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relações do trabalho i LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA ROTEIRO DE CURSO 2010.1 2ª EdIçãO Sumário Relações do Trabalho I 1. InTRODUçãO ..............................................................................................................................................................................6 1.1. Visão Geral ............................................................................................................................ 6 1.2. Objetivos Gerais ..................................................................................................................... 6 1.3. Metodologia............................................................................................................................ 6 1.4. Desafios e Dificuldades ........................................................................................................... 7 1.5. Métodos de Avaliação.............................................................................................................. 7 1.6. Atividades Complementares .................................................................................................... 7 PlanO DE aUlaS ............................................................................................................................................................................8 1. Introdução ................................................................................................................................. 8 aUlaS 1 E 2: O EmPREgO FORmal E InFORmal nO BRaSIl; CUSTO BRaSIl. ........................................................................................9 1. Introdução ................................................................................................................................. 9 2. Objetivos ................................................................................................................................... 9 3. Temas Principais ........................................................................................................................ 9 4. O Caso .................................................................................................................................... 18 5. Bibliografia Complementar ...................................................................................................... 19 aUlaS 3 E 4. PRInCÍPIOS FUnDamEnTaIS DO DIREITO DO TRaBalHO .............................................................................................. 20 1. Introdução ............................................................................................................................... 20 2. Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos .............................................................................. 20 3. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego .................................................................. 22 4. Princípio da Primazia da Realidade .......................................................................................... 22 5. Princípio da Prevalência da Norma Mais Benéfica .................................................................... 23 6. Aplicação e Interpretação das Normas de Direito do Trabalho .................................................. 24 7. Eficácia no tempo e no espaço .................................................................................................. 25 8. Caso ........................................................................................................................................ 25 9. Questões de Concurso ............................................................................................................. 28 aUla 5. O TRaBalHaDOR E SEUS VÁRIOS TIPOS DE PRESTaDORES DE SERVIçO ................................................................................. 29 1. Vínculo empregatício e elementos configuradores .................................................................... 29 2. Trabalhador autônomo contribuinte individual ........................................................................ 30 3. Empregado urbano e rural ....................................................................................................... 31 4. Empregado Doméstico ............................................................................................................. 31 5. Bibliografia Complementar ..................................................................................................... 32 5. Caso ......................................................................................................................................... 32 6. Questões de Concurso ............................................................................................................. 35 aUla 6. ESTUDO DO CaSO gERaDOR ............................................................................................................................................... 36 1. Introdução ............................................................................................................................... 36 2. Objetivos ................................................................................................................................. 36 3. O Caso .................................................................................................................................... 36 4. Documentos para análise ......................................................................................................... 37 aUla 7: RISCO DE RECOnHECImEnTO DO VÍnCUlO EmPREgaTÍCIO ................................................................................................... 47 1. Introdução ............................................................................................................................... 47 2. Objetivos ................................................................................................................................. 47 3. Relação de Trabalho vs. Relação de Emprego ............................................................................ 47 4. Casos Mais Comuns de Trabalhadores Sem Vínculo................................................................. 48 5. O Caso .................................................................................................................................... 55 6. Questões de Concurso ............................................................................................................. 56 aUla 8: TERCEIRIzaçãO ................................................................................................................................................................ 57 1. Introdução ............................................................................................................................... 57 2. Objetivos ................................................................................................................................. 57 3. A Terceirização no Direito do Trabalho .................................................................................... 57 4. Outras Modalidades de Terceirização ....................................................................................... 62 5. O Caso .................................................................................................................................... 62 6. Questões de Concurso ............................................................................................................. 63 aUla 9: EmPREgaDOR. gRUPO ECOnômICO. RESPOnSaBIlIDaDE POR CRéDITOS TRaBalHISTaS ...................................................... 64 1. Introdução ............................................................................................................................... 64 2. Empregador .............................................................................................................................64 3. O Caso .................................................................................................................................... 69 4. Questões de Concurso ............................................................................................................. 70 aUlaS 10 E 11: COnTRaTOS DE TRaBalHO ...................................................................................................................................... 72 1. Introdução ............................................................................................................................... 72 2. Objetivo................................................................................................................................... 72 3. Contrato de Trabalho ............................................................................................................... 72 4. O Caso .................................................................................................................................... 77 5. Bibliografia Complementar ...................................................................................................... 78 6. Atividade Complementar ......................................................................................................... 78 7. Questões de Concurso ............................................................................................................. 78 aUla 12: DURaçãO DOS COnTRaTOS DE TRaBalHO ........................................................................................................................ 80 1. Introdução ............................................................................................................................... 