Buscar

texto-racionalidade_do_uso_da_água_-_pablo

Prévia do material em texto

1 
A RACIONALIDADE NO USO DA ÁGUA 
EM SISTEMAS DE ABASTECIMENTO 
DE ÁGUA E ESGOTAMENTO 
SANITÁRIO 
 
por: Pablo Heleno Sezerino 
 
Os usos esarcebados e inconseqüentes da água ao longo 
da história evolutiva dos aglomerados urbanos nos trazem 
a esta reflexão. Os números apontam para uma maciça 
aglomeração de pessoas nas grandes cidades e regiões 
metropolitanas, destacando-se, aproximadamente, uma 
fração de 50% da população urbana do Brasil (40% da 
população total) residente em apenas 413 municípios, ou 
seja, menos de 10% do total de municípios do território 
nacional, apresentando uma densidade demográfica 
superior a 407 hab/km2 (Andreoli, 2005). 
 
Este processo de crescimento das cidades brasileiras deu-
se a partir da década de 50, século passado, quando a 
economia do país transformou-se, passando de 
predominantemente agropecuária para uma economia 
industrial e de bens de serviço, vinculando consigo a 
migração das pessoas às cidades. 
 
Na grande maioria das cidades formadas, têm-se visíveis 
problemas de infra-estrutura básica (notadamente sistema 
de abastecimento de água e esgotamento sanitário) e de 
serviços urbanos capazes de comportar o crescimento 
populacional, reflexos de uma falta de planejamento e/ou 
ordenamento. Esta falta de infra-estutura e planejamento 
urbano se reflete principalmente, conforme destacam 
Andreoli (2005) e Tundisi (2005), nos recursos hídricos, 
afetando sua disponibilidade e qualidade, bem como 
sobre a qualidade de vida da população evidenciada pela 
falta no abastecimento de água, enchentes, destruição dos 
recursos naturais, poluição das águas superficiais e 
subterrâneas devido ao lançamento de esgotos in natura, 
entre outros. 
 
Existe atualmente um reconhecimento em todo o mundo 
que o aumento do uso da água tem causado graves danos 
e impactos ambientais, alguns dos quais podendo ser de 
forma irreversível. Os atuais estilos de vida não 
reconhecem que tanto o homem como a água fazem parte 
de um ecossistema e que qualquer impacto pode gerar 
modificações neste. A escassez e a contaminação da água 
são um dos maiores problemas para o homem em muitas 
regiões do mundo e particularmente nas regiões mais 
pobres. 
 
No mesmo momento em que se concebe a idéia de 
expanção da ocupação humana ao espaço (lançamento do 
primeiro cosmonauta brasileiro a uma base espacial), 
têm-se carências evidentes, ao longo das cidades 
brasileiras, nos serviços de esgotamento sanitários e 
abastecimento de água. No Estado de Santa Catarina, por 
exemplo, apenas 8,84% da população é provida do 
serviço de coleta e tratamento de seus efluentes líquidos 
(IBGE, 2000). O restante tem como destino os corpos 
d’água superficiais, o solo, o mar. 
 
De maneira sucinta, os principais impactos, a curto prazo, 
relacionados ao lançamento de esgotos sanitários em 
corpos d’água constituem: 
- O aumento do consumo de oxigênio pelas bactérias 
que oxidam a matéria orgânica, podendo provocar 
a ausência de oxigênio no meio com conseqüente 
morte dos seres aquáticos aeróbios, como os 
peixes; 
- A contaminação da água por microrganismos 
patogênicos presentes nas excretas de pessoas 
doentes; 
- A alteração da comunidade biológica presente com 
desenvolvimento de grande densidade de poucas 
espécies de seres vivos, que utilizam 
eficientemente os substratos contidos nos esgotos; 
- A eutrofização, a qual consiste no desenvolvimento 
excessivo de algas provocado pela disponibilidade 
de nutrientes, especialmente o fósforo e o 
nitrogênio; 
- Efeito tóxico da amônia (NH3) aos peixes e do nitrito 
(NO2) e nitrato (NO3) ao homem. 
 
