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1 - Klein 1928 Estágios iniciais do conflito edipiano

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9 
ESTÁGIOS INICIAIS DO CONFLITO EDIPIANO 
(1928) 
Nota Explicativa da Comissão Editorial Inglesa 
Esse é um dos artigos mais importantes de Melanie Klein. Há alguns anos ela 
defendia a opinião de que o complexo de Édipo tinha início antes do que Freud 
imaginava; em "A anáUse de crianças pequenas" (1923), sugere que ele começa 
quando a criança está entre dois e três anos de idade; numa nota de pé de página 
de "Principios psicológicos da anáhse de crianças pequenas" (1926), dá ii 
entender que na verdade ele começaria bem mais cedo - no primeiro ano de 
vida, durante o desmame, apresentando explicitamente esse conceito em "Sim 
pósio sobre a análise de crianças" (1927). No entanto, as descobertas que fez a 
partir da anáUse de crianças vão além da simples datação desse complexo num 
período anterior; neste artigo relativamente curto, ela apresenta o equivalente de 
uma nova concepção do complexo de Édipo. 
Em seu conceito, o complexo de Édipo tem início no período de desmame, 
numa situação confusa e instável de impulsos misturados. Apesar da emergêní i.i 
de sentimentos genitais, os impulsos sádico-orais e sádico-anais mantêm su,i 
predominância no princípio; os impulsos genitais só passam a dominar a ccii.i 
mais tarde, quando a criança atinge a situação edipiana clássica descrita pm 
Freud. O complexo de Édipo positivo interage intimamente com o invertido, i 
tanto o mundo interior da criança quanto o exterior estão envolvidos n( i ' 
processo. Além disso, o fato de o complexo de Édipo começar tão cedo signiln .i 
que isso ocorre quando o ego ainda não está muito desenvolvido e, de aconlo 
com as novas pesquisas de Melanie Klein sobre o superego, na presença de um 
superego arcaico extremamente severo. Esses dois fatos trazem conseqúêiK 11 
importantes. O bebé é exposto a uma avalanche de impulsos sádicos e sexii.ii'» 
contraditórios, aliados a uma forte curiosidade sexual, quando ainda iiiln 
consegue compreender as coisas nem se expressar; Melanie Klein chama atcni,,\ii 
para a dor, o ódio e a ansiedade relacionados a essa situação, assim como p;ihi 
suas conseqiiências no desenvolvimento sexual e epistemofílico. Além dissd, ,i 
presença do superego significa que a culpa a respeito dos impulsos pré-gcuii.ii'. 
não é deslocada para trás a partir de um ego formado no nível genital, mas vem 
diretamente do severo superego arcaico. 
Melanie Klein também acredita que a consciência arcaica do bebe a rcspciid 
do corpo da mãe e de seu conteúdo é de particular importância. O mesmn Nt< 
AMOR, CULPA E REPARAÇÃO 215 
aplica, em seu conceito, à fase de feminilidade. Apesar de não ligá-la às suas 
ideias posteriores, a fase de feminilidade não perdeu sua importância a seus 
olhos; os aspectos de inveja e apropriação desta relação com a mãe também 
foram estudados em Inveja e gratidão (1957), e o conceito posterior de identifi-
cação projetiva parece ser o mecanismo por trás da fase de feminilidade. 
Nesse artigo, Melanie Klein acompanha identificações sucessivas no início 
das relações edipianas, num relato que apresenta elos de ligação com as 
discussões de Freud em O ego e o id, mas num nível mais inicial. Ela descreve o 
desenvolvimento sexual do menino e da menina, e apesar de não concordar com 
Freud a respeito da principal ansiedade nos dois sexos, vê seu trabalho como 
uma expansão das novas ideias de Freud sobre a ansiedade em inibições, sintomas 
c ansiedade, E.S.B. 20. No ano seguinte, em "Situações de ansiedade infantil, etc." 
(1929), ela dá exemplos das situações de ansiedade básicas descritas neste artigo, 
lim seu conceito, a ansiedade mais profunda de ambos os sexos vem de uma 
imago formada a partir de ataques contra o corpo da mãe: a imagem de uma mãe 
ameaçadora que possui um pênis hostil, a figura dos pais combinados, como ela 
viria a chamá-la mais tarde. Melanie Klein argumenta que a ansiedade de 
(astração no menino deriva dessa ansiedade mais primária e que, no caso da 
menina, o medo da perda de amor é secundária ao medo de ter seu interior 
atacado por uma mãe hostil; também faz uma descrição da ansiedade de 
(astração e da inveja do pênis na menina diferente daquela oferecida por Freud, 
e apesar de falar da fase fálica num desejo manifesto de não criar divergências 
i om Freud, não deixa de destacar a presença de uma consciência inicial da 
vagina. 
