Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 3 – Dinâmica da Partícula 3.1 – Introdução No capítulo anterior estudou-se o movimento de uma partícula sem indagar a “causa” do mesmo. Simplesmente fez-se a descrição dos movimentos utilizando-se os vetores posição, velocidade e aceleração ( ).,, avr rrr No presente capítulo será discutido as causas do movimento, que constitui a parte da mecânica denominada dinâmica. O movimento de uma partícula é determinado pela natureza e pela disposição de outros corpos, que constituem sua vizinhança. Nosso estudo será limitado ao caso especial, mas muito importante, de objetos grandes que se movem com velocidades muito menores que a da luz: o domínio da mecânica clássica. O problema central da mecânica clássica de uma partícula é o seguinte: (1) É dada uma partícula, da qual conhecemos as características (massa, carga elétrica, momento de dipolo magnético, etc.). (2) Coloca-se essa partícula, com velocidade conhecida, em uma vizinhança que é possível descrever completamente. (3) Problema: qual o movimento subseqüente da partícula? Esse problema foi resolvido, pelo menos para uma grande variedade de vizinhanças, por Isaac Newton (1642-1727), quando propôs as leis do movimento e formulou a lei de gravitação universal. O método para resolver esse problema, nos termos do atual conhecimento da mecânica clássica, é o seguinte: (1) Introduz-se o conceito de força ,F r a qual é definida por meio da aceleração ar adquirida por um determinado corpo-padrão. (2) É estabelecido um processo para atribuir uma massa m a um corpo, de modo que se possa entender o fato de que diferentes partículas de mesma espécie adquirem acelerações diferentes na mesma vizinhança. (3) Finalmente, tenta-se calcular as forças que atuam nas partículas, a partir das propriedades delas e de sua vizinhança, isto é, procura-se descobrir as leis de força. A força, que é essencialmente uma técnica de relacionar a vizinhança com o movimento de uma partícula aparece tanto nas leis do movimento (que nos informam que aceleração terá um corpo sob a ação de determinada força), como nas leis de força (que nos permitem calcular a força que atuará sobre um dado corpo, em determinada vizinhança). As leis de movimento e as leis de força constituem, em conjunto, as leis da mecânica, como sugere a Figura 1. Figura 1 – O programa para a mecânica. As três caixas à esquerda sugerem que força é uma interação entre um corpo e sua vizinhança. As três caixas à direita sugerem que uma força agindo em um corpo vai acelerá-lo. A massa é uma grandeza escalar associada à quantidade de matéria do corpo. O valor da massa que é atribuída a cada corpo, é obtido pela comparação do corpo com um padrão, o qual pode ser o quilograma padrão que é um pequeno bloco de platina mantido no Instituto Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, nas proximidades de Paris. Por definição, sua massa é um quilograma (abreviatura kg). 2 Em dinâmica, além da noção de massa há também a noção de força. A noção de força está associada ao esforço muscular. Quando empurramos um objeto, exercemos força sobre o mesmo. Há forças produzidas por outras causas diferentes do esforço muscular. Assim, há forças de ação do vento, de atração entre cargas elétricas, etc. Independente das causas que as provocam (esforço muscular, ação do vento, atração entre cargas, etc.) as forças serão estudadas pelos efeitos que produzem. Em dinâmica, o efeito principal de uma força é a variação de velocidade de um corpo. A força é uma grandeza vetorial pois produz variação de velocidade, que é uma grandeza vetorial. A variação de velocidade no decurso do tempo determina a aceleração ;ar daí decorre que uma força aplicada num ponto material provoca uma aceleração .ar A aceleração ar tem a mesma direção e sentido da força ,F r pois a massa, que é uma grandeza escalar, tem sempre valor positivo. 3.2 – Primeira lei de Newton (ou lei da inércia) Durante séculos, o problema do movimento e suas causas foi um tema central da “filosofia natural”, o nome antigo da física. No entanto, foi somente com os trabalhos de Galileu e Newton que se realizou um progresso extraordinário no conhecimento do assunto. Isaac Newton, nascido na Inglaterra no ano em que morreu Galileu, é o arquiteto principal da mecânica clássica. Ele desenvolveu plenamente as idéias de Galileu e de outros que o precederam. As três leis do movimento, que hoje têm o seu nome, foram apresentadas pela primeira vez em 1686, na sua obra Principia Mathematica Philosophiae Naturalis (Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), usualmente chamada de Pincipia. Antes da época de Galileu, a maioria dos filósofos pensava que alguma