Concomitantemente, emprega-se o uso de água de 
elevado grau de qualidade (água potável) para usos não 
nobres, tais como descargas de vasos sanitários, lavagem 
de automóveis e regas de jardins. Valores de consumos de 
2 
água per capita variam de 200 a 300 L/hab.dia para as 
grandes cidades, sendo que destes, apenas 27% é 
utilizado para consumo humano (cozinhar, beber) e 25% 
para higiene (banho, escovar os dentes) (Bio, 2002); os 
48% restantes servem-se a outros usos tais como a 
lavagem de roupas, calçadas, carro e descarga de vaso 
sanitário. 
 
Para uma redução efetiva do consumo de água, a 
literatura especializada aponta inicialmente para a 
eliminação ou a redução do uso de água potável como 
meio de transporte para dejetos humanos considerando-se 
que, aproximadamente, 30% da água utilizada em uma 
residência destina-se a este fim. Em um segundo 
momento, a substituição de água potável por águas de 
chuva ou por águas menos nobres como as águas cinzas 
(resultantes de lavagens e banho). Presume-se que a 
utilização de águas menos nobres associada às águas de 
chuva possa viabilizar, tanto sob aspectos técnicos como 
econômicos este transporte e, conseqüentemente, uma 
redução do consumo de água potável. 
 
Por outro lado, Rebouças (2004) destaca que o uso 
inteligente da água no Brasil traduz-se em fornecimento 
regular desta água e custos reduzidos de abastecimento 
público. Já a gestão das demandas ou formas de uso 
reflete-se na necessidade do uso eficiente da água, tais 
como a redução do consumo de água, medição 
individualizada em instalações prediais, o uso de 
equipamentos economizadores como bacias sanitárias 
com volume reduzido nas descargas, torneiras, chuveiros 
e mictórios com registro de fechamento automático e o 
uso de fontes alternativas de água. 
 
A níves residenciais ações de engenharia estão sendo 
implementadas com vistas ao uso racional da água, 
verificado principalmente na implantação de 
equipamentos economizadores. Hoje, por exemplo, não 
se concebe mais edifícios que não possuam 
hidrometração individualizada. Em relação à substituição 
da água potável para usos não nobres, poucas são ainda as 
ações incorporadas pela engenharia. Destaca-se, contudo, 
a tendência na concepção de instalações prediais 
diferenciadas em “linhas de águas nobres” e “linha de 
água de reúso”. 
O reúso das águas, principlamente vinculadas as águas 
cinzas, em unidades residenciais já é praticado 
regularmente em alguns países como EUA, Japão e a 
Inglaterra. O Estado do Arizona/EUA, por exemplo, 
através do Departamento de Qualidade Ambiental regula 
o uso doméstico da água cinza, passando pela aprovação 
do projeto até a fiscalização da construção (Zabrocki, 
2005). 
 
No Brasil, leis municipais estão sendo criadas para a 
realização e obrigatoriedade deste tipo de réuso, como é o 
caso da capital do Paraná, Curitiba, que criou o Programa 
de Conservação e Uso Racional da Água nas Edificações 
– PURAE. Este programa objetiva instituir medidas que 
induzam à conservação, uso racional e utilização de 
fontes alternativas para captação de água nas novas 
edificações, bem como a conscientização dos usuários 
sobre a importância da conservação da água (Peters, 
2006). 
 
Por outro lado, praticamente inexistem ações de 
racionalização do uso da água para os sistemas urbanos 
de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Busca-
se ainda ampliar a oferta de água para suprir a demanda 
populacional atual e futura. Persiste no Brasil um quadro 
social problemático, em que mais de 3,9 milhões de 
domicílios urbanos (14 milhões de pessoas) que residem 
em áreas urbanas não tem acesso à rede de abastecimento 
de água. Parte desta população esta localizada em Estados 
com baixa densidade demográfica, enquanto que outra 
parcela sobrevive em áreas periurbanas e de vizinhança 
imediata aos grandes centros urbanos no país (Andreoli, 
2005). Este déficitde cobertura das populações com água 
tratada, principalmente as de baixa renda, cerca de 35% 
segundo os dados da Secretaria de Recursos Hídricos do 
Ministério de Meio Ambiente (SRH, 2002), sem dúvida 
torna-se a principal dívida social do setor. 
 
