Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 A RACIONALIDADE NO USO DA ÁGUA EM SISTEMAS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO por: Pablo Heleno Sezerino Os usos esarcebados e inconseqüentes da água ao longo da história evolutiva dos aglomerados urbanos nos trazem a esta reflexão. Os números apontam para uma maciça aglomeração de pessoas nas grandes cidades e regiões metropolitanas, destacando-se, aproximadamente, uma fração de 50% da população urbana do Brasil (40% da população total) residente em apenas 413 municípios, ou seja, menos de 10% do total de municípios do território nacional, apresentando uma densidade demográfica superior a 407 hab/km2 (Andreoli, 2005). Este processo de crescimento das cidades brasileiras deu- se a partir da década de 50, século passado, quando a economia do país transformou-se, passando de predominantemente agropecuária para uma economia industrial e de bens de serviço, vinculando consigo a migração das pessoas às cidades. Na grande maioria das cidades formadas, têm-se visíveis problemas de infra-estrutura básica (notadamente sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário) e de serviços urbanos capazes de comportar o crescimento populacional, reflexos de uma falta de planejamento e/ou ordenamento. Esta falta de infra-estutura e planejamento urbano se reflete principalmente, conforme destacam Andreoli (2005) e Tundisi (2005), nos recursos hídricos, afetando sua disponibilidade e qualidade, bem como sobre a qualidade de vida da população evidenciada pela falta no abastecimento de água, enchentes, destruição dos recursos naturais, poluição das águas superficiais e subterrâneas devido ao lançamento de esgotos in natura, entre outros. Existe atualmente um reconhecimento em todo o mundo que o aumento do uso da água tem causado graves danos e impactos ambientais, alguns dos quais podendo ser de forma irreversível. Os atuais estilos de vida não reconhecem que tanto o homem como a água fazem parte de um ecossistema e que qualquer impacto pode gerar modificações neste. A escassez e a contaminação da água são um dos maiores problemas para o homem em muitas regiões do mundo e particularmente nas regiões mais pobres. No mesmo momento em que se concebe a idéia de expanção da ocupação humana ao espaço (lançamento do primeiro cosmonauta brasileiro a uma base espacial), têm-se carências evidentes, ao longo das cidades brasileiras, nos serviços de esgotamento sanitários e abastecimento de água. No Estado de Santa Catarina, por exemplo, apenas 8,84% da população é provida do serviço de coleta e tratamento de seus efluentes líquidos (IBGE, 2000). O restante tem como destino os corpos d’água superficiais, o solo, o mar. De maneira sucinta, os principais impactos, a curto prazo, relacionados ao lançamento de esgotos sanitários em corpos d’água constituem: - O aumento do consumo de oxigênio pelas bactérias que oxidam a matéria orgânica, podendo provocar a ausência de oxigênio no meio com conseqüente morte dos seres aquáticos aeróbios, como os peixes; - A contaminação da água por microrganismos patogênicos presentes nas excretas de pessoas doentes; - A alteração da comunidade biológica presente com desenvolvimento de grande densidade de poucas espécies de seres vivos, que utilizam eficientemente os substratos contidos nos esgotos; - A eutrofização, a qual consiste no desenvolvimento excessivo de algas provocado pela disponibilidade de nutrientes, especialmente o fósforo e o nitrogênio; - Efeito tóxico da amônia (NH3) aos peixes e do nitrito (NO2) e nitrato (NO3) ao homem. Concomitantemente, emprega-se o uso de água de elevado grau de qualidade (água potável) para usos não nobres, tais como descargas de vasos sanitários, lavagem de automóveis e regas de jardins. Valores de consumos de 2 água per capita variam de 200 a 300 L/hab.dia para as grandes cidades, sendo que destes, apenas 27% é utilizado para consumo humano (cozinhar, beber) e 25% para higiene (banho, escovar os dentes) (Bio, 2002); os 48% restantes servem-se a outros usos tais como a lavagem de roupas, calçadas, carro e descarga de vaso sanitário. Para uma redução efetiva do consumo de água, a literatura especializada aponta inicialmente para a eliminação ou a redução do uso de água potável como meio de transporte para dejetos humanos considerando-se que, aproximadamente, 30% da água utilizada