Estas são as novas descobertas de Melanie Klein a respeito do complexo 
lie Édipo. Não se pode esquecer que neste estágio de seu pensamento a 
.iiisiedade é um conceito genérico, não havendo ainda a distinção entre 
.iiisiedade persecutória e depressiva; mais importante do que isso, ela continua 
.1 SC ater principalmente ao estudo do ódio. Melanie Klein muda de conceito a 
lespeito de vários pontos em "O complexo de Édipo à luz das ansiedades 
.iicaicas", escrito em 1945, quando já tinha estabelecido a distinção entre os 
ilois tipos de ansiedade e atribuído ao impulso amoroso o seu devido lugar ao 
I.KIO do ódio. Essa e outras questões são examinadas na Nota Explicativa do 
.litigo de 1945. .<> , ,,. 
9 
ESTÁGIOS INICIAIS DO CONFLITO EDIPIANO 
(1928) 
Durante minha experiência com a anáhse de crianças, principalmente aquelas 
entre os três e os seis anos de idade, cheguei a diversas conclusões que 
apresentarei aqui de forma resumida. 
Já me referi várias vezes à constatação de que o complexo de Édipo entra em 
ação mais cedo do que se costuma imaginar. No artigo "Os principios psicoló-
gicos da análise de crianças pequenas", examinei este assunto em maiores 
detalhes. A conclusão a que cheguei lá é que as tendências edipianas são 
liberadas como consequência da frustração sentida pela criança com o desmame, 
e que se manifestam no final do primeiro e inicio do segundo ano de vida; elas 
são reforçadas pelas frustrações anais sofridas durante o treinamento dos hábitos 
de higiene. O próximo elemento que influencia de forma determinante os 
processos mentais é a diferença anatómica entre os sexos. 
O menino, quando se vê impelido a trocar a posição oral e anal pela genital, 
passa a ter o objetivo da penetração associado à posse do pênis. Assim, ele muda 
não só sua posição libidinal, mas também seu objetivo, o que permite que 
mantenha o objeto amoroso original. No caso da menina, por outro lado, o 
objetivo receptivo passa da posição oral para a genital: ela muda sua posição 
libidinal, mas mantém o mesmo objetivo, que já levou à frustração em relação a 
mãe. Desse modo, a menina desenvolve a receptividade para o pênis e se volta 
para o pai como objeto amoroso. 
Desde o início, porém, os desejos edipianos ficam associados ao medo da 
castração e a sentimentos de culpa incipientes. 
A análise de adultos, assim como a de crianças, já nos mostrou que os 
impulsos pulsionais pré-genitais carregam consigo um sentimento de culpa. 
Pensava-se de início que os sentimentos de culpa se desenvolviam mais tarde c 
eram deslocados para essas tendências, apesar de originalmente não estarem 
associados a elas. Ferenczi supõe que há uma "espécie de precursor fisiológico 
do superego" associado aos impulsos uretrais e anais, a que dá o nome de 
"moralidade esfincteriana". Segundo Abraham, a ansiedade aparece pela primei 
ra vez no nível canibalesco, enquanto o sentimento de culpa surge na la.se 
sádico-anal arcaica posterior. 
Minhas descobertas vão ainda mais longe. Elas mostram que o sentimento 
de culpa associado à fixação pré-genital já é efeito direto do conflito edipiano 
Isso parece explicar de forma satisfatória a origem desse sentimento, pois 
sabemos que o sentimento de culpa na verdade é o resultado da introjcção 
AMOR. CULPA E REPARAÇÃO 217 
(completa, ou —eu acrescentaria - ainda em andamento) dos objetos amorosos 
edipianos: isto é, o sentimento de culpa é produto da formação do superego. 
A análise de criançaspequenas revela que a estrutura do superego é montada 
a partir de identificações que datam de períodos e estratos muito diferentes da 
vida mental. Essas identificações têm caráter surpreendentemente contraditório: 
uma bondade excessiva pode conviver lado a lado com uma severidade desme-
dida. Podemos ver nelas, também, uma explicação para o rigor do superego, que 
se manifesta de forma muito clara na análise dessas crianças. Não parece claro 
que uma criança de quatro anos, por exemplo, deveria criar em sua mente uma 
imagem irreal e fantástica de pais que devoram, cortam e mordem. No entanto, 
é fácil explicar por que numa criança com cerca de um ano a ansiedade criada 
pelo início do conflito edipiano toma a forma do medo de ser devorada e 
destruída. A própria criança deseja destruir o objeto libidinal, mordendo-o, 
devorando-o e cortando-o em pedaços. Isso dá origem à ansiedade, pois o 
despertar das tendências edipianas é seguido pela introjeção do objeto, do qual 
agora se espera punição. A criança passa a temer um castigo que corresponda à 
ofensa: o superego se torna algo que morde, devora e corta. 
A conexão entre a formação do superego e as fases pré-genitais do desenvol-
vimento é muito importante a partir de dois pontos de vista. Por um lado, o 
sentimento de culpa se prende ás fases sádico-oral e sádico-anal, que ainda são 
as predominantes; por outro, o superego se forma quando essas fases ainda estão 
em ascendência, o que explica seu rigor sádico. 
Essas conclusões abrem uma nova perspectiva. Um ego ainda muito fraco 
só é capaz de se defender de um superego tão ameaçador através de forte 
repressão. Uma vez que as tendências edipianas de início se expressam sob a 
forma de impulsos orais e anais, a questão de quais fixações serão predominantes 
no desenvolvimento edipiano será resolvida, principalmente, pelo grau de 
repressão que ocorre nesse estágio inicial. 