Aliado a este déficit têm-se, também, problemas 
relacionados à qualidade da água distribuída e os índices 
de perdas físicas e de faturamento. Segundo os dados do 
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 
apenas 75% da água distribuída é tratada em Estações de 
Tratamento de Água – ETAs, enquanto que 18% desta 
água é apenas clorada e 7% ainda distribuída in natura. 
3 
Os índices médios de perdas a nível nacional atingem 
montantes da ordem de 45% do volume de água ofertado 
à população (Andreoli, 2005). 
 
Em relação a situação do esgotamento sanitário, pode-se 
dizer que aproximadamente 66,9 milhões de brasileiros 
(44% dos domicílios urbanos), segundo os dados do 
IBGE, ainda sobrevivem na “idade média“, pois o 
material fecal não é coletado, permanecendo no próprio 
domicílio ou na vizinhança, apresentando-se como um 
elevado passivo ambiental. Para a coletividade os 
números não são menos constrangedores à engenharia 
sanitária, pois o serviço de coleta de esgoto é um serviço 
prestado apenas por 2.630 municípios brasileiros, o que 
significa que mais da metade dos municípios ao longo do 
território nacional negligenciam este serviço. O 
tratamento do esgoto coletado, contudo, restringe-se a 
apenas 20,2% dos municípios que realizam coleta 
(PNDUBrasil, 2004). 
 
Diante deste cenário, pergunta-se como ser possível 
implementar programas de racionalização da água? O 
próprio ensino de engenharia ainda não incorpora estes 
conceitos e tendências, mantendo-se os "clássicos" 
métodos de concepção e cálculos – onde ainda se projeta 
água potável para transportar material fecal. 
 
Esta reflexão, portanto, tem como objetivo promover uma 
discussão de diretrizes e caminhos que conduzam ao uso 
racional da água nos sistemas públicos de abastecimento 
de água e esgotamento sanitário e nas instalações 
prediais, bem como a necessidade e as tendências em 
ampliar e implementar estes "novos" conceitos no ensino 
de engenharia. 
 
Pelo fato da água ser um bem imprescindível à vida, 
pode-se considerá-la como um dos bens mais preciosos. 
A partir desta constatação, pergunta-se: Quanto se está 
disposto a pagar por ela? Quem fará o controle dos usos e 
manterá programas de conservação da qualidade? 
 
Respostas para estas perguntas ainda não estão 
esclarecidas. Tem-se, contudo, ao longo dos últimos 30 
anos uma implementação de políticas, na maioria 
internacionais, de controle ambiental, com a intervenção 
do poder público. Três diferentes instrumentos têm sido 
aplicados, segundo os objetivos das políticas ambientais, 
para modificar o comportamento dos usuários, quais são 
(Machado, 2003): 
- regulatório (comando e controle): consiste 
basicamente na prescrição de normas e aplicação 
de multas; 
- econômico (mecanismos de mercado): valoriza os 
bens e serviços ambientais de acordo com sua 
escassez e seu custo social; 
- gastos governamentais: abragem uma variedade de 
ações realizadas por meio de programas vinculados 
ao orçamento do Poder Executivo. 
 
Machado (2003) reforça que a cobrança pelo uso da água 
é um dos mecanismos mais usados, pois trata-se de um 
instrumento dinâmico de incentivo para que os agentes 
econômicos mudem seu comportamento. Aquele que 
polui, reforça o autor, deve diminuir seus gastos através 
de uma constante busca de ações antipoluição. Quando se 
aplica apenas o instrumento regulatório, o poluidor 
procura se ajustar as normas e não faz nenhum esforço 
adicional para reduzir mais a poluição. 
 
Países com maior tradição na gestão dos recursos 
hídricos, como é o caso da França, já dispõem do 
instrumento de cobrança implantado. Porém, os índices 
aplicados à cobrança são complexos e diferenciados entre 
o abastecimento de água (captação, tratamento, 
reservação e distribuição) e o lançamento de efluentes 
(pós-sistema de esgotamento: coleta, transporte e 
tratamento). 
 