em uma residência destina-se a este fim. Em um segundo momento, a substituição de água potável por águas de chuva ou por águas menos nobres como as águas cinzas (resultantes de lavagens e banho). Presume-se que a utilização de águas menos nobres associada às águas de chuva possa viabilizar, tanto sob aspectos técnicos como econômicos este transporte e, conseqüentemente, uma redução do consumo de água potável. Por outro lado, Rebouças (2004) destaca que o uso inteligente da água no Brasil traduz-se em fornecimento regular desta água e custos reduzidos de abastecimento público. Já a gestão das demandas ou formas de uso reflete-se na necessidade do uso eficiente da água, tais como a redução do consumo de água, medição individualizada em instalações prediais, o uso de equipamentos economizadores como bacias sanitárias com volume reduzido nas descargas, torneiras, chuveiros e mictórios com registro de fechamento automático e o uso de fontes alternativas de água. A níves residenciais ações de engenharia estão sendo implementadas com vistas ao uso racional da água, verificado principalmente na implantação de equipamentos economizadores. Hoje, por exemplo, não se concebe mais edifícios que não possuam hidrometração individualizada. Em relação à substituição da água potável para usos não nobres, poucas são ainda as ações incorporadas pela engenharia. Destaca-se, contudo, a tendência na concepção de instalações prediais diferenciadas em “linhas de águas nobres” e “linha de água de reúso”. O reúso das águas, principlamente vinculadas as águas cinzas, em unidades residenciais já é praticado regularmente em alguns países como EUA, Japão e a Inglaterra. O Estado do Arizona/EUA, por exemplo, através do Departamento de Qualidade Ambiental regula o uso doméstico da água cinza, passando pela aprovação do projeto até a fiscalização da construção (Zabrocki, 2005). No Brasil, leis municipais estão sendo criadas para a realização e obrigatoriedade deste tipo de réuso, como é o caso da capital do Paraná, Curitiba, que criou o Programa de Conservação e Uso Racional da Água nas Edificações – PURAE. Este programa objetiva instituir medidas que induzam à conservação, uso racional e utilização de fontes alternativas para captação de água nas novas edificações, bem como a conscientização dos usuários sobre a importância da conservação da água (Peters, 2006). Por outro lado, praticamente inexistem ações de racionalização do uso da água para os sistemas urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Busca- se ainda ampliar a oferta de água para suprir a demanda populacional atual e futura. Persiste no Brasil um quadro social problemático, em que mais de 3,9 milhões de domicílios urbanos (14 milhões de pessoas) que residem em áreas urbanas não tem acesso à rede de abastecimento de água. Parte desta população esta localizada em Estados com baixa densidade demográfica, enquanto que outra parcela sobrevive em áreas periurbanas e de vizinhança imediata aos grandes centros urbanos no país (Andreoli, 2005). Este déficitde cobertura das populações com água tratada, principalmente as de baixa renda, cerca de 35% segundo os dados da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério de Meio Ambiente (SRH, 2002), sem dúvida torna-se a principal dívida social do setor. Aliado a este déficit têm-se, também, problemas relacionados à qualidade da água distribuída e os índices de perdas físicas e de faturamento. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, apenas 75% da água distribuída é tratada em Estações de Tratamento de Água – ETAs, enquanto que 18% desta água é apenas clorada e 7% ainda distribuída in natura. 3 Os índices médios de perdas a nível nacional atingem montantes da ordem de 45% do volume de água ofertado à população (Andreoli, 2005). Em relação a situação do esgotamento sanitário, pode-se dizer que aproximadamente 66,9 milhões de brasileiros (44% dos domicílios urbanos), segundo os dados do IBGE, ainda sobrevivem na “idade média“, pois o material fecal não é coletado, permanecendo no próprio domicílio ou na vizinhança, apresentando-se como um elevado passivo ambiental. Para a coletividade os números não são menos constrangedores à engenharia sanitária, pois o serviço de coleta de esgoto é um serviço prestado apenas por 2.630 municípios brasileiros, o que significa que mais da metade dos municípios ao