A conexão direta entre a fase pré-genital do desenvolvimento e o sentimento 
de culpa também é importante porque as frustrações orais e anais, que formam 
o protótipo de todas as frustrações posteriores para o resto da vida, ao mesmo 
tempo também significam punição e dão origem à ansiedade. Essa circunstância 
laz com que a frustração seja sentida de forma mais pungente e essa amargura 
colabora para a dificuldade de todas as frustrações posteriores. 
Descobrimos que consequências importantes decorrem do fato de o ego 
ainda estar pouco desenvolvido quando é atacado pelo início das tendências 
edipianas e a incipiente curiosidade sexual relacionada a elas. O bebé, cujo 
intelecto ainda não está bem desenvolvido, é exposto a uma avalanche de 
problemas e indagações. Um dos maiores sofrimentos que encontramos no 
inconsciente é que essas perguntas esmagadoras - que parecem ser apenas 
218 ESTÁGIOS INICIAIS DO CONFLITO EDIPIANO 
parcialmente conscientes e, mesmo quando são conscientes, ainda não podem 
ser expressas em palavras - permanecem sem resposta. Outro problema vem 
colado a esse, e é o fato de a criança não entender as palavras. Assim, suas 
primeiras perguntas remontam a uma época em que ela não consegue compreen-
der a fala. r i i • ! , ; ; . , 
Na análise, essas duas fontes de sofrimento dão origem a uma quantidade 
extraordinária de ódio. Sozinhas ou em conjunto, são a causa de diversas inibições 
do impulso epistemofílico: a incapacidade de aprender línguas estrangeiras e o 
ódio àqueles que falam outra língua, por exemplo. Também são responsáveis por 
distúrbios diretos da fala, etc. A curiosidade que se manifesta com clareza mais 
tarde, geralmente no quarto ou quinto ano de vida, não é o início, mas sim o 
clímax e o encerramento dessa fase do desenvolvimento. Minhas descobertas 
indicam que o mesmo se aphca ao conflito edipiano em geral. 
A sensação inicial de não saber está ligada a vários elementos. Ela se une à 
sensação de ser incapaz, impotente, que logo resulta da situação edipiana. A 
criança também sente essa frustração de forma mais aguda porque não possui 
um conhecimento claro sobre os processos sexuais. Em ambos os sexos, o 
complexo de castração é acentuado por essa sensação de ignorância. 
A conexão inicial entre o impulso epistemofíhco e o sadismo é muito 
importante para todo o desenvolvimento mental. Essa pulsão, ativada pelo 
surgimento das tendências edipianas, volta-se de início principalmente para o 
corpo da mãe, visto como o palco de todos os processos e desenvolvimentos 
sexuais. Nesse ponto, a criança ainda está dominada pela posição libidinal 
sádico-anal, que a impele ao desejo de se apropriar do conteúdo do corpo. Ela 
então passa a sentir forte curiosidade sobre o conteúdo desse corpo, sua 
aparência, etc. Assim, a pulsão epistemofílica e o desejo de se apossar do objeto 
estão intimamente ligados desde muito cedo e, ao mesmo tempo, associam-se ao 
sentimento de culpa criado pelo conflito edipiano incipiente. Essa conexão 
importantíssima dá início a uma fase de desenvolvimento que é essencial em 
ambos os sexos, mas que até agora não foi muito reconhecida. Trata-se de uma 
identificação muito inicial com a mãe. 
O caminho percorrido por essa fase de "feminilidade" deve ser examinado 
separadamente nos meninos e nas meninas, mas antes de fazer isso, gostaria'dc 
mostrar sua ligação com a fase anterior, que é comum a ambos os sexos. 
No estágio sádico-anal arcaico, a criança sofre seu segundo trauma severo, 
que reforça a tendência de se afastar da mãe. Essa já havia frustrado seus desejos 
orais e agora interfere nos seus prazeres anais. É como se nesse ponto as privações 
anais fizessem com que as tendências anais se fundam às tendências sádicas. A 
criança deseja tomar posse das fezes da mãe, penetrando no seu corpo, cortando-o 
em pedaços, devorando-o e destruindo-o. Sob a influência de seus impulsos 
AMOR, CULPA E REPARAÇÃO 219 
genitais, o menino está começando a se voltar para a mãe como objeto amoroso. 
Contudo, seus impulsos sádicos estão em pleno funcionamento e o ódio resultante 
das frustrações anteriores se opõe ferrenhamente a esse objeto amoroso no nível 
genital. Um obstáculo ainda maior para seu amor é o medo de ser castrado pelo 
pai, que surge juntamente com os impulsos edipianos. O grau em que consegue 
atingir a posição genital depende em parte da sua capacidade de tolerar essa 
ansiedade. Aqui a intensidade das fixações sádico-orais e sádico-anais é fator 
muito importante. Ela afeta a quantidade de ódio que o menino sente pela mãe; 
isso, por sua vez, dificulta em maior ou menor grau que este assuma uma posição 
positiva em relação a ela. As fixações sádicas também exercem forte influência 
sobre a estruturação do superego, que está em processo de formação quando essas 
fases ainda estão em ascendência. Quanto mais cruel for o superego, mais 
aterrorizante será a figura do pai castrador e maior será a força com que a criança, 
tentando fugir de seus impulsos genitais, irá se prender aos níveis sádicos, a partir 
dos quais as tendências edipianas inicialmente tomam seu aspecto. 