Tomando, novamente, a França como exemplo, 
identifica-se que a parcela de água aproveitada de um 
manancial superficial (rios, riachos, lagos e lagoas) ou 
subterrâneo (aqüífero ou lençol freático) é calculada 
como um fator de acréscimo à cobrança de captação em 
função dos índices de consumo (Machado, 2003). Já a 
cobrança pela poluição, reforça o mesmo autor, é 
calculada sobre a geração bruta do poluente, 
introduzindo-se uma bonificação financeira caso exista 
um processo de tratamento da água com a finalidade de 
devolvê-la limpa ao corpo d’água superficial ou 
subterrâneo. 
4 
E no Brasil, o que de efetivo vem sendo realizado com 
vistas à valorização da água? Como implantar uma 
cobrança justa pelo investimento empregado no sistema 
de abastecimento público? Como deverá ser implantado 
uma cobrança em relação ao esgotamento sanitário e 
quanto será o valor cobrado? 
 
As práticas empregadas pelas empresas que oferecem os 
serviços públicos baseiam-se no critério de um valor 
vinculado ao consumo mensal de água, divido em 
categorias, destacando-se as categorias residenciais e 
comerciais. Como exemplo cita-se os valores cobrados 
pela Comapanhia Catarinese de Águas e Saneamento – 
CASAN, onde a categoria residencial é subdividida em 3 
faixas de consumo, quais são: até 10 m3/mês (R$ 
19,10/mês); de 11 a 25 m3/mês (R$ 3,3618/m3) e acima 
de 25m3/mês (R$ 4,6736/m3). Já para a categoria 
comercial têm-se duas subdivisões: até 10 m3/mês (R$ 
27,89/mês) e maior do que 10 m3/mês (R$ 4,4931/m3). 
Ainda há uma terceira categoria, talvez a mais polêmica, 
que é a tarifa social (R$ 3,57/mês para um consumo de 
até 10 m3/mês) para usuários que residem em imóveis 
menores do que 70 m2 de área construída e tiverem renda 
inferior a 2 salários mínimos. Para a tarifa sobre os 
serviços de esgotamento sanitário, nos raros locais onde 
existem, é cobrado um valor de 80% a mais da tarifa de 
água impressa na fatura. 
 
Ressalta-se que as tarifas exemplificadas acima estão 
vinculadas aos serviços de tratamento e distribuição de 
água potável, pois não existe ainda no Brasil uma 
cobrança quanto a captação e uso da água do manancial 
que abastece a coletividade, ou seja, a empresa 
responsável pelo serviço não paga pela matéria-prima, 
sendo talvez, a única atividade econômica que tem sua 
matéria-prima disponível gratuitamente, ou melhor, as 
custas sócio-ambientais. 
 
O que dizer então dos serviços de esgotamento sanitário? 
Qual companhia prestadora dos serviços é tarifada 
diferentemente caso o tratamento de esgoto não atenda a 
todos os parâmetros prescritos nas resoluções federais e 
leis ambientais estaduais e municipais, haja visto que as 
Estações de Tratamento de Esgotos – ETEs, na maioria 
dos casos, são projetadas para a remoção da fração sólida 
presentes nas águas residuárias e na remoção de matéria 
orgânica carbonácea e de colimetria, sendo que as frações 
nitrogenadas e fosforadas são negligenciadas e, bem sabe-
se, são promotoras de grandes distúrbios ambientais, 
compromentendo inclusive os usos múltiplos das águas? 
 
Machado (2003) reforça que no Brasil a principal 
dificuldade para a implantação da cobrança está no 
desconhecimento de sua prática, custos e benefícios, tanto 
no setor que cobrará quanto no setor cobrado, o que gera 
inseguranças e predisposições negativas. 
 
Um esforço no sentido de se promover a valorização da 
água vemsendo promovido após a promulgação da Lei 
9.433, de 8 de janeiro de 1997, a qual institui a Política 
Nacional dos Recursos Hídricos, configurando-se, 
segundo Graf (2000), um marco que reflete uma profunda 
modificação valorativa no que se refere aos usos 
múltiplos da água, às prioridades desses usos, ao seu 
valor econômico, à sua finitude e à participação popular 
na sua gestão. 
 