longo do território nacional negligenciam este serviço. O tratamento do esgoto coletado, contudo, restringe-se a apenas 20,2% dos municípios que realizam coleta (PNDUBrasil, 2004). Diante deste cenário, pergunta-se como ser possível implementar programas de racionalização da água? O próprio ensino de engenharia ainda não incorpora estes conceitos e tendências, mantendo-se os "clássicos" métodos de concepção e cálculos – onde ainda se projeta água potável para transportar material fecal. Esta reflexão, portanto, tem como objetivo promover uma discussão de diretrizes e caminhos que conduzam ao uso racional da água nos sistemas públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário e nas instalações prediais, bem como a necessidade e as tendências em ampliar e implementar estes "novos" conceitos no ensino de engenharia. Pelo fato da água ser um bem imprescindível à vida, pode-se considerá-la como um dos bens mais preciosos. A partir desta constatação, pergunta-se: Quanto se está disposto a pagar por ela? Quem fará o controle dos usos e manterá programas de conservação da qualidade? Respostas para estas perguntas ainda não estão esclarecidas. Tem-se, contudo, ao longo dos últimos 30 anos uma implementação de políticas, na maioria internacionais, de controle ambiental, com a intervenção do poder público. Três diferentes instrumentos têm sido aplicados, segundo os objetivos das políticas ambientais, para modificar o comportamento dos usuários, quais são (Machado, 2003): - regulatório (comando e controle): consiste basicamente na prescrição de normas e aplicação de multas; - econômico (mecanismos de mercado): valoriza os bens e serviços ambientais de acordo com sua escassez e seu custo social; - gastos governamentais: abragem uma variedade de ações realizadas por meio de programas vinculados ao orçamento do Poder Executivo. Machado (2003) reforça que a cobrança pelo uso da água é um dos mecanismos mais usados, pois trata-se de um instrumento dinâmico de incentivo para que os agentes econômicos mudem seu comportamento. Aquele que polui, reforça o autor, deve diminuir seus gastos através de uma constante busca de ações antipoluição. Quando se aplica apenas o instrumento regulatório, o poluidor procura se ajustar as normas e não faz nenhum esforço adicional para reduzir mais a poluição. Países com maior tradição na gestão dos recursos hídricos, como é o caso da França, já dispõem do instrumento de cobrança implantado. Porém, os índices aplicados à cobrança são complexos e diferenciados entre o abastecimento de água (captação, tratamento, reservação e distribuição) e o lançamento de efluentes (pós-sistema de esgotamento: coleta, transporte e tratamento). Tomando, novamente, a França como exemplo, identifica-se que a parcela de água aproveitada de um manancial superficial (rios, riachos, lagos e lagoas) ou subterrâneo (aqüífero ou lençol freático) é calculada como um fator de acréscimo à cobrança de captação em função dos índices de consumo (Machado, 2003). Já a cobrança pela poluição, reforça o mesmo autor, é calculada sobre a geração bruta do poluente, introduzindo-se uma bonificação financeira caso exista um processo de tratamento da água com a finalidade de devolvê-la limpa ao corpo d’água superficial ou subterrâneo. 4 E no Brasil, o que de efetivo vem sendo realizado com vistas à valorização da água? Como implantar uma cobrança justa pelo investimento empregado no sistema de abastecimento público? Como deverá ser implantado uma cobrança em relação ao esgotamento sanitário e quanto será o valor cobrado? As práticas empregadas pelas empresas que oferecem os serviços públicos baseiam-se no critério de um valor vinculado ao consumo mensal de água, divido em categorias, destacando-se as categorias residenciais e comerciais. Como exemplo cita-se os valores cobrados pela Comapanhia Catarinese de Águas e Saneamento – CASAN, onde a categoria residencial é subdividida em 3 faixas de consumo, quais são: até 10 m3/mês (R$ 19,10/mês); de 11 a 25 m3/mês (R$ 3,3618/m3) e acima de 25m3/mês (R$ 4,6736/m3). Já para a categoria comercial têm-se duas subdivisões: até 10 m3/mês (R$ 27,89/mês) e maior do que 10 m3/mês (R$ 4,4931/m3). Ainda há uma terceira categoria, talvez a mais polêmica, que é a tarifa social (R$ 3,57/mês para um consumo de até 10 m3/mês) para usuários que residem em imóveis menores do que 70 m2 de área