80 2. Objetivos ................................................................................................................................. 80 3. Contrato por tempo indeterminando ....................................................................................... 80 4. Contrato por tempo determinado ............................................................................................ 81 5. Tipos de contrato por tempo determinado ............................................................................... 82 6. Caso ......................................................................................................................................... 83 7. Bibliografia Complementar ...................................................................................................... 84 8. Questões de Concurso ............................................................................................................. 84 aUla 13: OS EFEITOS DO COnTRaTO DE TRaBalHO E SUaS ClÁUSUlaS ESPECIaIS. ........................................................................... 86 1. Efeitos do Contrato de Trabalho .............................................................................................. 86 2. Cláusulas Especiais ................................................................................................................... 89 3. O Caso .................................................................................................................................... 92 4. Questões de Concurso ............................................................................................................. 93 aUlaS 14, 15 E 16. REmUnERaçãO ................................................................................................................................................ 95 1. Introdução ............................................................................................................................... 95 2. Remuneração – Conceito de Salário vs. Remuneração .............................................................. 95 3. Elementos da Remuneração ..................................................................................................... 95 4. Parcelas Salariais Legais ............................................................................................................ 95 5. Férias ....................................................................................................................................... 98 6. 13º salário .............................................................................................................................. 101 7. Parcelas Salariais Voluntárias .................................................................................................. 101 8. Adicionais .............................................................................................................................. 101 9. Questões de Concursos .......................................................................................................... 102 aUla 17. PaRTICIPaçãO nOS lUCROS E STOCk OPTIOn .................................................................................................................. 105 1. Participação nos Lucros e Resultados ...................................................................................... 105 2. Opção de compra de Ações .................................................................................................... 107 3. Os Casos ................................................................................................................................ 111 aUla 18. BEnEFÍCIOS in natura ................................................................................................................................................. 113 1. Introdução e Objetivos........................................................................................................... 113 2. Conceito ............................................................................................................................... 113 3. Configuração do salário-utilidade ........................................................................................... 114 4. Requisitos do salário-utilidade ................................................................................................ 114 5. Conseqüências contratuais da utilidade salarial ...................................................................... 115 6. Benefícios in natura no campo ............................................................................................... 116 7. Questões de Concurso ........................................................................................................... 116 aUla 19. EqUIPaRaçãO SalaRIal ............................................................................................................................................... 119 1. Norma Constitucional ........................................................................................................... 119 2. Requisitos para a equiparação salarial ..................................................................................... 119 3. Plano de Cargos e Salários e Quadro de Carreiras................................................................... 120 4. Substituição ........................................................................................................................... 121 5. Desvio de função ................................................................................................................... 121 6. Caso ....................................................................................................................................... 121 7. Questões de Concurso ........................................................................................................... 122 aUla 20. alTERaçõES DO COnTRaTO DE TRaBalHO ...................................................................................................................... 124 1. Conceito ................................................................................................................................124 2. Classificação das alterações .................................................................................................... 124 3. Transferência do Local de Trabalho ........................................................................................ 126 4. Continuidade do Contrato de Trabalho ................................................................................. 128 5. Sucessão Trabalhista ............................................................................................................... 129 6. Acórdão ................................................................................................................................. 130 7. Questões de Concurso ........................................................................................................... 131 aUla 21. SUSPEnSãO E InTERRUPçãO DOS COnTRaTOS DE TRaBalHO .......................................................................................... 136 1. Introdução ............................................................................................................................. 136 2. Conceito de suspensão e interrupção do contrato de trabalho e seus efeitos ............................ 136 3. Distinções entre Suspensão e Interrupção ............................................................................... 136 4. Suspensão: hipóteses .............................................................................................................. 138 5. Suspensão .............................................................................................................................. 140 6. Interrupção: hipóteses ........................................................................................................... 141 7. Interrupção ............................................................................................................................ 143 8. O Caso Gerador ..................................................................................................................... 143 9. Bibliografia complementar .................................................................................................... 144 aUla 22. JORnaDa DE TRaBalHO ................................................................................................................................................ 145 1. Introdução ............................................................................................................................. 145 2. Jornada de Trabalho ............................................................................................................... 145 3. O Caso Gerador ..................................................................................................................... 153 4. Bibliográfica Complementar .................................................................................................. 153 aUla. 23. BanCO DE HORaS/ SOBREaVISO/HOmE OFFICE ............................................................................................................. 155 1. Introdução ............................................................................................................................. 155 2. Compensação de Horas Extras/ Banco de Horas .................................................................... 155 3. Aspectos Relevantes sobre a Composição da Jornada de Trabalho ........................................... 157 4. Home Office .......................................................................................................................... 