Nesses estágios iniciais, todas as posições do desenvolvimento edipiano são 
investidas numa rápida sucessão. Isso, porém, passa despercebido, pois o 
quadro ainda é dominado pelos impulsos pré-genitais. Além disso, não é possível 
estabelecer uma distinção clara entre a atitude heterossexual ativa que se 
expressa no nível anal e o estágio posterior de identificação com a mãe. 
Agora chegamos àquela fase do desenvolvimento a que me referi antes com 
o nome de "fase de feminilidade". Ela está calcada no nível sádico-anal, ao qual 
empresta um novo conteúdo, pois as fezes passam a ser igualadas ao bebé que 
a criança espera ter. O desejo de roubar a mãe agora se aphca ao bebé, assim 
como às fezes. Aqui podemos perceber dois objetivos que se fundem um ao outro. 
Um é governado pelo desejo deter filhos, e a intenção da criança é apropriá-los; 
o outro objetivo é motivado pelo ciúme de futuros irmãos, cujo surgimento é 
esperado, e pelo desejo de destruí-los dentro da mãe. (Um terceiro objeto das 
tendências sádico-orais do menino dentro da mãe é o pênis do pai.) 
Assim como no complexo de castração das meninas, no complexo de 
feminilidade dos meninos há no fundo o desejo frustrado de possuir um órgão 
especial. As tendências de roubar e destruir estão ligadas aos órgãos de fecun-
dação, gravidez e parto que o menino presume exisdrem na mãe, assim como à 
vagina e os seios, a fonte do leite, cobiçados como órgãos de receptividade e 
fartura desde o tempo em que a posição libidinal é puramente oral. 
O menino teme ser punido pela destruição do corpo da mãe, mas além disso 
seu medo também tem um caráter mais geral —nesse ponto é possível estabelecer 
uma analogia com a ansiedade ligada aos desejos de castração da menina. Ele tem 
medo de que seu corpo seja mutilado e desmembrado, e esse pavor também 
significa a castração. Aqui temos uma contribuição direta para o complexo de 
220 ESTÁGIOS INICIAIS DO CONFLITO EDIPIANO 
castração. Nesse período inicial de desenvolvimento, a mãe que toma as fezes do 
menino também representa uma mãe que o desmembra e castra. Não é apenas 
através das frustrações anais impostas ã criança que a mãe abre caminho para o 
complexo de castração: em termos de reahdade psíquica, ela j á é o castrador. 
Esse medo da mãe é esmagador, pois combinado a ele vem o pavor de ser 
castrado pelo pai. As tendências destrutivas cujo objeto é o útero também são 
dirigidas com toda a sua intensidade sádico-oral e sádico-anal contra o pênis do 
pai, que estaria localizado lá. É nesse pênis que o medo de ser castrado pelo pai 
se concentra durante essa fase. Assim, a fase de feminilidade se caracteriza pela 
ansiedade relacionada ao útero e ao pênis do pai, e essa ansiedade submete o 
menino ã tirania de um superego que devora, mutila e castra, formado a partir 
das imagens da mãe e do pai ao mesmo tempo. 
Desse modo, as posições genitais incipientes misturam-se desde o início às 
diversas tendências pré-genitais. Quanto maior for a preponderância das fixações 
sádicas, mais a identificação do menino com a mãe corresponderá a uma atitude 
de rivalidade em relação à mulher, com sua mescla de inveja e ódio; pois devido 
à vontade de ter um filho, ele se sente em desvantagem e numa posição inferior 
à mãe. 
Vejamos agora por que o complexo de feminilidade dos homens parece bem 
mais obscuro do que o complexo de castração das mulheres, apesar de ambos 
terem a mesma importância. ' r.:; 
A fusão do desejo de ter um filho com o impulso epistemofílico permite ao 
menino executar um deslocamento para o plano intelectual; a sensação de estar 
em desvantagem então é ocultada e supercompensada pela superioridade que 
deduz do fato de possuir um pênis, superioridade que também é reconhecida 
pelas meninas. Esse exagero da posição masculina provoca afirmações exagera-
das de masculinidade. No artigo "Die Wurzel des Wissbegierde", Mary Chadwick 
(1925) também atribui o valor excessivo que o homem confere narcisicamente 
ao pênis, assim como sua aútude de rivahdade intelectual em relação às mulhe-
res, à frustração do desejo de ter filho e ao deslocamento desse desejo para o 
plano intelectual. 