construída e tiverem renda inferior a 2 salários mínimos. Para a tarifa sobre os serviços de esgotamento sanitário, nos raros locais onde existem, é cobrado um valor de 80% a mais da tarifa de água impressa na fatura. Ressalta-se que as tarifas exemplificadas acima estão vinculadas aos serviços de tratamento e distribuição de água potável, pois não existe ainda no Brasil uma cobrança quanto a captação e uso da água do manancial que abastece a coletividade, ou seja, a empresa responsável pelo serviço não paga pela matéria-prima, sendo talvez, a única atividade econômica que tem sua matéria-prima disponível gratuitamente, ou melhor, as custas sócio-ambientais. O que dizer então dos serviços de esgotamento sanitário? Qual companhia prestadora dos serviços é tarifada diferentemente caso o tratamento de esgoto não atenda a todos os parâmetros prescritos nas resoluções federais e leis ambientais estaduais e municipais, haja visto que as Estações de Tratamento de Esgotos – ETEs, na maioria dos casos, são projetadas para a remoção da fração sólida presentes nas águas residuárias e na remoção de matéria orgânica carbonácea e de colimetria, sendo que as frações nitrogenadas e fosforadas são negligenciadas e, bem sabe- se, são promotoras de grandes distúrbios ambientais, compromentendo inclusive os usos múltiplos das águas? Machado (2003) reforça que no Brasil a principal dificuldade para a implantação da cobrança está no desconhecimento de sua prática, custos e benefícios, tanto no setor que cobrará quanto no setor cobrado, o que gera inseguranças e predisposições negativas. Um esforço no sentido de se promover a valorização da água vemsendo promovido após a promulgação da Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997, a qual institui a Política Nacional dos Recursos Hídricos, configurando-se, segundo Graf (2000), um marco que reflete uma profunda modificação valorativa no que se refere aos usos múltiplos da água, às prioridades desses usos, ao seu valor econômico, à sua finitude e à participação popular na sua gestão. A partir da criação dos Comitês de Bacia Hidrográficas e as Agências de Águas no Brasil, deverão ser definidos contratos de cobrança baseados na aferição de volumes captados e de volumes e cargas despejados nos corpos d’água, previamente acertados entre as partes. Novamente, há que se incorporar estes conceitos no ensino vinculado as disciplinas sistemas de abastecimento de água, sistemas de esgotos, instalações prediais e demais cadeiras que abordam o assunto água, pois os futuros engenheiros deverão participar ativamente neste modelo de gestão que se configura. A forma como as águas vem sendo gerenciada no ambiente urbano sofre atualmente uma revisão de conceitos e aplicação evidenciada em vários países, notadamente aqueles que sofrem com a escassez. Na prática, busca-se a racionalização do uso através de técnicas e procedimentos que resultem na preservação do recurso, sem que haja comprometimento dos usos fundamentais que mantém a vida nas áreas urbanas. Por outro lado, a demanda da água se dá em todos os setores do cotidiano de acordo com os seus diferentes 5 usos (doméstico, comercial, público, industrial e agrícola). O consumo em cada setor é distinto, estimando- se montantes da ordem de 56% da demanda total para a utilização na agricultura, 21% para fins urbanos, 12% para as indústrias, 6% no consumo rural e 6% para dessedentação de animais (Rebello, 2004). A demanda residencial pela água difere de região para região, de acordo com o modo e padrão de vida da população. Segundo Annecchini (2005), o consumo de água em uma habitação é influenciado por diversos fatores, tais como o clima, a renda familiar, habitantes na residência, cultura e gestão do sistema de abastecimento. A necessidade de se rever a quantidade de água fornecida para suprir as atividades básicas humanas de ingestão, higiene e preparação de alimentos vem sendo discutida na literatura especializada. Pode-se, num primeiro momento, dividir o consumo residencial em dois grupos: (i) os que demandam de água potável, como a higiene pessoal, água para beber e na preparação de alimentos; (ii) os não-potáveis, como a lavagem de roupas, rega de jardins, lavagem de calçadas e veículos e na descarga da bacia sanitária. Empregar água potável para estes fins não potáveis, torna-se, minimamente, um retrocesso na busca do