A partir da criação dos Comitês de Bacia Hidrográficas e 
as Agências de Águas no Brasil, deverão ser definidos 
contratos de cobrança baseados na aferição de volumes 
captados e de volumes e cargas despejados nos corpos 
d’água, previamente acertados entre as partes. 
Novamente, há que se incorporar estes conceitos no 
ensino vinculado as disciplinas sistemas de abastecimento 
de água, sistemas de esgotos, instalações prediais e 
demais cadeiras que abordam o assunto água, pois os 
futuros engenheiros deverão participar ativamente neste 
modelo de gestão que se configura. 
 
A forma como as águas vem sendo gerenciada no 
ambiente urbano sofre atualmente uma revisão de 
conceitos e aplicação evidenciada em vários países, 
notadamente aqueles que sofrem com a escassez. Na 
prática, busca-se a racionalização do uso através de 
técnicas e procedimentos que resultem na preservação do 
recurso, sem que haja comprometimento dos usos 
fundamentais que mantém a vida nas áreas urbanas. 
 
Por outro lado, a demanda da água se dá em todos os 
setores do cotidiano de acordo com os seus diferentes 
5 
usos (doméstico, comercial, público, industrial e 
agrícola). O consumo em cada setor é distinto, estimando-
se montantes da ordem de 56% da demanda total para a 
utilização na agricultura, 21% para fins urbanos, 12% 
para as indústrias, 6% no consumo rural e 6% para 
dessedentação de animais (Rebello, 2004). 
 
A demanda residencial pela água difere de região para 
região, de acordo com o modo e padrão de vida da 
população. Segundo Annecchini (2005), o consumo de 
água em uma habitação é influenciado por diversos 
fatores, tais como o clima, a renda familiar, habitantes na 
residência, cultura e gestão do sistema de abastecimento. 
A necessidade de se rever a quantidade de água fornecida 
para suprir as atividades básicas humanas de ingestão, 
higiene e preparação de alimentos vem sendo discutida na 
literatura especializada. 
 
Pode-se, num primeiro momento, dividir o consumo 
residencial em dois grupos: (i) os que demandam de água 
potável, como a higiene pessoal, água para beber e na 
preparação de alimentos; (ii) os não-potáveis, como a 
lavagem de roupas, rega de jardins, lavagem de calçadas 
e veículos e na descarga da bacia sanitária. Empregar 
água potável para estes fins não potáveis, torna-se, 
minimamente, um retrocesso na busca do uso racional da 
água. 
 
A utilização de fontes alternativas de água, tal como a 
utilização da água da chuva, surge como uma opção 
interessante dentre as opções de racionalização, por evitar 
a utilização das fontes convencionais de suprimento 
(mananciais subterrâneos ou superficiais). Para a efetiva 
redução do consumo de água, a literatura especializada 
tem apontado inicialmente para a eliminação ou a redução 
extrema de água potável como meio de transporte para os 
dejetos humanos, e num segundo momento, sua 
substituição por águas menos nobres provenientes, por 
exemplo, de componentes não sanitários da edificação. 
Soluções que preservam a quantidade e a qualidade da 
água passam necessariamente por uma revisão do uso da 
água nas residências, tendo como meta a redução do 
consumo de água potável e, concomitantemente, da 
produção de águas residuárias. 
 
O reúso de águas na escala das residências e edificações é 
um passo importante nessa direção, concedendo um grau 
de responsabilidade para o indivíduo controlar sua 
própria utilização de água. O conceito de reúso de água 
nas edificações não é novo, embora alguns fatores sociais 
e econômicos ainda restrinjam seu desenvolvimento, e a 
integração dentro do sistema tradicional urbano. Sua 
aplicação é crescente em países tais como Japão, EUA e 
Austrália, e algumas experiências encontram-se em curso 
no Canadá, no Reino Unido, na Alemanha e na Suécia. 
Em que pesem as dificuldades, o desenvolvimento de 
tecnologia e mudanças de atitude em segmentos 
importantes da sociedade sugerem um futuro promissor 
para o reúso de águas na escala residencial. 
 
A prática do reúso diminui o volume de esgotos lançados 
no solo e na rede pública. Essas águas, tratadas, podem 
ser utilizadas para atender a demanda nos usos potáveis e 
não potáveis. Para os fins potáveis necessita-se de um 
padrão de qualidade elevado e, conseqüentemente, um 
controle e tratamento expressivo, elevando o custo e 
podendo até inviabilizar o uso. Todavia, os usos não 
potáveis, viabilizam esta prática, pois exigem qualidade 
menor no seu tratamento. 
 