A tendência dos meninos de exibir uma agressividade excessiva, coisa que 
ocorre com muita frequência, tem sua origem no complexo de feminilidade. Ela 
é acompanhada por uma atitude de desprezo e de "saber melhor", além de ser 
extremamente anti-social e sádica, sendo determinada em parte pela tentativa de 
ocultar a ansiedade e a ignorância que se encontram por trás dela. Também 
coincide em parte com o protesto do menino (resultante do medo da castração) 
contra o papel feminino, mas não deixa de estar calcada no medo da mãe, da 
qual o menino pretendia roubar o pênis do pai, os filhos e os órgãos sexuais 
femininos. Essa agressividade excessiva se une ao prazer em atacar decorrente 
AMOR, CULPA E REPARAÇÃO 221 
da situação edipiana direta, genital, mas representa a parte dessa situação que é 
de longe o fator mais anti-social da formação do caráter. É por isso que a 
rivalidade do homem com as mulheres pode ser bem mais anti-social do que sua 
rivalidade com outros homens, que é provocada em grande parte pela posição 
genital. A quantidade de fixações sádicas, é claro, também vai determinar a 
relação do homem com outros homens quando eles são rivais. Se, ao contrário, 
a identificação com a mãe está calcada numa posição genital melhor estabele-
cida, a relação com as mulheres terá um caráter positivo e o desejo de ter 
filho, assim como o componente feminino, que desempenham um papel tão 
importante no trabalho do homem, encontrarão condições mais favoráveis 
para a sublimação. 
Em ambos os sexos, uma das principais fontes das inibições no trabalho é 
a ansiedade e o sentimento de culpa associado à fase de feminilidade. A 
experiência me ensinou, porém, que a análise cuidadosa dessa fase, também por 
outros motivos, é importante do ponto de vista terapêutico e pode ser de grande 
ajuda em casos de obsessão que parecem ter adngido um ponto onde não é 
liossível fazer mais nada. 
No desenvolvimento do menino, a fase de feminilidade é seguida de uma 
hita prolongada entre as posições pré-genital e genital da libido. Quando atinge 
seu auge, no período que vai do terceiro ao quarto ano de vida, essa luta pode 
ser facilmente reconhecida como o conflito edipiano. A ansiedade associada à 
fase de feminilidade empurra o menino de volta à identificação com o pai; mas 
esse estímulo por si só não fornece alicerce seguro o bastante para a posição 
genital, pois ele leva principalmente à repressão e á supercompensação das 
pulsões sádico-anais, ao invés de superá-las. O medo de ser castrado pelo pai 
reforça a fixação nos níveis sádico-anais. O grau de genitalidade constitucional 
lambem desempenha um papel importante na solução favorável dessa situação, 
l.t'., a conquista do nível genital. Muitas vezes, o resultado da luta permanece 
indefinido, o que dá origem a problemas neuróticos e distúrbios de potência.' 
Assim, a aquisição da potência total e a tomada da posição genital dependem em 
parte da solução favorável da fase de feminilidade. 
Passarei agora para o desenvolvimento das meninas. Como consequência 
do processo do desmame, a menina se afasta da mãe, sendo impelida nesse 
'.eiitido também pelas privações anais que sofreu. Tendências genitais começam 
i);ora a influenciar seu desenvolvimento mental. 
Concordo plenamente com Helene Deutsch (1925) quando afirma que o 
desenvolvimento genital da mulher se completa com o deslocamento da libido 
oral para a zona genital. Os resultados das minhas observações mostram, porém. 
I l I W Reich: "Die Funktion des Orgasmus" (1927). 
222 ESTÁGIOS INICIAIS DO CONFLITO EDIPIANO 
que esse deslocamento se inicia com as primeiras manifestações dos impulsos 
genitais, e que o objetivo oral e receptivo dos órgãos genitais exerce uma 
influência determinante sobre a escolha do pai como objeto amoroso pela menina. 
Também fui levada a concluir que uma noção inconsciente da vagina, assim 
como sensações nesse órgão e no resto do aparelho genital, são despertadas logo 
que surgem os impulsos edipianos. No caso das meninas, porém, o onanismo 
não oferece uma saída tão adequada para essas quantidades de excitação como 
acontece com os meninos. Assim, a falta de gratificação acumulada fornece mais 
um motivo para novas comphcações e distíirbios no desenvolvimento sexual 
feminino. A dificuldade de obter a gratificação total através da masturbação pode 
ser mais uma causa, além daquelas apontadas por Freud, para que a menina 
repudie o onanismo. Talvez tambémpossa explicar, em parte, por que durante 
a tentativa dé abandoná-lo, a masturbação manual geralmente seja substituída 
pelo movimento de juntar com força as pernas. 
Além do caráter receptivo do órgão genital — posto em ação pelo desejo 
intenso de encontrar uma nova fonte de grauficação — a inveja e o ódio da mãe, 
que possui o pênis do pai, também parecem ser mais um motivo para que a 
menina se volte para o pai no período em que seus primeiros impulsos edipianos 
estão se manifestando. As carícias do pai agora têm o efeito de uma sedução e 
são sentidas como "a atração do sexo oposto".' 