influência ou “força” fosse necessária para manter um corpo em movimento; supunham que um corpo em repouso estivesse em seu “estado natural”. Para um corpo mover-se em linha reta com velocidade constante, por exemplo, acreditavam que algum agente externo teria de empurrá-lo continuamente, de outro modo ele “naturalmente” pararia. Isto parece concordar com nossa experiência imediata de que um objeto deslizando sobre o solo, por exemplo, tende a parar se paramos de empurrá-lo. Entretanto, um projétil como uma pedra ou uma flecha, continua em movimento depois de lançado. Aristóteles explicava isto afirmando que é o ar “empurrado para os lados” pelo projétil que se desloca para trás dele e produz a força que o impulsiona. Logo, segundo Aristóteles, se a força que atua sobre um corpo é nula, o corpo permanecerá sempre em repouso. Galileu na sua obra “Diálogos Sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo” tratou da questão colocada desde a época dos filósofos gregos sobre a necessidade de uma força para manter o movimento. Galileu contemplou uma situação ideal na qual uma esfera de metal fosse lançada sobre um plano horizontal perfeitamente polido (sem atrito), e onde pudesse ser desprezada a resistência do ar, e concluiu que “o movimento não seria nem acelerado nem desacelerado; não havendo forças na direção horizontal, o movimento seria retilíneo e uniforme”. Ao contrário do que dizia Aristóteles, não há necessidade de forças para manter um movimento retilíneo uniforme: pelo contrário, uma aceleração nula ( constv =r ) está necessariamente associada à ausência de força resultante sobre a partícula ( 0=Fr ). Em seu monumental trabalho, Newton formulou três “Axiomas ou Leis de Movimento”. A 1a Lei é a Lei da Inércia: “Todo corpo persiste em seu estado de repouso, ou de movimento retilíneo uniforme, a menos que seja compelido a modificar esse estado pela ação de forças impressas sobre ele”. 3 A primeira lei de Newton é de fato uma afirmação sobre referenciais, pois, em geral, a aceleração de um corpo depende do sistema de referência em relação ao qual ela é medida. A primeira lei nos diz que, se não houver objetos próximos (e com isso entendemos que não hajam forças, pois qualquer força deve estar associada a um objeto da vizinhança), então é possível encontrar uma família de referenciais em que a partícula não possui aceleração. O fato de que os corpos permanecem em repouso ou em movimento retilíneo uniforme, na ausência de forças aplicadas, é freqüentemente descrito atribuindo à matéria uma propriedade denominada inércia. A 1a lei de Newton é freqüentemente chamada lei de inércia e os referenciais aos quais ela se aplica, são, por isso, chamados referenciais inerciais. Tais referenciais ou são fixos em relação às estrelas distantes, ou se movem com velocidade constante com relação a elas. 3.3 – A segunda lei de Newton Uma das implicações da 1a lei é que qualquer variação da velocidade vr de um corpo (em módulo ou em direção!) em relação a um referencial inercial, ou seja, qualquer aceleração, deve estar associada à ação de forças. Isto sugere procurar uma relação mais precisaentre força e aceleração. Sabe-se do exemplo da queda livre de um corpo que a aceleração é constante: ,ga rr = onde gr é vertical e dirigida para baixo. Qual é a força que atua sobre um corpo? Essa força (atração gravitacional), também é vertical e dirigida para baixo, e constante para um dado corpo (ou seja, a mesma em qualquer altura, na vizinhança de um dado ponto da superfície da Terra). Isto sugere que a aceleração devida a uma força seja proporcional à força (vetorialmente!), ou seja, ,Fka rr = (1) onde k é uma constante. Que podemos dizer sobre o coeficiente de proporcionalidade ?k Sabe-se que a mesma força (medida em termos da distensão de uma mola), quando aplicada a corpos diferentes, produz em geral acelerações diferentes. Logo, o coeficiente k mede uma propriedade do corpo, que caracteriza sua resposta à força aplicada. Acelerar ou freiar um carro requer uma força bem maior do que para uma bicicleta, para a mesma variação de velocidade (as conseqüências de uma colisão com um ou com outro, à mesma velocidade, são bem diferentes!). Diz-se usualmente que um carro tem inércia muito maior que uma bicicleta, resistindo, portanto, bem mais a variações de velocidade. O coeficiente k deve medir, então, uma propriedade inversamente proporcional à “inércia” do corpo, ou seja: .1 m k = (2) Se uma mesma força F r for aplicada a objetos diferentes, obtém-se de forma geral que: ,2211 amamF rrr == (3) ou seja, , 1 2 2 1 m m a a =r r (4) indicando que as acelerações obtidas por objetos diferentes submetidos à mesma força são inversamente proporcionais aos respectivos “coeficientes de inércia”. Repetindo a experiência precedente com outra força comum, verifica-se que a razão das novas acelerações é a mesma que a anterior, ou seja, . 