159 5. O Caso Gerador ..................................................................................................................... 162 6. Bibliografia Complementar .................................................................................................... 162 aUla 24. TURnOS InInTERRUPTOS DE REVEzamEnTO. O DIa DE 25 HORaS..................................................................................... 163 1. Introdução ............................................................................................................................. 163 2. Turnos Ininterruptos de Revezamento .................................................................................... 163 3. O horário noturno. Ficção legal e custo. ................................................................................. 164 4. Caso Gerador ......................................................................................................................... 165 5. Bibliografia Complementar .................................................................................................... 166 6. Questões de Concurso ........................................................................................................... 166 aUla 25. TéRmInO DO COnTRaTO DE TRaBalHO .......................................................................................................................... 168 1. Conceito ................................................................................................................................ 168 2. Modalidades e Efeitos ........................................................................................................... 168 3. Análise de Casos Concretos e Decisões ................................................................................... 172 4. Questões de Concurso ........................................................................................................... 175 6FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I 1. introdução 1.1. Visão Geral A disciplina Direito do Trabalho abordará de forma sistemática os temas mais relevantes atinentes às relações de trabalho, analisando inicialmente os princípios que regem o Direito do Trabalho, para, em seguida, discutir a formação e as moda- lidades de contratos de trabalho; formas tradicionais e modernas de remuneração; a terceirização como fenômeno moderno ainda em evolução; regras e soluções para os limites aplicáveis à jornada de trabalho e ao repouso remunerado; a indenização por tempo de serviço e o Fundo de Garantia; estabilidades; e as modalidades e efeitos do término do contrato de trabalho. Será dada grande ênfase aos casos geradores para que o aluno possa visualizar a aplicação prática dos conceitos e seus efeitos sociais e econômicos. Como base para este debate, nas primeiras aulas, abordar-se-á o trabalho formal e informal, o ingresso precoce no mercado de trabalho e o custo do trabalhador no Brasil, relacionando os três temas e criando desde o primeiro momento a noção de que as normas que regem o trabalho têm influência efetiva e real na vida das pessoas e devem ser assim consideradas durante todo o debate que será travado até o final do curso. 1.2. objetiVos Gerais Dar aos alunos elementos para compreensão adequada das regras que regem as relações de trabalho e emprego, estimulando uma análise crítica dessas normas e dos seus efeitos na sociedade, sem deixar de compreender a sociedade brasileira com todas as suas matizes e peculiaridades, a demandar reflexão completa e soluções criativas para aproximar dois conceitos que parecem se excluir: desenvolvimento econômico e inclusão social. Espera-se que os alunos cheguem ao final do curso capacitados para atuar na área do Direito do Trabalho, mas também capazes de entender a sua relevância no cenário nacional e como utilizá-lo como ferramenta de desenvolvimento e de inclusão social. 1.3. MetodoloGia Metodologia participativa calcada na exposição completa dos temas, com a pro- moção constante de debates, tendo como base e provocação casos concretos reais ou baseados em fatos reais e como ferramenta de desenvolvimento exercícios individu- ais e em grupos que se aproximem de questões que se apresentam comumente aos profissionais do direito,em especial aos que atuam na área do Direito do Trabalho. As aulas neste molde serão complementadas por palestras de convidados, seminá- rios e audiências simuladas. 7FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I 1.4. desafios e dificuldades O maior desafio consiste em fazer com que os alunos entendam as complexi- dades sociais do Brasil, que apresenta pólos super-desenvolvidos convivendo lado a lado com áreas de miséria exemplar, o que torna qualquer discussão sobre a ade- quação de leis trabalhistas e sua modernização complexa e sensível. Espera-se que, do debate em sala de aula, decorra uma adequada compreensão das normas em vigor e a consolidação de sugestões concretas e possíveis de modernização das leis trabalhistas, sempre com o objetivo de promover desenvolvimento econômico e inclusão social. 1.5. Métodos de aValiação Pelo menos duas provas dissertativas com consulta valendo 10,0 (dez) cada uma. É possível que, dependendo do desenvolvimento de cada turma, haja testes escritos e trabalhos em aula ou fora de aula que tenham influência na nota final do aluno. 1.6. atiVidades coMpleMentares Visitas a escritórios de advocacia, Tribunal Regional do Trabalho e empresas que tenham grande contingente de empregados. 8FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I Plano de aulas Bloco 1: o emprego no Brasil 1. introdução Este primeiro bloco traz uma abordagem de temas absolutamente fundamentais para o estudo e compreensão do Direito do Trabalho no contexto brasileiro. Para que se possa entender e debater questões fundamentais relativas ao Direito do Tra- balho, é essencial que se adquira conhecimento básico a respeito do emprego formal e informal, do custo do empregado e da relação entre esses dois temas. 9FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I aulas 1 e 2: o emPrego Formal e inFormal no brasil; Custo brasil. 1. introdução Esta aula pretende trazer ao debate os conceitos de emprego formal, informal e ilegal, bem como a influência que a legislação trabalhista exerce sobre esses fenô- menos. 2. objetiVos • entender os conceitos de emprego formal, informal e ilegal; • entender o papel da legislação trabalhista e sua inflexibilidade como elemento fomentador da informalidade; • identificar os itens que compõem o Custo Brasil e sua utilidade prática; e • estimular o debate entre alunos sobre formas de conciliação da necessidade de normas protetoras e da formalização do trabalho informal e ilegal. 3. teMas principais 3.1. o emprego formal e informal no brasil O emprego informal normalmente se caracteriza pelo desempenho de uma ativi- dade econômica em que concorre pouco capital e intensa mão-de-obra, geralmente para a prestação de serviços ou para a produção artesanal. Ele ocorre à margem da proteção legal trabalhista, previdenciária e empresarial, ou seja, o emprego informal é aquele que se desenvolve fora do âmbito da legislação do trabalho, mas sem ne- cessariamente violá-la.1 Um esforço classificatório bastante cuidadoso é o que se encontra no estudo sobre a “Estrutura Ocupacional, Educação e Formação de Mão-de-obra – os países desenvolvidos e o caso brasileiro” de autoria de T.W. Merrick. Para este autor, o se- tor laboral informal apresenta as seguintes características: “1) arranjos de emprego tipificados pela condição de autônomo ou contratos pouco rígidos de natureza tem- porária , falta de observância das leis do salário mínimo, de previdência social e de outros tipos de regulamentos governamentais, bem como ausência de negociações coletivas, mesmo nos casos em que existem sindicatos; 2) facilidades de entrada e alta rotatividade do emprego; 3) menor escala de operações e estabelecimentos menos capitalizados e, como conseqüência, 4) determinação de níveis salariais geralmente mais competitivos.Em contraste, o setor formal é mais regulamentado, apresenta maiores dificuldades de entrada, opera em maior escala e com estabelecimentos mais capitalizados. O setor formal tem, por razões óbvias, maior acesso a linhas de financiamento oficiais e oferecidas por bancos em geral. Os estabelecimentos mais 1 PRaDO, Ney. Economia Infor- mal e Direito no Brasil. 1991, Editora 10FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I produtivos do setor formal disputam consumidores e mercados com os seus compe- tidores do setor informal, especialmente na indústria de transformação (vestuário, alimentos, etc). Entretanto, a maior facilidade de entrada, menores necessidades de capital e uma ampla oferta de trabalho estimulam um crescimento continuado e mesmo uma certa vantagem competitiva do setor informal em atividade da in- dústria de transformação e especialmente no setor de serviços”.2 O setor informal apresenta maior vantagem quanto menor é a necessidade de investimento de capital e de acesso a financiamento formal para o desenvolvimento do negócio. O grau de informalidade da economia brasileira é gigantesco. Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) de 2003, o Brasil tinha cerca de 62,8 milhões de trabalhadores em atividades não-agrícolas. Dentre esses trabalhadores, cerca de 24 milhões traba- lhavam com carteira de trabalho assinada, 15,4 milhões não tinham carteira assi- nada e 13,5 milhões eram trabalhadores por conta própria. Isso parece indicar que 15,4 milhões de trabalhadores eram empregados, mas não foram registrados como tal, e 13,5 milhões de trabalhadores se auto-intitularam autônomos ou empresários do seu próprio negócio, mesmo que possam vir a ser considerados empregados em uma análise técnico-jurídica a respeito dos elementos do contrato de trabalho. E um dado ainda mais interessante que traduz a relação entre o emprego infor- mal e o desempenho do País em termos de desenvolvimento é o de que, até a década de 1980, os postos de trabalho destruídos pela crise econômica eram recriados nos períodos de crescimento. Contudo, a partir dos anos 90, grande parte dos postos de trabalho eliminados só ressurgiriam na informalidade, ou seja, ocupados por traba- lhadores sem carteira assinada. .Deve ser lembrado que, entre 1940 e 1970, houve uma grande expansão do número de empregos e diversificação nas ofertas de empre- go. De 1950 a 1960, o PIB cresceu de 5% a 7% ao ano. Esse crescimento aumentou e, entre 1967 e 1973, a média foi de 11,2% ao ano. Em 1973, o crescimento foi de 14%. Isso foi muito diferente a partir de 1980 e especialmente nos anos 90. Com um crescimento muito inferior ao verificado na década de 1970, nas décadas de 1980 e 1990 o mercado formal foi menos capaz de absorver os contingentes de trabalhadores novos e desempregados, forçando a criação de negócios informais e mesmo de práticas ilegais na área trabalhista. O custo de um contrato formal de trabalho, observada a legislação trabalhista, forçou empregados (ou desempregados) e empregadores a optar pela informalidade e pela ilegalidade dependendo do caso. A consultoria americana McKinsey desenvolveu um dos mais respeitados méto- dos de estudo sobre informalidade e seus impactos nos índices de crescimento de um país. Pelas contas do McKinsey, o Brasil poderia crescer 2,5 pontos percentuais a mais por ano se eliminasse totalmente a informalidade da economia. Isso quer dizer que em vez dos 3% do ano de 2005, o PIB poderia ter se expandido 5,5%.3 Isto porque, como se pode imaginar, os empreendimentos informais não geram impostos e empregos formais, como também não estão representados nos números oficiais de crescimento do PIB brasileiro. Eles representam uma economia informal que existe, mas não pode ser claramente delimitada e não pode ser medida e reco- nhecida formalmente. Com isso, perde o País, cujos índices não refletem a realidade 2 T.W. Merrick apud Ney Prado 1991 3 Revista Época nº 419- 29/05/2006 11FGV DIREITO RIORElaçõEs DO TRabalhO I econômica, não apenas em termos de produção de riquezas, mas também de capa- cidade de consumo. A informalidade causa mais informalidade e ilegalidade, com perda para todos. Uma pergunta que surge diante de tais considerações é por que a informalidade é vista de forma negativa se ela está ocupando e gerando renda para a população até então desempregada. Uma das respostas, que vai alem das questões relativas ao cres- cimento econômico, é o déficit previdenciário gerado pela ausência de recolhimento de INSS pelos trabalhadores informais. Em entrevista à Revista Veja, o economista José Pastore lembra que o Sistema Unificado de Saúde – SUS atende o trabalhador acidentado ou doente mesmo que ele não pague contribuição4. Ele continua, dizendo que a maior parte dos traba- lhadores brasileiros, trabalhando no mercado informal, usa um sistema para o qual não contribui. A tendência, e conseqüência desse ciclo vicioso, é a piora gradual dos serviços oferecidos pelo Estado, em especial pelo SUS, e um déficit crescente na previdência social. A dificuldade do combate à informalidade é proporcional à dificuldade do cum- primento integral das leis trabalhistas brasileiras que, em muitos casos, cria obstácu- los ou até mesmo inviabiliza a ação das empresas. O conjunto destas leis, que garan- tem ao trabalhador o direito ao 13º salário anual, ao FGTS e a inúmeros adicionais (pelas horas extras trabalhadas, pelo trabalho noturno, pelo trabalho em condições insalubres, etc), torna o custo da contratação formal excessivamente alto. Diz-se sem muita preocupação, com precisão técnica, que, para cada salário pago ao trabalhador formal, outro é pago ao governo. Na realidade, como será demons- trado mais adiante, o custo de um trabalhador formal no Brasil em decorrência das leis trabalhistas é de aproximadamente 67% do seu salário. Se acrescidos outros itens, como o repouso semanal remunerado, que equivale normalmente a algo entre 16% e 20% do salário, e mesmo um valor médio de horas extras, pode-se chegar sem problemas à mencionada duplicação de custos, que, se não precisa, ao menos gera um discurso político contundente em favor da simplificação das normas tra- balhistas. Segundo o interessantíssimo trabalho intitulado “Imposto sobre Trabalho e seus Impactos nos Setores Formal e Informal” dos economistas Gabriel Ulyssea e Mau- ricio Cortez Reis, ambos da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, fundação ligada ao Ministério do Plane- jamento, Orçamento e Gestão, no Brasil, 26,8% do custo total de um empregado formal se perde em outros destinos que não o bolso do trabalhador, mesmo se considerados valores como o FGTS e o pagamento de férias e 13º salário, que ape- nas chegam ao bolso do empregado brasileiro com o passar do tempo e não a cada mês. Segundo o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, um empregado formal custa muito mais aqui do que no resto da América Latina e no Caribe, onde a diferença entre o que um empregado custa e o que ele recebe é de 15,9%. “Os economistas usaram uma metodologia do Banco Mundial para calcular a diferença líquida entre os custos do empregador e os benefícios pagos na folha de salário. A 4 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de são Paulo, em entrevista à Eliana simonetti, Revista Veja, 1998. 12FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I conta leva em consideração que parte dos encargos voltam para o funcionário mais tarde sob a forma de 13º salário, adicional de férias e FGTS, por exemplo. O levan- tamento também mostra que o Brasil tem um índice altíssimo de ‘dificuldade de contratação’: 67, contra a média de 30 dos membros da Organização para Coope- ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse cálculo, além dos custos do empregador ao longo do período de vigência do contrato de trabalho, também são computados os encargos com demissões. No Brasil, o empregador paga 50% sobre o saldo do FGTS em caso de demissão, sendo 40% para o funcionário e 10% para o governo”.5 Isso significa que o governo brasileiro, e especialmente o falido sistema de previdência social, recebem parte significativa do custo de um empregado. O custo excessivo do trabalho formal intimida, ainda, a criação de novos postos de trabalho originados com um atual fenômeno da economia mundial, que é a oferta de emprego globalizada. Conforme explica José Pastore, hoje, as empresas de um país podem buscar empregados em outros países6, o que significa que muitas empresas estão buscando estabelecer suas atividades produtivas em países onde o custo dos profissionais de que necessitam é mais baixo. Nesse sentido, o alto custo do emprego formal no Brasil pode tirar o País da lista de locais onde essas empresas pretendem se estabelecer. É inegável que o custo excessivo do trabalho formal em uma economia que não cresce com a mesma força que crescia há trinta anos atrás estimulou de for- ma importante o crescimento do mercado informal de trabalho. Ocorre que esse movimento natural de sobrevivência em muitos casos não pode ser tratado pura e simplesmente como um problema policial e fiscal, a ser combatido apenas com me- didas sancionadoras. O problema é mais profundo e deve ser encarado como uma questão sócio-cultural, a ser enfrentado a nível político e jurídico, considerando-se as desigualdades profundas de um país como o Brasil.7 O custo excessivo nada mais é do que uma conseqüência do que José Pastore chamou da “cultura do garantirismo legal”, isto é, a crença de que quanto mais di- reitos estiverem na lei, mais gente estará protegida8. O mercado mostra exatamente o contrário. No caso brasileiro, o garantirismo levou um número cada vez maior de trabalhadores à economia informal. 3.2. o início da carreira no brasil – precocidade do primeiro trabalho Desde 1998, a lei brasileira permite que crianças a partir de 14 anos trabalhem como aprendizes e a partir dos 16 anos como empregados formais, embora com algu- mas limitações, como a vedação ao trabalho em condições insalubres, perigosas, ou em horário noturno, que só podem ser executados pelos maiores de 18 anos de idade. A Constituição Federal de 1988 trata do assunto nos artigos 7º, incisos XXX e XXXIII, e 227, § 3º, I, II e II, que estabelecem a idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho e garantem direitos previdenciários e trabalhistas ao menor trabalhador, além da garantia do acesso à escola. Já a CLT dispõe sobre o trabalho do menor em seu capítulo IV e prevê penalidades para os infratores das disposições do capítulo. 5 Íntegra do texto em http:// w w w . i p e a . g o v . b r / p u b / td/2006/td_1218.pdf; matéria do O Globo em http://oglo- b o. g l o b o. c o m / e c o n o m i a / mat/2006/10/02/285933533. asp 7 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de são Paulo, em entrevista à Eliana simonetti, Revista Veja, 1998. 8 PRaDO, Ney. Economia Infor- mal e Direito no Brasil. 1991 9 José Pastore, professor de economia e administração da Universidade de são Paulo, em entrevista à Eliana simonetti, Revista Veja, 1998. 13FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I No direito internacional, também vigoram regras para a proteção da criança, como é o caso da Convenção dos Direitos da Criança, que protege especialmente o desenvolvimento físico, mental e social infantil, e prioriza a educação gratuita, o lazer e o direito de ser protegido contra o abandono e a exploração no trabalho. Tal texto, adotado pela Assembléia Geral da ONU em 1989, foi ratificado por 192 países e representa a maior aceitação de um texto legislativo em matéria de direitos humanos. Para erradicar o trabalho infantil, além da legislação vigente, o Governo bra- sileiro criou o CONANDA (Lei nº 8.242/1991), que, entreoutras coisas, deve promover e apoiar iniciativas de emprego e geração de renda, de forma que a renda do grupo familiar se eleve, a fim de estimular o êxito e a permanência na escola das crianças e adolescentes que trabalham, principalmente, em situação de risco, e deve, ainda, fiscalizar e reprimir a ocorrência do trabalho infantil e a exploração laboral do adolescente. No âmbito das Delegacias Regionais do Ministério do Trabalho, foram criadas, a partir de 1995, Comissões Estaduais de Combate ao Trabalho Infantil, que fo- ram recentemente transformadas em Núcleos de Erradicação do Trabalho Infantil e de Proteção ao Trabalho do Adolescente. Instalado em 29 de novembro de 1994, na sede da Organização Internacional do Trabalho – OIT, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil envolve organizações não-governa- mentais, trabalhadores, empresários, a Igreja, os Poderes Legislativo e o Judiciário e conta com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da OIT. Composto por 40 entidades, o Fórum está sob a coordenação do Ministério do Trabalho. Mesmo com todo esse aparato, a realidade econômica brasileira atua como causa da entrada prematura das crianças e adolescentes no mercado de trabalho. A pobre- za, a má distribuição de renda e a falta de um sistema público de educação, mais abrangente e de qualidade, somados a uma forte demanda por mão-de-obra barata, incentivam crianças e adolescentes a ingressarem cada vez mais cedo no mercado de trabalho. Diante deste panorama, a PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicí- lio – realizada pelo IBGE) de 2003 detectou 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade trabalhando no Brasil. Destes, 209 mil tinham de 5 a 9 anos, 1,7 milhão tinham de 10 a 14 anos e 3,2 milhões tinham de 15 a 17 anos. A atividade agrícola concentrava a maior parte desse contingente, com 74,6% das crianças entre 5 e 9 anos, 58 % das crianças entre 10 e 14 anos e 33,4% dos ado- lescentes entre 15 e 17 anos. Esse último percentual é superior ao percentual dos trabalhadores com 18 ou mais anos de idade (19,3%) na mesma atividade. Na agricultura, o trabalho do menor ocorre em condições precárias, seja nos ca- naviais, na cultura do sisal ou nas plantações de fumo. Nesses lugares, as crianças são muitas vezes submetidas a produtos tóxicos, ferramentas perigosas e longas jornadas de trabalho. Já nos centros urbanos, jovens e crianças trabalham no setor doméstico e também no setor informal, vendendo balas em sinais, engraxando sapatos, muitas vezes em lugares impróprios, como em bares e boates. O trabalho infantil também 14FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I contribui para o abandono escolar, já que, na maioria dos casos, não existe como conciliar as tarefas. Esses dados se mostram especialmente importantes se combinados com algumas das conclusões a que chegaram os Professores José Pastore e Nelson do Valle Silva no espetacular trabalho intitulado “Mobilidade Social no Brasil” (Editora Makron Books, 1999), ao tratarem da educação como determinante das trajetórias sociais dos indivíduos: “A educação é o mais importante determinante das trajetórias so- ciais futuras dos brasileiros, importância que vem crescendo ao longo do tempo. Não é exagero dizer que a educação constitui hoje o determinante, central e decisivo no posicionamento socioeconômico das pessoas na hierarquia social.” (p. 40) A amostra de chefes de família homens registra uma média de anos de escolari- dade de em torno de 5,6, sendo de 6,3 nas zonas urbanas e de 2,7 nas zonas rurais. Essa amostra tem o problema de tomar por base apenas homens chefes de família, alguns muito jovens, a ponto de não poderem ter terminado seus estudos, o que distorce os resultados. Os dados de evolução da média dos anos de escolaridade dos brasileiros mostra uma tendência que, se não modificada, significará que, em 2020, os brasileiros ainda mal estarão completando o primeiro grau, sendo certo que, nas áreas rurais, nem nesse ponto estaremos. “No todo, esse modelo permite explorar, como foi feito anteriormente, a exten- são das desigualdades educacionais no Brasil. Tomando-se um jovem, chefe de famí- lia, com cerca de 25 anos e cujo pai pertenceu ao extrato baixo-inferior (trabalhador rural), analfabeto, por exemplo, o modelo prevê que ele deveria ter em média um nível de escolaridade inferior a 2,5 anos – será também funcionalmente analfabeto. Para um jovem da mesma idade que seja filho de um pai que estava no estrato alto, por exemplo, um médico, o modelo prevê que o indivíduo terá um nível equivalente a curso superior completo, ou seja, mais de 16 anos de escolaridade.” (pág. 43). O trabalho infantil, portanto, além de engrossar as estatísticas de trabalho in- formal e, nesse caso, ilegal, pois normalmente não observa as regras que regulam esse tipo de trabalho, representam relevante fator de atraso do País, pois retiram precocemente da escola crianças que, por isso, perdem a sua melhor possibilidade de ascensão social, que tem na educação o seu mais relevante fator. Portanto, o tra- balho infantil deve ser combatido com rigor, mas de nada adiantará esse rigor se não forem garantidas condições mínimas de sobrevivência às famílias, de forma que o fruto do trabalho infantil se torne dispensável, sem que isso signifique privar famí- lias de necessidades as mais básicas. A realidade é que crianças, hoje, exercem papel relevante no sustento de famílias tanto em áreas rurais como em áreas urbanas. 3.3. o custo do trabalhador no brasil ou, simplesmente, o custo brasil. O chamado Custo Brasil é definido como o custo agregado por força de lei a contratos de trabalho, desconsiderando os adicionais que têm propósito específi- co e não se aplicam a todos os trabalhadores, como, por exemplo, adicionais de 15FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I periculosidade e insalubridade, adicional de transferência etc. O Custo Brasil é a expressão matemática de todos os encargos trabalhistas básicos aos quais o empre- gador está obrigado, por lei, a honrar, ou seja, (i) 13º salário, (ii) bônus de férias, (iii) depósitos no FGTS, (iv) multa decorrente da rescisão imotivada do contrato de trabalho; (v) contribuições previdenciárias; e (vi) férias de trinta dias, depen- dendo do propósito do cálculo e das circunstâncias do caso concreto. O Custo Brasil é elevado, não apenas quando comparado com outros países em termos percentuais, mais ainda, porém, quando considerada qual a parcela deste custo reverte-se em benefício do empregado. Conforme mencionado anteriormen- te, pesquisas de economistas do IPEA apontam o índice de 26,8% como sendo a parcela do custo do trabalhador que se perde entre o bolso do empregador e o bolso do empregado, ficando nos cofres públicos. Esses mesmos economistas informam que esse percentual, em outros países latinoamericanos, não passa dos 15% em média. Portanto, demonstra aquele estudo que o custo elevado não decorre da ne- cessidade de proteger o empregado apenas, mas também da necessidade de financiar a máquina pública. No Brasil, um empregado custa ao empregador 55,28% do seu salário, sem con- tar com o custo das férias anuais, que pode ser desconsiderado em algumas análises, por ser um custo comumente encontrado em outros países. Em outras palavras, cada R$1,00 pago a um empregado custa ao seu empregador R$1,55, aproxima- damente. Em números arredondados, para cada R$1,00 que chega ao bolso do trabalhador ao final de cada mês de trabalho, R$0,30 vão para a Previdência Social, R$0,14 para conta vinculada do FGTS (depósito mensal e multa por rescisão imo- tivada), R$0,03 representam o bônus de férias de 1/3 e R$ 0,08 o décimo terceiro. Ou seja, grande parte do Custo Brasil não vai para o bolso dos empregados nem se reverte em benefícios em seu favor, mas, sim, em fontede recursos para o governo. Partindo-se dos R$ 0,55 adicionados a cada R$ 1,00 pago a um empregado no Brasil, tem-se que uma parte desses R$ 0,55 acaba no bolso do empregado em pra- zo relativamente curto. É a parte relativa ao décimo terceiro salário (R$ 0,08), que chega ao bolso do empregado no final de cada ano e ao bônus de férias de 1/3 (R$ 0,03), que também chega ao seu bolso a cada doze meses de trabalho. Isso significa que, desses R$ 0,55 adicionados a cada R$ 1,00 pago a um empregado brasileiro, o empregado recebe aproximadamente R$ 0,11 anualmente. Uma outra parcela de Custo Brasil, correspondente aos depósitos na conta vin- culada do FGTS e à multa por rescisão imotivada, sendo certo que apenas o saldo da conta vinculada é inquestionavelmente um direito do empregado (a regra é que o saldo da conta se torne disponível no momento da rescisão, mas existe exceção nos casos de doenças terminais, aquisição de casa própria, etc.). Já o direito à multa por rescisão imotivada se dá apenas quando o seu contrato de trabalho é rescindido por iniciativa do empregador, sem justa causa. A parcela do FGTS, contudo, apresenta uma perversidade adicional: ela é desembolsada pelo empregador mensalmente e depositada em uma conta que está sujeita a juros e correção monetária pelos me- nores índices do mercado, de modo a proporcionar ao governo a utilização deste valor por anos e anos com um custo muito reduzido. O FGTS é, na realidade, um 16FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I empréstimo compulsório que os trabalhadores concedem ao governo com juros altamente subsidiados. Portanto se, por um lado, na tentativa de ajustar suas contas muitas vezes defi- citárias, os empregados pagam juros elevadíssimos a administradores de cartões de crédito ou a bancos pela utilização de limites de cheque especial, são esses mesmos trabalhadores que emprestam mensalmente ao governo 8% do seu salário. E pior, a juros altamente subsidiados. Por fim, há o pior de todos os encargos: o INSS. A falência completa do sistema de previdência pública no Brasil é notória. É consenso que não haverá reversão no quadro triste de aumento gradativo do déficit da Previdência enquanto não se extinguirem benefícios sem limites pagos a funcionários públicos. Enquanto nada disso muda, convive-se com o fato inegável de que aproximadamente R$ 0,30 para cada R$ 1,00 pago a um empregado no Brasil acabam nos cofres da previdência pública, de onde saem ou para engordar os cofres menos públicos, já que as fraudes envolvendo a previdência pública são lugar-comum do nosso cotidiano, ou para pagar benefícios a aposentados, com a já secular desproporção entre aposentados da iniciativa privada e pública. Definitivamente, essa é a parcela que tem a maior possibilidade de jamais retornar ao empregado. 