No caso da menina, a identificação com a mãe é resultado direto dos 
impulsos edipianos: todo o conflito provocado no menino pela ansiedade de 
castração está ausente nela. Nas meninas, assim como nos meninos, essa 
identificação coincide com as tendências sádico-anais de roubar e destruir a mãe. 
Se a identificação com a mãe ocorre principalmente num estágio em que as 
tendências sádico-orais e sádico-anais estão muito acentuadas, o medo do 
superego materno primitivo leva ã repressão e ã fixação dessa fase, interferindo 
no desenvolvimento genital posterior. O medo da mãe também impele a menina 
a desistir de se identificar com ela. Tem início, então, a identificação com o pai. 
A menina tem o seu impulso epistemofilico despertado pelo complexo de 
Édipo; o resultado é a descoberta de que não possui um pênis. Ela sente essa 
falta como mais um motivo para odiar a mãe, mas ao mesmo tempo seu 
sentimento de culpa faz com que a encare como uma punição. Isso torna mais 
amarga sua frustração nesse sentido e, por sua vez, exerce uma influência 
profunda no complexo de castração como um todo. 
O sofrimento inicial pela falta do pênis aumenta mais tarde, quando a fase 
1 Muitas vezes nos deparamos com a queixa inconsciente de que a mãe seduziu a criança enquanto 
cuidava dela. Essa queixa remonta ao período em que os desejos genitais passam a ocupar o 
primeiro plano e as tendências edipianas estão despertando. 
AMOR, CULPA E REPARAÇÃO 223 
fálica e o complexo de castração entram em plena atividade. Freud afirma que a 
descoberta da ausência do pênis provoca a troca da mãe pelo pai como objeto 
amoroso. Minhas investigações mostram, porém, que essa descoberta age apenas 
como reforço nesse sentido: tudo isso ocorre num estágio muito inicial do 
conflito edipiano e a inveja do pênis toma o lugar do desejo de ter um filho, que 
por sua vez volta a substituir a inveja do pênis no desenvolvimento posterior. 
Acredito que a privação do seio seja a causa mais importante da opção pelo pai. 
A identificação com o pai é menos carregada de ansiedade do que aquela 
com a mãe; além disso, o sentimento de culpa em relação à mãe provoca a 
supercompensação, através de uma nova relação de amor com ela. Em oposição 
a essa nova relação de amor, há ainda o complexo de castração, que torna difícil 
uma atitude masculina, e o ódio contra a mãe resultante das posições anteriores. 
O ódio e a rivalidade com mãe, contudo, fazem mais uma vez com que a 
idendficação com o pai seja abandonada e ele volte a ser o objeto para amar e 
pelo qual ela deseja ser amada. 
A relação da menina com a mãe faz com que a sua relação com o pai tome 
uma direção positiva e outra negativa. A frustração que sofre nas mãos deste tem 
suas raízes mais profundas na decepção já sofrida em relação ã mãe; um forte 
motivo para o desejo de possuí-lo é o ódio e a inveja da mãe. Se as fixações 
sádicas permanecem preponderantes, esse ódio e sua supercompensação tam-
bém irão afetar profundamente a relação da mulher com os homens. Por outro 
lado, se há uma relação mais positiva com a mãe, calcada na posição genital, a 
mulher não só estará menos presa a um sentimento de culpa na sua relação com 
os filhos, mas seu amor pelo marido será altamente reforçado, pois este sempre 
representa o filho adorado e, ao mesmo tempo, a mãe que dá tudo aquilo que é 
desejado. Aparte da relação que diz respeito exclusivamente ao pai está montada 
sobre esse alicerce tão importante. De início, ela se concentra na ação do pênis 
durante o coito. Essa ação, que também promete a gratificação dos desejos agora 
deslocados para os órgãos genitais, parece à menina uma proeza insuperável. 
Sua admiração é abalada pela frustração do complexo de Édipo, mas caso 
não acabe se convertendo em ódio, torna-se uma das características fundamen-
lais da relação da mulher com o homem. Mais tarde, quando a satisfação total 
dos impulsos amorosos é obtida, a essa admiração se soma a enorme gratidão 
pelo fim da privação acumulada. Essa gratidão se expressa através da grande 
c .ipacidade feminina de se entregar de forma total e duradoura ao mesmo objeto 
.linoroso, principalmente no caso do "primeiro amor". 
Um elemento que prejudica bastante o desenvolvimento da menina é o 
«guinte: enquanto o menino de fato possui o pênis, a partir do qual entra numa 
I ivalidade com o pai, a menina tem apenas o desejo insaciado de ser mãe - a 
224 ESTÁGIOS INICIAIS DO CONFLITO EDIPIANO 
respeito do qual, aliás, tem apenas uma noção vaga e incerta, ainda que muito 
intensa. 
Não é apenas essa incerteza que perturba sua esperança de um dia ser mãe. 