2 1 2 1 2 1 m m a a a a =′ ′= 4 A razão das massas dos dois corpos é, portanto, independente da força comum usada. Experiências deste tipo nos permitem inferir assim a 2a Lei de Newton: ,amF r r = (5) onde o “coeficiente de inércia” m associado à partícula sobre a qual age a força F r chama-se massa inercial dessa partícula. A Eq.5 não corresponde à formulação original de Newton da 2a lei. Newton começou definindo o que chamou de “quantidade de movimento”, também conhecido como momento linear, ou simplesmente momento. A definição de Newton para o momento linear foi: “A quantidade de movimento é a medida do mesmo, que se origina conjuntamente da velocidade e da massa”. Ou seja, o momento linear de uma partícula é o produto de sua massa por sua velocidade: .vmp rr = (6) Decorre imediatamente desta definição que pr é um vetor. Se a massa m não varia com o tempo, ou seja, se forem excluídos os sistemas de massa variável, obtém-se: ,am dt vdm dt pd rrr == (7) e, comparando com a Eq.5, ,F dt pd rr = (8) o que corresponde à formulação de Newton da 2a lei: “A variação do momento é proporcional à força impressa, e tem a direção da força”. 3.4 – A 3a lei de Newton As forças que atuam em um corpo originam-se em outros corpos que constituem sua vizinhança. Uma força é, apenas, um aspecto de uma interação mútua entre dois corpos. Verifica- se experimentalmente que, quando um corpo exerce uma força sobre outro, o segundo corpo sempre exerce uma força no primeiro. Além disso, verifica-se que essas forças têm o mesmo módulo e mesma direção, mas sentidos opostos. É impossível existir uma única força isolada. Se uma das duas forças envolvidas na interação entre dois corpos for denominada “ação”, a outra será chamada “reação”. Qualquer delas pode ser considerada “ação” e a outra “reação”. Não há relação de causa e efeito; verifica-se, apenas, uma interação simultânea mútua. Esta propriedade das forças foi enunciada originalmente por Newton em sua 3a lei de movimento: “A cada ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações mútuas de dois corpos, um sobre o outro, são sempre iguais e dirigidas para partes contrárias”. Em outras palavras, se o corpo A exerce uma força sobre o corpo B, este exercerá sobre A uma força igual, mas de sentido oposto; a ação e reação têm a direção da reta que passa pelos dois corpos. Note que as forças de ação e de reação, que sempre ocorrem em pares, atuam sobre corpos diferentes. Se agisse no mesmo corpo, nunca teríamos movimento acelerado, pois a força resultante sobre qualquer corpo seria sempre nula. 5 3.5 – Forças de atrito Se um bloco de massa m for lançado com velocidade inicial 0v r sobre uma mesa horizontal, ele acabará parando. Isto significa que, enquanto o bloco se move, ele possui uma aceleração média ,ar de sentido oposto ao de seu movimento. Se (em um referencial inercial) vemos um corpo acelerado, sempre associamos ao movimento uma força, definida pela 2a lei de Newton. Neste caso, declaramos que a mesa exerce uma força de atrito, cujo valor médio é ,amr sobre o bloco que desliza. Realmente, sempre que a superfície de um corpo escorrega sobre a de outro, cada corpo exerce sobre o outro uma força paralela às superfícies. A força de atrito sobre cada corpo tem sentido oposto ao seu movimento em re1ação ao outro corpo. As forças de atrito, automaticamente, se opõem ao movimento, nunca o favorecendo. Mesmo quando não há movimento relativo, podem existir forças de atrito entre as superfícies. O atrito é muito importante em nossa vida diária. Se agir sozinho, o atrito pára qualquer eixo em rotação. Em um automóvel, cerca de 20% da potência do motor são utilizados para contrabalançar as forças de atrito. O atrito provoca desgaste e deformação de partes móveis e muito esforço tem sido feito para reduzi-lo. Por outro lado, sem o atrito não conseguiríamos caminhar como o fazemos; não poderíamos segurar um lápis na mão e se o pudéssemos ele não escreveria; não seria possível o transporte sobre rodas. Desejamos saber como exprimir as forças de atrito em termos das propriedades do corpo e de sua vizinhança, isto é, queremos conhecer a lei de força para forças de atrito. No que segue, será considerado apenas o escorregamento (e não o rolamento) de uma superfície seca (não lubrificada) sobre outra. O atrito, estudado ao nível microscópico, é um fenômeno muito complicado e as leis de força para atrito de escorregamento seco são de caráter empírico e suas predições aproximadas. Elas não têm a elegante simplicidade e precisão