein 
c Kelly, 1998; Brito, 1999a). O tempo de convivência prolon­
gado aproxima a percepção do filho com a do guardião. Desse 
modo, na medida em que costuma ser demorado o intervalo 
entre a separação de fato do casal e a formalização jurídica do 
divórcio, o tempo transcorrido junto ao genitor que perm ane­
ce com a criança ou o adolescente é o bastante para a conso­
lidação das alianças. “Avaliar com quem a criança quer 
perm anecer, ou com qual dos genitores c mais apegada, pode 
ser”, conclui Brito, “interpretado como a pesquisa do óbvio” 
(Brito, 1999a: 176).
Para complicar o quadro, pedir à criança ou ao adoles­
cente para expor com qual genitor deseja ficar acaba acirran­
do ainda mais as: posições polarizadas c visões maniqueístas a 
respeito do litígio.
O fato de o psicólogo restringir-se à tarefa pericial de 
definir o “m elhor” genitor revela aí suas limitações, pois não 
contribuí para um a melhor qualidade das relações entre as partes 
litigantes, tampouco coloca em xeque a lógica adversarial pre­
sente nos encaminhamentos jurídicos.
Em função do enfrentamento que se impõe, a lógica 
adversarial favorece o aumento de tensão entre os ex-cônjuges, 
sem desfazer o entendimento habitual de que ao final do pro­
cesso há sempre vencidos e vencedores (Brito, 1999a).
72
A sugestão do psicólogo ao juiz deve contar, o máximo 
possível, com a- participação da. família, retirando-as do papel 
passivo a que são freqüentemente relegadas no processo de pe­
rícia. Para tanto, deve-se privilegiar os recursos subjetivos, seja 
a partir da temática do sujeito,-seja a partir do sistema relacional 
da família, para a orientação e o encaminhamento dos impasses.
Tais observações fazem perceber a necessidade de o psicó­
logo ampliar seu raio de ação para além -da perícia tccnica.
Vejamos então outras linhas de atuação.
Possibilidades e limites da intervenção psicanalítica: 
a importância da fala, o laço conjugal, a questão do desejo
Pereira (2001), advogado especialista em Direito de Fa­
mília, reconhece as contribuições que a psicanálise oferece a 
essa matéria.
N um a pesquisa sobre a jurisprudência na m aioria dos 
Estados brasileiros, o autor aponta para os elementos de um a 
“m oral sexual” que perm eia os julgamentos em Direito de 
Família, com provando o envolvimento dos valores de cada 
julgador na objetividade dos atos e fatos jurídicos:
O julgador, quando sentencia, coloca ali, para a solução 
do conflito, não só os elementos da ciência juríd ica e da 
técnica processual, mas também toda um a carga de valo­
res, que é variável de juiz para juiz (Pereira, 2001: 250).
Sendo o Direito de Família um a tentativa de organizar 
ju rid icam en te as relações de afeto e 'suas conseqüências 
patrimoniais, Pereira contrapõe à moral-sexual a necessidade 
de repensar os paradigm as do Direito a-partir da psicanálise. 
Com efeito, considera im portante lançar m ão dos conceitos de 
sujeito, sexualidade e desejo:
73
1. O sujeito do Direito é aqueíe que age consciente de seus 
direitos e .deveres e segue leis estabelecidas em um dado 
ordenam ento jurídico; para a Psicanálise, o sujeito está 
assujeitado às leis regidas pelo inconsciente. Afinal as m ani­
festações e atos conscientes que tanto interessam ao Direi- 
to nãcTsão predeterm inadas pelcTinconsciênte?~2rPara o 
Direito Penal, os crimes de natureza sexual são tipificados 
e investigados buscando-se sua materialidade. Por isso, a 
sexualidade para o Direito tem sido sempre genitalizada, 
como expresso no Código Penal (...), que se utiliza sempre 
da expressão ‘conjunção carnal’; para a Psicanálise, a se­
xualidade' é da ordem do desejo. Pode o Direito legislar so­
bre o desejo, ou será o desejo que legisla sobre o Direito? 
(Pereira, 2001: 22).
Para que tais conceitos se articulem ao campo da prática 
analítica, é necessário que as pessoas se ponham a falar. A psi­
canálise é um a experiência discursiva. Seguindo esse raciocí­
nio, Suannes (2000) propõe que se devolva a fala à pessoa e 
aos processos inconscientes que subjazem ao processo judicial.