uso racional da água. A utilização de fontes alternativas de água, tal como a utilização da água da chuva, surge como uma opção interessante dentre as opções de racionalização, por evitar a utilização das fontes convencionais de suprimento (mananciais subterrâneos ou superficiais). Para a efetiva redução do consumo de água, a literatura especializada tem apontado inicialmente para a eliminação ou a redução extrema de água potável como meio de transporte para os dejetos humanos, e num segundo momento, sua substituição por águas menos nobres provenientes, por exemplo, de componentes não sanitários da edificação. Soluções que preservam a quantidade e a qualidade da água passam necessariamente por uma revisão do uso da água nas residências, tendo como meta a redução do consumo de água potável e, concomitantemente, da produção de águas residuárias. O reúso de águas na escala das residências e edificações é um passo importante nessa direção, concedendo um grau de responsabilidade para o indivíduo controlar sua própria utilização de água. O conceito de reúso de água nas edificações não é novo, embora alguns fatores sociais e econômicos ainda restrinjam seu desenvolvimento, e a integração dentro do sistema tradicional urbano. Sua aplicação é crescente em países tais como Japão, EUA e Austrália, e algumas experiências encontram-se em curso no Canadá, no Reino Unido, na Alemanha e na Suécia. Em que pesem as dificuldades, o desenvolvimento de tecnologia e mudanças de atitude em segmentos importantes da sociedade sugerem um futuro promissor para o reúso de águas na escala residencial. A prática do reúso diminui o volume de esgotos lançados no solo e na rede pública. Essas águas, tratadas, podem ser utilizadas para atender a demanda nos usos potáveis e não potáveis. Para os fins potáveis necessita-se de um padrão de qualidade elevado e, conseqüentemente, um controle e tratamento expressivo, elevando o custo e podendo até inviabilizar o uso. Todavia, os usos não potáveis, viabilizam esta prática, pois exigem qualidade menor no seu tratamento. Segundo Do Val et al. (2004), pode-se utilizar os esgotos tratados nos fins não potáveis como a irrigação de parques e jardins públicos, centros esportivos, irrigação de áreas ajardinadas de edifícios, sejam residenciais ou comerciais, lavagem de pátios, trens e ônibus, descarga sanitária em banheiros, construção civil, entre outros. A utilização de água cinza enquadra-se nos usos não- potáveis, podendo ser utilizada em todas as alternativas citadas anteriormente, destacando-se, para os fins urbanos domésticos (descarga em bacia sanitária, rega de jardim e a lavagem de veículos e calçadas). Se por um lado tem-se verificado a necessidade e a potencialidade do reúso dos esgotos tratados na racionalização do uso da água, por outro lado evidencia- se uma grande lacuna na implementação de ações que levem à efetiva mudança nos sistemas de abastecimento, esgotamento e instalações prediais. Esta lacuna reforça a necessidade de se criar políticas e normatizações ao 6 reúso, assim como a necessidade em se incorporar estes conceitos no ensino de engenharia. Os serviços de abastecimento de água (captação, adução, tratamento e distribuição) e de esgotamento sanitário (coleta, transporte, tratamento e disposição final) enquandram-se como um dos principais usuários dos recursos hídricos, contudo os programas e políticas do setor são desvinculados da política das águas. Durante anos, afirmam Faria e Faria (2004), a política pública que vigorou no país para o setor de saneamento teve como base o modelo do Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANASA (1971 – 1992). Este plano constituiu um modelo de gestão centralizado de política de abastecimento urbano de água e esgoto e tinha o Banco Nacional de Habitação (BNH) como órgão executor. Os recursos financeiros eram originados do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), do Orçamento Geral da União, dos Estados e municípios, bem como do próprio BNH, de empréstimos externos junto a agências de fomento e empréstimos internos. A coordenação e o planejamento da política de saneamento básico passaram a ser realizadas a nível nacional. O PLANASA tinha como principais objetivos: aumentar a cobertura dos serviços de abastecimento urbano de água e coleta de esgotos em um curto espaço de tempo, instituir uma política tarifária