Ela é muito mais enfraquecida pela ansiedade e o sentimento de culpa, que 
podem danificar séria e permanentemente a capacidade materna da mulher. Por 
causa das tendências destrutivas que dirigiu contra o corpo da mãe (ou alguns 
de seus órgãos) e as crianças dentro do útero, a menina espera ser castigada com 
a destruição de sua própria capacidade de ter filhos, dos órgãos ligados a essa 
função ou de seus próprios bebés. Aqui também podemos encontrar uma 
explicação para a constante preocupação das mulheres (muitas vezes excessiva) 
com sua própria beleza, pois temem que esta também seja destruída pela mãe. 
Por trás do impulso de se embelezar, sempre há a tentativa de restaurar a graça 
destruída, noção originária da ansiedade e do sentimento de culpa.' 
É provável que esse medo profundo da destruição dos órgãos internos seja 
a causa psíquica da maior suscctibilidade das mulheres, em comparação com os 
homens, à histeria de conversão e às doenças orgânicas. 
Essa ansiedade e o sentimento de culpa são a principal causa da repressão 
do orgulho e da alegria no papel feminino, que originalmente são muito fortes. 
Essa repressão resulta na depreciação da capacidade de ser mãe, de início tão 
valorizada. Assim, a menina não possui o mesmo apoio que o menino encontra 
na posse do pênis e que ela também poderia descobrir na expectativa da 
maternidade. 
Pode-se demonstrar que a grande ansiedade da menina a respeito de sua 
feminilidade é análoga ao medo da castração no menino, pois ela certamente 
colabora para refrear os impulsos edipianos. No entanto, a ansiedade de castração 
em torno do pênis que existe dejorma visível no menino segue um curso diferente; 
ela pode ser considerada mais aguda do que a ansiedade mais crónica da menina a 
respeito de seus órgãos internos, com os quais necessariamente tem menos familia-
ridade. Além disso, o fato de a ansiedade do menino ser determinada pelo superego 
paterno e a da menina pelo materno não pode deixar de trazer certas diferenças. 
Freud afirmava que o superego da menina se desenvolve por uma trilha 
diferente do menino. Constantemente nos deparamos com indícios que confir-
mam o fato de que o ciúme desempenha um papel mais influente na vida das 
mulheres do que na dos homens, pois é reforçado por uma inveja desviada do 
homem por causa do pênis. Por outro lado, as mulheres possuem uma grande 
capacidade —que não se baseia apenas na supercompensação —de deixar de lado 
seus próprios desejos e se dedicarem com grandes sacrifícios a tarefas éticas e 
1 Cf. o artigo dc Hárnik (1928), apresentado no Congresso Psicanalíticode Innsbruck: "Die 
õkonomíschcn Beziehungen zwischen dem Schuldgefuhl und dem weiblichen Narzissmus". 
AMOR. CULPA E REPARAÇÃO 225 
sociais. Não podemos atribuir essa capacidade à mistura de traços masculinos 
e femininos que, devido à estrutura bissexual do ser humano, influencia a 
formação do caráter em certos casos, pois essa capacidade tem obviamente 
caráter maternal. Creio que para explicar como a mulher vai desde o ciúme mais 
mesquinho até a bondade amorosa mais abnegada, temos que levar em conside-
ração as condições peculiares em que se forma o superego feminino. A partir da 
identificação inicial com a mãe, que ocorre sob a forte preponderância do nível 
sádico-anal. a menina desenvolve o ódio e o ciúme, criando um superego cruel 
calcado na imago da mãe. O superego que se forma no mesmo estágio a partir 
da identificação com o pai também pode ser ameaçador e causar ansiedade, mas 
nunca parece atingir as mesmas proporções daquele criado a partir da identifi-
cação com a mãe. No entanto, quanto mais a identificação com a mãe vai se 
estabilizando na base genital, mais ela se caracteriza pela bondade dedicada de 
um generoso ideal de mãe. Assim, essa atitude afetiva positiva depende do grau 
em que o ideal de mãe maternal carrega as características do estagio genital ou 
pré-genital. Entretanto, quando se trata da conversão ativa da atitude emocional 
em ações sociais ou outras atividades, aparentemente é o ideal de ego paterno 
que está em funcionamento. A profunda admiração que a menina sente pela 
atividade genital do pai leva ã formação de um ideal de ego paterno que propõe 
metas ativas jamais atingidas por completo. Se, devido a certos fatores de 
desenvolvimento, o incentivo para atingir essas metas for forte o bastante, sua 
própria impossibihdade pode dar ímpeto extraordinário aos esforços da menina 
que, somado ã capacidade de auto-sacrifício derivado do superego materno, dá 
à mulher, em casos individuais, a capacidade de realizações excepcionais no 
plano intuitivo e em certos campos específicos. 
O menino também deriva da fase feminina um superego materno que o 
impele, assim como a menina, a criar identificações cruéis primitivas e, ao mesmo 
tempo, bondosas. Contudo, depois de passar por essa fase, ele retoma (em 
diferentes graus, é verdade) a identificação com o pai. Por mais que o lado 
materno se faça sentir na formação do superego, ainda é o superego paterno que 
desde o início exerce a influência decisiva sobre o homem. Este também coloca 
diante de si a figura de um personagem sublime que possa lhe servir de modelo, 
mas como o menino é de Jato "feito ã imagem" de seu ideal, este não é inatingível. 