3.4. custo brasil e propostas para o futuro Os dados aqui compilados sugerem pelo menos duas medidas, quais sejam, os valores que são pagos indiretamente ao empregado (13º salário, bônus de férias e FGTS) deveriam idealmente ser acrescidos ao salário dos empregados e pagos diretamente a eles mensalmente e a parcela de 30% relativa ao INSS deveria ser re- duzida ou parcialmente paga diretamente ao empregado (sugestão improvável ante o fenômeno da miopia social), mesmo que de forma vinculada ao seu investimento em um plano de previdência privada ou de saúde, quando não disponível pelo em- pregador. Esses dados demonstram que o caráter tutelar do direito do trabalho pode resul- tar em prejuízo para o empregado, apesar de propagado como princípio que busca sua proteção. Algumas medidas prevendo um novo tratamento para os atuais bene- fícios obrigatórios, não-obrigatórios e das contribuições previdenciárias poderiam ser uma solução. Os valores de FGTS, 13º salário e bônus de férias passariam a ser pagos mensal- mente e diretamente aos empregados, ao invés de depositados em conta vinculada (FGTS), ou pagos a cada 12 meses (13º salário e bônus de férias). Isso resultaria em um aumento imediato de 25% na remuneração mensal dos empregados, sem qualquer aumento de custo para os empregadores. Naturalmente que a implementação de mudanças dessa natureza deve ser pre- cedida de todos os necessários estudos e cautela, além de ser estruturada para que se evite a redução da remuneração total, ou seja, para que não se deixe de repassar integralmente aos empregados o custo desses benefícios, sob a forma de aumento de salário, antes de suprimi-los. Contudo, uma vez implementada essa alternativa, as 17FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I empresas experimentariam uma economia operacional decorrente da desnecessida- de de processar pagamentos mensais ao FGTS e anuais de férias e 13º salário. Os empregados, por sua vez, teriam mais 25% de salário em seu bolso a cada mês, ficando livres para aplicar esse aumento onde melhor lhes aprouver. Seria natural o lançamento de uma campanha institucional do governo estimulando a poupança pessoal como alternativa em vista da eliminação do FGTS, mas a decisão quanto ao que poupar e como poupar ficaria, naturalmente, a cargo dos empregados. Além disso, esses empregados deixariam de emprestar dinheiro subsidiado ao governo, quando definitivamente esse não é o propósito declarado do FGTS. Do ponto de vista do governo e das políticas públicas, haveria uma redução significativa nos custos para administrar o FGTS e, conseqüentemente, nas fraudes por parte de empregadores que deixam de recolher a contribuição, sempre que em situação financeira delicada, e da burocracia, onde volta e meia se tem notícia de desvios e fraudes ao sistema. Enfim, exceto pela possibilidade de os empregados agirem irresponsavelmente e gastarem todo o dinheiro adicional de forma fútil, o que deve ser encarado como uma possibilidade educativa não parece haver outras desvantagens no pagamento direto desses benefícios aos empregados em dinheiro e mensalmente. Quanto aos benefícios não obrigatórios, como o seguro-saúde e o vale alimenta- ção no exemplo antes mencionado, parece razoável que estes deveriam ser opcionais para os empregados, que aproveitariam apenas a natural redução de custos pela sua contratação em grupo, ficando, contudo livres para não fazê-lo. Assim, o empre- gado participaria ativamente da decisão quanto a quais benefícios lhe interessam e quanto quer por eles pagar, ficando livre para contratá-los diretamente, se assim preferir. Aqui não haveria qualquer aumento de custo para os empregadores ou perda para os empregados ou para o governo. Por fim, o valor que é hoje destinado ao INSS representa não apenas o percentu- al mais significativo dentre aqueles que compõem o Custo Brasil, mas também é o mais delicado quando se pretende analisar alternativas para reduzi-lo ou eliminá-lo. Isto decorre do fato de que o sistema está falido e o seu déficit aumenta sem demons- trar qualquer tendência de queda a médio prazo. Portanto, qualquer sugestão que contemple a redução dos encargos previdenci- ários depende de uma modificação drástica nos direitos dos funcionários públicos que oneram sobremaneira as contas da previdência pública. Além disso, conside- rando que empregados a partir de determinado patamar de remuneração não mais contam com a previdência pública como fonte única de aposentadoria, em uma situação ideal, dever-se-ia poder segregar dois sistemas de custeio e benefício. Isso de modo que apenas até um certo nível salarial empregados continuassem a ter direito ao benefício previdenciário público e a realizar as contribuições previdenciárias, preferencialmente em patamar inferior ao atual. Quanto aos demais empregados, com remuneração mais elevada, estes deveriam passar a contribuir diretamente a fundos privados de previdência, de modo a cons- truir a sua própria reserva de poupança. Naturalmente que essa mudança exigiria regras de transiçãodestinadas a empregados que já contribuíram por muitos anos e 18FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I que não podem se ver de uma hora para a outra completamente privados do benefí- cio previdenciário. Mais ainda, essas mudanças dependem de uma forte regulamen- tação do setor de previdência privada, que ganharia maior relevância social. De qualquer forma, como o “cobertor é curto”, pode-se prever, para a viabilidade dessa alternativa, a quebra de expectativas de benefícios previdenciários daqueles empregados mais privilegiados: uma mudança dessa magnitude exigiria eliminar direitos de funcionários públicos e desempregados de maior poder aquisitivo. Ao final dessas medidas e passados os prazos de transição, idealmente, chegar- se-ia a uma realidade na qual parte dos empregados continuaria contribuindo para o sistema de previdência pública, com um custo inferior ao atual de aproximada- mente 30% (algo em torno de 20% pode ser uma meta), para o recebimento de benefícios limitados e outra parte dos empregados (de remuneração mais elevada) deixariam de contribuir para o sistema público e entrariam no sistema privado de previdência, que seria facultativo, mantendo-se a coerência com a idéia de que os empregados devem ser tratados como donos do seu destino. As propostas aqui apresentadas, drásticas mais do ponto de vista cultural do que financeiro ou legal, poderiam representar uma mudança importante na filosofia do trabalhador brasileiro, transformando-o em um cidadão mais autônomo e empre- endedor. A própria necessidade de definir onde aplicar o seu dinheiro, que seguro contra- tar, como planejar a aposentadoria etc., pode ser um passo importante para que os jovens que entram no mercado de trabalho prefiram empreender e exceder limites a fazer um concurso público e trocar o seu possível sucesso estrondoso pela medio- cridade da segurança sem perspectivas. 4. o caso A empresa WWP, Inc., que estava interessada em ingressar no mercado brasileiro para vender componentes eletrônicos fabricados em sua planta na Argentina, em 1º de março de 1998, contratou como consultor o Sr. Luiz Pereira, um engenheiro ele- trônico, com o objetivo de estudar o mercado brasileiro, definindo quais seriam os principais clientes em potencial e concorrentes, os custos de importação dos com- ponentes fabricados na Argentina, os impostos incidentes e, em resumo, auxiliar os executivos da WWP, Inc. a montar um business plan para o ingresso da WWP, Inc. no mercado brasileiro. A WWP, Inc. firmou contrato de consultoria com o Sr. Pe- reira, prevendo uma remuneração anual total de R$ 144.000, paga em doze parcelas mensais de R$ 12.000. O contrato foi firmado por prazo indeterminado e previa a possibilidade de rescisão, a qualquer tempo, por qualquer das partes, mediante aviso prévio de 30 dias. Durante dois anos e meio (de março de 1998 a agosto de 2000), o Sr. Pereira trabalhou intensamente para a WWP, Inc., provendo os seus executivos no exterior de todos os dados necessários à definição de seu ingresso no mercado brasileiro. Du- rante esses anos, em vista das claras indicações de que seria interessante seu ingresso 19FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I no mercado brasileiro, a WWP, Inc. concordou em montar um escritório na cidade de São Paulo, bem como em formar a WWP do Brasil Ltda., tendo o Sr. Pereira como seu gerente delegado. Deste pequeno escritório, o Sr. Pereira, com a ajuda de uma secretária, coordenou todos os esforços para que, em janeiro de 2000, a WWP, Inc. fizesse a sua primeira venda a um grande cliente brasileiro. Passada a fase inicial e iniciadas as vendas a clientes locais, os executivos da WWP, Inc. constataram que o Sr. Pereira não era a pessoa mais indicada para conduzir essa fase dos negócios. Na sua avaliação, apesar de ele ter realizado um excelente traba- lho de investigação inicial, não possuía qualificações para continuar conduzindo o negócio, agora com vendas efetivas e vários clientes a serem explorados. Em 1º de agosto de 2000, a WWP, Inc. avisou o Sr. Pereira de sua intenção de rescindir o contrato de consultoria, tendo sido esta rescisão efetivada em 31 de agosto de 2000, ao término do aviso prévio de 30 dias contratualmente previsto. Inconformado com a rescisão, em dezembro de 2000, o Sr. Pereira ajuizou con- tra a WWP, Inc. e a WWP do Brasil Ltda. uma ação trabalhista, postulando o reco- nhecimento de vínculo empregatício com estas empresas pelo período de 30 meses, iniciando em 1º de março de 1998 e terminando em 31 de agosto de 2000. A WWP, Inc. foi aconselhada por seu advogado a reservar em seus livros o valor integral do pedido formulado na ação, em vista das altas chances de êxito do recla- mante, uma vez consideradas as peculiaridades do caso. A WWP, Inc. quer definir, em números aproximados, qual o valor de seu risco nesta ação. 5. biblioGrafia coMpleMentar “Imposto sobre Trabalho e seus Impactos nos Setores Formal e Informal” dos economistas Gabriel Ulyssea e Mauricio Cortez Reis, ambos da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, em http://www.ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1218.pdf. MIGLIORA, Luiz Guilherme e Luiz Felipe Veiga, Administração do risco traba- lhista. Ed. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2003. PASTORE, José e Nelso do Valle Silva, Mobilidade Social no Brasil” (Editora Makron Books, 1999) PRADO, Ney. Economia Informal e Direito no Brasil. 1991, Editora LTr. 20FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I aulas 3 e 4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DO TRABALHO 1. introdução Os princípios são “as idéias fundamentais sobre a organização jurídica de uma comunidade, emanados da consciência social, que cumprem funções fundamenta- doras, interpretativas e supletivas, a respeito de seu total ordenamento jurídico”.10 Os princípios gerais do direito são fontes subsidiárias de direito e assim acontece no Brasil, como preconiza a Lei de Introdução ao Código Civil no seu artigo 4º. No campo do direito do trabalho, os princípios são a base, a fundamentação, a diretriz que deve ser seguida para a interpretação da norma trabalhista. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) inclui os princípios entre as fontes a que a Justiça do Trabalho deve recorrer para sanar omissões no campo das relações de trabalho, ou seja, os princípios são enunciados deduzidos do ordenamento jurí- dico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis, como o interprete, ao aplicar as leis.11 No campo do direito do trabalho, os princípios exercem papel fundamental, dando aos dispositivos legais uma interpretação muitas vezes diversa daquela que seria natural pela sua simples leitura. Como ocorre hoje em outras áreas do direito, especialmente quando se identifica uma parte hipossuficiente (um bom exemplo é a área do direito do consumidor), no direito do trabalho as normas são flexibilizadas em nome da proteção e respeito a princípios fundamentais. Isso será notado na análise dos temas mais relevantes na área do direito do trabalho. 2. princípio da irrenunciabilidade de direitos O princípio da irrenunciabilidade de direitos, consagrado nos artigos 9º e 468 da CLT, surge como conseqüência das normas cogentes, que visam a proteção do trabalhador e são a base do contrato de trabalho. Do princípio da irrenunciabili- dade de direitos, decorre a mais marcante peculiaridade do Direito do Trabalho brasileiro, que é a ausência quase total de autonomia da vontade quando se trata do trabalhador. Os direitos trabalhistas como um todo, sejam decorrentes de lei, acordo ou con- venção coletivos, ou mesmo de ajuste direto entre empregado e empregador, não podem ser objeto de renúncia por parte do empregado, a não ser em situações excepcionalíssimas, cercadas de formalidades que sempre têm por objetivo garantir que a manifestaçãode vontade do empregado não está viciada. Ou seja, a renúncia de direitos somente será possível se feita de forma expressa e dentro das situações previstas em lei, inexistindo, no Direito do Trabalho, o que ocorre nos demais ramos do Direito Privado, ou seja, a possibilidade de renúncia tácita. O direito ao aviso prévio, por exemplo, é irrenunciável pelo empregado, con- forme entendimento jurisprudencial sumulado no Enunciado nº 276 do TST. 10 FlÓREZ-ValDÉs apud basTOs, Celso Ribeiro. Op. cit., p. 145. 11 sÜssEKIND, arnaldo, Insti- tuições de Direito do Trabalho, p. 141. 21FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I Alguns autores defendem, ainda, que o princípio da irrenunciabilidade decor- reria do vício presumido do consentimento do trabalhador a renunciar aos seus di- reitos, uma vez que o mesmo não teria total liberdade para emitir a sua vontade em razão da subordinação a que está sujeito. O trabalhador sempre estaria, portanto, sob coação psicológica ou econômica, ou, ainda, em determinados casos estaria na condição de quem desconhece seus reais direitos. Independentemente da teoria adotada, verifica-se que a nulidade de pleno direi- to atribuída às alterações contratuais que possam ser entendidas como prejudiciais ao empregado, leia-se, que impliquem em renúncia a direito garantido por lei ou contrato acaba por engessar as relações de trabalho. Embora este princípio tenha como finalidade a proteção ao empregado, o mes- mo acaba por ser um entrave à flexibilização do Direito do Trabalho, vista como uma moderna solução para o problema do desemprego, pelo menos em algumas camadas da sociedade. Um exemplo interessante é a obrigação de pagamento de horas extras a todos os empregados que não possam ser qualificados como ocupantes de cargos de gestão ou exercentes de atividades externas, nos termos do artigo 62 da CLT. Como estas exceções legais são demasiadamente limitadas, a lei acaba por exigir que a maioria esmagadora dos empregados, independentemente do seu nível de educação ou da independência que possam usufruir no desempenho de suas funções, estejam sujei- tos ao controle de horário e ao conseqüente pagamento de horas extras. Como de nada adiantaria aos empregadores convencionar com seus empregados de nível superior e ocupantes de cargos estratégicos (que mesmo assim não se qualificam como cargos de confiança para os efeitos do art. 62 da CLT) a renúncia ao controle de jornada e ao recebimento de horas extras, estas empresas normalmente optam pelo simples descumprimento da lei. Não é incomum que empresas que possuem um gru- po de empregados de nível elevado e alto grau de comprometimento no desempenho das atividades isente estes empregados do controle de horário. Estas empresas acabam por constantemente administrar um potencial passivo trabalhista consistente na pos- sibilidade de estes empregados postularem horas extras com significativas chances de sucesso. Interessante notar que este passivo pode muitas vezes inviabilizar ou significa- tivamente influenciar operações de compra e venda de empresas, já que o comprador facilmente identifica o risco e tenta afastá-lo de si através da prestação de garantias por parte do vendedor, ou mesmo pela simples redução do preço ajustado.12 O princípio da irrenunciabilidade não cuida apenas da renúncia de direitos, mas também da intransigibilidade. Três são tipos de direito que podem ser encontrados no Direito do Trabalho: (i) com conteúdo imperativo, cujo alcance é geral; (ii) com natureza imperativa, decorrente, por exemplo, do contrato de trabalho; e (iii) dis- positivos ou supletivos. Os dois primeiros não poderão ser objeto de transação, mas somente o terceiro. Não pode o empregado, por exemplo, optar por ter anotada sua CTPS para não sofrer descontos de INSS. Mesmo que acordado entre o emprega- dor e o empregado, o empregador seria intimado a pagar as cotas previdenciárias caso sofresse fiscalização, independentemente daquilo que havia acordado pelo em- pregado, por se tratar de norma cogente, cuja observância é obrigatória. 12 MIGlIORa, luiz Guilherme e VEIGa, luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho. 22FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I Um outro caso interessante e real é o de um executivo que foi contratado por uma empresa estrangeira para trabalhar em sua subsidiária no País e teve o seu sa- lário definido em moeda estrangeira. Assim, a cada mês, o seu salário em reais era calculado tomando-se por base a taxa de conversão da moeda estrangeira para reais. Passados alguns anos, com a alta da moeda estrangeira, o salário desse executivo em reais se tornou excessivamente alto, a ponto de se sugerir a sua demissão e a con- tratação de outro executivo para o seu lugar por não ser possível a redução do seu salário para níveis de mercado. Neste caso, o próprio executivo concordava que seu salário deveria ser reduzido em reais e queria poder manter o seu emprego. Entretanto, as partes sabiam que qualquer documento assinado pelo empregado nesse sentido seria inválido e criar- se-ia uma contingência em potencial para a empresa, caso o executivo viesse a ques- tionar essa redução salarial no futuro. Este é um caso no qual a proteção aos diretos do empregado funcionou contra ele e contra a empresa, impedindo uma solução simples para o que poderia ser um problema simples. 