com valores reais para o setor de saneamento e concentrar a prestação dos serviços sob a coordenação das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs) (Faria e Faria, 2004). Com a centralização dos serviços vinculadas as CESBs, muitas políticas locais passaram a ser gerenciadas à distância, a partir da capital do País ou dasdemais capitais dos estados, sem que se levasse em consideração a realidade local ou a necessidade de contribuir com o desenvolvimento socioeconômico e a gestão administrativa local. Não raro essa centralização estimulava as obras de grande vulto e caras, uma vez que impedia ou dificultava o controle social direto (Brasil, 2006). O período entre os anos de 1990 a 1994 é caracterizado pelas novas diretrizes econômicas e pela extinção do PLANASA. Dentre as políticas públicas relevantes para o setor de saneamento nesse período, destacam-se: (i) as reformas administrativas; (ii) os novos paradigmas criados pelo conselho curador do FGTS; (iii) a extinção do controle das tarifas de água e esgoto. Dentre os programas, destaca-se o Plano de Ação Imediata de Saneamento, coordenado pela Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério da Ação Social, tendo como superote financeiro os recursos da Caixa Econômica Federal. Este Plano era formado por três programas: O Programa de Saneamento para Núcleos Urbanos (PRONURB), o Programa de Saneamento para População de Baixa Renda (PROSANEAR) e o Programa Social de Emergência e Geração de Empregos (PROSEGUE) (Faria e Faria, 2004). A partir de 1995, inicia-se uma nova fase política do setor, caracterizada pela busca de um novo padrão de intervenção do Estado. A aprovação da Lei de Concessões (Lei 8.987/95) abre novas perspectivas de mudanças e amplia o espaço à flexibilização de prestação de serviços públicos. É nesse contexto de mudança do padrão de intervenção do Estado, destacam Faria e Faria (2004), que surge a nova Política Nacional de Saneamento, cujo princípio básico está na intenção da União em atuar, sobretudo, como reguladora, articuladora e promotora das questões relacionadas às políticas de saneamento. Outros princípios básicos, afirmam os mesmos autores, como a universalização do atendimento, a participação de diversos agentes envolvidos – aqui destacando-se os Comitês de Bacia, bem como a descentralização dos serviços, compõem o pilar filosófico da atual política do setor. O atual modelo de gestão do setor de saneamento pode ser caracterizado por dois aspectos gerais. Primeiro, pela flexibilidade nas formas em que o município pode prestar os serviços de saneamento básico (diretamente por meio de alguma instituição municipal, por meio de concessão à Companhia Estadual ou concessão ao setor privado). Segundo, pela ausência de um marco regulatório melhor definido que possa dar suporte a essas diferentes formas possíveis de prestação dos serviços (Faria e Faria, 2004). 7 Segundo a Revista Saneamento Ambiental (Saneamento Ambiental On Line, no 262, de 11/7/2006), a votação do marco regulatório para o setor de saneamento básico deve acontecer esta semana. O projeto, que tem como relator o deputado Júlio Lopes (PP-RJ), teve sua votação adiada a pedido do senador Tião Viana (PT-AC). O projeto é considerado fundamental para atrair investimentos privados para a área e garantir a universalização dos serviços de água tratada e esgoto. O PL prevê investimentos de R$ 170 bilhões durante vinte anos. A nova votação está marcada para 11 de julho do corrente ano. A principal divergência entre governo e parlamentares é sobre o responsável pela organização, regulação e planejamento do serviço de saneamento básico – municípios, Estados ou União. O governo defende a criação de um Sistema Nacional de Saneamento Básico, controlado por ele próprio, para que os municípios fiquem com a titularidade. Enquanto isso, a iniciativa privada critica o governo de querer se impor sobre as práticas de gestão dos municípios. O relator Júlio Lopes propõe que a votação seja feita em duas etapas – primeiro, as diretrizes gerais para o setor passariam por avaliação, como garantias para o investimento privado e criação de órgãos de regulação. Na segunda fase, seria debatida a criação do Sistema Nacional de Saneamento. Diante de tantas políticas e necessidades atuais de articulação, o que se vê na verdade é um descaso em relação aos serviços essências à manutenção