Segundo Do Val et al. (2004), pode-se utilizar os esgotos 
tratados nos fins não potáveis como a irrigação de 
parques e jardins públicos, centros esportivos, irrigação 
de áreas ajardinadas de edifícios, sejam residenciais ou 
comerciais, lavagem de pátios, trens e ônibus, descarga 
sanitária em banheiros, construção civil, entre outros. 
 
A utilização de água cinza enquadra-se nos usos não-
potáveis, podendo ser utilizada em todas as alternativas 
citadas anteriormente, destacando-se, para os fins urbanos 
domésticos (descarga em bacia sanitária, rega de jardim e 
a lavagem de veículos e calçadas). 
 
Se por um lado tem-se verificado a necessidade e a 
potencialidade do reúso dos esgotos tratados na 
racionalização do uso da água, por outro lado evidencia-
se uma grande lacuna na implementação de ações que 
levem à efetiva mudança nos sistemas de abastecimento, 
esgotamento e instalações prediais. Esta lacuna reforça a 
necessidade de se criar políticas e normatizações ao 
6 
reúso, assim como a necessidade em se incorporar estes 
conceitos no ensino de engenharia. 
 
Os serviços de abastecimento de água (captação, adução, 
tratamento e distribuição) e de esgotamento sanitário 
(coleta, transporte, tratamento e disposição final) 
enquandram-se como um dos principais usuários dos 
recursos hídricos, contudo os programas e políticas do 
setor são desvinculados da política das águas. 
 
Durante anos, afirmam Faria e Faria (2004), a política 
pública que vigorou no país para o setor de saneamento 
teve como base o modelo do Plano Nacional de 
Saneamento Básico – PLANASA (1971 – 1992). Este 
plano constituiu um modelo de gestão centralizado de 
política de abastecimento urbano de água e esgoto e tinha 
o Banco Nacional de Habitação (BNH) como órgão 
executor. Os recursos financeiros eram originados do 
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), do 
Orçamento Geral da União, dos Estados e municípios, 
bem como do próprio BNH, de empréstimos externos 
junto a agências de fomento e empréstimos internos. A 
coordenação e o planejamento da política de saneamento 
básico passaram a ser realizadas a nível nacional. 
 
O PLANASA tinha como principais objetivos: aumentar 
a cobertura dos serviços de abastecimento urbano de água 
e coleta de esgotos em um curto espaço de tempo, 
instituir uma política tarifária com valores reais para o 
setor de saneamento e concentrar a prestação dos serviços 
sob a coordenação das Companhias Estaduais de 
Saneamento Básico (CESBs) (Faria e Faria, 2004). 
 
Com a centralização dos serviços vinculadas as CESBs, 
muitas políticas locais passaram a ser gerenciadas à 
distância, a partir da capital do País ou dasdemais 
capitais dos estados, sem que se levasse em consideração 
a realidade local ou a necessidade de contribuir com o 
desenvolvimento socioeconômico e a gestão 
administrativa local. Não raro essa centralização 
estimulava as obras de grande vulto e caras, uma vez que 
impedia ou dificultava o controle social direto (Brasil, 
2006). 
 
O período entre os anos de 1990 a 1994 é caracterizado 
pelas novas diretrizes econômicas e pela extinção do 
PLANASA. Dentre as políticas públicas relevantes para o 
setor de saneamento nesse período, destacam-se: (i) as 
reformas administrativas; (ii) os novos paradigmas 
criados pelo conselho curador do FGTS; (iii) a extinção 
do controle das tarifas de água e esgoto. Dentre os 
programas, destaca-se o Plano de Ação Imediata de 
Saneamento, coordenado pela Secretaria Nacional de 
Saneamento do Ministério da Ação Social, tendo como 
superote financeiro os recursos da Caixa Econômica 
Federal. Este Plano era formado por três programas: O 
Programa de Saneamento para Núcleos Urbanos 
(PRONURB), o Programa de Saneamento para População 
de Baixa Renda (PROSANEAR) e o Programa Social de 
Emergência e Geração de Empregos (PROSEGUE) (Faria 
e Faria, 2004). 
 