Para tanto, convém elucidar as relações entre as deter­
m inações inconscientes e a formalização da ação judicial.
Senão vejamos. Num litígio, os oponentes são incapazes 
de resolver o conflito por conta própria, de tal modo que re­
correm a um terceiro, no caso, a autoridade judicial, com ob­
jetivo de satisfazer as suas exigências.
A formalização dessa dem anda ao juiz exige que a fala 
de cada sujeito envolvido no conflito seja representada pelo 
advogado que, por sua vez, fala de acordo com a lógica do 
discurso jurídico. Rem ontando o discurso de acordo com a lógica 
jurídica, o advogado dem onstra que: os interesses de seu cliente 
estão am parados na lei, ao mesmo tem po èm que responsabi­
liza o outro pela ação ou omissão; geradora do conflito. H á 
nessa passagem, da vivência de insatisfação do sujeito à enun­
ciação do seu problem a num a lógica jurídica, um a m udança
74
•na configuração do conflito, em que o discurso de insatisfação 
cede lugar ao discurso de merecimento.
A re-configuração do conflito nos moldes jurídicos não 
deixa de gerar certos impasses, especialmente nas Varas de 
~Fãmília“ onde_a~natureza-do-víncuio-ent-r-é-as-pessoas-é-sufici- 
ente para resistir a qualquer resolução judicial:
Nas ações de V ara de Família, (...) o ato jurídico não terá 
como conseqüência o rom pim ento dos laços psicológicos 
das pessoas envolvidas e, no caso de haver filhos em co­
m um , não levará ao afastamento,concreto e não impedirá 
a participação de um na vida do outro. Devido à natureza 
do vínculo existente entre as ‘partes’, (...) os problemas 
explicitados nos autos são, freqüentemente, deslocamento 
de questões que não encontraram outra via de representa­
ção. A m edida que o aparente problema é resolvido, o 
conflito se coloca eni outra questão, reacendendo o impasse. 
Este constante deslizamento de conflitos leva à cronificação 
do litígio, (Suannes, 2000: 94) •
Seguindo esse raciocínio, a autora sugere que o objetivo 
primeiro seja “realizar um movimento de direção contrária na 
estruturação do problema jurídico” (Suannes, 2000: 96), ou seja, 
fazer falar o sujeito e não seus porta-vozes,
O simples encam inham ento das partes para o estudo 
psicológico por si só já tem papel importante, à' medida que 
nomeia a natureza do problem a em pauta. Isto é, atribui o 
“estatuto de psicológico a algo que é vivido pelas famílias como 
um problem a jurídico, concreto e externo a cada um deles” 
(Suannes, 2000: 95). U m a vez encam inhado o estudo psicoló­
gico, a “questão não se coloca como oposição entre dois pólos, 
ou seja” , afirma Suannes, “não se trata de um conflito de inte­
resses no qual o vínculo com o pai exclua a mãe de seu lugar, 
ou vice-versa” (Suannes, 2000: 96).8
u Convém observar que o encam inham ento psicológico não é por si só sufi-
75
Orientado por urna escuta analítica; não cabe ao psicó­
logo avaliar qual genitoré> merecedor da guarda ou da visita 
aos filhos, ou, tampouco, detectar qual deles estaria mais apto 
para exercer as funções parentais, e sim compreender que “a 
questão que faz aquela família sofrer e pedir ajuda no Judiciá­
rio não é, muitas vezes, aquela que está configurada nos autos” 
(Suannés, 2000: 96).
Evidentemente, a relação entre o método analítico e. as 
circunstâncias de uma ação judicial não é sem dificuldades.
Barros (1999) adverte que num processo litigioso, ao 
contrário do que pressupõe a regra técnica fundamental da 
psicanálise, o sujeito não fala o que lhe vem à mente e sim o 
que pode favorecer a sua causa. Ao mesmo tempo, preocupa- 
se em não dizer o que pode ser usado contra ele mesmo pela 
outra parte e seus advogados. Com efeito, tal depoimento tor­
na-se prejudicado, '‘pois”, escreve Barros, “o sujeito não está 
ali numa posição de quem fala de si” (Barros, 1999: 37). E 
mesmo no caso cm que o sujeito libera sua fala, o psicólogo 
não pode manejar os efeitos de sua intervenção após a conclu­
são de seu laudo.’