Essa circunstância contribui para o trabalho criativo mais constante e objetivo 
tio homem. 
O medo de ter sua feminilidade danificada exerce uma profunda influência 
sobre o complexo de castração da menina, pois faz com que dê um valor 
excessivo ao pênis que ela própria não possui; esse exagero se toma, então, mais 
óbvio do que a ansiedade subjacente a respeito de sua própria feminilidade. 
226 ESTÁGIOS INICIAIS DO CONFLITO EDIPIANO 
Gostaria de mencionar aqui o trabalho de Karen Horney, que foi a primeira a 
examinar as fontes do complexo de castração das mulheres na situação edipiana. 
Quanto a isso, é preciso mencionar a importância de certas experiências 
iniciais da infância para o desenvolvimento sexual. No trabalho que apresentei 
no Congresso de Salzburg em 1924, afirmei que quando a observação do coito 
se dã num estágio posterior do desenvolvimento, ela pode assumir o caráter de 
trauma. No entanto, quando essa experiência ocorre numa idade precoce, ela 
pode ficar fixada e se tornar parte do desenvolvimento sexual. Devo acrescentar 
que uma fixação desse tipo pode dominar não só um estágio específico do 
desenvolvimento, mas também o superego que está em processo de formação, 
prejudicando o resto de seu desenvolvimento. Se o superego atinge seu zénite 
no estágio genital, as identificações sádicas que pardcipam de sua estrutura se 
tornam menos proeminentes, o que ajuda a assegurar a saúde mental e o 
desenvolvimento de uma personalidade de alto nível ético. 
Há outro dpo de experiência no início da infância que me parece caracterísdco 
e extremamente importante. Essas experiências muitas vezes se seguem à obser-
vação do coito e são provocadas ou alimentadas pela excitação que esta desperta. 
Refiro-me às relações sexuais de crianças pequenas entre si, entre irmãos e irmãs 
ou amiguinhos, que consistem nos atos mais diversos: olhar, tocar, defecar juntos, 
felação, cuniUngua e muitas vezes tentativas diretas de realizar o coito. Elas são 
profundamente reprimidas e possuem o investimento de um enorme sentimento 
de culpa. Esse sentimento é provocado principalmente pelo fato de que o objeto 
amoroso, escolhido sob a pressão da excitação trazida pelo conflito edipiano, é 
visto pela criança como substituto do pai, da mâe, ou de ambos. Assim, essas 
relações, que parecem tão insignificantes e aparentemente são vividas por todas 
as crianças sob o estímulo do desenvolvimento edipiano, tomam o caráter de 
relação edipiana realizada e exercem influência decisiva sobre a formação do 
complexo de Édipo, o desligamento do sujeito desse complexo e suas relações 
sexuais posteriores. Além disso, uma experiência desse tipo forma um importante 
ponto de fixação no desenvolvimento do superego. Como conseqiiência da 
necessidade de punição e da compulsão à repetição, essas experiências muitas 
vezes fazem com que a criança se submeta a traumas sexuais. A esse respeito, 
gostaria de remeter ao trabalho de Abraham (1927), onde se demonstra que passar 
por traumas sexuais faz parte do desenvolvimento sexual das crianças. A investi-
gação analítica dessas experiências durante a análise de adultos e crianças ajuda 
muito a esclarecer a situação edipiana em relação às fixações iniciais e, portanto, 
é muito importante do ponto de vista terapêutico. 
Resumindo minhas conclusões: antes de mais nada, gostaria de observar 
que, na minha opinião, elas não contradizem as afirmações do professor Freud. 
Creio que o ponto mais importante das considerações adicionais que apresentei 
AMOR, CULPA E REPARAÇÁO 227 
é que atribuo esses processos a uma época anterior e que as diversas fases do 
desenvolvimento (principalmente nos estágios iniciais) se fundem com mais 
liberdade do que se acreditava antes. 
Os estágios iniciais do conflito edipiano são tão dominados pelas fases 
pré-genitais do desenvolvimento, que quando a fase genital começa a entrar em 
atividade, ela permanece oculta e só mais tarde, entre o terceiro e o quinto ano 
de vida, pode ser detectada com clareza. Nessa idade, o complexo de Édipo e a 
formação do superego atingem seu clímax. No entanto, o fato de as tendências 
edipianas se iniciarem bem mais cedo do que pensávamos, a pressão do 
sentimento de culpa que, portanto, recai sobre os níveis pré-genitais, a influência 
determinante exercida tão cedo sobre o desenvolvimento do complexo de Édipo, 
por um lado, e, por outro, sobre o superego, assim como sobre a formação do 
caráter, a sexualidade e todo o resto do desenvolvimento do indivíduo - tudo 
isso me parece ter uma grande importância, ainda não reconhecida. Descobri o 
valor terapêutico desse conhecimento na análise de crianças, mas ele não se 
limita a essa área. Tive a oportunidade de testar as conclusões redradas dessa 
prádca na análise de adultos e constatei não só que sua validade teórica estava 
confirmada, mas também que sua importância terapêutica era inegável.

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