da qualidade de vida da população e à preservação ambiental, sobretudo dos corpos d’água. Até quando a sociedade deve esperar para que seus direitos sejam validados? Até quando os sanitaristas irão permanecer na inércia e partirão para uma organização que conduza à universalização dos serviços de saneamento? Referências Bibliográficas Andreoli, C.V. (2005). Relações entre meio ambiente e saneamento. In: Andreoli, C.V. e Willer, M. (Eds.) Gerenciamento do Saneamento em Comunidades Planejadas. Série Cadernos Técnicos AlphaVille, 1. São Paulo: AlphaVille Urbanismo S.A., p. 72-87. Annecchini, K.P.V. (2005). Aproveitamento da água de chuva para fins não potáveis na cidade de Vitória (ES). Dissertação (Mestrado em Engenharia Ambiental) – UFES: Vitória, 150 p. Balkema, J.A., Preisig, H.A., Otterpohl, R., Lambert, F.J.D. (2002). Indicators for the sustainability assessment of wastewater treatment systems. Urban Water, v.4, p.153-161. Bio (2002). Água: o ouro do século XXI. Caderno Especial. Revista Brasileira de Saneamento e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: ABES. Ano XI No 21 – Janeiro/Março 2002. pp. 19-34. Brasil – Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (2006). Reestruturação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Estado do Piauí – o primeiro Consórcio Público de saneamento. Brasília: Ministério das Cidades. 215p. Chen, J., Bech, M.B. (1997). Towards designing sustainable urban wastewater infrastructures: a screening analysis. Water Science and Technology, v.35, n.9, p.99-112. Do Val, P.T. et al. (2004). Reúso de água e suas Implicações Jurídicas. São Paulo: Navegar Editora. p.116. Faria, S.A.; Faria, R.C. (2004). Cenários e perspectivas para o setor de saneamento e sua interface com os recursos hídricos. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental. v. 9, n. 3. jul/set 2004. pp. 202-210. Graf, A.C.B. (2000). Água, bem mais precioso do milênio: o papel dos Estados. Revista CEJ. Brasília, n. 12, set/dez 2000. pp. 30-39. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2000). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. Disponível em www.ibge.gov.br. Consultado em 14 de abril de 2004. Machado, C.J.S. (2003). O preço da água. Revista Ciência Hoje, v. 32, no 192. pp. 66-67. Mancuso, P.C.S.; Santos, H.F. (2003). Reúso de água. Barueri-SP: Manole. Miranda, A.B.; Teixeira, B.A.N. (2004). Indicadores para o monitoramento da sustentabilidade em sistemas urbanos de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Revista Engenharia Sanitária e Ambiental. v. 9, n. 4. out/dez 2004. pp. 269-279. Miranda, A.B.; Teixeira, B.A.N. (2002). Princípios Específicos de Sustentabilidade para Sistemas Urbanos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário. ECOURBS. Florianópolis. Otterpohl, R., Grottker, M., Lang, J. (1997). Sustainable water and waste management in urban areas. Water Science and Technology, v.35, n.9, p.121-133. Peter, M.R. (2006). Potencialidade do uso de fontes alternativas de água para fins não potáveis em uma unidade residencial. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina. Centro Tecnológico. Programa de Pós Graduação em Engenharia Ambiental. Florianópolis. PNDUBrasil (2004). Brasil trata apenas 27,3% do seu esgoto. Disponível em http://www.pndu.org.br/index.php?lay=news&id01=216&are=san Rebello, G.A.O. (2004). Conservação da água em edificações: estudodas características de qualidade da água pluvial aproveitada em instalações prediais residenciais. Dissertação (Mestrado em Tecnologia Ambiental) – IPT: São Paulo, 96 p. Rebouças, A. (2004) Uso inteligente da água. São Paulo: Escrituras Editora. 207 p. SRH – Secretaria de Recursos Hídricos – MMA (2002). Avaliação das Águas do Brasil. Brasília: MMA. Disponível em www.srh.gov.br Tucci, C.E.M.; Hespanhol, I.; Netto, O.M.C. (2003). Cenários da gestão da água no Brasil: uma contribuição para a “Visão Mundial da Água”. Bahia Análise & Dados. Salvador, v. 13, n. Especial. Pp. 357-370. Tundisi, J. G. (2005). Água no século XXI. Enfrentando a Escassez. 2° Edição. São Carlos: Rima, IIE. Zabrocki, L.; Santos, D. C. (2005). Caracterização da água cinza em edifícios residenciais. In: 23° CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 2005, Campo Grande. Saneamento Ambiental Brasileiro: Utopia ou Realidade? Campo Grande: ABES. p. 112 - 112. CD-ROM.
Compartilhar