Nem por isso Barros considera incompatível a práxis 
analítica no âmbito jurídico. Ao contrário, é possível promover 
a retificação subjetiva em que o sujeito deixa de se queixar do 
‘ outro pára reconhecer sua participação no conflito, tendo como 
efeito “separar-se desse outro, perder esse casamento, sem ficar 
perdido de verdade” (Barros, 1999: 39).
Por sua vez, nos casos em que as pessoas não querem ou 
se sentem impedidas de falar, resta somente apontar as dificul­
dades das partes de se reconhecerem ativamente no conflito.
cientc para reconfigurar o conflito. Com o observa Brandão, se “fosse assim, 
a primeira reação frente ao psicólogo não seria semelhante à manifestada 
em face do juiz, quando testemunhas e docum entos são m encionados a tor­
to e a direito” (Brandão, 2002: 50).
76
Sâo limites de um a práxis em que o sujeito deve passar do 
estado de vítima pára. o. de responsável por seus atos e pala­
vras, cujas determinações inconscientes se impõem à sua reve­
lia. Se tais pessoas retornam ao Judiciário, envolyidas com. novas 
querelas familiares, permite-se então "avançar um pouco e 
construir os efeitos da intervenção na vhistória desse sujeito, 
obtendo mais elementos para refletir c construir esse campo de 
intervenção” (Barros, 1999:40).
Não há previsibilidade sobre o desfecho da intervenção 
analítica, na medida em que não cabe ao analista impor os 
seus próprios ideais. Q uerer simplesmente fazer o bem e desfa­
zer os conflitos em que as pessoas se embaraçam, supondo com 
isso resolver a relação do sujeito com seu desejo, é por defini­
ção impossível. Não há nada que ensine o sujeito a empregar 
seu desejo, de modo que na experiência analítica se obtêm 
destinos pardeulares para cada dem anda que é formulada.
Seguindo esse raciocínio, a inscrição da psicanálise no 
campo jurídico produz uma diversidade de efeitos, que vão desde 
a re-significação do conflito, a resolução dos aspectos processu­
ais, a dissolução de queixas com um simples gesto de oferecer 
os ouvidos ou, na pior das hipóteses, nada acontece e continu­
am-se as disputas familiares (Brandão, 2002).
A orientação teórica no interior da psicanálise é que vai 
definir se a intervenção põe em jogo o casal ou o sujeito, o que 
tem como conseqüência leituras distintas a respeito do laço 
conjugal.
Puget e Berenstein (1994) tem como objeto teórico a 
‘'estrutura vincular” que se forma no laço conjugal, cujo domí­
nio é m arcado por pactos inconscientes, tipologias diferencia­
das, entre outros aspectos. Em vez de compreender esse espaço 
vincular como sendo um a relação entre desejo e objeto, os 
autores definem-no como uma relação: entre eu e outro, cujo 
objeto não é assimilável a nenhum a interioridade e sim ao ter­
ritório do vínculo estabelecido pelo casal.
O casal então é (...) um a estrutura vincular entre duas pes­
soas de sexo diferentes, isto é, uma relação intersubjetiva 
estável enlre um ego e um outro ego, onde tem cabimento 
o m undo intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo, 
por sua vez, ocupa uma área diferenciada da estrutura, 
objetai (Puget e Berenstein, 1994: 18).
Observam os autores que o casal não é somente a ori­
gem virtual de um a nova família* mas o desprendimento da 
família de origem, donde provêm as identificações e a trans­
missão dos desejos parentais. A formação de um novo casal 
pressupõe a resolução trabalhosa, .nem sempre acabada, de 
desenlace dos vínculos familiares. A idéia de pertencimento 
contínuo à cadeia de gerações pode ser no casal fonte de p ra­
zer ou angústia, gerando um a série de conflitos que podem 
resultar na separação. E dado seu caráter de contrato inconsci­
ente, pode ocorrer de, na separação, os sujeitos saberem o que 
desejam fazer, mas não de quê ou de quem se separar (Puget e 
Berenstein, 1994).
Por sua vez, no ponto de vista lacaniano o que está em 
jogo na escuta analítica não é o casal, o laço conjugal aí esta­
belecido, e sim o sujeito (Pereira, 1999).