da lei de força gravitacional ou da lei de força eletrostática. No entanto, considerando a enorme diversidade de superfícies existentes, é notável que muitos aspectos do comportamento do atrito possam ser en- tendidos qualitativamente, com base em alguns mecanismos simples. Consideremos um bloco em repouso sobre uma mesa horizontal, e liguemos a ele um dinamômetro para medir a força necessária para o colocar em movimento. Verificamos que o bloco não se moverá, mesmo se aplicarmos uma pequena força. Dizemos que a força aplicada é equilibrada por uma força de atrito oposta, exercida sobre o bloco pela mesa, atuando ao longo da superfície de contato. Aumentando a força aplicada, encontraremos uma força definida, para a qual o bloco apenas começa a se mover. Uma vez iniciado o movimento, esta mesma força acelera o bloco. Reduzindo a força, desde que o movimento tenha começado, verificamos ser possível manter o bloco em movimento uniforme (sem aceleração); esta força pode ser pequena mas nunca é nula. As forças de atrito que atuam entre superfícies em repouso relativo são chamadas forças de atrito estático. A força máxima de atrito estático será igual à forca mínima necessária para começar o movimento. Iniciado este, as forças de atrito que atuam entre as superfícies usualmente decrescem, de modo que uma força menor bastará para manter o movimento uniforme.As forcas que atuam entre superfícies em movimento relativo denominam-se de atrito cinético. A forca máxima de atrito estático entre um par qualquer de superfícies secas, não lubrificadas, obedece a duas leis empíricas: (1) é aproximadamente independente da área de contato, dentro de amplos limites, e (2) é proporcional à força normal. Esta força normal é a que cada corpo exerce sobre o outro, perpendicularmente à sua interface comum. Ela provém da deformação elástica dos corpos em contato (os corpos, de fato, nunca são inteiramente rígidos). Para um bloco em repouso sobre uma mesa horizontal, ou escorregando sobre ela, a força normal 6 tem módulo igual ao peso do bloco. Como o bloco não tem aceleração vertical, a mesa deve exercer sobre ele uma força dirigida para cima, de mesmo módulo que a atração para baixo exercida pela Terra sobre o bloco, isto é, igual ao peso do bloco. O quociente do módulo da força de atrito estático máxima pelo módulo da força normal chama-se coeficiente de atrito estático para as duas superfícies. Representando por ef o módulo da forca de atrito estático, podemos escrever: ,Nf ee μ≤ (9) sendo eμ coeficiente de atrito estático e N o módulo da força normal. O sinal de igualdade só é válido quando ef assume seu valor máximo. A forca de atrito cinético, cf entre superfícies secas não lubrificadas obedece as mesmas duas leis do atrito estático: (1) é aproximadamente independente da área de contato, dentro de amplos limites, e (2) é proporcional à força normal. A força de atrito cinético também é razoavelmente independente da velocidade com a qual cada superfície se move em relação à outra. Essas duas leis de atrito foram descobertas experimentalmente por Leonardo da Vinci (1452- 1519). Era notável o enunciado das duas leis proposto por Leonardo, pelo fato de preceder. em cerca de dois séculos, o completo desenvolvimento do conceito de força, elaborado por Newton. A formulação de Leonardo era a seguinte: (1) “O atrito provocado pelo mesmo peso terá a mesma resistência no início do movimento, embora as áreas ou comprimentos de contato sejam diferentes” e (2) “O atrito provoca o dobro do esforço se o peso for dobrado”. O cientista francês Charles A. Coulomb (1736-1806) realizou muitas experiências sobre atrito e assinalou a diferença entre atrito estático e dinâmico. O quociente do módulo da força de atrito cinético pelo módulo da força normal denomina- se coeficiente de atrito cinético. Representando por cf módulo da força de atrito cinético, ,Nf cc μ= (10) sendo cμ o coeficiente de atrito cinético. Tanto eμ como cμ são constantes adimensionais, cada uma sendo a razão dos módulos de duas forças. Geralmente, para um dado par de superfícies, .ce μμ > Os valores reais de eμ e de cμ dependem da natureza das duas superfícies em contato, podendo ambos exceder o valor 1, embora comumente sejam inferiores a esse valor. Por último, deve-se notar que as Eqs.9 e 10 são relações apenas entre módulos da força normal e da força de atrito, cujas direções são sempre perpendiculares entre si. Bibliografia Nussenzveig, H.M. (2002). Curso de Física Básica. 1 – Mecânica. 4a Edição. Editora Edgard Blücher Ltda. São Paulo, Brasil. Halliday, D.; Resnick, R.; Krane, K.S. (1996). Física1, 4a Edição. Livros Técnicos e Científicos Editora S.A. Rio de Janeiro, Brasil.
Compartilhar