A partir de 1995, inicia-se uma nova fase política do 
setor, caracterizada pela busca de um novo padrão de 
intervenção do Estado. A aprovação da Lei de 
Concessões (Lei 8.987/95) abre novas perspectivas de 
mudanças e amplia o espaço à flexibilização de prestação 
de serviços públicos. É nesse contexto de mudança do 
padrão de intervenção do Estado, destacam Faria e Faria 
(2004), que surge a nova Política Nacional de 
Saneamento, cujo princípio básico está na intenção da 
União em atuar, sobretudo, como reguladora, articuladora 
e promotora das questões relacionadas às políticas de 
saneamento. Outros princípios básicos, afirmam os 
mesmos autores, como a universalização do atendimento, 
a participação de diversos agentes envolvidos – aqui 
destacando-se os Comitês de Bacia, bem como a 
descentralização dos serviços, compõem o pilar filosófico 
da atual política do setor. 
 
O atual modelo de gestão do setor de saneamento pode 
ser caracterizado por dois aspectos gerais. Primeiro, pela 
flexibilidade nas formas em que o município pode prestar 
os serviços de saneamento básico (diretamente por meio 
de alguma instituição municipal, por meio de concessão à 
Companhia Estadual ou concessão ao setor privado). 
Segundo, pela ausência de um marco regulatório melhor 
definido que possa dar suporte a essas diferentes formas 
possíveis de prestação dos serviços (Faria e Faria, 2004). 
7 
 
Segundo a Revista Saneamento Ambiental (Saneamento 
Ambiental On Line, no 262, de 11/7/2006), a votação do 
marco regulatório para o setor de saneamento básico deve 
acontecer esta semana. O projeto, que tem como relator o 
deputado Júlio Lopes (PP-RJ), teve sua votação adiada a 
pedido do senador Tião Viana (PT-AC). O projeto é 
considerado fundamental para atrair investimentos 
privados para a área e garantir a universalização dos 
serviços de água tratada e esgoto. O PL prevê 
investimentos de R$ 170 bilhões durante vinte anos. A 
nova votação está marcada para 11 de julho do corrente 
ano. A principal divergência entre governo e 
parlamentares é sobre o responsável pela organização, 
regulação e planejamento do serviço de saneamento 
básico – municípios, Estados ou União. O governo 
defende a criação de um Sistema Nacional de 
Saneamento Básico, controlado por ele próprio, para que 
os municípios fiquem com a titularidade. Enquanto isso, a 
iniciativa privada critica o governo de querer se impor 
sobre as práticas de gestão dos municípios. O relator Júlio 
Lopes propõe que a votação seja feita em duas etapas – 
primeiro, as diretrizes gerais para o setor passariam por 
avaliação, como garantias para o investimento privado e 
criação de órgãos de regulação. Na segunda fase, seria 
debatida a criação do Sistema Nacional de Saneamento. 
 
Diante de tantas políticas e necessidades atuais de 
articulação, o que se vê na verdade é um descaso em 
relação aos serviços essências à manutenção da qualidade 
de vida da população e à preservação ambiental, 
sobretudo dos corpos d’água. Até quando a sociedade 
deve esperar para que seus direitos sejam validados? Até 
quando os sanitaristas irão permanecer na inércia e 
partirão para uma organização que conduza à 
universalização dos serviços de saneamento? 
 
Referências Bibliográficas 
Andreoli, C.V. (2005). Relações entre meio ambiente e saneamento. In: 
Andreoli, C.V. e Willer, M. (Eds.) Gerenciamento do Saneamento em 
Comunidades Planejadas. Série Cadernos Técnicos AlphaVille, 1. São 
Paulo: AlphaVille Urbanismo S.A., p. 72-87. 
 
Annecchini, K.P.V. (2005). Aproveitamento da água de chuva para fins 
não potáveis na cidade de Vitória (ES). Dissertação (Mestrado em 
Engenharia Ambiental) – UFES: Vitória, 150 p. 
 
Balkema, J.A., Preisig, H.A., Otterpohl, R., Lambert, F.J.D. (2002). 
Indicators for the sustainability assessment of wastewater treatment 
systems. Urban Water, v.4, p.153-161. 
 