Nessa perspectiva, o laço conjugal configura-se tal como 
um a form ação sintomática na medida em que pretende fixar o 
objeto causa do desejo, cuja tarefa é1 impossível. A promessa de 
realizar o impossível insinua-se toda vez que no casal o parcei­
ro se faz objeto de desejo do outro (Brasil, 1999). N ão :há obje­
to capaz de satisfazer integralmente o desejo. Desejo é por 
definição desejo de outra coisa, tornando-se quase inevitável 
que ele se alimente do que está fora da conjugaliclade (Melman, 
1999). O que evidentemente não significa que o laço conjugal 
seja impossível, desde que se leve em conta a dimensão da falta 
que está na base do desejo.
A dimensão do desejo tam bém é fundamental para a 
criança ter um acesso normativo à sua posição sexual.
O ra, sabe-se que o nascim ento de uma criança gera 
mudanças na tram a familiar. Ao mesmo tempo em que ela 
une o pai e a mãe, ela os separa, introduzindo uma divisão não 
somente entre o casal, mas no próprio campo do desejo (Miller,
■— 1998)—-------------------:------------------— --------- ----------------=— -—
Com o nascimento da criança, o pai angustia-se em face 
do desejo da mãe: “Que quer ela então?” “Quem sou eu, pois, 
para ela?” (Miller, 1998: 10), cujas interrogações não devem 
obstruir o .consentimento de que o desejo feminino é sempre 
enigmático.
D o lado da mãe, se a criança é requerida a preencher a 
falta em que se apóia o desejo feminino, ela fica, como diz 
Lacan, num a relação dual “aberta a todas as capturas fantas- 
máticas” e “torna-se ‘objeto5 da m ãe” (Lacan, 1998: 1). Ao con­
trário, a criança deve dividir a mãe, de modo que deseje outras 
coisas além dela: “òs cuidados que ela”, a mãe, “dispensa à 
criança não a desviam de desejar enquanto m ulher” (Miller, 
1998: 7).
Dependendo de como se inscreve o desejo na relação 
entre a m ãe e a criança, a ação do analista se torna mais ou 
menos facilitada.
Tais conceitos devem nortear o psicólogo cuja prática 
seja inspirada na psicanálise.
Não obstante, deve o mesmo perm anecer alerta para os 
riscos de tal aparato conceituai estar a serviço de mecanismos 
disciplinares que, articulados à instituição judiciária, visam a 
“normalizar o quotidiano, fixar papéis sociais e regular relaci­
onam entos” (Brandão, 2002: 38). Mais do que acreditar que o 
desejo, a sexualidade e o sujeito estão na origem dos conflitos 
judiciais, cabe ao psicólogo interrogar, ao lançar mão de tais 
conceitos, se ele não atende às estratégias persuasivas de po­
der. Para tanto, basta incitar cada “sujeito” a decifrar os con­
flitos entre sexualidade e aliança, sem se dar conta de que está 
reforçando a tutela sobre as famílias (Brandão, 2001).
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Isso é um problem a que não concerne somente à psica­
nálise, mas às .práticas psicológicas em geral, de m odo que 
retornaremosa esse ponto ao final do texto.
Mediação familiar: a diversidade de práticas, a diferença em 
relação à arbitragem e à conciliação, o paradigma de 
entendimento mútuo, as experiências dos tribunais brasileiros
Num outro enfoque, a prática de mediação, im plantada 
em diversos países e recentemente no Brasil, é inform ada por 
diversas teorias e técnicas, tendo em comum o objetivo de de­
volver ao casal a competência para gerar a própria solução do 
conflito.
Alguns juristas admitem que, em certas áreas judicativas, 
o tradicional processo litigioso não é o melhor meio para a 
reivindicação efetiva dos direitos. Entende-se então que o mo­
vimento de acesso à justiça encontra razões para cam inhar em 
direção a formas alternativas de resolução de conflitos, entre 
elas, a mediação. Preservando a relação, na medida em que 
trata o litígio como perturbação temporária e não como ruptu­
ra definitiva, tal procedimento é mais acessível, rápido, infor­
mal c menos dispendioso (Krüger, 1998).
O entendimento sobre a resolução de conflitos em V a­
ras de Família comparece na exposição de motivos que o Ilus­
tre Corregedor-Geral de Justiça do Rio de Janeiro escreve, no 
Diário Oficial datado em 11 de novembro de 1997, para a 
abertura do I concurso para o cargo de psicólogo no Tribunal 
de Justiça;
Perante as Varas de Família, também se faz necessária a 
presença dos psicólogos porque existem causas onde o con­
flito entre' o casal litigante, devido a sua profundidade, atinge
■ os filhos. (...) Através de entrevistas com as partes e com os
SO

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