3. princípio da continuidade da relação de eMpreGo Embora a Constituição Federal de 1988 não tenha assegurado a estabilidade absoluta do trabalhador, a interpretação das normas referentes às indenizações de- vidas, quando da dispensa do empregado sem justa causa, sugere a presunção da duração do contrato de trabalho por tempo indeterminado. O contrato por prazo determinado (obra certa, escopo limitado no tempo, etc) é uma exceção e, como tal, encontra uma série de restrições na legislação trabalhista, como, por exemplo, o limite máximo de 2 (dois) anos e a possibilidade de uma úni- ca renovação, estabelecido no artigo 445 da CLT. O contrato de experiência é sem dúvida o mais usual dos contratos por tempo determinado, e tem duração limitada de 90 dias (artigo 445, parágrafo único), prazo após o qual teria início o contrato por prazo indeterminado. O princípio da continuidade do contrato de trabalho também está presente nos artigos 10 e 448 da CLT, que tratam, respectivamente, das alterações na estrutura da empresa e na mudança de sua propriedade, que não irão afetar os direitos adquiri- dos e o contrato de trabalho. Ou seja, o legislador procurou proteger o trabalhador com a garantia de continuidade de seu contrato de trabalho e das condições do mesmo, independentemente da venda, fusão ou incorporação, ou qualquer outra alteração no controle da empresa em que trabalha. 4. princípio da priMazia da realidade No Direito do Trabalho, a força dos documentos escritos é muito relativa e estes sucumbem às evidencias que o contrariem, que demonstrem que a realidade foi di- ferente do que estava no papel. A relação jurídica definida pelos fatos define a verda- 23FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I deira relação jurídica. Isto significa que as relações jurídicas trabalhistas se definem pela situação de fato, isto é, pela forma como se realizou a prestação de serviços. Ensina Arnaldo Sussekind que o princípio da primazia da realidade é aquele “em razão do qual a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contraentes, ainda que sob capa simulada, não corresponde à realidade”. Trata-se, portanto, de um princípio bastante peculiar do Direito do Trabalho, em razão do sistema jurídico brasileiro privilegiar a forma e o conteúdo dos docu- mentos escritos, em lugar da realidade das relações. Tome-se, por exemplo, um contrato no qual as partes estabelecem queuma in- termediará vendas para a outra e que esta relação será uma relação de representação comercial, regida por lei específica, sendo o representante registrado perante o com- petente órgão de classe dos representantes comerciais. Imagine-se que este contrato é firmado e, por anos a fio, as partes cumprem-no à risca, até que o representado re- solve rescindir o contrato, o que faz nos termos da lei aplicável a esta modalidade de relação jurídica. Se, neste momento, o representante, sentindo-se lesado ou infeliz, resolver propor ação trabalhista contra o representado, alegando que a relação que havia entre eles era, de fato, uma relação de emprego, na qual estava ele sujeito a um nível de subordinação típico de um empregado, e o juiz do trabalho, ao analisar a conduta das partes durante a vigência do contrato, concordar que estavam presentes os elementos da relação de emprego, condenará o representado a pagar ao repre- sentante as verbas de natureza trabalhista aplicáveis, desconsiderando totalmente os termos do contrato firmado e executado pelas partes por anos e anos13. 5. princípio da preValência da norMa Mais benéfica O princípio da proteção ao trabalhador se concretiza em três outros princípios: (i) in dúbio pro operario; (ii) aplicação da norma mais favorável; e (iii) condição mais benéfica. O princípio do in dúbio pro operario significa dizer que sempre que houver dúvida acerca do alcance ou interpretação de determinada norma, ela deverá ser interpretada favoravelmente ao empregado, que seria a parte mais frágil da relação de emprego. O princípio da aplicação da norma mais favorável traduz a idéia de que a norma a ser aplicada será sempre aquela que for mais benéfica para o trabalhador, independentemente de sua posição hierárquica. Em termos práticos, isto equivale a dizer que prevalecerá sempre a condição mais benéfica ao trabalhador, seja ela decorrente da Constituição Federal ou de um regulamento interno da empresa. A condição mais benéfica se traduzirá naquele que se reverter em maior benefício para o empregado. As normas de hierarquia mais elevadas acabam por estabelecer pisos de direitos, e não os seus limites. As normas de hierarquia inferior e mesmo os contratos indivi- duais de trabalho prevalecem quando se trata de definir direitos dos trabalhadores. 13 MIGlIORa, luiz Guilherme e VEIGa, luiz Felipe, Apostila sobre Princípios Fundamentais e Natureza Tutelar do Direito do Trabalho. 24FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I 6. aplicação e interpretação das norMas de direito do trabalho 6.1. introdução Uma norma jurídica, quando é criada, não visa à regulação de um caso concreto. O objetivo da criação da norma é antecipar, mediante um processo de abstração, as classes de relações interindividuais que exijam a intervenção do Estado. As leis, portanto, são meios de comandos abstratos e gerais. Mas é necessário que o direito seja aplicado. Para que o direito cumpra sua mis- são, é necessária, também, a “efetividade social”, que se traduz na sua vigência, na sua aplicação.14 A aplicação do direito é a adaptação da norma abstrata a um caso concreto, o aplicador do direito tira a lei abstrata do papel e aplica a um caso real, existe uma passagem do geral para o particular. 6.2. interpretação Interpretar a lei é aplicá-la a um caso concreto; é atribuir-lhe um significado, determinando um sentido, ou seja, descobrindo a vontade da lei. Pelo sistema tra- dicional, o intérprete seria um simples explicador da lei; ele aplicaria exatamente o que está na lei. Por esse método, todo direito está na lei, sendo esta a expressão da vontade do legislador. Existe também o método histórico evolutivo de interpretação de leis, que parte da premissa que a norma tem uma vida própria, ela pode ter uma interpretação na época de sua criação e outra na época de sua aplicação, ou seja, a mesma norma pode ter um sentido na sua formação e outro sentido no momento que é aplicada. O sistema teleológico visa buscar a finalidade da norma. O intérprete deve apli- car a norma de acordo com as necessidades práticas que o direito busca atender. Portanto, da leitura desses sistemas, nota-se que os sistemas interpretativos oscilam entre dois extremos: a busca da vontade do legislador ou a busca por se atender as necessidades sociais do momento. Para alcançar o sentido da lei, devem ser usados vários meios de interpretação, como a interpretação gramatical, a interpretação lógica e a interpretação sistemáti- ca. Esses meios devem ser usados em conjunto, e não isoladamente, somente assim o interprete pode conduzir a interpretação da lei a um resultado satisfatório. Pode acontecer de não existir uma lei para uma certa relação da vida social, isto é, o legislador pode não ter previsto um caso que o Estado será chamado para resol- ver. Nesses casos, o juiz poderá usar a analogia, doutrina e os princípios gerais para conseguir solucionar o caso concreto que a lei não previu. Analogia é um processo de indução pelo qual se extrai o princípio a aplicar-se ao caso concreto não previsto. Então a analogia consiste na aplicação ao caso concreto não contemplado pela norma jurídica de um dispositivo de lei ou princípio do di- reito previsto para uma hipótese semelhante. Se a razão da lei é a mesma, idêntica há de ser a solução. 14 sÜssEKIND, arnaldo, Insti- tuições de Direito do Trabalho, p. 191. 25FGV DIREITO RIO RElaçõEs DO TRabalhO I A doutrina conceitua-se como o conjunto de trabalhos científicos que traduzem a opinião dos autores sobre o direito. Se o objeto de seu estudo é um tema especifi- co, dela surgirão várias correntes e pensamentos. Os princípios gerais do direito são, como dito anteriormente, enunciados ge- néricos, explicitados ou deduzidos do ordenamento jurídico pertinente que visam ajudar o interprete a aplicar as normas ou a sanar omissões. O intérprete do direito deve, na aplicação da norma, visar atender os fins sociais a que elas se dirigem, por isso, no Direito do Trabalho, esse intérprete deve se guiar pelos princípios específicos dessa área para aplicar a norma. 7. eficácia no teMpo e no espaço A aplicação das normas do direito do trabalho é de caráter imediato. Porém, deve-se respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. O artigo 912 da CLT preceitua que “os dispositivos de caráter imperativo terão apli- cação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação”. As normas trabalhistas têm efeito imediato, mas, como se pode observar do ar- tigo 912 da CLT, não têm efeito retroativo. A Constituição brasileira não admite a retroatividade da lei conforme artigo 5º, XXXVI. A lei não pode retroagir para mudar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Quanto à aplicação da lei trabalhista no espaço, no Direito do Trabalho, é apli- cado o princípio da territorialidade, isto é, a norma aplicada é a do local onde aconteceu a relação trabalhista. O artigo 651 da CLT e o Enunciado 207 do TST consagram o princípio da territorialidade nas relações trabalhistas. Essa norma se aplica também no caso de conflito internacional de normas trabalhistas. 8. caso “Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário em que são partes: FRANCISCO JOSE SERRADOR E TURNER INTERNATIONAL DO BRASIL LTDA como recorrentes e OS MESMOS como recorridos. Inconformados com a r. sentença de 1º grau proferida pela MM 1ª Vara do traba- lho às fls. 1141/1162, complementada pela decisão dos embargos às fls. 1194/1197, recorrem ordinariamente ambas as partes, o reclamante através das razões de fls. 1201/1226 e a reclamada às fls. 1227/1257. Sustenta o reclamante o seu inconformismo em relação ao não acolhimento das teses de existência de sucessão empresarial e unicidade contratual, bem como no reconhecimento
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