Bio (2002). Água: o ouro do século XXI. Caderno Especial. Revista 
Brasileira de Saneamento e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: ABES. Ano 
XI No 21 – Janeiro/Março 2002. pp. 19-34. 
 
Brasil – Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (2006). 
Reestruturação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento 
sanitário no Estado do Piauí – o primeiro Consórcio Público de 
saneamento. Brasília: Ministério das Cidades. 215p. 
 
Chen, J., Bech, M.B. (1997). Towards designing sustainable urban 
wastewater infrastructures: a screening analysis. Water Science and 
Technology, v.35, n.9, p.99-112. 
 
Do Val, P.T. et al. (2004). Reúso de água e suas Implicações Jurídicas. 
São Paulo: Navegar Editora. p.116. 
 
Faria, S.A.; Faria, R.C. (2004). Cenários e perspectivas para o setor de 
saneamento e sua interface com os recursos hídricos. Revista Engenharia 
Sanitária e Ambiental. v. 9, n. 3. jul/set 2004. pp. 202-210. 
Graf, A.C.B. (2000). Água, bem mais precioso do milênio: o papel dos 
Estados. Revista CEJ. Brasília, n. 12, set/dez 2000. pp. 30-39. 
 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2000). Pesquisa 
Nacional de Saneamento Básico. Disponível em www.ibge.gov.br. 
Consultado em 14 de abril de 2004. 
 
Machado, C.J.S. (2003). O preço da água. Revista Ciência Hoje, v. 32, no 
192. pp. 66-67. 
 
Mancuso, P.C.S.; Santos, H.F. (2003). Reúso de água. Barueri-SP: 
Manole. 
 
Miranda, A.B.; Teixeira, B.A.N. (2004). Indicadores para o 
monitoramento da sustentabilidade em sistemas urbanos de abastecimento 
de água e esgotamento sanitário. Revista Engenharia Sanitária e 
Ambiental. v. 9, n. 4. out/dez 2004. pp. 269-279. 
 
Miranda, A.B.; Teixeira, B.A.N. (2002). Princípios Específicos de 
Sustentabilidade para Sistemas Urbanos de Abastecimento de Água e 
Esgotamento Sanitário. ECOURBS. Florianópolis. 
 
Otterpohl, R., Grottker, M., Lang, J. (1997). Sustainable water and waste 
management in urban areas. Water Science and Technology, v.35, n.9, 
p.121-133. 
 
Peter, M.R. (2006). Potencialidade do uso de fontes alternativas de água 
para fins não potáveis em uma unidade residencial. Dissertação 
(Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina. Centro 
Tecnológico. Programa de Pós Graduação em Engenharia Ambiental. 
Florianópolis. 
 
PNDUBrasil (2004). Brasil trata apenas 27,3% do seu esgoto. Disponível 
em http://www.pndu.org.br/index.php?lay=news&id01=216&are=san 
 
Rebello, G.A.O. (2004). Conservação da água em edificações: estudodas 
características de qualidade da água pluvial aproveitada em instalações 
prediais residenciais. Dissertação (Mestrado em Tecnologia Ambiental) – 
IPT: São Paulo, 96 p. 
 
Rebouças, A. (2004) Uso inteligente da água. São Paulo: Escrituras 
Editora. 207 p. 
SRH – Secretaria de Recursos Hídricos – MMA (2002). Avaliação das 
Águas do Brasil. Brasília: MMA. Disponível em www.srh.gov.br 
 
Tucci, C.E.M.; Hespanhol, I.; Netto, O.M.C. (2003). Cenários da gestão 
da água no Brasil: uma contribuição para a “Visão Mundial da Água”. 
Bahia Análise & Dados. Salvador, v. 13, n. Especial. Pp. 357-370. 
 
Tundisi, J. G. (2005). Água no século XXI. Enfrentando a Escassez. 2° 
Edição. São Carlos: Rima, IIE. 
 
Zabrocki, L.; Santos, D. C. (2005). Caracterização da água cinza em 
edifícios residenciais. In: 23° CONGRESSO BRASILEIRO DE 
ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 2005, Campo Grande. 
Saneamento Ambiental Brasileiro: Utopia ou Realidade? Campo Grande: 
ABES. p. 112 - 112. CD-ROM.

Outros materiais